• Nenhum resultado encontrado

Data do documento 1 de julho de 2021

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Data do documento 1 de julho de 2021"

Copied!
29
0
0

Texto

(1)

Processo 8776/14.1T8PRT.P1.S1 Data do documento 1 de julho de 2021 Relator Catarina Serra

SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA | CÍVEL

Acórdão

DESCRITORES

Seguro escolar > Menor > Matéria de facto > Livre apreciação da prova > Exame crítico das provas > Fundamentação de facto

SUMÁRIO

I. Não tendo a criança envolvida no acidente sequer dois anos e frequentando, não um jardim de infância ou estabelecimento de educação pré-escolar, mas uma creche, não está o acidente coberto pelo seguro escolar regulado na Portaria n.º 413/99, de 8.06, com base na qual poderia equacionar-se a responsabilidade do Estado e a competência dos tribunais administrativos.

II. Tendo o Tribunal recorrido procedido à reavaliação dos meios de prova sujeitos à livre apreciação e reponderado a questão de facto em discussão bem como formado uma convicção própria e autónoma, fundada na prova carreada para os autos, fez o Tribunal recorrido um uso adequado dos poderes-deveres que lhe são conferidos artigo 662.º do CPC.

III. O facto de a decisão do Tribunal da Relação ser, como é, coincidente com a decisão proferida pela 1.ª instância não pode constituir indício de que aquele não exerceu os poderes que lhe são atribuídos pelo artigo 662.º do CPC, dispondo-se, aliás, no n.º 1 desta norma que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto se – apenas se – os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.

IV. Admitindo-se que a fundamentação da decisão de não alteração da matéria de facto pareça escassa à ré, por não ocupar, como não ocupa, muitas linhas, a verdade é que a completude e a qualidade da fundamentação não podem medir-se pelo número de linhas ou de palavras usadas, sendo até defensável que a fundamentação das decisões judiciais é tanto mais incisiva quanto mais sintética é.

(2)

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I. RELATÓRIO

1 . AA, representado pelos seus progenitores BB, residente na …., ….., actualmente na …., ….., ….., intentou a presente acção, designada como acção declarativa de condenação com processo ordinário para efetivação de responsabilidade civil, contra Vai Avante-Associação Social e Recreativa e Cultural Bem Fazer, pessoa colectiva n.º ….., com sede na Rua …., …, ….. e contra Companhia de Seguros Açoreana, S.A., pessoa colectiva n.º n.º 512…48, com sede no …, …, …, …, com os seguintes pedidos:

a) Ser reconhecida e declarada a responsabilidade civil contratual das rés pelo sinistro ocorrido com o menor por incumprimento dos deveres de vigilância e proteção a que a primeira ré estava contratualmente vinculada e pela transferência da responsabilidade operada entre esta e a segunda ré por via da apólice de seguro escolar, acima identificada no artigo 73.º da petição inicial (artigos 798.º, 799.º e 800.º do Código Civil);

b) Serem, em virtude de tal responsabilidade, as rés condenadas a pagar à autora a indemnização calculada em função do grau de incapacidade que vier a ser atribuída ao menor, cujo montante só será possível determinar após realização de junta médica atribuição da mencionada incapacidade, que adiante se requererá;

c) [correspondente a d)] Serem, igualmente, em virtude da responsabilidade que lhes é imputável, as rés condenadas a pagar à autora as despesas por esta já suportadas por força da assistência médica e medicamentosa ao menor por causa do sinistro de que foi vítima no montante de €46,77, bem como no pagamento das despesas a que futuramente seja obrigada a título de assistência médica e medicamentosa, transporte, alojamento e alimentação indispensáveis para garantir essa assistência;

d) [correspondente a e)] Serem, igualmente em virtude da responsabilidade que lhes é imputável, as rés condenadas a pagar à autora uma indemnização por danos não patrimoniais equivalente a pelo menos 30% da indemnização que vier a ser calculada em função do grau de incapacidade que for atribuído ao menor artigo 11.º, n.º 4 da Portaria n.º 413/99 de 8.06.

Por fim, mais requer:

(3)

oftalmologista, para fixação da incapacidade do menor.

Alegou, para tal e em suma, que é mãe do menor AA, nascido em 24.09.2012, que frequentava a sala do 1.º ano da creche “S...”, pertencente à primeira ré, que dispõe de serviço de transporte realizado por uma carrinha que recolhe os menores na sua residência e os entrega aos pais ao fim do dia.

Mais alegou que no dia 22.04.2014, pelas 9h30m, a autora entregou o menor aos funcionários da primeira ré que acompanhavam a recolha das crianças na carrinha e pelas 19h30m o menor regressou a casa na carrinha da creche apresentando o olho esquerdo inflamado, vermelho e cheio de secreções e na caderneta escolar constava a informação que: “Hoje o AA esteve muito queixoso. Notamos também que ele esfrega muito os olhos principalmente o esquerdo”.

Afirmou ainda que, quando entregou o menor na carrinha pelas 9h30m, o mesmo não apresentava quaisquer sinais de irritação ou inflamação nos olhos, não se havia queixado, nem havia coçado ou esfregado qualquer um dos olhos. Mais afirmou que na ausência de explicação para a referida inflamação e uma vez que os sintomas eram em tudo semelhantes aos de uma conjuntivite decidiu aplicar ao menor uma pomada oftalmológica e aguardar até ao dia seguinte. Sucede que na manhã seguinte ao acordar o menor já não conseguia abrir o olho esquerdo, que se apresentava ainda mais vermelho e inchado e perante tal agravamento levou, de imediato, o menor as Urgências do Hospital ……, no ….., onde lhe foi diagnosticada a perfuração da córnea do olho esquerdo, perfuração esse que, de acordo com a informação prestada pelo médico que primeiramente assistiu o menor, só poderia ter sido causada por um objeto cortante e afiado de ponta muito fina.

Mais alegou que, em face de tal diagnóstico, o menor foi operado ao início da tarde desse mesmo dia para suturação da laceração corneana e colocação de lente intraocular e no dia seguinte foi sujeito a nova cirurgia no olho esquerdo e teve alta no dia 28.04.2014 com medicação e indicação para consulta externa. No dia 16.05.2014 foi novamente internado no Hospital …. para realização de intervenções de enfermagem e no dia 14.06.2014 foi sujeito a nova intervenção de enfermagem.

