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A HETERONORMATIVIDADE NO AMBIENTE ESCOLAR

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Academic year: 2021

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A HETERONORMATIVIDADE NO AMBIENTE ESCOLAR

Isabella Tymburibá Elian1

Resumo: A possibilidade de padronizar e conservar as características ditas normais da sociedade

faz com que as diversidades sejam suprimidas ou invisibilizadas. As instituições sociais, incluindo a escola, são usadas na estratégia de manter essa relação de poder. A heteronormatividade é encontrada dentro da escola e pode ser percebida no currículo de maneira sutil, em normas institucionais, na arquitetura, nas músicas e nas histórias. Além disso, é usada para pautar suas condutas tanto com alunos quanto com o corpo docente. Os alunos que possuem comportamentos que não se encaixam no padrão heteronormativo, como os homossexuais, são regulados por estratégias e táticas usadas pelos professores e pela direção para repreendê-los ou mesmo invisibilizá-los. Essas atitudes contribuem para o bullying homofóbico, em que os sujeitos da sexualidade normativa aproveitam-se dos oprimidos como objetos de diversão e de prazer, por meio de “brincadeiras” com o intuito de atormentar e intimidar. Articulando o modelo heteronormativo no ambiente escolar com a homofobia, o artigo aborda de maneira teórica as relações de poder que envolvem estes aspectos, bem como as conquistas e as perspectivas para uma educação não-heteronormativa e menos homofóbica.

Palavras-chave: Heteronormatividade. Homofobia. Educação. Introdução

A possibilidade de padronizar e manter as “boas” características da sociedade faz com que as diversidades – culturais, sexuais e étnicas – sejam suprimidas, subestimadas ou invisibilizadas. Uma grande estratégia de padronização é a ditada pelas instituições, incluindo a escola. Segundo Foucault (19822, 20013, apud PORTOCARRERO, 2004) o poder em nossa sociedade é exercido a fim de normalizar a subservir a população.

Munido da máxima “saber é poder”, Foucault diz que até o saber pedagógico padronizado é usado como arma no processo de transformação dos indivíduos em sujeitos normais, ou seja, moldados para aceitar as relações de dominação já impostas. O corpo compreendido como máquina a ser domesticada facilita com que estes processos ocorram. Sendo assim, a escola fomenta essa chamada normalização produzindo sujeitos dóceis e adestrados.

Segundo Louro (2000, p. 21) há uma intenção social em predeterminar identidades. Os sujeitos do gênero masculino acabam sendo mais cobrados por essa padronização, isso porque em nossa sociedade os homens são sempre mais pressionados a serem viris, “machos”, e sua sexualidade heterossexual é colocada como troféu. Os meninos quando demonstram afeto pelos

1 Mestranda em Educação pela Universidade do Estado de Minas Gerais, Belo Horizonte, Brasil.

2 FOUCAULT, Michel. A governamentalidade. In: ______. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1982, p. 277-293.

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amigos logo são repreendidos, enquanto as meninas têm seu comportamento socialmente aceito quando mantêm um contato mais pessoal e físico com as amigas.

Historicamente estabeleceu-se uma norma para controlar as condutas ditas normais, baseada em relações de poder, em que a referência está pautada no homem heterossexual, branco, cristão, urbano e de classe média. Todos aqueles que não se encaixam neste padrão são denominados “outros” e que serão definidos em contraponto ao modelo. A heteronormatividade que se define por uma norma compulsória à heterossexualidade, está apoiada na ligação entre sexo, gênero e expressão da sexualidade (LOURO, 2009. p. 90).

O padrão heteronormativo na escola

O modelo heteronormativo é encontrado dentro da escola e serve para pautar muitas de suas condutas tanto com alunos quanto com o corpo docente. Fazer com que alunos sigam padrões sociais é um dos papéis que se instalam no ambiente escolar. A imposição heteronormativa normalmente não é percebida, já que ela foi se naturalizando na sociedade pela repetição ao longo dos séculos (MISKOLCI, 2011, p. 55).

