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Comitê de Pesquisa 08 - Movimentos Sociais

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Academic year: 2021

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Comitê de Pesquisa 08 - Movimentos Sociais

Coletivos: novas formas de expressão das ações coletivas,

reconfiguração do ativismo urbano ou nova geração de

movimentos sociais?

Maria da Glória Gohn

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Coletivos: novas formas de expressão das ações coletivas, reconfiguração do ativismo urbano ou nova geração de movimentos sociais?

Resumo

O paper é parte de pesquisa sobre os jovens e a política no Brasil e tem o seguinte suposto: termos de ampliar o escopo analítico para entendermos ações coletivas a partir da década de 2010. O leque de formas associativas civis, tanto no campo progressista como no conservador ampliou -se com a proliferação de coletivos. Temos como hipótese que eles representam uma reconfiguração do ativismo urbano no cenário do associativismo civil brasileiro, com formas novas de engajamento nas ações coletivas; expressam um novo ciclo geracional de protestos e uma nova cultura política no campo da participação social. Eles são distintos dos novos movimentos sociais culturais, identitários, assim como dos movimentos clássicos de luta por trabalho, moradia, terra e equipamentos públicos. A pesquisa registra coletivos criados no Brasil, de 2010 a 2020, originários: das manifestações de 2013; nos protestos entre 2015-2016, época do impeachment; e movimento das ocupações de escolas públicas, entre 2015-2016. São apresentados também coletivos criados ao redor de questões identitárias que lançaram e elegeram candidatos a cargos públicos, em “mandatos coletivos” em diferentes esferas do poder legislativo, em 2016-2018 e 2020. Registra-se ainda coletivos com intensa participação de estudantes em projetos de extensão ou de cursos regulares nas universidades.

Palavras Chaves: Movimentos Sociais, Coletivos, Ativismo Urbano, Ações Coletivas, Associativismo Civil,

Apresentação

Este paper é fruto de pesquisa em andamento, sobre os jovens e a política no Brasil, com o apoio do CNPq-Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, sobre as formas de associativismo civil na sociedade brasileira, advindas de organizações civis, coletivos e movimentos sociais e a ação de grupos de jovens dentro destes espaços. A pesquisa tem o seguinte suposto: termos de ampliar o escopo analítico para entendermos ações coletivas a partir da década de 2010. O leque de formas associativas civis, tanto no campo progressista como no conservador ampliou -se com a proliferação de ‘coletivos’.

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Temos como hipótese que os coletivos representam uma reconfiguração do ativismo urbano no cenário do associativismo civil brasileiro, com formas novas de engajamento nas ações coletivas; expressam um novo ciclo geracional de protestos e uma nova cultura política no campo da participação social. Na maior parte dos casos, eles são distintos dos novos movimentos sociais culturais, identitários, assim como dos movimentos clássicos de luta por trabalho, moradia, terra e equipamentos públicos. A pesquisa tem origem em projeto elaborado, proposto e aprovado, em 2019, quando ainda não tínhamos o Covid 19 em pauta. Este fato maior sobrepôs-se aos objetivos iniciais previstos na pesquisa, deslocando nossa atenção também para o cenário de 2020-2021. Portanto, com o COVID 19, as perguntas tiveram de ser ampliadas incluindo questões como: quais os efeitos da pandemia da COVID 19 sobre o associativismo civil, quem são os jovens que promoveram contramovimentos com atos antidemocráticos e saíram às ruas desafiando as regras e normas de distanciamento social? Como reagiram os movimentos clássicos de luta pela terra, emprego e moradia, na nova conjuntura? Quais foram os novos grupos que surgiram na cena pública na luta por direitos e defesa da democracia? Estas questões ampliaram significativamente a pesquisa pois demarcam novos campos do conflito assim como novas formas de associativismo comunitário local foram criadas ou reativadas e não será possível tratar todas estas ações coletivas neste momento. É importante fazer este registro para que se entenda que a maioria das ações e fatos que estamos apresentando neste paper ocorreu na fase pré-pandemia. Alguns movimentos sociais citados, da fase da pandemia, são mencionados, mas terá a análise aprofundada em outro paper.

O projeto atenta também para as diferenças na construção dos quadros de referência teórica que explicam, a partir das manifestações de 2013, as mudanças de comportamento nos grupos, especialmente o de jovens, e seus reflexos e impactos. Busca-se investigar a partir de quando os jovens optam pela participação em coletivos civis, ou pela participação institucionalizada pública parlamentar (em mandatos coletivos, por exemplo), considerando que no ciclo participativo de junho de 2013, a participação institucional era negada/criticada. Estas diferenças serão investigadas tanto do ponto de vista de referenciais explícitos, nominado por manifestantes, os quais orientam a sua visão de mundo

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(a exemplo dos autonomistas), como pela falta ou ausência de referenciais, em jovens sem experiência anterior de militância, os quais vivem a participação nos protestos como ativistas em atos de ‘experimentação’; assim como nos jovens adeptos de um liberalismo moderno, que se posicionam no centro do espectro político ideológico, e que querem uma renovação na política, negam a ‘velha política’ e advogam uma ‘nova política’.