Explicou que actualmente se mostra impossível determinar com precisão e segurança o grau de visão do menor, sendo certo que o mesmo nunca mais irá recuperar a visão a 100%. Alegou, ainda, que o sinistro provocou dores intensas ao menor, causando-lhe a perda de parte da visão no olho esquerdo, está dependente da toma de medicação, carece de acompanhamento médico oftalmológico.

Mais alegou que antes do acidente o menor já se locomovia sozinho, dentro e fora de causa e depois do acidente não consegue abrir o olho esquerdo em ambientes de muita claridade, anda na rua com a cabeça baixa, o que lhe retira equilíbrio e orientação, inclina a cabeça para o lado esquerdo a fim de focar a visão do olho direito e assim conseguir ver melhor, nas viagens de carro chora constantemente por causa da claridade, usa óculos de sol na rua.

(4)

Esclareceu ainda, que o traumatismo sofrido causa instabilidade emocional e muito sofrimento ao menor.

Alegou que a primeira ré participou o sinistro à segunda ré em 14.05.2014, tendo a autora em 17.06.2014 remetido à segunda ré os comprovativos de todas as despesas até então suportadas com o menor no valor global de €46,77.

Declarou ainda que apresentou reclamação no Livro de Reclamações da primeira ré, exposição ao Centro Distrital da Segurança Social ….. e queixa-crime na Polícia de Segurança Pública ……. contra a primeira ré.

A título de alegação de razões de direito disse que por via do contrato de ensino estabelecido entre si e a autora, enquanto representante legal do menor, a primeira ré estava obrigada ao cumprimento, entre outros, do dever de vigilância e protecção do menor e que, embora não sejam conhecidas as concretas circunstâncias em que se deu a perfuração na córnea do olho esquerdo do menor, a mesma se deveu através da utilização de um objeto perfurante e ponta muito fina enquanto o menor estava sob a guarda e cuidados da creche da primeira ré e o acidente só ocorreu porque a primeira ré não tomou as medidas adequadas a impedir tal utilização – fosse por quem fosse –, medidas essas a que se encontrava legal e contratualmente vinculada, pelo que violou tais deveres contratuais.

Mais alegou que a responsabilidade da primeira ré encontra-se transferida para a segunda ré por via da apólice de seguro escolar contratada com o n.º …..43 e o evento descrito consubstancia um acidente escolar nos termos do disposto nos artigos 3.º, n.º 1 e 2 a) da Portaria n.º 413/99 de 8.06 que regulamenta o seguro escolar que garante ao sinistrado a realização de prestações atinentes à assistência médica e medicamentosa (…), bem como o pagamento de indemnização por incapacidade temporária permanente e por danos morais, sendo que a incapacidade do menor ainda não se encontra atribuída dado que o menor ainda não foi submetido a exame por junta médica, pelo que a indemnização a esse título devida pelas 1.ª e 2.ª rés só pode ser calculada e fixada após a competente perícia médica.

Concluiu que os danos alegados são merecedores de tutela legal e de reparação, nos termos do disposto nos artigos 798.º, 496.º, 562.º, 563.º e 564.º do Código Civil, bem como nos termos do disposto no artigo 11.º, n.º 4 da supra citada Portaria que regulamenta o seguro escolar.

2. A ré Associação Social Recreativa Cultural e Bem Fazer Vai Avante contestou a ação, defendendo-se, por excepção e por impugnação.

Por excepção invocou a sua ilegitimidade passiva para a presente acção, com fundamento que no âmbito da acção social escolar transferiu para a segunda ré a sua responsabilidade por eventuais acidentes escolares através da apólice n.º …..43

(5)

Impugnou a factualidade alegada pela autora na petição inicial, aceitando somente o alegado nos artigos 1.º, 2.º, 5.º e 7.º da petição inicial. Alegou, em suma, que o transporte do menor foi prestado com total segurança e quando o menor foi entregue pela trabalhadora DD à trabalhadora EE esta constatou que ele trazia o olho esquerdo vermelho, facto que comentou com a educadora. Mais alegou que já em ocasiões anteriores o menor tinha sido entregue aos cuidados da ré doente, com febre e medicado. Aduziu, ainda, que durante o dia foi constatado que o menor, para além de apresentar o olho vermelho, de vez em quando esfregava os olhos, principalmente o esquerdo e quando o fazia queixava-se, para além disso não apresentava qualquer outro sintoma, apresentava-se bem-disposto e brincou, comeu e dormiu como habitualmente, não apresentava secreções, apenas lacrimejava quando esfregava os olhos, pelo que tais sintomas não causaram alarme e por isso não contactaram a mãe, apenas a educadora registou os sintomas na caderneta, depois o menor foi transportado na carrinha para casa e depois disso nunca mais regressou a creche.

Mais alegou que a mãe do menor fez constar na reclamação que apresentou que o menor se encontrava constipado no dia em causa, não tendo transmitido essa informação como era seu dever.

Alegou, ainda, que não existem nas suas instalações quaisquer objetos cortantes e afiados de ponta muito fina e muito menos ao alcance das crianças.

Mais alegou que durante o tempo que esteve ao cuidado da 1.ª ré o menor nunca chorou de modo a fazer suspeitar que sentisse dor, muito menos dores intensas, apenas se queixava quando esfregava os olhos.

3. A ré Açoreana Seguros, S.A., impugnou, por desconhecimento, parte da factualidade alegada na petição inicial e, em suma, alegou que no exercício da sua actividade comercial outorgou com a Associação Social Recreativa Bem Fazer Vai Avante um contrato de seguro ramo acidentes pessoais/escolar/grupo, titulado pela apólice n.º …. e da averiguação que fez do sinistro não foi possível concluir que o mesmo tivesse ocorrido nas instalações da empresa segurada, nem durante o trajecto entre a residência do sinistrado e a referida creche.

4. A final foi proferida pelo Tribunal de 1.ª instância a seguinte decisão:

“Em face do exposto, e do limite previsto no artigo 609.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, decide-se:

Julgar ação procedente por provada e, em consequência:

- Em obediência ao disposto no artigo 609.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, condenar a ré Vai Avante-Associação Social e Recreativa e Cultural Bem Fazer a pagar ao autor AA, representado pelos seus progenitores BB e CC, somente a quantia de €28.351,00 (vinte e oito mil trezentos e cinquenta e um euros);

(6)

- Condenar a ré Seguradoras Unidas, S.A. a pagar ao autor AA, representado pelos seus progenitores BB e CC, a quantia de €1 650,00 (mil seiscentos e cinquenta euros)”.

