• Nenhum resultado encontrado

De Tenochtitlan à Cidade do México: transformações e permanências a partir do Zócalo

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "De Tenochtitlan à Cidade do México: transformações e permanências a partir do Zócalo"

Copied!
13
0
0

Texto

(1)

De Tenochtitlan à Cidade do México: transformações e permanências a partir do Zócalo

Ana Paula dos Santos Salvat Universidade de São Paulo, Brasil anapaulasalvat@gmail.com

Resumo

O centro da Cidade do México ergueu-se sobre e com os escombros de México-Tenochtitlan, capital do chamado Império Asteca, pelos espanhóis que aproveitaram o antigo traçado urbano e a localização dos edifícios de poder ameríndios e criando seu centro político ao redor de uma praça monumental. A pesquisa demonstra as permanências indígenas na linguagem visual da maior cidade da América Hispânica a partir de seu centro de poder, o Zócalo, nome pelo qual é popularmente conhecida a Praça da Constituição da Cidade do México. Desta forma, busca-se desconstruir discursos eurocêntricos pautados no ato civilizatório e modernizador da narrativa colonizadora e trazer os saberes e fazeres ameríndios para a gênese da constituição do sistema barroco hispano-americano.

Pavras-chave: México-Tenochtitlan, Cidade do México, Zócalo, Barroco, Urbanismo, Decolonialidade.

Abstract

Mexico City center was raised over and with the debris of México-Tenochtitlan, the ancient capital of the called Aztec Empire, by the Spaniards, who took advantage of the old urban design, as well as the location of the representative buildings of powers around a large square. The research demonstrates the indigenous permanence in the visual language of the most prominent Hispanic American city from its center of power, the Zócalo, the popular name of the Constitution Square of Mexico City. Besides, it aims to deconstruct Eurocentric discourses guided by the civilizing and modernizing act of colonial narrative and bring the Amerindian knowledge and skills to the genesis of the constitution of the Spanish-American Baroque system.

Keywords: Mexico-Tenochtitlan, Mexico City, Zocalo, Barroque, Urbanism, Decoloniality.

(2)

Introdução

Do século XVI até o século XX a história da América foi contada e transmitida do ponto de vista do conquistador. Os europeus criaram suas fontes escritas (documentos e livros) e seus objetos (monumentos, arquiteturas, cidades) para legitimar suas ações colonizadoras sobre um território, que só vieram a conhecer no final do século XV, e que foi tratado como expansão europeia a partir, primeiramente, dos impérios ibéricos, no primeiro grande movimento de globalização. Tais ações apagaram e anularam, não sem violência, testemunhos e ações dos povos ameríndios que constituíam uma grande diversidade cultural nessa outra porção do globo. Desta forma, os saberes e fazeres dos povos indígenas foram considerados indignos e soterrados (às vezes literalmente) pela cultura ocidental que colocou a América como mais um capítulo em sua linha cronológica da história universal. Essa realidade teve um profundo impacto nos países da América Latina, cuja história, muitas vezes era contada apenas a partir do século XV.

Em meados do século XX, surgiram outras perspectivas historiográficas, como a chamada "historiografia dos vencidos" inaugurada pelo mexicano Miguel León-Portilla e pelo francês Nathan Wachtel, ambos antropólogos e historiadores. Apesar de trazer um ponto de vista importante ao contrapor a visão eurocêntrica, a crítica a esse modo de contar a história está explicada em seu próprio nome, ou seja, seu equívoco está em considerar o povo indígena como uma massa de vencidos, ou um grupo passivo e derrotado exclusivamente pelos europeus. Desta forma, deixa de considerar a agenda política indígena e as diferentes ações de conquista e resistência de acordo com o confronto dos europeus com cada grupo diverso, abarcando todos os indígenas como derrotados a partir de 1521 (data da derrota dos mexicas em Tenochtitlan) ou 1532 (data da derrota dos incas em Cuzco). Paralelamente, surgiu a chamada "historiografia da mestiçagem", que tem como um de seus principais representantes o historiador francês Serge Gruzinski, e que está focada nas relações culturais, procurando mostrar a contradição entre a metrópole e a colônia no período colonial. No final do século XX, surgiu a chamada "historiografia indígena" que busca integrar e equiparar a história indígena à história europeia e mostrar as sociedades ameríndias como parte do sistema colonial e com unidades políticas atuantes, evidenciando a contínua transformação cultural. Alguns representantes desta nova historiografia são os mexicanos Francisco Navarrete e María Castañeda de La Paz, e o brasileiro Eduardo Natalino dos Santos.

(3)

Outra contribuição teórica do final do século XX, é a produção de intelectuais das ciências humanas, em sua maioria latino-americanos, da corrente conhecida como "pensamento decolonial", que rompe com as leituras mais canônicas, questionando o raciocínio dual de centro e periferia imposto pela visão eurocêntrica, sobretudo baseados nas ações da colonialidade de poder1​.