Em síntese, este paper faz um recorte no universo de uma pesquisa mais ampla e focaliza mais os coletivos. Apresenta-se, em primeiro lugar, os pressupostos teóricos que fundamentam a categoria ‘coletivos’ e, em segundo, destaca formas de coletivos, via alguns exemplos entre 2016-2020. Inicia-se por aqueles que elaboram cartografias do território urbano e apoiam ações coletivas populares de defesa de alguns desses territórios, especialmente quanto ao uso ou destinação de espaços públicos, ou preservação da memória de lugares simbólicos. O paper finaliza com exemplos de coletivos identitários e outros que apoiaram jovens a adentrarem ao mundo da política institucional, concorrendo a cargos públicos em eleições na cidade de São Paulo, atuando tanto no plano municipal, no estadual como no federal. Faz-se um recorte temporal a partir das eleições para cargos no legislativo – eleições para Câmara Municipal em 2016 e 2020; e em 2018 para Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo e para a Câmara Federal (também representando o Estado de São Paulo). A chave principal para a investigação neste item é indagar a natureza e o objetivos das formas de associativismo civil, que apoiaram os candidatos, como se deu o engajamento dos jovens nas entidades (movimentos, coletivos ou organizações civis) e o papel que elas representaram na trajetória de vida deles, até entrarem para a vida pública parlamentar como candidatos.

Resultados preliminares são apresentados e eles são indicativos de mudanças nos tipos do associativismo civil e suas formas de ativismo, eles revelam mudanças e reconfigurações do cenário e da conjuntura sociopolítica brasileira nas décadas de 2010 e início de 2020. Com isso tenciona-se traçar um cenário das novidades predominantes nas formas de associativismo civil que serviu de base para a formação e a entrada de lideranças populares juvenis nas políticas públicas. Ressaltamos que os jovens ou lideranças eleitas entre 2016 e 2020, representando a cidade ou o estado de São Paulo, no poder legislativo,

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municipal, estadual e no federal, mencionadas neste paper, tem apenas o caráter de exemplificação e não como pesquisa exaustiva ou profunda do perfil ou da história de vida delas. Os dados foram coletados na mídia, escrita, oral e on line, em alguns casos via o próprio site da pessoa citada. Interessa- nos estudar as entidades, organizações, movimentos, coletivos, de apoio aos jovens, e as novidades que estes trazem, quais as estruturas básicas de engajamento e apoio às suas candidaturas e quem estas estruturas representam. Isto porque a meta principal da pesquisa é o estudo do associativismo em ações coletivas advindas de organizações civis, movimentos sociais ou coletivos que deram suporte ou colaboraram para que jovens viessem a participar da política institucional. Estes jovens tiveram alguma forma de relação, engajamento e pertencimento neste universo de associativismo civil. Selecionamos jovens já eleitos ou que se candidataram e tiveram alguma votação. Os tipos de ações coletivas -movimentos, coletivos e organizações sociais- foram selecionadas porque são categorias e marcos referenciais teóricos importantes para o estudo do associativismo, sendo que os três apresentam singularidades e distinções, mas se entrecruzam. A pesquisa se propõe a aprofundar o campo de diferenças e semelhanças entre estas formas/categorias assim como buscar dados empíricos para a construção de referenciais teóricos sobre os ‘coletivos’, no universo das teorias das ações coletivas. Implícito nestas formulações encontra-se a fundamentação que desenvolvemos anteriormente sobre a questão da participação (GOHN, 2019a), tanto na sociedade civil como nas políticas públicas, que registro aqui para fins de clareza, a saber:

“O entendimento dos processos de participação da sociedade civil e sua presença nas políticas públicas nos conduz ao entendimento do processo de democratização da sociedade. O resgate dos processos de participação leva-nos, portanto, às lutas sociais que têm sido travadas pela sociedade para ter acesso aos diretos sociais e à cidadania. Neste sentido, a participação é, também, lutas por melhores condições de vida e aos benefícios da civilização”.

(GOHN, 2019a, p. 66).

Coletivos e Movimentos Sociais

Para nós, coletivo é um agrupamento sociopolítico e cultural articulado por um conjunto de ideias e valores, com identidades fragmentárias, com ou sem

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práticas organizacionais. Eles podem mudar o alvo de suas ações e demandas periodicamente, utilizam intensamente as formas de comunicação e participação social via On Line (vide GOHN, 2019, 2017a). Muitos buscam participar de projetos sociais que envolvem a distribuição de fundos financeiros para a realização de suas ações, a exemplo de vários coletivos na área da cultura. Um Coletivo poderá desenvolver práticas contestatórias ou não, dependendo de seu perfil e das estruturas relacionais existentes entre os jovens. O movimento social é algo mais estruturado, têm opositores, identidades mais coesas, determinados projetos de vida ou de resolução aos problemas sociais que demandam. Um movimento social é fruto de uma construção social e não algo dado a priori, fruto apenas de contradições sociais dadas a priori. (vide CASTELLS,1999; TOURAINE, 1997; MELUCCI, 1996, TARROW, 1994; TILLY e TAROW,2007; SADER,1988; GOHN,2017b). Os participantes de um Coletivo autodenominam-se como ativistas, vivem experiências e experimentações, que podem autodenominam-ser tópicas ou mais permanentes; fragmentas ou mais articuladas. O principal elemento articulador dos membros de um coletivo é uma causa, a defesa de uma causa. Os membros participantes de um movimento social são, usualmente, militantes de uma causa, mas é algo mais que um ativista porque não foi convocado on line, ad hoc. Ele tem laços de pertencimento com um grupo. Portanto ser ativista ou militante são ações com sentidos e históricos estruturantes diferentes. Um coletivo pode se transformar em movimento social, ou autodenominar-se movimento (a exemplo das centenas de coletivos formados por grupos de mulheres, ou coletivos compostos por negros, todos se identificam como parte de movimentos de mulheres ou de movimentos dos negros, ou afrodescendentes, ou ainda, dos pretos, como preferem alguns). Muitos coletivos articulam-se a um conjunto de outros coletivos que configuram um movimento social, bastante usual nas questões de defesa do meio ambiente. Ou ainda temos coletivos que negam a forma movimento social por considerá-la presa aos modelos tradicionais de fazer política. Nestes casos há, visivelmente, um conflito de gerações. Todos têm uma causa para defenderem, mas a forma e as concepções que fundamentam as ações coletivas são diferentes.