3. Apelaram o autor e a 1.ª ré Vai Avante, na sequência do que o Tribunal da Relação … proferiu Acórdão com o seguinte dispositivo:

“Nestes termos, dá-se, em parte, provimento ao recurso do autor e nega-se provimento ao recurso da 1ª ré e, em consequência, condenam-se as 1ª e 2ª rés (esta até ao limite do capital seguro) a pagar ao autor a quantia de € 28,77 (despesas com medicamentos), a ressarci-lo das despesas futuras com médicos, medicamentos e transportes fruto do seu seguimento regular por oftalmologia e pedopsiquiatria e a indemniza-lo a título de dano biológico e não patrimonial, tudo a liquidar posteriormente nos termos supra referidos”.

5. Inconformada, vem a 1.ª ré Vai Avante interpor recurso de revista.

A terminar a sua alegação, formula as seguintes conclusões:

“I. O presente Recurso de Revista tem por objeto o douto Acordão do Tribunal da Relação …. que julgou a Apelação apresentada pelo A. parcialmente improcedente e pela 1.º Ré/ Recorrente improcedente.

II. Não se conformando com a mesma, embora por motivos diferentes, A. e 1ª R. recorreram para o Tribunal da Relação, cujo Acordão na sua parte decisória se pronunciou nos seguintes termos:

III. Nestes termos, dá-se, em parte, provimento ao recurso do autor e nega-se provimento ao recurso da 1ª ré e, em consequência, condenam-se as 1ª e 2ª rés (esta até ao limite do capital seguro) a pagar ao autor a quantia de € 28,77 (despesas com medicamentos), a ressarci-lo das despesas futuras com médicos, medicamentos e transportes fruto do seu seguimento regular por oftalmologia e pedopsiquiatria e a indemniza-lo a título de dano biológico e não patrimonial, tudo a liquidar posteriormente nos termos supra referidos.

Custas (nesta e na 1ª. Instância) pelas recorridas e recorrente na proporção do decaimento.

IV. De modo que vem o presente Recurso interposto do douto Acordão proferido pelo colendo Tribunal da Relação, que não confirmou e condenou a 1ª. e a 2ª. RR., (esta até ao limite do capital seguro), com fundamentação essencialmente diferente do Tribunal à quo, em quantia a liquidar posteriormente, que salvo o devido respeito, não podemos concordar.

(7)

que pode consistir tanto no erro de interpretação ou de aplicação, como no erro de determinação da norma aplicável; b) A violação ou errada aplicação da lei de processo; c) As nulidades previstas nos artigos 615.º e 666.º.

VI. No recurso de Apelação interposto pela 1ª. Ré, foi suscitada a reapreciação da matéria de facto e de direito, no que respeita aos depoimentos das testemunhas quanto à questão de determinar as circunstâncias de modo tempo e lugar da ocorrência do evento lesante, bem como o respectivo nexo de causalidade entre o facto e o dano, respeitante à matéria de facto dada como provada dos itens 14, 15 e 32, bem como dos itens 9 e 10 dos factos não provados

VII. Com recurso da 1ª. Ré sobre a matéria de facto, provada e não provada, exigia-se a análise pelo Tribunal da Relação dos depoimentos das testemunhas indicados que confirmassem (ou não) os factos considerados como provados.

VIII. Porém o Tribunal da Relação limitou-se ao invés de fazer um juízo crítico aos testemunhos em crise, a aderir simplesmente ao óbvio da seguinte forma: “O tribunal a quo avaliou o depoimento das testemunhas acima referidas (designadamente da Educadora, da auxiliar desta, da funcionária da recorrente que entregou o autor na creche, da condutora do transporte escolar e da auxiliar desta) cruzou-os, além do mais, com as declarações dos médicos oftalmologistas e dos pais do autor…”

IX. Ou seja, quem não cruzou a convicção do Tribunal de 1ª. Instância, aos depoimentos indicados pela 1ª. Ré, à sombra da livre convicção do julgador, foi o Tribunal da Relação, com lhe competia.

X. Da mera audição da prova testemunhal produzida, com conhecimento concreto dos factos, podia-se concluir manifestamente, pelo desconhecimento da forma e local onde o Autor de lesionou, pois todos eles são unanimes em considerar que aquele não se lesionou nas instalações da 1ª. Ré, aqui recorrente.

XI. Por outro lado, sequer forma vertidos factos que pudessem levar à falta de vigilância do Autor e da consequente violação desse dever.

XII. Os médicos oftalmologistas, livres de qualquer apego emocional à causa que aqui se discute, que receberam o Autor na urgência do hospital e que o trataram posteriormente, foram unanimes na impossibilidade temporal de situar a lesão e por essa via o local onde terá acontecido, e o próprio objeto lesivo.

Mais esclareceram os referidos clínicos que, a não ser a olhos treinados e experimentados como os deles, socorrendo-se de equipamento próprio, os sintomas que porventura apresentava o Autor, podiam passar despercebidos às pessoas que com aquele contactaram ou serem confundidos com outras doenças.

(8)

O venerando Tribunal da Relação no seu Acordão, dá enfase ao facto da lesão do Autor não dever passar despercebida a todos aqueles que com ele contactaram, quanto ao facto de os sinais de que algo não estava bem com o olho do Autor a que faz referência o Acordão recorrido, sem prejuízo do que se disse supra, deverem ter sido “…objetivamente assinalados logo na entrada da creche de modo a não subsistirem dúvidas quanto a esse facto”,

XV. E na realidade não passou, como poderia confirmar o Tribunal recorrido se atendesse aos depoimentos das testemunhas.

XVI. Por outro lado, o mesmo comportamento, é desvalorizado no que se refere aos pais da criança, os quais, apesar de avisados pela educadora, dos sintomas dados como provados em 17 e 19 da Sentença, só resolveram levar a criança ao hospital no dia seguinte.

XVII. Concluindo, o que se passava com o menor foi assinalado pelo depoimento das testemunhas EE e FF, que acaso o Tribunal da Relação tivesse analisado de forma critica os depoimentos das testemunhas indicadas na Apelação, teria alterado o decidido pelo tribunal a quo em matéria de facto, relativamente aos factos a que aludem os itens 14, 15 e 32 dos factos dados como provados e dos itens 9 e 10 dos não provados, como foi requerido na Apelação.