Nesse sentido, a abordagem contemporânea e decolonial do Zócalo abarca a importância da configuração da cidade de Tenochtitlan e em especial de sua grande praça para a história da arte, da arquitetura e do urbanismo, evidenciando o projeto ameríndio e sua potência, que foi aproveitado e apropriado pelos espanhóis.

Na presente pesquisa, será abordada, principalmente a formação do Zócalo, nome pelo qual é conhecida a Praça da Constituição da Cidade do México, principal praça do país e uma das maiores do mundo. Suas origens são pré-hispânicas e sua constituição está na gênese das praças hispano-americanas e também nas "Plazas Mayores" da Espanha. A análise se dará a partir, primeiramente, da exposição da configuração da cidade mexica de México-Tenochtitlan. Em seguida, será abordada a Cidade do México pós-conquista, a qual se sobrepôs à capital asteca. Finalmente, abordaremos as principais questões relativas ao seu design urbano a partir do pensamento contemporâneo.

A cidade mexica de México-Tenochtitlan

A cidade de México-Tenochtitlan foi fundada em 1325 sobre uma ilha no Lago de Texcoco, um dos cinco2 de um conjunto lacustre no Vale do México pelos mexicas

ou astecas3​, um grupo nahua que teria partido do norte cerca de 200 anos antes. O relato 1Refiro-me aqui, especialmente, ao grupo Grupo Modernidade/Colonialidade formado por pensadores

como Edgardo Lander, Arthuro Escobar, Walter Mignolo, Enrique Dussel, Anibal Quijano e Fernando Coronil, por exemplo, desagregado do Grupo de Estudos Subalternos, e que publicou um importante documento coletivo intitulado "La colonialidad del saber: eurocentrismo y ciencias sociales".

2Os outros quatro lagos que formavam o conjunto lacustre eram, ao norte, Lago de Zumpango e Lago

Xaltocan, de água salgada, assim como o Lago Texcoco; e ao sul, Lago Xochimilco e Lago Chalco, de água doce.

3 ​O termo "asteca" refere-se aos habitantes da mítica Aztlan. Os "astecas" teriam seu nome mudado para

"mexitin" (ou mexicas) pelo deus Huitzilopochtli quando o grupo se estabeleceu em seu destino final, após longa peregrinação. Portanto, o termo não era utilizado pelos ameríndios nem pelos colonizadores espanhóis, mas teria sido utilizado e difundido a partir do século XVIII, por Francisco Xavier Clavijero e William Prescott (Barlow, Robert Hayward. “Some Remarks on the Term ‘Aztec Empire'”, ​The

Americas​, vol. 1, nº 3, 1945, pág. 345. ​JSTOR​, www.jstor.org/stable/978159.). Os habitantes de

Tenochtitlan eram chamados de tenochas, e os mexicas de Tlateloco, tlatelocas. Autores, como Michael E. Smith, Barbara E. Mundy e Lucía Mier y Terán Rocha, por exemplo, utilizam largamente o termo "asteca", que se tornou mais popular, em lugar de "mexica", referindo-se à configuração imperial após a Tríplice Aliança estabelecida em 1428 entre as cidades de Tenochtitlan, Texcoco e Tlacopan.

(4)

mítico da fundação 4 conta que o grupo teria saído da lendária ilha de Aztlan guiados

pelo deus da Guerra, ​Huitzilopochtli​, até o local onde deveriam se estabelecer, cujo sinal fora a visão de uma águia devorando uma serpente sobre um cacto nopal. A iconografia do mito, presente em monumentos como o "Teocalli de la Guerra Sagrada" 5​,

e manuscritos, como o Códice Mendoza ( fol. 2r​)6​, permanece no brasão da bandeira

nacional mexicana.

Para entender o desenho das cidades dos povos mesoamericanos, especialmente de suas áreas centrais, que eram cuidadosamente planejadas, é preciso levar em consideração sua posição cosmológica, a qual, de maneira geral, era fundamentada nas dimensões vertical e horizontal do espaço. Na dimensão vertical, haviam três grandes extratos: Céu, Terra e Inframundo, os quais tinham suas subdivisões. Esse mapeamento espacial estava também ligado a um sistema temporal igualmente complexo, os quais eram regidos pelo Sol. A superfície da Terra era dividida, em cinco regiões: o centro e os quatro rumos, como pode ser visto nos Códices Fejérvary-Mayer7 e de Madri8​, sendo

que o oriente ou leste (o local do nascer do Sol) aparece em evidência no topo da página (onde seria o nosso Norte) por ser considerado o rumo mais forte.