Registre-se, desde logo que, o fato de estarmos chamando a atenção para o crescimento de uma pluralidade de coletivos na atualidade, não exclui ou diminui

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a importância dos movimentos sociais, especialmente os movimentos já clássicos de luta pela terra, moradia e trabalho. No Brasil, a partir de 2015, com a crise política gerada pelo impeachment, e o foco da mídia e do poder judiciário no combate a corrupção, vários partidos foram atingidos, especialmente o PT-Partido dos Trabalhadores, que perdeu nas eleições locais importantes como a prefeitura de São Paulo em 2016, etc. A ascensão de grupos de direita ao poder central, com a eleição de Jair Bolsonaro em 2018, levou, num primeiro momento, os movimentos sociais clássicos mais próximos das siglas partidárias da esquerda a perderem espaços e protagonismo mas a nova conjuntura política e econômica, rapidamente reabriu espaço para à luta em defesa de reformas na educação, contra a reforma previdenciária, o movimento criado ao redor do assassinato de Marielle Franco, exigindo esclarecimentos sobre os culpados e clamando pela punição deles. Estas pautas absorveram as energias dos movimentos sociais progressistas, clássicos ou novos/identitários, entre 2018-2019.

Sabe-se que a pandemia em 2020 aprofundou o cenário da desigualdade social no Brasil, ampliou a pauta das reivindicações, especialmente relativas ao sistema sanitário e de saúde; a crise decorrente da necessidade de isolamento, com o trabalho e as escolas em home office, e suas consequências para o sistema escolar, para o trabalho das mulheres, dos trabalhadores (as) essenciais que se ficarem em casa não tem salários (emprego doméstico, por exemplo); o desemprego e a fome; além das denúncias de queimadas na Amazonia, invasão de terras indígenas etc. Tudo isso em um contexto de necessidade de reinvenção das formas de protesto, com manifestos nas mídias e intenso uso das redes sociais, carreatas, panelaços nas janelas etc. porque as ruas tornaram-se fonte de perigo e medo de contágio do vírus. Mas a pandemia colocou nas ruas outros atores políticos, até então não tão visíveis: os antidemocráticos com atos fincados na defesa de pautas negacionistas, contra a ciência, defesa de porte de armas, contra isolamento social, contra investimentos em vacinas, a favor de tratamentos médicos ineficazes contra o vírus como o já famoso caso da cloroquina. O avanço da pandemia em 2021, atingindo a cifra de 500 mil mortes em 19 de junho de 2021, levou a retomada dos movimentos sociais nas ruas (já tinham saído, de forma menos expressiva

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em 29 de maio de 2021). Em junho as manifestações foram convocadas por movimentos sociais clássicos como o MST-Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, MTST-Movimento dos Trabalhadores Sem Teto, CMP-Central dos Movimentos Populares, UNIAFRO, Brasil etc. muitos deles aglutinados na Frente Povo se Medo, Brasil Popular, a Coalização Negra por Direitos etc.; por dez centrais sindicais, partidos políticos de perfil mais a esquerda, entidades estudantis, movimentos dos povos indígenas e ambientalistas, torcidas organizadas de futebol e inúmeros grupos de coletivos envolvidos com causas feministas e antirracistas. Segundo o Fórum dos organizadores dos atos denominado Campanha Nacional Fora Bolsonaro, ocorreram 427 atos em 366 cidades brasileiras, incluindo 27 capitais, assim como em 14 cidades no exterior (Estados Unidos, Portugal, Espanha, Holanda, Áustria etc.). Em São Paulo, a manifestação ocorreu na Av .Paulista ocupando 10 quarteiros, com um público estimado em 80 mil pessoas. Eles saíram às ruas com uma pauta focada na crítica à política do governo federal. O “Fora Bolsonaro” foi o ponto comum, dentre uma pauta de reivindicações que demandava, mais vacina, auxílio emergencial de 600 reais, emprego, pela educação, contra a violência policial, contra o negacionismo etc.

Durante a pandemia registre-se também o retorno, reformulado, dos movimentos comunitários, no passado denominados por movimentos de bairros, de ajuda mútua, de associativismo local etc. Em síntese: os movimentos sociais continuam ativos e têm se reformulado, tanto no plano local como no geral/global, com o surgimento de movimentos globais, não apenas porque as pautas são globais como o meio ambiente, a crise dos imigrantes fugindo de regimes opressivos ou em busca de condições de vida e trabalho, a fome, o desemprego etc.; e nem somente porque têm articulações globais (Gohn, 2019b). São globais porque se estruturam, se organizam de forma global via as redes. Tudo isso será pauta para um próximo artigo quando tencionamos investigar também quais coletivos tem se agregado às manifestações e se integrado aos movimentos nas ruas.

Voltando ao foco deste paper- os coletivos. Até a eclosão das manifestações massivas de 2013, os coletivos eram apresentados na literatura sociológica usualmente pelo seu lado cultural, analisados sob aspectos da criatividade

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artística, sob abordagens que se apoiam em DELEUZE (1977) GUATTARI (1981), FOUCAULT (1981) LATOUR (2012), CASTORIADIS e COHN-BENDIT (1981), MARCUSE (2009) DUBET (1994) etc. Progressivamente os Coletivos passaram a dominar na área das Comunicações, como forma de Organização, a exemplo do ‘Coletivo Brasil de Comunicação Social’. Nas manifestações de 2013 ficou explícita a articulação entre coletivos e alguns movimentos sociais, a exemplo do Mídia Ninja; ou o Fora do Eixo, um grupo da mídia alternativa que teve intensa participação em junho de 2013 em várias cidades do Brasil. Este Coletivo constituiu a Rede Fora do Eixo (FdE) (http://foradoeixo.org.br) que em 2012 congregava 73 coletivos jovens de 112 cidades de quatro países da América Latina. É bom lembrar também que o principal ator a dar início às manifestações de 2013 foi um grupo diferenciado dos movimentos clássicos, mas que se autodenominava como movimento social: o MPL-Movimento Passe Livre, movimento existente desde 2003, no início restrito a um núcleo militante e em 2013 reuniu ativistas do próprio MPL, integrantes de alguns partidos políticos e coletivos libertários.