XVIII. No douto Acórdão de que se recorre, não foi efetuada tal análise crítica por inferência abdutiva, a partir dos dados certos para chegar ao facto probando como parece que deveria ter sido feita, o que aconteceu por errada interpretação das normas constantes dos Artºs. 607º, nº 4, e 662º, nº 1, do C.P.C. e, designadamente pelo não estabelecimento da presunção judiciária prevista no Artº 351º do C. Civil, para que remete a parte final do citado nº 4 do artº 607º do C.P.C.

XIX. Por imperativo do artº 662º, nº 1, do C.P.C. cabe ao Tribunal da Relação a reapreciação da prova e a realização de um segundo julgamento de facto que, naturalmente, deverá seguir a regra constante do artº 607º, nº 4 do C.P.C., e se o Tribunal da Relação não realiza esse juízo de reapreciação de forma correta, isto é, realizando efetiva apreciação critica e conjunta da prova produzida e tirando dos factos apurados as presunções judiciais devidas segundo as regras da experiência, designadamente as regras da física, – como salvo o devido respeito é o caso – mal interpreta e mal aplica as regras conjuntas dos artºs. 607º, nº 4, e 662º, nº 1, do C. P. C., e 351º do C. Civil.

XX. Ora o Acórdão recorrido não atendeu ao pedido de alteração da matéria de facto, com o que violou o disposto no n.º 1 do artigo 662.º do Código de Processo Civil, devendo ser revogado.

XXI. A este propósito, socorremo-nos das palavras do acórdão deste Supremo Tribunal de 10/09/2019 (proc. nº 1067/16.5T8FAR.E1.S2), cujo sumário está disponível em www.stj.pt, para equacionar os termos em que a questão deve ser apreciada:

(9)

XXII.

XXIII. “(…) tem entendido a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça que a intervenção da 2.ª instância em matéria de facto, para ser efectiva, impõe a reapreciação das provas, devendo a mesma ser efetuada pela Relação com base na análise crítica da prova em que se fundamenta a decisão, através da formação de uma convicção própria, não bastando uma mera apreciação do julgamento efetuado.[nota 8: cfr., entre outros, os acórdãos do STJ de 09-09-2014, proc. nº 2380/08.0TBFAG.G1.S1, Relator Gregório Silva Jesus, de 13-09-2016, proc. nº 152/13.0TBIDM.C1.S1, Relator Fonseca Ramos e de 16-11-2017, proc. nº 499/13.5TBVVD.G1.S1, Relator Fernando Bento, disponíveis em www.stj.pt (sumários de acórdãos)].

Com efeito, no seguimento das alterações ao CPC introduzidas pela Reforma de 2013, no âmbito dos seus poderes de reapreciação da matéria de facto, compete à Relação “assumir-se como verdadeiro tribunal de instância e, portanto, desde que dentro dos seus poderes de livre apreciação dos meios de prova encontre motivo para tal, deve introduzir na decisão da matéria de facto impugnada as modificações que se justificarem”.[nota 9: António Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 5ª Edição, págs. 286 e 287.

Daí que, conforme se refere no sumário do Acórdão do STJ de 04-10-2018 [nota 10: cfr. acórdão proferido no proc. nº 588/123TBPVL.G2.S1, Relatora Rosa Tching, disponível em www.dgsi.pt]:

“I - A apreciação da decisão de facto impugnada pelo tribunal da Relação não visa um novo julgamento da causa, mas, antes, uma reapreciação do julgamento proferido pelo tribunal de 1.ª instância com vista a corrigir eventuais erros da decisão.

II - No âmbito dessa apreciação, incumbe ao tribunal da Relação formar o seu próprio juízo probatório sobre cada um dos factos julgados em primeira instância e objeto de impugnação, de acordo com as provas produzidas constantes dos autos e das que lhe for lícito ainda renovar ou produzir (als. a) e b) do n.º do art. 662.º do CPC), à luz do critério da sua livre e prudente convicção, nos termos do art. 607.º, n.º 5, ex vi do art. 663.º, n.º 2, ambos do CPC.”

XXVII. Importa, pois, averiguar se a Relação “face à impugnação da matéria de facto operada pela recorrente no seu recurso de apelação, cumpriu este seu poder/dever, tendo analisado criticamente a prova produzida no que concerne aos factos impugnados, e, dessa forma, formado uma convicção própria ou autónoma a respeito destes factos, sem que tal constitua um novo julgamento mas que corresponda ao efetivo cumprimento destes ditames processuais.”

Salvo o devido respeito, da simples análise do decidido a respeito da matéria de facto, entendemos que não.

(10)

XXIX. Na realidade, segundo o preceituado no nº 4 do Artº 607º do C.P.C., “Na fundamentação da douta sentença, os juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas (….) compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou pelas regras da experiência”.

XXX. Haveria, pois, o Tribunal da Relação de fazer, e não fez, a presunção judiciária prevista no artº 351º do C. C. para que remete a parte final do nº 4 do Artº 607º do C.P.C., no julgamento dos factos em causa, obviamente segundo o mesmo critério, de conformidade com o artº 692º, nº 1, citado.

XXXI. No vertente recurso está em causa uma questão autónoma e concreta cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, se afigura claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, pois, com a passagem na legislação processual civil do regime de convicção livre para o de livre convicção motivada e também com a introdução no sistema processual de um segundo e efectivo grau de jurisdição sobre a matéria de facto, instalou-se a controvérsia sobre se bastaria ao juiz a menção dos meios de prova em que a decisão assentava ou se pelo contrário era necessário a explanação do raciocínio que, na apreciação da prova, tinha sido seguido pelo juiz, para chegar às conclusões sobre os factos julgados provados ou não provados.

XXXII. Adentro da divergência de entendimentos, perfilhando-se o segundo, como parece ser pacífico, está estabelecida ainda uma segunda controvérsia, que reside em que uma vez explanado o juízo de apreciação das provas e respetivas conclusões, bom ou mau que seja o juízo apreciativo e conclusivo, nada mais há a fazer, porquanto a decisão, boa ou má, está dentro da liberdade motivada de convicção, ou se, pelo contrário, pode e deve haver ainda uma sindicância sobre a justeza e bondade dessa apreciação e conclusões, que não é mais do averiguação sobre se as regras que conduzem à livre apreciação motivada foram ou não bem interpretadas e aplicadas.