No centro de Tenochtitlan, estava o recinto sagrado com 78 edifícios, cujo maior deles era o Templo Mayor, dedicado aos deuses da Água, Tlaloc, e da Guerra, Huitzilopochtli, marcando o local de cruzamento dos rumos e de união vertical com o céu e o inframundo. De fato, muitas das características do recinto cerimonial de Tenochtitlan são encontradas nas cidades mais antigas de Teotihuacan e Tula: a divisão do espaço em quatro áreas, o cercamento do conjunto de edifícios e sua grande praça, a orientação dos principais edifícios para o oeste, o uso de pinturas e esculturas nos mesmos estilos ou com a mesma iconografia, a presença de cursos de água, os

4Segundo María Castañeda de la Paz (Castañeda de la Paz, Maria. "De Aztlan a Tenochtitlan: historia de

una peregrinación", ​Latin American Indian Literatures Journal​, Pennsylvania, vol. 18, nº 2, 2002, pág. 166), o mito teria sido criado pelo quarto "tlatoani" (governante) de Tenochtitlan, Itzcóatl (1381-1440) para unificar a história de uma população diversificada que habitava Tenochtitlan e dar-lhes um passado comum, fortalecendo sua identidade, a partir de esquemas narrativos mesoamericanos já existentes com profunda relação com o sagrado.

5 Anônimo, ​Teocalli da Guerra Sagrada​, também conhecido como Trono de Moctezuma, ca. 1507,

basalto. Museo Nacional de Antropología, Cidade do México.

6 Anônimo, c. 1542. Biblioteca Bodleiana, Oxford, Inglaterra.

7Anônimo,​Códice Fejérvary-Mayer , anterior a 1521. Pele, 17,5 x 17,5 cm. 24 folhas. World Museum,

Liverpool, Inglaterra.

8 Anônimo, ​Códice de Madrid,c. 1400. Papel amate, 22,6 x 12,2 cm. 56 folhas. Museo de America,

(5)

sacrifícios humanos, o templo circular dedicado a Ehecatl-Quetzalcoutl e o templo piramidal (duplo, no caso de Tenochtitlan) representando montanhas sagradas9​.

As quatro regiões10 de Tenochtitlan, divididas pelos quatro rumos do universo,

eram bairros, ou campan, e denominavam-se Moyotlan, Teopan ou Zoquiaplan, Atzacoalco e Cuepopan. ​Ao lado do recinto cerimonial, ou Coatepantli, estava uma grande praça, comum no contexto urbano ameríndio, ​onde eram realizados rituais privados, mercados periódicos, cerimônias públicas, festas e celebrações populares. Próximo à praça e ao recinto cerimonial, ficava o palácio do governante ou ​tlatoani​.

O mercado era um importante local de negócios e trocas que também sinalizava a economia da região. O maior mercado ficava na cidade irmã de México-Tlateloco, fundada no ano de 1337 ao norte de Tenochtitlan e por esta anexada em 1473. Mas Tenochtitlan também tinha um mercado que ocupava sua praça principal.

Grandes e largas estradas partiam do centro cerimonial para ligar a ilha ao continente. Eram elas: ao sul, a "Calzada de Iztapalapan"; a oeste, a "Calzada de Tlacopan"; ao norte, a "Calzada de Tepeyácac".

A ocupação territorial era organizada segundo uma hierarquia, na qual as elites sociais ocupavam as áreas mais próximas ao centro com grandes casas de pedras, enquanto que o povo ficava nas áreas mais periféricas, em residências menores feitas de adobe. As águas dos cinco lagos que compunham a bacia lacustre onde estava a ilha, eram também utilizadas para transporte e pesca e muitas das vias de Tenochtitlan eram canais, o que fez Tenochtitlan ser comparada à Veneza por diversos autores desde o século XVI, como o Frei Bernardino de Sahagún, Miguel de Cervantes e Félix Lopes de Vega, e também figurou nos livro das ilhas, tradicionais publicações dos séculos XVI e XVII, como no "Isolario" (1528) de Benedetto Bordone, e no "Civitates Orbis Terrarum" (1572), de

Georg Braun e Franz Hogenberg. Por sua natureza inundável, a ilha foi protegida com sistemas hidráulicos sofisticados que incluíam as calçadas, diques, canais e pontes, inclusive separando os lagos de água salobre dos de água doce. A agricultura, mantida sobretudo com áreas de chinampas, juntamente com o comércio e a cobrança de tributos, constituíam a base da economia tenocha.

9Cf. Matos Moctezuma, Eduardo. "Configuration of the sacred precint of Mexico-Tenochtitlan", Fash Jr,

William et al (ed.). ​The art of urbanism: how mesoamerican kidgdoms represented themselves in

architecture and imagery​. Washington D.C, Dumbarton Oaks, 2009, pág. 433-440.

