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Ela está no meio de nós: a Santa Sé e sua tentativa de recuperação de autoridade no Brasil Imperial. Ítalo Domingos Santirocchi

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Academic year: 2021

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Ela está no meio de nós:

a Santa Sé e sua tentativa de recuperação de autoridade no Brasil Imperial.

Ítalo Domingos Santirocchi∗

Resumo:Nesta comunicação se analisa a ação da Santa Sé para tentar recuperar a sua

autoridade sobre a Igreja Católica no Brasil imperial, após uma implementação efetiva de representação pontifícia por meio de uma Internunciatura no Rio de Janeiro e pelo incentivo ao movimento ultramontano. Não se tem a pretensão de apresentar uma profunda análise dos objetivos buscados pela S. Sé, mas somente demonstrar como se podem identificar as estratégias vaticanas e a possibilidade de se conhecer a atuação efetiva da S. Sé na igreja brasileira por meio dos documentos depositados nos fundos: Negócios Eclesiásticos Extraordinários (Affari Ecclesiastici Straordinari) e Nunciatura Apostólica-Brasil (Nunziatura Apostolica-Brasile), que se encontram no Arquivo Secreto Vaticano.

Palavras-chave: Império, Igreja, Santa Sé

Abstract:

This communication analyses the action of the Apostolic See to try to recover it’s autority over the Catholical Church in Imperial Brazil after the efective implementation of the pontifical representation through a Internunciature at Rio de Janeiro and from the encouraging ultramontane movement. This paper does not have the intention to present a deep analyses of the goals sought by the Apostolic See, but only demonstrate how it is possible to identify the vatican strategies and the possibility to recognize the efective action of the Apostolic See in the brazilian church through out documents deposited in the funds: Extraordinary eclesiestic business (Affari Ecclesiastici Straordinari) and Nunciature Apostolic-Brazil (Nunziatura Apostolica-Brasile), both in the Vatican Secret Archive.

Key-words: Empire, Church, Apostolic See.

A relação entre a Igreja e o Estado no Brasil Império foi regida pelo padroado e pelo regalismo. Eles foram instituídos civilmente após a independência com a

Bolsista do Programa Nacional de Pós Doutorado – PNPD – CAPES. Inserido no projeto de pesquisa: Testamentos e hierarquias em sociedades escravistas ibero-americanas (Séculos XVI-XVIII), na UFRRJ.

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Constituição outorgada em 1824 e outras leis posteriores. Mesmo se inspirando na tradição lusitana, esta legislação trouxe consideráveis inovações ao se apoiar em pressupostos do liberalismo do século XIX. Apesar de não ter sido explicitado nas leis e nem nos discursos parlamentares, é possível perceber no Período Imperial uma espécie de quinto poder: o Espiritual/Eclesiástico, que se soma ao Moderador, ao Executivo, ao Legislativo e ao Judiciário. Este quinto poder vem sendo praticamente desconsiderado pelas pesquisas históricas sobre este período, desprezando uma das potências político-sociais do século XIX brasileiro: a Igreja Católica.

A Igreja continha no seu interior uma divisão de poder própria, no entanto, na sua relação com os poderes civis, os limites eram provisórios e tênues, pois à medida que o Estado se organizava o regalismo imperial se intensificava e passava a interferir de forma cada vez mais acentuada e prepotente no que antes era considerado competência do poder espiritual ou, pelo menos, de competência mista (civil-eclesiástico).

Serão analisadas aqui algumas das ações da Santa Sé para tentar recuperar a sua autoridade sobre a Igreja no Brasil após a implementação efetiva da representação pontifícia, por meio de uma Internunciatura no Rio de Janeiro, e pelo incentivo ao movimento ultramontano, que já vinha ganhando força no Império. Tal processo preparou o terreno para um conflito entre poderes instituídos que desembocou em um conflito entre a Igreja e o Estado. O resultado foi a Questão Religiosa da década de 1870 e suas relações com o fim da monarquia.