Na conjuntura pré-eleitoral de 2016 e 2018, vários participantes de coletivos optaram pela participação institucional, concorrendo a cargos públicos pelo voto popular. Como isso ocorreu? Por que optaram pela via institucionalizada se a emergência dos jovens na cena pública, nas manifestações nas ruas, em 2013, foi pela negação da política institucional, ou da negação da forma como ela era praticada. É importante relembrar, entretanto, que eles apresentavam -se como apartidários, mas não antipartidários (GOHN, 2014). Uma das nossas hipóteses é que o protesto sempre esteve presente nos coletivos e diversos tipos de manifestações, por meio da ira que busca se reinventar. Especialmente por meio da arte, na cultura, os coletivos jovens sempre buscaram inventar uma gramática nova, dentro do repertório de entendimentos na língua dominante: a gramática da ira. Exercitam esta gramática via práticas de resistência ao status quo dominante, e promovem à auto-organização das ações coletivas, tendo como parâmetros nas suas relações sociais quatro elementos básicos: a subjetividades dos participantes, as formas de sociabilidade existentes, a diversidade de métodos e procedimentos de agir, e a valorização do espaço de experiência .Alguns estudos fundamentam-se em DUBET (1994), ao abordar o

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caráter subjetivo da experiência (representação do mundo vivido), e o caráter cognitivo da experiência (a reflexividade e a consciência crítica); ou em THOMPSON (2004 ), dada a reelaboração que a experiência propicia ao se confrontar com a cultura vivenciada pelos sujeitos em ação.

Coletivos e Ativismo no Urbano

Destacamos inicialmente a relação e articulação de muitos coletivos com a universidade, especialmente via grupos de pesquisas institucionalizados, nas faculdades e programas das instituições. Partindo de abordagens interdisciplinares, desenvolvem pedagogias que articulam ativismo sociocultural, em espaços urbanos, com atividades didáticas curriculares, compondo inovações no campo da pesquisa, ensino e extensão. Exercitando práticas horizontais, sem lideranças, realizam estudos, elaboram cartografias do território urbano, assim como participam da criação de exposições, curadorias, webinars, eventos culturais, ou seja, realizam intervenções urbanas que não são apenas exercícios didáticos para os alunos, mas processos de ensino/aprendizagem aos participantes, moradores ou não, de um dado território. Muitos jovens estudantes destes grupos adquirirem identidades híbridas, fluídas, usando as categorias de Bruno Latour, são alunos, mas são também agentes de ação direta no espaço urbano; articulam-se a outros coletivos, formam redes, e promovem atos de resistência às políticas de intervenção urbana que destroem o patrimônio público em favor de interesses da iniciativa privada. Como exemplo temos o Laboratório Transversais da Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais. Preocupado com a geopolítica da cidade e com as intervenções das administrações públicas, no espaço urbano, promovem atos insurgentes, na disputa de narrativas pelo uso e ocupação do solo. Durante o período de construção de novas arenas e espaços de apoio à Copa de 2014 e os jogos Olímpicos de 2016, no Brasil, registraram-se inúmeros atos insurgentes, de resistência às desocupações de populações, por parte de inúmeros coletivos, em inúmeras cidades sedes dos eventos, a exemplo das manifestações na Vila do Autódromo, no Rio de Janeiro (vide, SANCHES, 2020). Eram atos político-culturais de resistência e os grupos e laboratórios da universidade tiveram papel importante. Em São Paulo no período desta pesquisa encontramos inúmeros coletivos voltados para o ativismo urbano, preocupados com causas

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determinadas, sem ter preocupação com unidade ou território mais amplo, apenas a defesa de causas, a exemplo da luta em defesa do Parque Augusta, no centro de São Paulo, ou a Chácara do Jóquei na zona sudoeste, e tantos outros bem específicos como: Arquitetura e Gentrificação, Assalto Cultural, A Batata Precisa de Você, Casa Latina, Casa da Lapa, Casarão do Belvedere, Casa Rodante, Coletivo BijaRi, Coletivo Cartográfico, Contra-filé, Sistema Negro, Terreyro Coreográfico, Wikipraça e Política do Impossível e muitos outros.

Como tem sido feito a leitura dessas inovações democráticas, com seus atos e novas gramáticas, pela sociedade, analistas, mídia e pelos poderes públicos, em termos de interpretações, respostas ou ações no planejamento? Uma observação ainda preliminar é a de que muitas dessas ações coletivas lutam para pautar suas demandas mas as redes e mídias, deslocam o teor coletivo das ações, e focalizam indivíduos isolados, alguns com glamour, desfocando a causa, criando perfis exemplares a serem seguidos, bem ao estilo da modernidade atual aonde ser um influenciador, com milhares de seguidores, é mais importante do que a opinião de um pesquisador de décadas de um dado assunto ou tema. Seguem uma rota bem diferente daquela que tem nos guiado nas análises das ações coletivas e dos processos de participação sociopolíticos e culturais onde:

“a participação objetiva fortalecer a sociedade civil para a construção de caminhos que apontem para uma nova realidade social, sem injustiças, exclusões, desigualdades, discriminações etc. O pluralismo é a marca desta concepção de participação na qual, os partidos políticos não são os únicos atores importantes, há que se considerar também os movimentos sociais e os agentes de organização da participação social, os quais são múltiplos. Uma gama variada de experiências associativas é considerada relevante no processo participativo tais como grupos de jovens, de idosos, de moradores de bairros etc. Os entes principais que compõem os processos participativos são vistos como “sujeitos sociais” - não se trata, portanto, de indivíduos isolados e nem de indivíduos membros de uma dada classe social”(Gohn, 2018:71).