XXXIII. Para efeitos da melhor aplicação do direito sobre tal questão, é importante a definição sobre se, após a realização do julgamento de pelo Tribunal da Relação é possível e legalmente viável a averiguação sobre se em tal julgamento foram devidamente interpretadas as regras processuais segundo as quais esse julgamento deve ser feito e, não tendo sido, qual o efeito dessa errada interpretação e aplicação nos factos ajuizados.

XXXIV. Como parece evidente, a solução a tal questão jurídica repercute-se do na sociedade em geral, sobretudo na comunidade ligada ao direito e sua aplicação, para além da repercussão que sempre terá, em maior ou menor grau, nos interesses das partes no processo, o que vale dizer que a solução da questão concreta do presente recurso pode conduzir a resultado que sirva de orientação a quem mais, noutras situações, tenha interesse jurídico e profissional, com a correspondente repercussão social em geral, para além daquela deva ter nos interesses das partes neste processo, pelo que crê a Recorrente ter

(11)

apresentado as razões pelas quais a apreciação da questão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

XXXV. A inobservância do dever de fundamentação previsto nos artº 154º e 607º, nº 4, do C.P.C. deveria conduzir simplesmente ao julgamento dos factos como não provados.

XXXVI. O julgamento assim efetuado conduz a que devam ser julgadas materialmente inconstitucionais ambas as normas, quando interpretadas no sentido de ser admitida fundamentação da decisão da matéria de facto apenas no parecer do Tribunal, ou seja, da forma sustentada nesta sentença, por violação do Artº 205º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP), nem com tal sentido ou significado devendo aplicada pelos Tribunais, conforme o Artº 204º da mesma CRP.

XXXVII. Seja por falta de fundamentação, seja pelo não conhecimento dos factos o douto Acórdão e enferma de nulidade nos termos do artº 674º, nº 1, alínea c) do C.P.C.

- Ilegitimidade Passiva da 1a. Ré.

XXXVIII. Refere a este respeito o Acordão recorrido que a legitimidade afere-se pela relação material controvertida tal como a configura o autor (art. 30º, nº 3 do CPC).

XXXIX. Refere ainda, que se de facto o acidente em questão estivesse abrangido pelo seguro escolar (cfr art. 2º nº 1 als. a), b), c), d) e e) da portaria 413/99 de 8/6 poder-se-ia concluir que o demandado deveria ter sido o Estado e a competência seria dos tribunais administrativos.

XLI. Contudo, o acidente descrito ocorreu numa creche (que não é um jardim de infância nem ensino pré-escolar que se caracterizam por receber crianças dos três aos seis anos) e o autor tinha então pouco mais de um ano e seis meses (não tinha idade sequer para frequentar qualquer dos estabelecimentos de ensino aludidos nas citadas alíneas do artº 2º n.º 1 da referida portaria) pelo que não se mostra aplicável ao caso em apreço o referido seguro escolar dado que o autor não está abrangido no âmbito do seguro não é aluno do pré-escolar, do ensino básico, do ensino secundário.

XLII. Consequentemente, o único seguro a considerar, no caso em apreço, é o seguro outorgado entre os réus e porque o pedido extravasa a cobertura do mesmo e à recorrente, também, parte legítima para a ação tendo em consideração os pedidos e a causa de pedir desta (subsumível à responsabilidade civil).

XLIII. De facto, a citada Portaria 413/99 de 8/6 no seu artigo 3.º n.º 1, descreve o que se considera acidente escolar, para efeitos do presente Regulamento, o evento ocorrido no local e tempo de atividade escolar que provoque ao aluno lesão, doença ou morte.

(12)

XLIV. O âmbito do Artigo 2º, nº. 1 refere que o seguro escolar abrange: As crianças matriculadas e a frequentar os jardins de infância da rede pública e os alunos dos ensinos básico e secundário, incluindo os ensinos profissional e artístico, os alunos dos estabelecimentos de ensino particular e cooperativo em regime de contrato de associação, e ainda, os que frequentam cursos de ensino recorrente e de educação extra-escolar realizados por iniciativa ou em colaboração com o Ministério da Educação, em que se enquadra a Recorrente.

XLV. A referida Portaria, não faz qualquer menção à idade das crianças, mas sim ao espaço que frequentam, veja-se por exemplo: jardim de infância, em cujo espaço se inseria o Autor “Creche e Jardim de Infância S...”

XLVI. Na verdade, o próprio preâmbulo do citado diploma legal refere que “A evolução verificada no sistema educativo aconselha a que se proceda à revisão do regulamento até agora existente, alargando às crianças que frequentam os jardins-de-infância e aos alunos dos ensinos básico e secundário, incluindo os ensinos profissional, artístico e recorrente, as acções de prevenção e protecção em caso de acidente escolar.”

XLVII. Ora tendo a os Autores intentado a presente ação contra a Ré para ressarcimento dos danos ocorridos no menor AA em consequência de acidente verificado no estabelecimento de ensino da Primeira Ré teríamos de convocar o citado diploma legal, uma vez estamos na presença de um acidente que se enquadra na definição legal de acidente escolar tal como está definido no art. 3.º e cujo âmbito de aplicação, bem como se enquadra no âmbito do referido diploma os termos do art. 2.º n.º 1 al. a).

XLVIII. Veja-se a este respeito o douto acórdão do TCAN de 06/05/2011, aliás referido na Sentença de que se recorre “…«o seguro escolar, à luz dos diplomas que o criaram ou instituíram, constitui uma modalidade de ação social escolar destinada a garantir a cobertura financeira dos danos resultantes do acidente escolar e cujo fim primordial é a proteção dos próprios alunos durante a vida escolar, garantindo-se aos mesmos uma cobertura financeira na assistência de que careçam em consequência de acidente escolar de que sejam vítimas».

XLIX. O seguro escolar constitui um sistema de proteção destinado a garantir a cobertura dos danos resultantes do acidente escolar, prestados aos alunos complementarmente aos apoios assegurados pelo sistema nacional de saúde, e abrangendo desde o nível pré-escolar ao secundário da rede pública e particular com contrato de associação, e ainda a educação extra- escolar e as AEC.

L. Como consta os autos docs. junto a fls.., a 1ª. Ré celebrou um contrato de associação relativo à Creche S... com o Instituto da Segurança Social I. P./ Centro Distrital do ... e em vigor à data dos factos, e por seu turno, o Autor apesar de ter cerca de um ano e meio de idade, estava validamente matriculado no Jardim Infantil da 1ª. Ré.