Buscar-se-á nestas páginas identificar quais as linhas estratégicas traçadas pela S. Sé para resgatar sua autoridade. Não se tem a pretensão de apresentar uma profunda análise de tais estratégias e suas tentativas de execução, devido à própria natureza deste tipo de texto, mas somente demonstrar como se podem identificar as estratégias vaticanas e a possibilidade de se conhecer a atuação efetiva da S. Sé na igreja brasileira por meio dos documentos depositados nos fundos: Negócios Eclesiásticos Extraordinários (Affari Ecclesiastici Straordinari) e Nunciatura Apostólica-Brasil (Nunziatura Apostolica-Brasile), que se encontram no Arquivo Secreto Vaticano.

Entre as várias questões que envolveram os negócios eclesiásticos no Brasil, alguns se destacaram e foram objetos de maior interesse e atenção por parte da S. Sé. Eles podem ser reunidos em três grupos: Padroado, Reforma do Clero e do Povo, e a Questão Matrimonial. Devido ao pouco espaço disponível para este artigo, trataremos somente os dois primeiros pontos, já que seria necessária uma longa digressão para

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O padroado se tornou o maior empecilho ao desenvolvimento da Igreja no Brasil e origem de todos os conflitos entre os poderes seculares e espirituais durante o século XIX. Ele foi instituído civilmente na Constituição de 1824, principalmente através dos seus art. 5º e 102º nos §§ 2º e 14º. A concessão pela S. Sé veio depois das negociações feitas pelo enviado imperial Mons. Francisco Correia Vidigal e resultou na bula de Leão

XII de 15/05/1827, Praeclara Portugalliae. No entanto, esta bula não recebeu o

Beneplácito Imperial, pois a Câmara dos Deputados deu um parecer declarando que o documento pontifício era anticonstitucional e que o padroado era inerente a soberania nacional. A S. Sé não foi informada de tal decisão, pois ainda não possuía um representante no Brasil. Este foi enviado somente em 1830, na pessoa do Núncio Mons. Ostini (ACCIOLY, 1949: 213-312).

A Cúria romana só foi informada de tal fato em 1855, pelo Encarregado de Negócios, Mons. Marino Marini. Ao ser enviado ao Brasil ele recebeu instruções que faziam explícita menção à bula Praeclara Portugalliae, ao fato que o privilégio de nomear e apresentar bispos e canonicatos era pessoal do Soberano por concessão pontifícia e que ao imperador competia o padroado sobre os benefícios na qualidade de Grão-Mestre da Ordem de Cristo. Ordenava ao Encarregado que fizesse presente ao governo que o padroado não era inerente a Coroa, mas sim, uma concessão da S. Sé (ASV, NEE, Fasc. 166, pos. 89, f. 49v).

Mons. Marini realizou uma escrupulosa pesquisa sobre a condição da Igreja no Império e da concepção que o governo tinha do padroado. Em 13/06/1855, Mons. Marini informou a Secretaria de Estado sobre a posição oficial do governo, tomada na Sessão 126 da Câmara dos deputados do Império do Brasil, em 10/10/1827, quando foi dado o parecer negativo a bula Praeclara Portugalliae, negando-lhe o Beneplácito Imperial (ASV, NEE, Fasc. 171, pos. 108, f. 12r-13r; Fasc. 171, pos. 108, f. 18v-19r).

Mons. Marini exprimiu, então, a seguinte dúvida: já que essa bula foi desaprovada e rejeitada pelo governo, como deveria proceder na redação dos processos canônicos dos vescovandis? Refletiu ainda que, considerando a rejeição da bula, o Imperador D. Pedro II não teria nenhum direito de apresentar ou nomear para benefícios eclesiásticos. Portanto, segundo o Encarregado, no processo canônico dos candidatos ao episcopado por nenhuma razão se deveria figurar a nomeação imperial, sendo privo o Imperador de tal direito (ASV, NEE, Fasc. 171, pos. 108, f. 12r-13r; Fasc. 171, pos. 108, f. 18v-19r).

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Mons. Marini pediu, então, instruções sobre como proceder. A resposta do Cardeal Antonelli foi enviada aos 06/08/1855. Ele instruía que

na formação dos processos para a provisão das Dioceses, ele deveria agir em total conformidade com a Bula, declarando-a expressamente como fundamento da nomeação do soberano, que se excluísse qualquer pretensão do Governo sobre a independência, que se autoproclamou no exercício do gius patronato, da Concessão Pontifícia (ASV, NEE, Fasc. 171, pos. 108, f.

16f-16v; 26v).