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Jovens na Política: novas estruturas organizativas e os mandatos coletivos Sabe-se que antes das eleições municipais de 2016, e de 2018 à Presidência e deputados no legislativo (federal e estadual) e senadores, vários grupos sociopolíticos se articularam para ‘formar’ lideranças, objetivando lançá-las como candidatos(as) nas eleições. Isso ocorreu tanto em grupos liberais, considerados de centro no leque partidário, como o Agora, Programa RenovaBR, o Acredito, o Transparência Partidária etc.; ou grupos conservadores, como os Revoltosos On Line, o Acorda Brasil, Endireita Brasil etc.; assim como em grupos de ativistas do campo progressista, como o Somos Muitas em Belo Horizonte, o Ocupa Política no Rio de Janeiro, o JUNTAS, no Recife, e a Bancada Ativista e Bancada Feminista do PSOL, em São Paulo, o Coletivo Encrespador do Núcleo Jovens Políticos do Jardim Vera Cruz/SP e outros mais. Vários destes grupos se autodenominam “Movimentos sociais de Renovação Política”, embora as propostas desses grupos tenham denominações distintas, tais como: ‘escolas da cidadania’, ‘renovação política’, ou ‘formação social e política’. Alguns destas organizações elaboraram cursos e programas fazendo parcerias com universidades e igrejas como a ‘Escola da Cidadania’ que acontecia na Igreja Cristo Ressuscitado, nos bairros de Cidade Ademar e Pedreira, em São Paulo, com apoio da UNIFESP que fornecia certificados após a conclusão dos cursos. Existia em 2018 sete Escolas da Cidadania em São Paulo, nos mesmos moldes, e mais algumas no interior do estado.

Dentre as lideranças jovens que ascenderam à vida política institucional no legislativo brasileiro em 2018, que passaram por um dos tipos de organização acima, destaco como exemplo a deputada federal por São Paulo, Tábata Amaral. No seu site, em janeiro de 2021, ela se apresenta como:

“Tábata Amaral tem 25 anos, foi a 6º deputada federal mais votada do estado

de São Paulo, eleita com 264.450 votos. Criada na Vila Missionária, na periferia de São Paulo, formou-se em Ciência Política e Astrofísica em Harvard, com bolsa. É ativista pela educação e pelos direitos das mulheres”.

Por detrás desta curta, singela e qualificada apresentação encontra-se uma história de vida cuja trajetória passou por mudanças radicais via o processo educacional e faço uma breve síntese. De origem pobre, moradora da periferia

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de São Paulo, Tábata originária de uma escola pública, ganhou uma Olimpíada Brasileira de Matemática com 15 anos, e com isso uma bolsa de estudo para cursar o ensino médio em um Colégio particular bom de São Paulo, o Etapa. Quando terminou o curso médio tinha ganho perto de 40 medalhas em várias outras competições acadêmicas; ela criou um projeto social de preparação dos alunos para Olimpíadas Científicas e entrou no curso de Física da Universidade de São Paulo. Logo a seguir foi contemplada com bolsas de estudos em várias universidades nos Estados Unidos e seguiu para Harvard, onde iniciou curso de Astrofísica. Mas sua liderança na área da educação levou-a a cursar também Ciência Política. Em 2013 fez um estágio na Índia, para estudos comparativos com o Brasil, também como bolsista. De volta ao Brasil, em 2014 fundou o projeto “Mapa da Educação” e passou a assessorar secretárias de educação, no Ceará e na Bahia. Em 2015 passou a ter apoio da Fundação Lemann Felow e em 2017 adentrou e participou da criação de grupos que foram fundamentais para o lançamento de sua candidatura para deputada federal em 2018- o Programa Jovem RAPS, o Renovar.Br com foco na formação de jovens lideranças políticas e o Movimento Acredito, uma organização que se apresenta como suprapartidária e busca renovar as ideias, práticas e pessoas na política. Da vida de pobreza na periferia ao cargo de deputada federal observa-se que: o processo educacional foi o grande alavancador de sua trajetória, tanto no início -onde se destacou uma forte habilidade, na área da matemática, como depois, já fase do ensino superior, com ingresso em instituições de ponta, no Brasil e no exterior, com o apoio de bolsas de apoio financeiro. Após a graduação, ela tem o apoio das novas organizações civis que foram criadas para formar e apoiar na formação de novas lideranças políticas. Portanto, não teve formação política a partir da militância em movimentos sociai clássicos (lutas pela moradia, sindicatos, movimentos estudantis etc.). Mas a candidatura ao parlamento se faz via um partido político, e ela foi lançada pelo PDT-Partido Democrático Trabalhista; suponho que o engajamento a este partido advenha da assessoria que realizou a uma prefeitura do estado do Ceará, a qual era uma administração do PDT. Tábata, após eleita, fez da área da educação um de seus principais eixos de atuação parlamentar, além de contribuir no debate de temas chaves como nas críticas que fez a proposta de reforma administrativa do governo

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federal, em tramitação no congresso em junho de 2021. ( vide Folha de São

Paulo, 19/06/2021, p. 2).