10Cada área, chamada de "camapan" dividia-se em "calpullis", uma organização baseada em parentesco,

territorialidade, propriedade comum, divisão de trabalho e estratificação social (Cf. Mier y Terán Rocha, Lucía. ​La primera traza de la ciudad de México: 1524-1535​. México, FCE, Universidad Autónoma

(6)

Os ameríndios registravam suas atividades e narrativas em códices, dos quais restam apenas 15 pré-hispanicos, nenhum deles mexica, pois foram queimados pelos castelhanos, que consideraram seus deuses e rituais ofensivos à religião cristã. No entanto, eles continuaram a ser produzidos na época Colonial, como material de informação a respeito daquele povo. Mesmo com modificações na materialidade e na representação, são fontes preciosas de conhecimento.

Quando os castelhanos chegaram a Tenochtitlan em 1519, a cidade dominava política e economicamente a região e teria por volta de 200 mil habitantes distribuídos numa ilha de aproximadamente 10 km2 de extensão11​, sendo a população da bacia

lacustre de mais de 1 milhão e meio de pessoas, tornando-se a área mais densamente povoada do mundo 12​. No mesmo período, segundo a historiadora da arte estadunidense

Barbara Mundy, "[...] Paris tinha por volta de 260 mil residentes, Nápoles em torno de 150 mil, Sevilha e Roma, 55 mil cada [...]"13​.

Cidade do México pós-conquista

Dois anos após sua primeira entrada em Tenochtitlan, tendo feito alianças com grupos ameríndios que estavam insatisfeitos com a cobrança de tributos, Hernán Cortés (1485-1547), reuniu uma tropa "de cerca de 20 mil indígenas e 1 mil castelhanos" 14 e

conquistou e destruiu a cidade em agosto de 1521". O projeto da nova cidade foi encomendado por Cortés a Alonso García Bravo (1490-1561) em 1524. De fato, García Bravo delimitou uma área quadrangular de aproximadamente 1100 m x 910 m (100 ha)15 ao redor da praça principal, e que ficou conhecida como "la traza", mantendo o

traçado ortogonal das ruas e canais e aproveitando materiais, edificações, mão de obra. Também foi mantida a localização dos edifícios representativos dos poderes político e religioso da antiga cidade ameríndia, agora colocando a praça, como centro do território conquistado e símbolo de concentração de poder (Fig. 1). A Igreja Maior, demolida

11 Campos Salgado, José Ángel. "La morfología urbana en el Mexico Tenochtitlan", ​Investigación y

Diseño 03. ​Anuario de posgrado de la División de Ciencas y Artes para el Diseño, México, UAM-X,

2006, pág. 94.

12Ezurra, Exequiel. " Ciclos de población y uso de los recursos naturales", Barros, Cristina. (coord.). ​El

Centro Histórico ayer, hoy y mañana​. ​México, INAH, Departamento del Distrito Federal, 1997, pág. 30.

13Mundy, Barbara E. ​The death of Aztec Tenochtitlan, the life of Mexico City​. Austin, University of Texas

Press, 2015, pág. 1. "[...] Paris had about 260,000 residents, Naples about 150,000, Seville and Rome, 55,000 each [...]".

14 Santos, Eduardo Natalino dos. "As conquistas de México-Tenochtitlan e da Nova Espanha: guerras e

alianças entre castelhanos, mexicas e tlaxcaltecas", ​Revista História Unisinos​, v. 18, nº 2, 2014, p. 223.

(7)

posteriormente para dar lugar à Catedral e ao Sacrário 16​, que estão sobre parte do recinto

cerimonial muito próxima ao Templo Mayor. O Palácio dos Vice-Reis, depois Palácio Nacional, está sobre as Casas Nuevas de Moctezuma, antigo palácio do líder asteca ou "tlatoani". Destaca-se que o mercado principal de Tenochtitlan estava no terreno onde hoje se encontra o Palácio de Belas Artes 17​, tendo sido transferido para a Plaza Mayor

no século XVII por conta das constantes enchentes, embora, antes disso, houvesse um mercado de menor importância na Praça18​. Entre o final do século XVII e início do

século XVIII, foi construída uma sede fixa para o mercado no centro da Praça. O projeto do "Mercado del Baratillo" ou "El Párian", de dois edifícios com dois andares, foi idealizado por Pedro Jiménez de los Cobos, e construído entre 1695 e 1703, sendo demolido em 1843 para reformulação da praça.