(13)

LI. A decisão recorrida ao afastar a procedência da responsabilidade do Estado pelo facto de o Autor não atingir a idade mínima de 03 anos, correspondente ao jardim de infância, é inconstitucional.

LII. Ao dispor desta forma o art. 2.º, n.º 1 da citada Portaria viola de forma frontal o Princípio da Igualdade previsto no artigo 10.º da CRP, sendo como tal inconstitucional, art. 204.º CRP, devendo como consequência ser declarada a legitimidade passiva do Estado Português.

LIII. De acordo com o art. 608º n.º 2 do CPC, “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, (...) salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento.

Nestes termos a inobservância de tal comando é, como se sabe, sancionada com a nulidade da sentença nos artigos 615.º e 666.º. o que desde já se invoca.

LIV. O objeto do recurso é delimitado pelas questões suscitadas nas conclusões dos recorrentes, sem prejuízo de a lei impor ou permitir o conhecimento oficioso de outras: art. 608º nº 2, ex vi do art. 663º nº 2 do CPC.

LV. A douta decisão recorrida viola, entre outros, as normas e os princípios jurídicos constantes dos do D. L. 35/90 e o disposto na Portaria n.º 413/99 de 08/06, bem como a al. d), nº 1, do artigo 615º do Código Processo Civil,

LVI. Em suma foram violadas todas as normas supra enunciadas”.

6. Vem, por seu turno, AA, representado pelos seus progenitores BB e CC, responder à alegação.

Conclui o autor nos seguintes termos:

“- o Recurso de Revista da Recorrente não deve ser, desde logo, admitido, face à existência de dupla conforme entre a decisão da 1ª Instância e o douto Acórdão recorrido, seja quanto à matéria de facto, seja quanto à ilegitimidade passiva da 1ª Ré.

- Ainda que assim não fosse - o que apenas por mero dever de patrocínio não pode deixar de se contemplar - o Recorrido entende que a Relação fez uma correcta e fundamentada apreciação da matéria de facto indicada pela 1ª Ré, bem como da questão de Direito respeitante à ilegitimidade passiva, não violando, dessa forma, qualquer das disposições invocadas pela recorrente.

- As Alegações produzidas pela Recorrente na presente Revista em nada põem , assim, em causa as doutas considerações do tribunal da Relação, devendo a mesma manter-se em toda a extensão”.

(14)

7. Em face das alegações referidas, os Exmos. Desembargadores do Tribunal da Relação …. reuniram em Conferência e proferiram um Acórdão com o seguinte teor:

“Reanalisando o acórdão proferido conclui-se que não foram cometidas as nulidades invocadas no requerimento de recurso pelo que se acorda no sentido de que as mesmas não se mostram procedentes.

Admite-se o recurso (julga-se que não existe dupla conforme) o qual sobe imediatamente, nos próprios autos e tem efeito devolutivo”.

*

Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente (cfr. artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. artigos 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do CPC), as questões a decidir, in casu, são as de saber se:

1.ª) o Acórdão recorrido enferma de nulidade;

2.ª) se verifica a ilegitimidade passiva da ré, ora recorrente; e

2.ª) o Tribunal recorrido deixou de exercer os poderes-deveres que lhe são conferidos pelo artigo 662.º do CPC.

*

II. FUNDAMENTAÇÃO

OS FACTOS

(15)

1 - AA nasceu no dia ... de setembro de 2012 e consta do seu assento de nascimento como sendo filho de CC e BB.

2 - Em 22 de abril de 2014 o AA frequentava a sala do 1 ano da creche “S...” pertencente à ré Vai Avante- Associação Social e Recreativa e Cultural Bem Fazer, Instituição Particular de Solidariedade Social, com acordo de cooperação para a resposta social de creche com o Centro Distrital ... da Segurança Social, associação na qual os pais do AA o matricularam, cuja matricula foi aceite pela ré, obrigando-se a ré assegurar, além do mais, a prestação dos seguintes serviços: Acompanhamento nas rotinas diárias das crianças, alimentação e cuidados de higiene e os pais ao pagamento das respetivas mensalidades, obrigando-se ambas as partes ao cumprimento das regras do Regulamento Interno de Funcionamento da primeira ré.

3 - A prestação de serviços por parte da ré está sujeita às regras do seu Regulamento Interno, no qual consta, além do mais:

- norma IV quanto aos serviços prestados e atividades desenvolvidas que: a Resposta Social S... assegura a prestação dos seguintes serviços: Acompanhamento nas rotinas diárias das crianças, alimentação e cuidados de higiene;

- norma XIX quanto aos cuidados de saúde: «1-Para salvaguarda de todas as crianças que frequentem a Creche, não é permitida a entrada de crianças que apresentem sintomas ou sinais de doença, ou que tenham parasitas. Só poderão voltar a frequentar a Creche, mediante a apresentação de um atestado médico comprovando a total recuperação em termos de saúde. No caso de parasitas, os pais ou encarregados de educação terão que efetuar a limpeza e respetivo tratamento. 2- Sempre que a criança manifeste sinais de doença durante a estadia na creche, a instituição informa os pais, devendo recolher a criança o mais breve possível; 3- Os pais ou encarregados de educação devem informar a educadora de todas as alterações que notem na criança, notadamente indisposições noturnas, febre entre outras. 4-Todos os medicamentos que a criança tenha de tomar durante as horas de permanência na creche deverão vir identificadas com o nome da criança, as horas de administração dos mesmos. 5- No caso de acidente ou doença súbita que necessite de tratamento imediato, a criança será encaminhada para unidades hospitalares, e em simultâneo é feita comunicação aos pais ou encarregados de educação do local onde se encontra a criança;

norma XXV Deveres da entidade gestora do estabelecimento/serviço São deveres da Creche S...: -Proporcionar o bem-estar e desenvolvimento integral das crianças num clima de segurança afetiva e física, durante o período de afastamento parcial do seu meio familiar através de um atendimento individualizado; (…)».

(16)

participou à ré seguradora que: «No dia 22/4/2014 o menor AA de 18 meses de idade apresentou olho vermelho e quando esfregava o olho queixava-se, esta indicação foi dada aos pais ao final do dia, e estes no dia seguinte de manhã tiveram necessidade de levar o menor ao hospital onde foi submetido a cirurgia e com as consequências constantes do documento que se anexa à presente».