A possibilidade de normalização dentro do ambiente escolar e, consequentemente a docilização dos alunos, está presente no currículo. Carvalhar (2009, p. 17), em seu estudo sobre a produção de identidades de gênero no currículo da educação infantil, acrescenta:

os currículos investigados investem repetidamente sobre as identidades infantis por meio da apresentação dos modelos padrão de feminilidades e masculinidades, reiterando marcas amplamente divulgadas e aceitas em nossa sociedade, dentro dos processos de normalização de condutas (CARVALHAR, 2009, p. 17).

Com o auxílio de um currículo heteronormativo, o espaço escolar reforça diferenças e desigualdades. A partir de escolhas sobre a presença ou ausência de conteúdos e práticas há um estabelecimento do que é aceitável ou não (CARVALHAR, 2009, p. 16). A escola ensina desde as séries iniciais que o papai sai para trabalhar, a mamãe é quem cozinha e cuida dos filhos, as meninas brincam de bonecas e os meninos de carrinho, assim são estabelecidos, aos poucos, lugares e categorias para todos estejam inclusos socialmente entre colegas e familiares.

Foucault (2006, p. 13) coloca que no mundo ocidental a sexualidade é uma preocupação generalizada na sociedade, o que não seria diferente no ambiente escolar. Nas aulas de português os livros e textos usados que tratam da questão afetiva e emocional usam personagens heterossexuais como casais. Não se usa literatura que aborde casais homossexuais. Nas aulas de sexualidade, presente na matéria de ciências ou biologia, até hoje, não é raro que a homossexualidade apareça ao

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se discutir doenças sexualmente transmissíveis, como a AIDS. Durante a disciplina de Educação Física muitas práticas separam meninos e meninas. Este sexismo deixa implícito papéis e características exclusivamente masculinas ou femininas, sendo que os alunos que não se encaixam nessa segregação, logo são repreendidos ou rotulados de maneira pejorativa dentro da escola.

Segundo Carvalhar (2009, p. 43), a sexualidade está presente no currículo de maneira delicada, percebida em normas, na arquitetura, nas músicas e nas histórias. Os alunos que possuem comportamentos que não se encaixam no padrão heteronormativo são regulados por estratégias e táticas usadas pelos professores e pela direção, como a repreensão verbal, a separação entre colegas, a exposição destes alunos dentro da escola, ou mesmo o silêncio.

Podemos perceber esse controle também sobre o corpo docente. A maioria dos estudos em relação à heteronormatividade, à coerção e às sexualidades desviantes no ambiente escolar está ligada aos discentes. Inseridos neste contexto não podemos negligenciar o aquele que está no lado oposto, ou seja, os professores que são homossexuais e que também sofrem esta imposição do modelo heteronormativo.

De acordo com Louro (2003, p. 92) a ideia do mestre na modernidade traz consigo uma imagem a ser seguida, responsável pela conduta de seus alunos. Desta maneira a linguagem, os gestos e as atitudes do/a professor/a devem ser tão disciplinados quanto as dos alunos que este/a deve formar. Assim há uma manutenção do padrão e uma reiteração do que os alunos precisam seguir.

Na pesquisa de Silva (2007, p. 6) há um relato de uma professora, que exprime de forma clara como a heteronormatividade incide no docente homossexual. Pela mítica obrigatoriedade do exemplo a ser dado pelo professor em sala de aula, mesmo que este não seja heterossexual, ele não deve expor sua orientação sexual. Caso contrário será considerado estranho, podendo sofrer preconceito por parte dos colegas, além de lidar com possíveis sanções tomadas pela direção ou mesmo pelos pais dos alunos. Com medo de colocar seu emprego e sua carreira em risco, a grande maioria se esconde na heterossexualidade forjada.

A UNESCO realizou um estudo em 2004 sobre o “Perfil dos Professores Brasileiros”, em que, num total de 5mil professores entrevistados – parcela muito pequena visto a quantidade que se tem no país – aproximadamente 60% deles acredita ser inadmissível que uma pessoa tenha relações homossexuais. Deste modo, quantos professores homofóbicos existem no Brasil? Professores que não admitem que outros tenham relações sexuais com pessoas do mesmo sexo podem ensinar de maneira a combater a heteronormatividade? Estes conseguem educar seus alunos levando em conta

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o respeito e a cidadania pela diversidade sexual? Estes são os desafios da educação para o campo da formação de professores nas próximas décadas, uma vez que nos próprios cursos de licenciatura a temática da diversidade sexual seja negligenciada.