No Período Colonial, a praça principal teve diversos nomes, tais como "Plaza de las Armas", "Plaza Mayor", "Plaza del Palacio". Em 1843, o presidente Antonio López de Santa Anna (1794-1876) lançou um concurso para um monumento em formato de coluna em honra aos heróis da Independência, que seria instalado no centro da praça, projeto este que levou à demolição do mercado. O vencedor foi o arquiteto Lorenzo de la Hidalga (1810-1872), mas o projeto nunca foi realizado. Apenas foi construída a base ("zócalo", em espanhol) do monumento, o que deu o nome popular à praça 19​. Desde

1812 sua denominação oficial é "Plaza de la Constitución" (Praça da Constituição), devido ​à proclamação da Constituição Política da Monarquia Espanhola, promulgada em Cádiz, Espanha, tida como a primeira constituição mexicana.

As três principais estradas que ligavam a ilha ao continente, partindo da praça, permaneceram e ainda hoje podem ser identificadas: ao sul, a Calzada para Iztapalapan é hoje Estrada Tlalpan e Avenida San Antonio Abad; a oeste, a Calzada para Tlacopan é a atual Rua México-Tacuba; ao norte, a Calzada para Tepeyácac é a atual Estrada dos Mistérios.

As residências dos espanhóis, maiores e em pedra, ficavam dentro do limite da "traza", sendo que, quanto mais perto da praça, mais nobre o morador. As áreas para

16​A construção da atual Catedral começou em 1573 a partir do projeto do arquiteto Claudio de Arciniega,

no local da primeira igreja construída no local por ordem de Hernán Cortés, e terminou em 1813, tendo passado por diversas fases construtivas com a participação de vários arquitetos e construtores. O Sagrário é o edifício paroquial ao lado da Catedral, projetado por Lorenzo Rodríguez e construído de 1749 a 1768.

17 Kubler, George. ​Arquitectura mexicana del siglo XVI​. México, FCE, 2012 [1948], pág. 120. 18 Mundy, Barbara E. ​The death of Aztec Tenochtitlan...​, op. cit, pág. 86.

19​Na pintura "Gran Plaza de la Ciudad de México después de la ocupación estadounidense en septiembre

de 1847", realizada por Pedro Guadi no ano da ocupação, vê-se a base do monumento ​. A obra é um óleo sobre tela, de 81,3 x 127 cm, e pertence ao acervo do Louisiana State Museum, localizado na cidade de New Orleans, Estados Unidos.

(8)

além dessa região nobre foram destinadas aos indígenas e denominadas a partir das antigas quatro regiões pré-hispânicas com acréscimo de uma nova toponímia hagiográfica de acordo com a construção das igrejas, que era parte da conquista espiritual do povo local: São João de Moyotlan, Santa Maria de Cuepopan, São Sebastião de Atzcoalco e São Paulo de Teopan. Tlatelolco tornou-se o quinto distrito e recebeu o nome de Santiago, devido à construção da Igreja de Santiago de Tlatelolco em 152720​.

Durante a guerra da conquista, Cortés e seus aliados adotaram a estratégia de cortar a água potável do aqueduto de Chapultepec e, em seguida, romper dois diques (Nezahualcoyotl e Ahuitzotl) para que barcos levassem guerreiros e munição à ilha, o que provocou um grande desajuste no sistema. Adicione-se a isso a perda de superfície do lago para os escombros da cidade destruída, o desconhecimento para monitoramento e manutenção do sistema, o desmatamento das encostas para o uso da madeira na solidificação do terreno pantanoso para pastos e para receber os pesados edifícios barrocos e a construção de calçadas mais altas. Aos poucos, o solo foi perdendo sua capacidade de absorção da água e porções ficavam estancadas em alguns locais por terem seu curso obstruído. Apesar de outras obras posteriores para conter as águas dos lagos vizinhos, as temporadas de chuvas traziam grandes inundações. As autoridades optaram pela contínua drenagem que levou ao contínuo dessecamento dos lagos pelos séculos seguintes, restando apenas uma pequena porção dele em Xochimilco.

As permanências apontadas fazem parte também de uma estratégia dos conquistadores para legitimar seu poder e demonstram continuidades e não apenas rupturas. Teria sido de Hernan Cortés a decisão de reconstruir a cidade para torná-la capital da Colônia, a despeito do cenário geográfico desfavorável pós-devastação e das opções de instalar uma nova cidade em terra firme, como em Coyoacán, Tacuba ou Texcoco, por exemplo. O historiador da arte estadunidense George Kubler destaca que as motivações de Cortés seriam "a capacidade econômica do lugar, seu valor estratégico e seu prestígio tradicional"21​. Além disso, Kubler relaciona essas motivações com a

dinâmica da Reconquista:

20Em 1536 foi inaugurado o Colégio de Santa Cruz de Tlateloco pelos missionários franciscanos com o

objetivo de educar a elite indígena.