Pelas Instruções dadas posteriormente aos representantes pontifícios se nota que a posição tomada pelo Secretário de Estado foi mantida, ou seja, desconsiderar o parecer da Câmara e continuar se baseando na bula Praeclara Portugallia como fonte do direto de padroado do Imperador, frisando, a cada oportunidade, que tais direitos

eram uma concessão Pontifícia (ASV, NAB, cx. 30, Fasc. 133, f. 9v-10r).

Em relação à reforma do clero e moralização do povo, a primeira medida da S. Sé no Segundo Império foi a tentativa de reunir os bispos em conferência. Esse desejo perdurou por todo o reinado de D. Pedro II sem alcançar sucesso. Vislumbrava-se, por meio de tal iniciativa, a possibilidade de uma ação conjunta dos bispos para implantação de uma reforma na Igreja brasileira. No entanto, a Cúria romana era consciente das dificuldades que encontraria por parte do governo e, por isso, pensou em uma reunião dos prelados em forma de Conferência, conforme o modelo daquela realizada pelo episcopado alemão em Würzburg, em 1849, e não em forma de Sínodo Provincial.

As primeiras Instruções nesse sentido foram redigidas em 20/10/1852 para serem entregues a Mons. Gaetano Bedini, que se queria mandar ao Brasil na função de Núncio Apostólico. Nas Instruções posteriores, dadas aos representantes pontifícios, este tema foi sempre recorrente e as mudanças no seu conteúdo foram mínimas e circunstanciais, pelo menos até 1878, quando elas foram reformuladas em muitos pontos devido à “Questão Religiosa”, cujo ápice foi entre 1873 e 1875. A Conferência teria como objetivo acabar com os gravíssimos abusos e desordens seja do clero como do povo, reavivando a fé e reformando os costumes.

A pouca esperança na realização de um Sínodo propriamente dito nascia da certeza da oposição governamental, devido ao direito que se teria de ditar leis para toda a Província Eclesiástica, segundo o Concílio de Trento. A reunião em conferência, além de ter mais chances de realizar-se, poderia ainda conseguir uma colaboração eficaz do

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governo para resolução daqueles problemas que também dele dependiam (ASV, NEE, Fasc. 166, pos. 89, f. 42r-42v).

Na conferência os bispos deveriam: 1º. Tratar primeiramente dos problemas de sua exclusiva competência e tomar uma decisão uniforme de ação que seria levada a cada diocese; 2º. Escrever uma Memória à Sua Majestade Imperial, assinada por todos eles, pedindo remédio aos males, que dependiam também deste, para terem uma solução; 3º. Redigir duas Cartas Pastorais para exortar o clero e o povo a reformar seus costumes de acordo com Evangelho.

No primeiro ponto, o internúncio deveria garantir que fossem tratadas as seguintes questões: 1º. O concubinato; 2º. A Ignorância do Clero; 3º. A enorme diferença disciplinar nas diversas dioceses; 4º. A ignorância do povo nas coisas da religião católica; e, 5º. A grande facilidade em conseguir dispensas matrimoniais, até mesmo nos graus maiores, devido às faculdades concedidas pela S. Sé. Sobre o concubinato deveria chamar os padres secretamente a obedecer às prescrições do Concilio de Trento e, especialmente, introduzir o louvável costume dos Exercícios Espirituais de Santo Inácio de Loyola.

Em relação à ignorância do clero, se deveria buscar erigir bons seminários, com rigorosos exames para admissão ao sacerdócio, buscando acabar com a falta de uniformidade disciplinar. Somente após serem tomadas tais medidas em relação ao clero se poderia prover eficazmente a instrução religiosa do povo. Sobre os regulares, os bispos deveriam se dirigir a S. Sé requerendo Visitas Apostólicas para reformá-los (ASV, NEE, Fasc. 166, pos. 89, f. 44v – 46r).

Nas Memórias o episcopado deveria exigir a liberdade da Igreja, o livre exercício de seus sacros direitos e requerer a ab-rogação das leis que a isso se opunham. Deveriam expor principalmente: 1º. A necessidade do controle, por parte dos bispos, sobre ensino religioso, a escolha dos livros, a moral e o costume dos professores e alunos; 2º. A necessidade de se aumentar os direitos do foro eclesiástico; 3º. Denunciar o abuso da autoridade civil que erigia, desmembrava e circunscrevia as paróquias, removia, suspendia e demitia os párocos; 4º. Expor a necessidade de aumentar o número de dioceses e dotar devidamente as existentes com Catedrais, Capítulos e Seminários; 5º. Requerer o aumento das côngruas paroquiais; 6°. Evocar todos aqueles pontos relativos ao governo da Igreja nos quais fosse necessária a participação da autoridade civil (ASV, NEE, Fasc. 166, pos. 89, f. 46v – 47r).