5 - A primeira ré Vai Avante-Associação Social e Recreativa e Cultural Bem Fazer celebrou com a Açoreana Seguros contrato de seguro titulado pela apólice n.º ….43, constando das condições particulares do mesmo o seguinte teor: «Ramo Ac. Pessoais-Escolar-Grupo, (…) Plano de coberturas Escolar-Grupo-2011, Natureza Ata Adicional n.º 8, data efeito da ata: 9/4/2014; Data/Hora/Início da Apólice 6/abr/2013, Condições especiais aplicáveis: 003 007 033 100, pela presente ata adicional se declara que a apólice acima referenciada foi alterada a partir de 9/4/2014, passando a vigorar de acordo com as Condições Particulares a seguir discriminadas: Coberturas/Capital Seguro: Morte ou Invalidez Permanente €10 000,00; Despesas de Tratamento e Repatriamento €2 000,00; Responsabilidade Civil Alunos €12 000,00; Aderentes conforme listagem em poder da companhia H.Legais: S, Local de Risco Rua …; Declarações: Entenda-se que o valor “S” visualizada nas pessoas seguras (H.Legais), informa que os beneficiários em caso de morte são os Herdeiros Legais das pessoas seguras; Início da Cobertura dos Riscos De acordo com o previsto na legislações em vigor, designadamente os artigos 59.º e 61.º do Decreto-Lei 72/2008 de 16/4 o prémio ou fração inicial é devido na data da celebração do contrato ou na data estabelecida nas condições particulares, ficando a eficácia do contrato dependente do pagamento efetivo do prémio ou fração inicial. (…) N. pessoas seguras: 326 alunos, conforme relação anexa à apólice; Âmbito da Cobertura: creche, jardim de infância, CATL e Centro Comunitário; Local de Risco: na morada do tomador; Coberturas e capitais por aluno: Morte ou invalidez permanente €10 000,00; Despesas de Tratamento €2 000,00; Despesas de Funeral €2 000,00; Responsabilidade Civil Alunos (Danos Corporais) €10 000,00; Responsabilidade Civil Aluno (Danos Materiais) €2 000,00; Responsabilidade Civil Cruzada €2 500,00; Franquia: Sem aplicação de qualquer franquia. Para crianças de idade inferior a 14 anos, o capital de morte é substituído pela cobertura de despesas de funeral até ao limite subscrito», conforme folhas 81 a 83.

6 - Em 17 de junho de 2014 a solicitação da segunda ré, a mãe do AA, por carta registada com aviso de receção, remeteu àquela os comprovativos de todas as despesas médicas suportadas até então no valor de €46,77, carta que foi recebida pela segunda ré em 19 de junho de 2014.

7 - Em 4 de julho de 2014 a mãe do AA, a solicitação da segunda ré, por carta registada com aviso de receção, enviou a segunda ré os elementos referentes à informação clínica e a alta do AA, carta que foi recebida pela segunda ré em 8 de julho de 2014.

8 - Em 6 de maio de 2014 a mãe do AA apresentou reclamação no livro de reclamações da primeira ré.

9 - Em 6 de maio de 2014 a mãe do AA remeteu ao Centro Distrital da Segurança Social do ..., por carta registada, a exposição de folhas 39 e 31 que foi encaminhada para o Departamento de Fiscalização da

(17)

Segurança Social.

10 - Em 29 de abril de 2014 a mãe do AA apresentou queixa na PSP de … contra a primeira ré, que deu origem ao processo de inquérito n.º 337/14….., no qual foi proposto às arguidas FF e GG suspensão provisória do processo mediante o cumprimento de injunções e regras de conduta, com o que o Juiz de Instrução Criminal concordou.

11 - Em 5 de setembro de 2014 foram enviados, por e-mail, à segunda ré os seguintes elementos: nome e morada dos encarregados de educação do AA, informação clinica atual e preenchimento do boletim de exame e alta e confirmação das despesas já enviadas.

12 - A creche “S...” pertencente à primeira ré dispõe de serviço de transporte das crianças nela inscritas, transporte esse realizado por uma carrinha que recolhe os menores nas suas residências pela manhã e os entrega aos pais ao fim do dia nas residências.

13 - No dia 22 de abril de 2014, entre as 9h e as 9h30m, a mãe entregou o AA à funcionária da primeira ré, de nome DD, que acompanhava a recolha das crianças na carrinha.

14 - Nessa altura o AA não apresentava sinais de irritação ou inflamação nos olhos, nem sinais de comichão nos mesmos.

15 - O AA foi conduzido à creche “S...” e aí entregue pela trabalhadora DD à trabalhadora EE na receção das instalações da ré.

16 - O AA permaneceu na creche da ré aos cuidados das funcionárias da mesma até o regresso a casa em carrinha do serviço de transporte a cargo da primeira ré.

17 - Pelas 19h30m do dia 22 de abril de 2014 o AA regressou a casa na carrinha da creche, apresentando o olho esquerdo inflamado, vermelho e com secreções.

18 - Na caderneta - caderno escolar onde são registados pelos técnicos responsáveis os aspetos relacionados com a criança e a sua participação nas atividades escolares - encontrava-se registada pela educadora de infância do menor, FF, a seguinte informação: Hoje o AA esteve muito queixoso. Notamos também que ele esfrega muito os olhos principalmente o esquerdo».

19 - Na ausência de explicação para a inflamação e uma vez que os sintomas da mesma eram semelhantes aos de uma conjuntivite a mãe do AA aplicou ao menor uma pomada oftalmológica e aguardou pelo dia seguinte.

(18)

20 - Na manhã do dia seguinte, ao acordar, cerca das 8h30m, o menor não conseguia abrir o olho esquerdo, que se apresentava ainda mais vermelho e inchado.

21 - A mãe do AA levou-o ao serviço de urgência do Hospital …, no ... e aí foi diagnosticado ao menor perfuração da córnea do olho esquerdo.

22 - Perfuração que terá ocorrido por aparente mecanismo traumático, segundo o relatório clínico do médico que assistiu o menor.

23 - A lesão da córnea é uma lesão dolorosa.

24 - Em face do diagnóstico o AA foi operado no início da tarde do dia 23 de abril de 2014 para suturação da laceração corneana e colocação de lente.

25 - No dia seguinte o AA foi sujeito a nova cirurgia no olho esquerdo para emulsificação e aspiração de catarata, provocada pelo traumatismo que causara a laceração da córnea.

26 - O menor teve alta no dia 28 de abril de 2014.

27 - Medicado e com consulta marcada.