No campo de entidades voltadas para a formação de novas lideranças políticas, há muitos coletivos formados basicamente por mulheres. “A Vote Perifa é um exemplo, é uma plataforma que surgiu como um movimento popular para compartilhar candidaturas da periferia de São Paulo. Já o Café Filosófico da Periferia atua como um grupo formado por educadores, artistas e coletivos culturais, que promove discussões sobre educação popular e produção de conhecimento nas periferias da zona sul da cidade. Com a pandemia, essas iniciativas deixaram de realizar suas atividades em espaços físicos para ocupar as diversas plataformas digitais e as redes sociais, passando a organizar encontros através de grupos de Facebook e WhatsApp... - Veja mais em

https://www.uol.com.br/tilt/colunas/quebrada-tech/2020/11/04/coletivos-debatem-eleicoes-nas-redes-sociais-com-moradores-da-quebrada.

Os chamados ‘mandatos coletivos’ de ativistas eleitos como o apoio de diferentes grupos políticos e culturais, devem ser analisados como um dos resultados das inovações democráticas no campo da participação civil na esfera pública estatal. Eles defendem pautas como: feminismo, direitos humanos, meio ambiente, demarcação de terras indígenas e quilombolas, segurança pública etc. Alguns destes grupos, como o Acredito e a Transparência Partidária, pregam a renovação política e defendem suas atuações para forçar a modernização das legendas partidárias que abrigaram suas candidaturas. Os mandatos coletivos não são novidade recente. SECCHI e LEAL (2021) indicam que suas origens podem ser demarcadas já na década de 1980, com conselhos consultivos de eleitores. Esses autores registram que o formato atual vem ganhando força desde as eleições municipais de 2016 no Brasil, alcançando 28 grupos nas eleições nacional para o legislativo; e a 313 candidaturas nas eleições municipais de 2020 chegando a eleger 22 delas. Os eleitos aos mandatos coletivos advêm de uma pluralidade de origens partidárias, destacando-se um partido de esquerda-o PSOL-Partido Socialismo e Luta, responsável por 1/3 das candidaturas em 2020 ao legislativo municipal, com a cifra de 117 candidaturas. Quanto aos seus objetivos eles variam desde aqueles que tem uma visão crítica, estruturada, de renovação da política institucional, de novas formas de poder,

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àqueles que veem uma oportunidade política de se lançar para um futuro voo solo, ou como diz Leal, vai “desde aqueles que têm uma consciência da causa,

do debate que justifica a candidatura, até aquele que não passa de uma estratégia mimética, já que o custo do voto em uma candidatura coletiva é muito menor” ( LEAL,2021, entrevista à FOLHA de SÃO PAULO,24/01/2021, A12). É

importante registrar que este tema já é pauta de projetos de lei que buscam regulamentar o mandato coletivo no Legislativo. Os eleitos também têm diferentes formas de atuação, alguns autodenominam-se co-vereadores, embora somente um conste formalmente nos registros oficiais como ‘o eleito’. Outros implementam a participação após eleitos numa espécie de representação colegiada distrital. No exercício dos mandatos as pautas dos eleitos, e a defesa dela, usualmente são tensionadas pelas correntes liberais e conservadoras. Um caso interessante a ser destacado é a do mandato coletivo do grupo “Quilombo Periférico” composto de seis pessoas (03 mulheres e 03 homens), em 2020, para a Câmara Municipal de São Paulo, Oficialmente a eleita é a vereadora Elaine do Quilombo Periférico, pelo PSOL. No site do Quilombo Periférico, o mandato coletivo é apresentado como tendo por objetivo:

“Eleitos através do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), terão como objetivo trabalhar por pautas como Educação, serviço social, políticas de fomento à cultura periférica, saúde, segurança pública municipal focada no combate ao genocídio da população negra, direitos das crianças e adolescentes, defesa das religiões de matriz africana, direitos das mulheres negras e da população

LGBTQIA+.” (https://quilomboperiferico.com.br/).

Os três homens têm idade na faixa dos 30 anos. Dentre as mulheres do mandato, apenas uma está na faixa dos 20 anos. Não são propriamente jovens, mas pelos dados biográficos, suas juventudes foram em coletivos culturais e movimentos sociais, com foco na causa dos negros.

A vereadora paulistana Érica Hilton, eleita em 2020 pelo PSOL com candidatura única, é um outro exemplo a destacar. Em 2020 ela foi a vereadora campeã de votos, com 50 mil e adveio de um mandato coletivo nas eleições de 2018 para a Assembleia Legislativa de São Paulo formada pela Bancada Ativista com nove pessoas. Érica, de origem afrodescendente, é também a primeira transsexual eleita para a Câmara Municipal de São Paulo.

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Pelo exposto observa-se que os coletivos têm tido relevância para a eleição de representantes de causas identitárias no parlamento, e tèm contribuído para alterações nas pautas e práticas das discussões, a exemplo dos casos de assédio na Assembleia Legislativa de São Paulo, em 2020, que se transformou em processo com punição disciplinar do deputado infrator; além da introdução e avanço em leis no campo dos direitos das mulheres e da comunidade LGBTQA+. Mas tudo isso tem tido também um custo alto para os (as) novas parlamentares que incluem ameaças a segurança pessoal e à vida deles (as),

Mas não só os coletivos formaram e lançaram candidatos a cargos nas eleições brasileiras. Movimentos sociais, tanto os clássicos, no campo progressista como no campo dos novíssimos, de espectro que vai de liberais modernos a conservadores de direita, também apoiaram candidaturas. Tomando apenas São Paulo como exemplo, pode-se citar o MTST-Movimento dos Trabalhadores Sem Teto, cujo coordenador nacional, Guilherme Boulos saiu candidato a Presidente da República pelo PSOL, em 2018; e concorreu a Prefeito de São Paulo, em 2020, também pelo PSOL, chegando ao final do segundo turno. Na vertente a direita destaca-se o MBL-Movimento Brasil Livre, fundado oficialmente em 2014 (com lideranças que também estiveram presentes em junho de 2013) e que teve, em 2015 e 2016 grande protagonismo, junto com o Vem Prá Rua, no processo de impeachment da ex Presidenta Dilma Rousseff. Três nomes do MBL adentraram à política institucional legislativa via partidos políticos novos ou já tradicionais. 1