O bullying homofóbico e a escola

Para que a heterossexualidade seja reafirmada como conduta a ser seguida, outra categoria deve existir contrapondo-a. A homossexualidade ou a bissexualidade são utilizadas para garantir a categoria de normalidade hetero. Para tanto utiliza-se as relações de poder encontradas em diversas instâncias, garantindo sua hegemonia social (LOURO, 2009, p. 90).

A homofobia ocorre fora e dentro da escola. O padrão heterossexual no ambiente escolar e a coerção de comportamentos desviantes da norma são algumas das causas do chamado bullying homofóbico.

Segundo Fante (2005, p. 29) o bullying pode ser definido como um comportamento atroz, que permeia as relações interpessoais em que os mais fortes – ou no caso do bullying homofóbico, os sujeitos da sexualidade normativa – utilizam dos mais frágeis, para obterem objetos de diversão e de prazer, através de “brincadeiras” com o intuito de atormentar e intimidar. Além disso, essas atitudes são caracterizadas como forma de violência, pois a vítima tem dificuldades ou não pode se defender.

Este preconceito dentro do ambiente escolar em grande parte das ocasiões tem o consentimento da direção e do corpo docente, que não tomam atitudes contra os agressores, além de não auxiliar a vítima. Louro (2000, p. 22), diz que a homofobia é aceita e ensinada dentro da escola, sendo que o isolamento, o desprezo e a “imposição do ridículo” são algumas de suas formas de expressão.

Como já foi dito anteriormente, o menino dentro da escola sofre mais com a imposição heteronormativa, e consequentemente, aquele que assume uma postura desviante é prontamente denominado com adjetivos pejorativos: “bichinha”, “viadinho”, mesmo que este seja apenas tímido e não tenha o comportamento dos outros colegas. Já a menina, por mais que sofra uma pressão menor, também não escapa da homofobia.

Alternativas ao padrão heteronormativo

Mesmo com todos os esforços de padronização, formas de resistência são sempre observadas. Os que fogem ao modelo não ficam calados diante à opressão e objetam a chamada

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normalidade, com sua hegemonia e identidade, como relata Silva (19984, apud LOURO, 2000, p. 13). Dessa maneira, atribuem significados e representações às suas práticas ou experiências.

Como alternativa ao preconceito homofóbico, em 2004, o governo, liderado na época pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, deu início ao programa “Brasil sem Homofobia”. De acordo com Junqueira (2009, p. 167), este em conjunto com a sociedade civil, procurou inicialmente implementar políticas que possibilitassem o combate à violência aos homossexuais. Esta foi mais uma conquista resultante de lutas dos movimentos LGBT. O programa pretendia garantir o direito e a cidadania de todos e todas, e tirar o tema da diversidade sexual da indiferença governamental.

Além deste programa inúmeras ações voltadas para a educação contribuem para a desconstrução da heteronormatividade. Projetos como o “Educação Sem Homofobia”, “Escola Sem Homofobia” e “Gênero e Diversidade na Escola” oriundos de parcerias entre o poder público, a academia e organizações não governamentais são focados na formação continuada de professores da educação básica. Os cursos ministrados por eles conferem aos docentes uma visão amplificada das noções de sexualidade e gênero na escola, como forma de diminuição do preconceito (ELIAN; BARBOSA, 2013).

Considerações finais

Ainda que a hegemonia heteronormativa esteja colocada na sociedade e no ambiente escolar, a visibilidade LGBT está aumentando. Com isso a possibilidade de novas construções relacionais está surgindo na sociedade.

O espaço escolar aos poucos é confrontado com a exposição da temática da diversidade sexual em várias direções. Os alunos, independente da orientação sexual, trazem demandas a partir de conversas sobre preconceito, personagens gays em novelas ou mesmo com discursos políticos e religiosos, fazendo com que o assunto seja mantido dentro da escola.

Há muito a ser realizado para que a heterossexualidade deixe de ser encarada como modelo de conduta, algumas escolas já estão se adaptando alternativamente ao padrão estabelecido, permitindo diálogos sobre as sexualidades e suas possibilidades. A educação é um importante caminho de construção e desconstrução e a sua utilização a favor de uma sociedade que agregue as diferenças é positivo para que novas percepções de normalidade sejam entendidas.