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O terceiro ponto eram as Cartas Pastorais ao clero e ao povo. Elas deveriam chamar a atenção sobre três pontos fundamentais: o celibato clerical; a continência do povo, e ainda, à proibição ao católico de participar das sociedades secretas. Esta última preocupação já era um pré-anúncio do conflito que estouraria em 1872. Nas instruções de 1878, após o ápice da Questão Religiosa, este último ponto foi mais desenvolvido, se transformando em um verdadeiro projeto de reforma das Irmandades religiosas, no sentido de afastar delas a influência maçônica.

As instruções da S. Sé aos seus enviados, que passaram pela Nunciatura do Rio a partir de 1878, e aos bispos, foram: 1º. Necessidade de reformar as Confrarias e Ordens Terceiras; 2º. Livrar as irmandades “infectadas” da “peste do maçonismo”, para isso o Papa autorizava os bispos a retirarem delas a instituição canônica e confiá-las a comissários nomeados pelos diocesanos, mas somente depois de procurar prudentemente e pacientemente purgá-las com meios persuasivos; 3º. Os bispos estavam proibidos de aprovar os estatutos de novas irmandades se não fosse inserido um artigo proibindo a participação de excomungados e os afiliados a seitas secretas condenadas pela S. Sé; 4º. Preferir e incentivar associações pias unicamente dependente do Ordinário; 5º. O Santo Padre concedia aos bispos as faculdades necessárias para absorver os maçons que se convertessem; 6º. Exortava os bispos a reunirem-se em Conferência para definir uma linha de ação uniforme, baseando-se nestas instruções.1

Os representantes pontifícios tentaram promover esta conferência de várias maneiras, porém, dois deles tomaram iniciativas mais concretas: o Encarregado de Negócios Mons. Marino Marini na década de 50 e Mons. Luigi Matera na de 70. A oposição governamental à reunião do episcopado brasileiro, aliados a algumas outras dificuldades: as distâncias, o custo da viagem, a necessária permissão do governo para que os prelados se afastassem das suas dioceses e a indisponibilidade de saúde de alguns bispos, impediram a realização de tal intento. A S. Sé não conseguiu promover a Conferência dos Bispos durante o Período Imperial, mas deixou claro aos bispos e aos homens públicos do Império o seu desejo (ASV, NEE, Fasc. 170, pos. 103, f. 52r-57r; ASV, NEE, Fasc. 7 e 8, pos. 189).

Os seminários diocesanos também foram objetos de atenção por parte da S. Sé. Estas instituições eram tão importantes que se chegou a condicionar a execução das

1 Estas instruções foram retiradas dos seguintes documentos do ASV, NEE: Fasc. 2, pos. 172, f. 12v-14v; Fasc. 8, pos. 189, fasc. inserido, p. 3-68; Fasc. 8, pos. 189, f. 33r-38r; Fasc. 8, pos. 189, f. 42v-43v; Fasc.

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bulas que criaram as dioceses de Ceará e de Diamantina a um documento do legislativo ou executivo que garantisse a verba governativa para criação de seminários nos referidos bispados, bem como no do Rio Grade do Sul. Estes centros de formação eram essenciais para o projeto de reforma do clero. Um forte exemplo de seu potencial eram os ótimos resultados que estava tendo o Seminário de Mariana, sob a direção dos Padres das Missões, também conhecidos como lazaristas, e o incipiente Seminário de São Paulo, sob a direção dos capuchinhos franceses.