1Fernando Holiday, eleito em 2016, para a Câmara de vereadores de São Paulo,

e reeleito em 2020 para o mesmo cargo, pelo partido Patriota, criado da década de 2010; Kim Kataguiri, o líder mais popular do MBL, lançado e eleito em 2018 deputado federal pelo DEM-Democratas; e Arthur do Val, também conhecido como “Mamãe Falei” devido a um site que mantém no You Tube como milhares de seguidores, eleito deputado estadual também pelo Patriota. Eles mantiveram a filiação ao MBL como grande capital político em suas gestões, mas em janeiro de 2021, Fernando Holiday se desfiliou do MBL alegando divergências de projetos e causas pessoais.

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Participação nas IPs

A participação em formas institucionalizadas em órgãos públicos estatais, também chamadas de IPs (instituições participativas) foi uma das novidades e inovação democrática no cenário brasileiro neste novo século. Entre 2000-2013 ocorreu à criação ou implementação, na sociedade política estatal, de novos canais de participação social, geradores de novas formas de sociabilidade e de fazer política - os conselhos, câmaras, fóruns, plenárias etc. que atuam na esfera pública, articulando representantes da sociedade e dos organismos estatais na gestão de bens públicos. Estruturados a partir de exigências da Constituição de 1988, ou por políticas e decretos de administrações públicas, todo este sistema começou a colapsar a partir de 2013, embora muitos ainda existam oficialmente. Um dos desafios dos gestores públicos até 2013 foi despertar o interesse dos jovens para este tipo de participação, desafio este que parece não ter tido grande sucesso se apurarmos as lentes para a leitura de uma das denúncias que os cartazes de junho de 2013 diziam: “eles não nos representam”, referindo-se aos políticos de uma forma geral. Entretanto deve-se registrar que as políticas públicas de administrações que atuam no campo progressista, foram incentivo a criação e desenvolvimento de coletivos à medida que lançaram programas com editais para desenvolver projetos junto a comunidades específicas. Este fato deu espaço para o surgimento ou fortalecimento de inúmeros projetos sociais novos, ou que se agregaram a entidades civis que já atuavam no campo, desde a demarcação de leis sobre o terceiro setor a chamada “lei do, voluntariado” etc., ainda no final da década de 1990. Estes projetos funcionavam por tempo determinados com apoio de verbas oficiais, uma vez cumprida as etapas dos processos de eleição dos inscritos, ou licitações. Com a perda dos mandatos em muitas das administrações progressistas, foram revistos os apoios, e grande parte dos programas tiveram ou tem tido descontinuidade. Portanto, muitos coletivos atuantes daquele período esvaziaram-se. Mas alguns, mais próximos às siglas partidárias, e bastante focados em causas identitárias, especialmente das mulheres e questões raciais, se fortaleceram, alteraram pautas e adentraram no campo de disputa eleitoral, para eleger seus representantes em cargos legislativos etc. Alguns casos relatados no item anterior, dos mandatos coletivos, fazem parte do

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universo que estou mencionando. Registre-se também que políticas públicas de expansão do ensino superior a partir do governo Lula, com a criação de novas unidades/universidades e institutos federais de educação superior; aliadas às políticas de acesso via cotas, PROUNI etc., alteraram significativamente o perfil social dos estudantes brasileiros nas universidades. Participar de coletivos e não de diretórios do movimento estudantil, ou da UNE-União Nacional dos Estudantes, é uma hipótese explicativa forte para o crescimento dos coletivos nas universidades, especialmente os de caráter identitário.

De forma geral, o que se observou em relação aos IPs no período de estudo desta pesquisa é a sua desativação ou esvaziamento. Ativistas de movimentos e organizações sociais que atuavam como representantes em estruturas colegiadas dos IPs, foram abandonando os cargos, por desestímulo (reuniões não convocadas, pautas genéricas) ou tiveram seus conselhos desativados, especialmente na área da juventude. Estes espaços constituíam núcleos de participação, de aprendizagem de políticas públicas. Em abril de 2019, o Presidente Jair Bolsonaro cancelou, via decreto, a Lei que criou um sistema nacional de participação social e dezenas de diferentes conselhos foram extintos.

Notas Finais- Questões que os exemplos nos levam a formular

A meta do projeto de pesquisa que dá origem a este paper é dada pela necessidade de se conhecer melhor o processo de renovação política que está se operando na sociedade brasileira, especialmente entre os jovens e a reconfiguração nas formas de ativismo. Em parte, sugere-se, inicialmente, que esta reconfiguração é uma resposta à crise de representatividade do sistema político existente, e a busca de novos formatos, com um amplo leque de ideologias e propostas (CASTELLS,2013, 2015, 2018). De outra parte, trata-se de uma mudança geracional, cultural. A reconfiguração advém de uma nova geração de ativistas nas ações coletivas públicas, que não pensam e nem agem mais como os antigos militantes de partidos tradicionais da esquerda, e de uma mudança de posicionamentos políticos do próprio eleitorado, tanto da esquerda como da direita. Com isso eu retomo uma afirmação de C. Tilly, modificando-a parcialmente. Ele diz: “lo que cambia no es la forma de las protestas, sino su

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transformar la morfología de esas protestas”( C. Tilly, 2008, p. 75).Eu reescrevo

esta afirmação dizendo- na atualidade o sentido e a interpretação dados aos protestos advém de novas formas de ações coletivas, nominadas de coletivos porque há uma nova geração participando das ações coletivas, com valores e modos de vida, de agir e pensar, diferente da geração que levou ao ciclo de movimentos sociais nas décadas de 1970-2000.Os repertórios das demandas são distintos, e aqui concordamos com TILLY (2006).