21Kubler, George.​Arquitectura mexicana...​, op. cit, pág. 117. ​"la capacidad económica del lugar, su valor

(9)

O triunfo dos cristãos sobre os sarracenos na Espanha se manifestou por meio da ocupação das cidades árabes: a cristandade buscou então identificar-se com as ruínas das civilizações anteriores em seu afã de imprimir-lhes um novo espírito às antigas formas. Em Tenochtitlán, os motivos da ocupação foram possivelmente similares ao da recolonização de Granada e Córdoba durante a reconquista na Espanha. (...) Ao ocupar Tenochtitlan, os europeus destruíram a imagem anterior à conquista e se identificaram com a tradicão política desse centro22​.

A transferência do domínio ameríndio para o castelhano foi muito gradual, até

porque a queda de Tenochtitlan deveu-se às alianças que os castelhanos estabeleceram com grupos indígenas insatisfeitos com os tributos cobrados, e os castelhanos eram o grupo minoritário. Após a conquista, "os castelhanos nomearam governadores indígenas da linhagem de Moctezuma após a morte de Cuauhtemoc" 23​. É importante salientar que

a estrutura semi-autônoma das cidades ameríndias em organizações comunitárias sócio-políticas ("altepeme" no plural, "altepetl" no singular), permitia sua sobrevivência e mesmo a de certas continuidades mesmo após a queda do centro, embora sua complexa estrutura fosse desconhecida pelo ocidente e posteriormente desmontada pelos espanhóis24​.

No entanto, paulatinamente, assim como seu poder político foi diminuindo, os registros, os saberes e os fazeres ameríndios foram apagados e construiu-se uma historiografia centrada no ponto de vista do conquistador e que considerava, o povo indígena, nas palavras do filósofo e teólogo Juan Ginés de Sepúlveda (1494-1573),

22 Ibidem, págs. 117, 118. "El triunfo de los cristianos sobre los sarracenos en España se manifestó por

medio de la ocupación de las ciudades árabes: la cristandad buscó entonces identificarse con las ruinas de civilizaciones anteriores en su afán de imprimirle un nuevo espíritu a las antiguas formas. En Tenochtitlan, los motivos de la ocupación fueron posiblemente similares a los de la recolonización de Granada y Córdoba. (...) Al ocupar Tenochtitlan los europeos destruyeron la imagen anterior a la conquista y se identificaron con la tradición política de este centro".

23 Santos, Eduardo Natalino dos. "As conquistas de México-Tenochtitlan ...", op. cit, pág. 230.

24 A respeito do entendimento e transformações do atepetl, calpolli e demais instituições territoriais

indígenas, consultar a obra Fernández Christlieb, Federico et al (coord.). ​Territorialidad y paisaje en el

(10)

como bárbaro e inferior 25​, apesar dos protestos do missionário dominicano Frei

Bartolomé de Las Casas, na controvérsia de Valladolid26​, em 1550.

Considerações finais

Apesar das praças urbanas e dos traçados regulares fazerem parte da história das cidades ao longo dos séculos - inclusive deste modelo ter sido adotado nas primeiras colônias hispano-americanas anteriores a Tenochtitlan, como Santo Domingo (1502), Santiago de Cuba (1511), mas principalmente Cidade do Panamá (1519) e Villa Rica de Vera Cruz (1519) - o que se verifica é que já existiam na América um modelo com praça monumental de formato regular, concebida como centro e símbolo político, que agrega múltiplas funções públicas. Combinada com as influências espanholas (inclusive islâmicas), especialmente na arquitetura, foi concebido um modelo de centro nas cidades hispano-americanas como parte da linguagem visual do sistema barroco espanhol. Esse novo formato de centro urbano com praça monumental influenciou o próprio urbanismo europeu moldando as "Plazas Mayores" ordenadas e regulares por toda a Espanha, a partir da segunda metade século XVI, posteriormente à experiência espanhola na América27​. Uma evidência desse fato é a criação e difusão da "Lei das

Índias", de 1573, para normatizar a ocupação e administração das cidades hispano-americanas, incluindo as praças, surgida após vários anos de experiências urbanas na América, cujas principais cidades já haviam sido fundadas, lembrando que as Ordenanzas de 1523, assinadas por Carlos V, não faziam referência a tamanhos ou

25 Menéndez y Pelayo, Marcelino. "J. Genesii Supulvedae Cordubensis Democrates alter, sive de justis

belli causis apud Indos", ​Boletín de la Real Academia de la Historia​, XXI, 1892, págs. 257-369.

26Debate promovido pela Coroa Espanhola entre Sepúlveda e Las Casas diante de duas posições distintas

em relação à legitimidade de intervenção sobre terras encontradas e seu povo. Enquanto o primeiro defendia o uso da violência e da escravidão contra os ameríndios, Las Casas o combatia desmontando seus argumentos.