O governo, preocupado em ampliar o controle sobre a formação do clero, publicou em 22/04/1863 o decreto n. 3.973 uniformizando as cadeiras dos seminários subsidiados pelo Estado, regulando o concurso dos professores e dando o direito ao governo de demitir os docentes por conta própria. Esta medida mudou a situação jurídica destas instituições, antes totalmente sob o controle dos bispos (CLIB, 1863, Tomo XXVI, Parte II, p. 103-106). O Internúncio, o bispo de Mariana D. Antônio Ferreira Viçoso, e os bispos do Pará e do Rio Grande do Sul, D. Antônio de Macedo Costa e D. Sebastião Dias Laranjeiras, expressaram a sua oposição em documentos entregues ao governo. O resultado foi que o decreto 3.973 ficou sem execução até 23/11/1877, quando o governo, ainda ressentido com o episcopado depois da Questão Religiosa, ordenou sua execução, dando o prazo de seis meses para que se abrissem concursos para provir às cátedras subsidiadas pelo Estado. Caso contrário, cessaria o repasse do subsídio (ASV, NEE, Fasc. 182, pos. 143, f. 114r-117v; Fasc. 182, pos. 143, f. 151r-154r; Fasc. 3, pos. 174, f. 12r-12v).

A estratégia adotada pela S. Sé foi o resultado das informações e opiniões do Internúncio Cesare Roncetti e da reunião dos Cardeais da Sagrada Congregação dos Negócios Eclesiásticos, na Sessão n. 451 de 23/05/1878, que instruía que o episcopado fosse compacto em não executar a lei e, se o governo cortasse o subsídio, que os prelados não deveriam fechar os seminários, mas procurassem o socorro dos fiéis para manter funcionando pelo menos as cátedras indispensáveis. Se não fosse possível que todos os seminários continuassem abertos, “que se salve quantos forem possível de serem salvos – melhor será ter menos, mas livres da escravidão a qual querem submetê-los”. Os bispos resistiram, mesmo sendo cortado o pagamento dos subsídios dos seminários do Pará e do Ceara. O resultado foi que o governo cedeu e tudo voltou ao normal, ficando os diocesanos livres na administração e escolha dos professores (ASV, NEE, Fasc. 3, pos. 174, f. 27r-33v).

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Celebrar uma concordata com o Império do Brasil também fazia parte dos planos da S. Sé. Na década de 1850 houve importantes Concordatas com as quais a Cúria romana procurou lutar contra a laicização da sociedade do século XIX, conseguindo chegar a uma conclusão positiva com a maioria dos países, tanto da Europa como da América Latina. No caso brasileiro, porém, tal tentativa foi infeliz, encontrando grandes diferenças entre os princípios defendidos pela Igreja e as leis do Império, com sua rígida posição regalista e seu liberalismo nas questões religiosas.

Em 1858, o Comendador Carvalho Moreira, Enviado Extraordinário e Ministro Plenipotenciário do Brasil na Corte Britânica, chegou a Roma para iniciar as negociações de uma concordata. Ele apresentou primeiramente um Memorandum e depois um suplemento ao Memorandum. Tais documentos se referiam a vários temas de interesse do governo, tais como: confirmação dos privilégios de padroado ao Imperador do Brasil e seus descendentes; reforma e supressão das ordens regulares e a conversão dos seus bens em beneficio dos seminários e em apólices do tesouro público; instituição de duas Faculdades de Teologia; e faculdades mais amplas aos bispos brasileiros nas dispensas matrimoniais de mista religião (ASV, NEE, Fasc. 179, pos. 133, f. 103r-107r; f. 109r-120r; 122r-122v; Fasc. 180, pos. 133, f. 40r).

Em 13/03/1858 iniciaram-se as negociações entre o enviado brasileiro e representante pontifício Mons. Ferrari, Sub-Secretário da Sagrada Congregação dos Negócios Eclesiásticos Extraordinários. As negociações prolongaram-se por um mês (ASV, NEE, Fasc. 179, pos. 133, f. 5r-20r). Após a analise dos projetos elaborados durante as negociações, a Congregação dos Negócios Eclesiásticos Extraordinários decretaram impossibilidade de se celebrar uma concordata com Império do Brasil. Os pontos que impossibilitariam o acordo foram: 1°. A livre e mútua comunicação dos bispos, clero e povo com a S. Sé; 2°. A independência dos seminários diocesanos e sua livre administração de acordo com o Concílio de Trento, principalmente no que diz respeito à escolha dos livros, a escolha dos mestres e professores; 3°. O direito da Igreja de ser livre para adquirir, possuir e administrar seus bens; 4º. A imunidade pessoal dos bispos os quais, nas causas maiores, só poderiam ser julgados pelo Papa ou pelos juízes por ele delegado; 5º. O direito dos bispos de tomarem conhecimento dos processos criminais, para que caso estivessem de acordo com os Sagrados Cânones pudessem aplicar a pena de degradação; 6º. A liberdade para que as ordens religiosas recebessem noviços (ASV, NEE, Fasc. 179, pos. 133, f. 81r-85v).