Espera-se com esta pesquisa encontrar explicações teóricas e metodológicas, para além das ideologias, das mudanças de opinião e comportamento que está se operando na sociedade brasileira, especialmente entre os jovens, desde a década de 2020. Entender melhor as novas gerações de ativistas lembrando que estes ativistas defendem causas progressistas e conservadoras também, a exemplo dos casos citados na Câmara dos vereadores de São Paulo. O livro de MOUNK (2019), “O Povo contra a Democracia” nos traz hipóteses relevantes para trabalhar contextos de crise da democracia representativa, conflitos de gerações e ascensão de líderes populistas autoritários. Acreditamos que nossa pesquisa poderá desvendar conflitos entre a democracia representativa e as novas formas de expressão de demandas sociais, via os coletivos, os quais inovam, mas têm tido de se adequar a um partido existente se quiserem concorrer a um cargo eleitoral. Mas ao adentrarem na esfera parlamentar, levam consigo as pautas e as causas que defendiam nos coletivos, alterando a pauta dos debates e influenciando nas políticas sociais, especialmente nas causas identitárias. E isso em um momento de muito tensionamento devido a ascensão de grupos conservadores e de direita ao poder público, em cargos majoritários. Para além de se adequar ou não ao sistema político vigente, a pesquisa deverá trazer elementos para se entender melhor um conflito latente na sociedade brasileira- a tensão entre os defensores das políticas identitárias e os defensores das políticas universalizantes. A maioria dos jovens oriundas de coletivos que ascenderam a cena pública, defendem causas e pautas identitárias nas últimas duas décadas, as políticas identitárias foram fundamentais para implementar e ampliar processos de inclusão social, com políticas de gênero, raça, gerações etc. Mas elas também geraram problemas ainda não resolvidos ao formarem comunidades de interesses que atuam segundo regras internas. Estes conflitos,

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no plano interno da participação nos grupos, resolvem-se ou dissolvem-se. Mas quando entram para a esfera parlamentar, é muito mais complexo.

Outro registro importante, a questão da desigualdade socioeconômica -a pobreza propriamente dita ficou escancarada na fase da pandemia. Especialmente as desigualdades entre as diferentes classes sociais na vivência do dia-a-dia (vide DELLA PORTA,2015,2020).Muitas vezes esta questão tem ficado à margem nas lutas e defesas dos interesses identitários, relegada a políticos e governantes populistas e às políticas compensatórias de auxílios emergenciais, especialmente na pandemia do Covid 19, têm sido utilizadas para fins de campanhas eleitorais. Entre os teóricos o debate sobre a desigualdade cultural, identitária é sobrevalorizada e o debate confunde desigualdade socioeconômica com diversidade e diferenças socioculturais - as quais são sempre bem-vindas. (vide LILLA, 2018).

Espera-se também com esta pesquisa ter elementos para explicar melhor o clima de ódio que passou a dividir a sociedade brasileira nesta década, para além das posições e divisões partidárias, e a necessidade de apontar caminhos para o diálogo e a formação de consensos. Mas o diálogo não se constrói entre posições sociais em condições desiguais, é preciso equalizar os termos e os lugares do debate. O valor da democracia não está apenas no voto, e nem na existência do ‘berreiro e xingamento’ entre lados opostos, mas sim na preservação de uma vida social e cultural saudável, onde haja respeito ao outro, e vida inteligente ativa - especialmente entre os intelectuais da academia e os representantes no poder público. Se conseguirmos atingir estes objetivos, contribuiremos para uma esperada safra de novos textos, artigos e livros sobre “Como renascem as Democracias” ( título que eu gostaria de escrever no futuro, tendo o Brasil como foco), indo na direção contrária do relatado em “Como as

Democracias Morrem” (LEVITSKY e ZIBLATT,2018); Com isso poderíamos

estar diminuindo nossa defasagem no processo democrático pois, como afirma José de Souza Martins: ““Somos uma nação tardia em relação aos parâmetros

da democracia, aos valores republicanos e à própria concepção de povo como

sujeito de direitos políticos e de soberania” (MARTINS, 2016: 251).

Há uma destruição do passado – ou melhor, dos mecanismos sociais que

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os jovens de hoje crescem numa espécie de presente contínuo, sem qualquer relação orgânica com o passado público da época em que vivem. (HOBSBAWN,

1995, p. 13).

Quanto aos coletivos propriamente ditos, a pergunta que lançamos no título “Coletivos: novas formas de expressão das ações coletivas, reconfiguração do ativismo urbano ou nova geração de movimentos sociais, está no centro das questões levantadas nestas notas finais. Conflitos geracionais estão presentes, não tanto em termos de uma geração jovem contra seus progenitores ou normas da sociedade, como nos anos de 1960. São conflitos gerados por uma nova geração com práticas de pensar e fazer diferentes, não se importando em criar unidades, mas em criar pautas que deem visibilidade às suas causas. E os coletivos estão viabilizando isso. Coletivos focados em causas relativas as mulheres- um feminismo diferente dos anos de 1960; e as questões étnico-raciais -de luta contra a discriminação, o racismo propriamente dito, voltaram a ter grande protagonismo, especialmente após as manifestações contra os feminicídios, o movimento “Me Too” nos Estados Unidos da era Trump , “Ele Não” em 2018; assim como as marchas após o assassinato de Jorge Floyd nos Estados Unidos em 2020.Em que medida os coletivos estão adentrando e reformulando os movimentos sociais? São temas a serem tratados num próximo artigo, que abordará especificamente os movimentos e ações coletivas civis na pandemia.

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