27Os projetos para a ​Plaza Mayor de Madri iniciaram em 1590, mas o projeto final de Juan Gómez de

Mora (1586-1648), ocorreu em 1617, e determinou as dimensões da praça em 152 x 94 metros. Sua inauguração oficial ocorreu em 15 de maio de 1620, com a celebração da beatificação de Santo Isidoro, patrono da cidade e dos lavradores, apesar de ter sido concluída em 1622. A cidade, por sua vez, celebrou seus 400 anos em 2017, tendo como marco o ano de 1617, quando se iniciaram as obras do projeto final de Gómez de Mora. A praça sofreu reformas ao longo do tempo, devido, sobretudo, a três grandes incêndios (1631, 1672 e 1790). Ela segue a Plaza Mayor de Valladolid, traçada por Francisco de Salamanca (c.1514-1573), a primeira que se aproxima do formato quadrangular, e que foi inaugurada em 1561, enquanto que a Plaza Mayor da Cidade do México é de 1524.

(11)

formatos28​. Apesar das normas estarem destinadas, sobretudo, às cidades

hispano-americanas, elas também foram aplicadas às cidades espanholas29​.

Conforme destaca Campos Salgado:

As praças maiores, como tais, não foram criadas até depois do traçado da Nova Espanha, pelo que é possível concordar com a ideia de Carlos Chanfón, que afirmou que ​estas tinham sua origem nos relatos feitos dos grandes espaços abertos pré-hispânicos30​ (grifo nosso).

O historiador Ramón Gutiérrez também afirma que "as próprias Praças Maiores, construídas mediante aberturas no tecido urbano antigo são tardias em relação às ordenanças de Felipe II (Valladolid, 1592, Madri, 1617) o que aponta a importância da experiência americana nesse campo"31​.

Em 1948, George Kubler destacava a permanência indígena na capital mexicana, afirmando que "a Cidade do México reflete ainda as principais formas da capital asteca. Várias ruas centrais seguem o curso dos antigos canais 32​". Ele também apontava para a

importância da experiência na Cidade do México para o urbanismo:

As criações urbanas do século XVI no México tem importância não apenas para a história da colonização espanhola, mas também para a história do urbanismo em geral. Tais obras constituem um dos capítulos mais importantes dentro da história do urbanismo ocidental e incluíram ​hipóteses nunca antes testadas na Europa​, liberdade

28 ​Campos Salgado, José Ángel. "Traza y morfología de la Ciudad de México en el virreinato",

Investigación y Diseño 07. ​Anuario de posgrado de la División de Ciencas y Artes para el Diseño,

México, UAM-X, 2011, pág. 154.

29 Cf. Escobar, Jesús. ​The Plaza Mayor and the shaping of Baroque Madrid​. New York, Cambridge

University Press, 2003.

30 ​Campos Salgado, José Ángel. "Traza y morfología ...", op. cit, pág. 159. ​"Las plazas mayores como

tales no se crearon hasta después del trazo de la Nueva España, por lo que se puede coincidir con la idea de Carlos Chanfón, quien afirmaba que éstas tuvieron su origen en las reseñas que se hacían de los grandes espacios abiertos prehispánicos".

31 "las propias 'Plazas Mayores', construidas mediante aperturas del antiguo tejido urbano son tardías

respecto de las ordenanzas de Felipe II (Valladolid, 1592, Madrid, 1617) lo que señala la importancia de la experiencia americana en este campo". Gutiérrez, Ramón Arturo. ​Arquitectura y urbanismo em Ibero

América​. Madrid, Cátedra, 1983, pág. 93.

32 Kubler, George. ​Arquitectura mexicana...​, op. cit, pág. 152. "La ciudad de México refleja aún las

(12)

completa de experimentação, uma expansão incipiente e recursos ilimitados.33​ (grifo nosso).

Os saberes e fazeres ameríndios foram silenciados no processo histórico que destacou outras influências de origem europeias na constituição do urbanismo de grade regular, como os acampamentos militares romanos, as ideias racionalistas da Renascença ou os escritos de Vitrúvio (séc. I a.C.), por exemplo. A esse respeito, o arquiteto mexicano Carlos Chanfón Olmos (1928-2002) adverte que esses exemplos poderiam ser interessantes antecedentes formais, mas nunca poderiam ser antecedentes culturais, já que os assentamentos urbanos indígenas, cujas principais características eram "o planejamento espacial, a escala, o centralismo, a abertura e a ortogonalidade (...) já existiam neste continente [a América] muitos séculos antes da chegada dos europeus"34​. Pode-se dizer, conforme afirma a antropóloga mexicana Lucía Mier y

Terán Rocha que "a experiência peninsular na criação de cidades é tão importante quanto a influência dos elementos urbanos indígenas que imprimiram sua marca e dotaram as novas cidades coloniais de personalidade própria 35​", mas deve-se enfatizar a

matriz original indígena.