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As estratégias adotadas pela S. Sé, as ações por ela instruída e os temas que envolviam, demonstram um grande conhecimento da sociedade brasileira e da situação da Igreja no Brasil, além de um eficiente sistema de informação. Enquanto nos primeiros anos a S. Sé buscou soluções harmônicas entre os dois poderes para a reforma da Igreja no Brasil, insistindo na colaboração do Estado, nos últimos anos, mesmo não deixando de buscar tal colaboração, passou a se apoiar mais nos seus representantes, nos bispos brasileiros, nas ordens reformadas ou recentemente vindas da Europa. As diferenças de posições entre o Estado e a Igreja ficaram claras na tentativa de se celebrar uma Concordata em 1858 e se degenerou com a “Questão Religiosa”.

A S. Sé buscou, a partir dos anos quarenta, resgatar sua autoridade perante o governo e a hierarquia eclesiástica, tentando reelaborar os acordos que regiam o direito do padroado, modificar a legislação brasileira que prejudicava sua autonomia e autoridade, restabelecer seus privilégios judiciários e incentivar uma reforma dos costumes e institucional da Igreja no Brasil. Enquanto em relação ao governo ela não obteve sucesso, em contrapartida, aliando-se ao movimento reformador iniciado pelos bispos brasileiros, conseguiu restabelecer sua autoridade sobre a hierarquia e os fiéis, fato ainda mais favorecido após o fim do padroado com a Proclamação da República.

Bibliografia: 1) Documentos:

a) Arquivo Secreto Vaticano (ASV) fundo Negócio Eclesiásticos Extraordinárias (NEE): 1º. Período: Fasc. 166, pos. 89. Fasc. 170, pos. 103. Fasc. 171, pos. 108. Fasc. 179, pos. 133. Fasc. 180, pos. 133. Fasc. 182, pos. 143. 2º. Período: Fasc. 2, pos. 172. Fasc. 3, pos. 174. Fasc. 7, pos. 189. Fasc. 8, pos. 189.

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Fasc. 8, pos. 189. Fasc. 11, pos. 209. Fasc. 11, pos. 210.

b) Arquivo Secreto Vaticano (ASV) fundo Nunciatura Apostólica – Brasil (NAB):

Cx. 30, Fasc. 133, f. 9v-10r

2) Livros e Teses:

ACCIOLY, Hildebrando Pompeo Pinto. Os primeiros núncios no Brasil. São Paulo: Instituto Progresso Editorial, 1949.

ALMEIDA, Cândido Mendes de, Direito Civil Eclesiástico Brasileiro Antigo e Moderno em suas relações com o Direito Canônico. Rio de Janeiro: Garnier, 1866-1873.

CALAZANS, Mylene Mitaini. A missão de monsenhor Francesco Spolverini na internunciatura do Brasil. Roma: Tese, Pontificium Athenaeum Sanctae Crucis, Facultas Theologicae, 1997.

Collecção das Leis do Império do Brasil. 1863, Tomo XXVI, Parte II.

DORNAS FILHO, João. O Padroado e a Igreja brasileira. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1938.

ISTVÁN, Eördögh. A crise religiosa no Brasil no período 1852-1861 e as tendências de reforma de Dom Antônio de Mello, bispo de São Paulo. Roma: Tese, UNIGRE, 1993. SANTIROCCHI, Ítalo Domingos. Os ultramontanos no Brasil e o regalismo do Segundo Império (1840-1889). Roma: Tese, UNIGRE, 2010.

SANTOS, José Augusto dos. Liberalismo eclesiástico e regalista no Brasil sob o pontificado de Gregório XVI. Roma: Tese, UNIGRE, 1971.

VIEIRA, Dilermando Ramos. O processo de Reforma e reorganização da Igreja no Brasil (1844-1926). Aparecida: Editora Santuário, 2007.

Referências

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