4 SILVA, Tomaz Tadeu. "A poética e a política do currículo como representação." Trabalho apresentado no GT Currículo na 21ª ReuniãoAnual da ANPED, 1998.

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Referências

CARVALHAR, Danielle Lameirinhas. Relações de gênero no currículo da educação infantil: a produção das identidades de princesas, heróis e sapos. 2009.170 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2009.

ELIAN, Isabella Tymburibá; BARBOSA, Niúra Ferreira e. Movimento LGBTT, contribuições e perspectivas para a educação. III Enlaçando Sexualidades. Universidade do Estado da Bahia. 9 p. 2013. Trabalho não publicado.

FANTE, C. Fenômeno bullying: como prevenir a violência nas escolas e educar para a paz. Campinas: Verus, 2005.

FOUCAULT, Michel. História da sexualidade I: a vontade de saber. 17. ed. Rio de Janeiro: Graal, 2006.

JUNQUEIRA, Rogério Diniz. Homofobia nas escolas: um problema de todos. In: JUNQUEIRA, R. D. (Org.). Diversidade sexual na educação: problematizações sobre homofobia nas escolas. Brasília: Ministério da Educação/UNESCO, 2009. v. 32. cap. , p. 13-52.

LOURO, Guacira Lopes. O corpo educado: pedagogias da sexualidade. 3. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2000.

LOURO, Guacira Lopes. Gênero da docência. In: LOURO, G. L. Gênero,sexualidade e educação: uma perspectiva pós-estruturalista. 6. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2003. p. 88-109.

LOURO, Guacira Lopes. Heteronormatividade e homofobia. In: JUNQUEIRA, R. D. (Org.).

Diversidade sexual na educação: problematizações sobre homofobia nas escolas. Brasília:

Ministério da Educação/UNESCO, 2009. v. 32. p. 85-93.

MISKOLCI, Richard. Não ao sexo rei: da estética da existência foucaultiana à política queer. In: SOUZA, L. A. F. de; SABATINE, T. T.; MAGALHÃES, B. R. de (Org.). Michel Foucault: sexualidade, corpo e direito. Marília: Oficina Universitária; São Paulo: Cultura Acadêmica, 2011. p. 47-68.

PORTOCARRERO, Vera . Instituição escolar e normalização em Foucault e Canguilhem.

Educação e Realidade, Rio Grande do Sul, v. 29, n.1, 2004. Disponível em:

<http://seer.ufrgs.br/educacaoerealidade/article/view/25424/14750>. Acesso em: 3 mar. 2013. SILVA, Mirian Pacheco. Quando o estranho é o professor: narrativas sobre sexualidade e o currículo de formação de professores. In: REUNIÃO ANUAL DA ANPEd, 30., 2007, Caxambu.

Anais... Caxambu: ANPEd, 2007. p. 1-16. Disponível em:

<http://www.anped.org.br/reunioes/30ra/trabalhos/gt23-3718--int.pdf>. Acesso em: 1 mar. 2013. UNESCO. O perfil dos professores brasileiros: o que fazem, o que pensam, o que almejam...Pesquisa nacional UNESCO. São Paulo: Moderna, 2004.

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The Heteronormativity at school environment

Abstract: The ability to standardize and preserve the characteristics of the called normal society

makes the differences are suppressed or invisible. Social institutions, including schools, are used in the strategy of maintaining this power relationship. The heteronormativity is found within the school and the curriculum can be seen subtly in institutional rules, the architecture, the music and the stories. Furthermore, it is used to steer their behavior both with students and with the teaching staff. Students who have behaviors that do not fit the heteronormative standard, such as homosexuals, are governed by strategies and tactics used by teachers and direction to scold them or even become them invisible. These attitudes contribute to homophobic bullying, in which the subjects of normative sexuality take advantage of the oppressed as objects of fun and pleasure through "play" with the intent to harass and intimidate. Articulating the heteronormative model in the school environment with homophobia, the article discusses the theoretical way power relations involving these aspects as well as the achievements and prospects for an education non-heteronormative and less homophobic.

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