Não se pode ignorar a transculturalidade na formação das cidades latino-americanas e que esse movimento de adaptação do desenho urbano reflete a situação de uma nova sociedade em formação, como aponta a antropóloga estadunidense Setha Low:

A evidência etnohistórica e arqueológica sugerem que a praça colonial evoluiu a partir de influências indígenas e espanholas e modelos que criaram uma nova forma de design urbano. Esta nova forma, a praça

33Ibidem. "Las fundaciones urbanas del siglo XVI en México tienen importancia no sólo para la historia

de la colonización española sino también para la historia del urbanismo en general. Tales obras constituyen uno de los capítulos más importantes dentro de la historia del urbanismo occidental e incluyeron supuestos nunca antes dados en Europa, liberdad completa de experimentación, ua naciente expansión y recursos ilimitados. No existe nada comparable a ello después del Imperio romano, ni antes de las creaciones industriales del siglo XIX. Es por esto que, independientemente de la desintegración económica de la ciudad mexicana de nuestros días, y el evidente descuido de su fisonomía, ésta oferece formas urbanas que no sólo absorbieron la mayor parte de la energía de la Colonia sino que anticiparon muchas de las soluciones de la práctica europea posterior".

34Chanfón Olmos, Carlos.​Historia de la arquitectura y el urbanismo mexicanos, v2, El periodo virreinal​.

México, FCA, FA/UNAM, 1997, pág. 200.

35Mier y Terán Rocha, Lucía. ​La primera traza... op. cit, 2005, pág. 79. "la experiencia peninsular en la

creación de ciudades como la influencia de los elementos urbanos indígenas que imprimieron su sello y dotaron de personalidad propria a las nuevas ciudades coloniales".

(13)

americana espanhola mantém elementos arquitetônicos, espaciais e físicos de ambas as tradições, de modo que ​as tensões culturais de conquista e resistência são simbolicamente codificadas em sua arquitetura36​ (grifo nosso).

Depois de séculos de história contada por outras vozes e representada por outros olhares e mãos, os ameríndios têm sido estudados a partir de suas fontes de maneira interdisciplinar, o que tem promovido uma descolonização de sua própria história e da história da América Latina, em especial.

Parte da grande praça de Tenochtitlan permanece no Zócalo, ainda um potente espaço de grande simbologia e palco de manifestações populares, políticas e artísticas. A emergência da cidade ameríndia do subsolo que trouxe primeiramente grandes exemplares de sua escultura monumental no final do século XVIII com a reforma neoclássica da Praça, ficou ainda mais evidente com as escavações do Templo Mayor a partir de 1978, mas a identidade indígena está presente na materialidade, na mão de obra e na essência do Barroco Hispano-americano.

36 Low, Setha M. “Indigenous Architecture and the Spanish American Plaza in Mesoamerica and the

Caribbean.”​American Anthropologist​, vol. 97, nº 4, 1995, pág. 759. ​JSTOR​, www.jstor.org/stable/682595 "The ethnohistorical and archaeological evidence suggests that the colonial plaza evolved from both indigenous and Spanish influences and models that created a new urban design form. This new form, the Spanish Amercian plaza retains architectural, spatial and physical elements from both traditions, such that the cultural tensions of conquest and resistance are symbolically encoded in its architecture".

Referências

Documentos relacionados

físicas de produtos agrícolas (T) Sala 5 Máquinas e Implementos Agrícolas (P1) LAB Máquinas 8:10 9:00 Eletrônica Aplicada a Agricultura II (P1) Lab de Automação Tecnologias

Portanto, tendo em vista esse grande desafio que a tecnologia impõe às estratégias de preservação digital, e devido à complexidade e à especifi- cidade do documento

Quem pretender arrematar dito(s) bem(ns), deverá ofertar lanços pela Internet através do site www.leiloesjudiciais.com.br/sp, devendo, para tanto, os interessados,

A placa EXPRECIUM-II possui duas entradas de linhas telefônicas, uma entrada para uma bateria externa de 12 Volt DC e uma saída paralela para uma impressora escrava da placa, para

Aos 7, 14 e 21 dias após a emergência (DAE), foi determinado o índice SPAD no folíolo terminal da quarta folha completamente expandida devido ser esta folha recomendada para verificar

Este trabalho teve o objetivo de estudar a recuperação do cromo contido nas cinzas provenientes do tratamento térmico de resíduos de couro através de processo metalúrgico de

DOS DIREITOS DO FARMACÊUTICO Art. Dedicar, no exercício da profissão, quando em regime de relação de emprego, o tempo que sua experiência e capacidade profissional recomendarem

Gerúsia: câmaraformada por pessoas com mais de sessenta anos, que legislavam para todo o povo, eram vinte e oito membros eleitos pelo povo.. Apela: Assembleia do Povo,