28 - No dia 16 de maio de 2014 o AA foi internado no Hospital …. para realização de intervenções de enfermagem no olho esquerdo que ocorreu no dia 19 de maio de 2014 consistentes em “OE Limpeza de massas, abertura do saco capsular (irregular) e inserção de lente intra-ocular (+23D)”.

29 - No dia 14 de junho de 2014 o menor foi sujeito a nova intervenção de enfermagem para exérese cirúrgica de membrana pupilar (remoção da lente intra-ocular para limpeza da mesma).

30 - Em 17 de julho de 2014 foi a consulta de especialidade oftalmologia pediátrica.

31- Em virtude do traumatismo sofrido e das lesões deles decorrentes o menor esteve desde junho a agosto de 2014 sujeito diariamente à seguinte medicação e procedimentos: a) antibiótico Ronic de 1h em 1h; b) anti-inflamatório Edolfene de 3h em 3h, c) Cortisona Celestone de 4h em 4h, d) um dilatador de pupila Midriodavi de 12h em 12h e e) um redutor de pressão intra-ocular elevada “Timoptol” de 12h em 12h, como o que despendeu o montante de €28,77.

32 - A perfuração da córnea do olho esquerdo do menor deu-se através de um objeto perfurante de ponta fina enquanto o menor estava à guarda e cuidados da primeira ré na creche S..., que não o protegeu e vigiou de forma de forma a não sofrer a lesão que apresentou.

(19)

33 - O AA não recuperará na totalidade a visão que tinha no olho esquerdo.

34 - O AA carece de acompanhamento médico, consultas de oftalmologia e exames.

35 - Em virtude da lesão que sofreu o AA tem sensibilidade à luz.

36 - O AA inclina a cabeça para o lado esquerdo a fim de focar a visão do olho direito.

37 - Nas viagens de carro o AA chorava por causa da claridade.

38 - O AA usa óculos de sol na rua para minimizar a sensibilidade à luz.

39- O traumatismo sofrido pelo AA causa-lhe instabilidade emocional e sofrimento, sem psicopatologia relevante.

40 - Nas circunstâncias de tempo e lugar descritas em 12) menor encontrava-se ao colo da mãe e foi entregue ao colo da trabalhadora DD, que o sentou na cadeira própria para transporte do menor e lhe colocou o cinto de segurança.

41 - O veículo no qual o AA foi transportado está licenciado para o transporte de crianças.

42 - A deslocação durou cerca de 10 minutos.

43 - Em ocasiões anteriores, em 7/10/2013 e 14/4/2014, a mãe do AA tinha entregue o AA aos cuidados da primeira ré com febre e medicado e noutra deu instruções para manterem o menor na creche até à hora habitual.

44 - Durante o dia 22 de abril foi constatado pela educadora e pelas auxiliares que o menor para além de apresentar o olho vermelho, de vez em quando esfregava os olhos, principalmente o olho esquerdo e quando o fazia queixava-se e lacrimejava.

45 - As trabalhadoras da primeira ré entenderam não ser necessário contactar a mãe do menor durante o dia.

46 - Durante a viagem de regresso a casa o menor dormiu na viagem.

(20)

47 - No exame pericial foi observado no olho esquerdo duas áreas esbranquiçadas, infracentimétricas, na pupila e no limite entre o iris e a esclera, no quadrante súpero-externo do globo ocular e exame complementar de oftalmologia foi observado leucoma central em forma de V com pelo menos 3 mm, pseudofaquia posterior, muita fotofobia durante o exame, aparente ortoforia.

48 - Como lesões/sequelas relacionáveis consta do relatório pericial o examinado demonstra reação de fuga à exposição luminosa e à observação direta observam-se aparentes leucomas corneanos e irregularidade da abertura pupilar à esquerda, acuidade visual diminuída à esquerda.

49 - No relatório médico pericial o perito médico concluiu que:

- A data da estabilização das lesões foi fixada em 15/6/2015;

- O período de défice funcional temporário total foi fixado em 13 dias e o défice funcional temporário parcial num período de 406 dias.

- O quantum doloris foi fixado no grau 5/7.

- O défice funcional permanente da integridade físico-psiquica foi fixado em 33 pontos;

- Repercussão permanentes nas atividades desportivas e de lazer fixável no grau 4/7;

- Ajudas permanentes: seguimento médico regular por oftalmologia e pedopsiquiatria.

E são seguintes os factos considerados não provados no Acórdão recorrido:

1 - O autor ainda está dependente da aplicação diária de um redutor da pressão intraocular denominado “Timoptol”.

2 - A necessidade de consulta referida em 34) dos factos provados é mensal.

3 - Antes do acidente o autor já se locomovia sozinho, dentro e fora de casa.

4 - O autor anda na rua sempre com a cabeça baixa, o que lhe retira equilíbrio e orientação, e por esse motivo o menor não consegue andar na rua sozinho, necessitando de andar sempre de mão dada com outra pessoa para se equilibrar.

(21)

6 - O autor não consegue abrir o olho esquerdo.

7 - O autor cai dentro de casa por não conseguir ver bem e perder o equilíbrio.

8 - Em virtude da lesão que sofreu o AA viu-se subtraído de andar a pé sozinho, ver televisão, nadar, interagir com outras crianças sem receio.

9 - A trabalhadora da ré EE quando recebeu o AA nas circunstâncias descritas em 13) dos factos provados constatou que o menor trazia o olho esquerdo vermelho.

10 - Facto que comentou com a educadora da sala, FF, quando a ela entregou o menor, suspeitando ambas de uma constipação ou conjuntivite.

11 - No dia 24 de abril de 2014 o menor não apresentava febre, nem quaisquer outros sintomas de doença.

12 - No dia 24 de abril de 2014 o menor apresentava-se bem-disposto e brincou com outras crianças.

13 - Comeu e dormiu.

14 - Mantendo-se a educadora e as auxiliares vigilantes do sintoma que o menor apresentava quando chegou.

15 - Durante o tempo em que o menor esteve ao cuidado da primeira ré o menor não apresentava secreções.

16 - Não existem nas instalações da ré objetos cortantes e afiados de ponta fina e ao alcance das crianças.

17 - Durante o tempo que o AA esteve ao cuidado da primeira ré o menor nunca chorou de modo a fazer suspeitar que sentisse dor.

O DIREITO

Passe-se agora à apreciação das três questões levantadas nas conclusões da revista interposta pela ré / recorrente.

(22)

1.º) Da alegada nulidade do Acórdão recorrido

Como decorre, aliás, do teor das conclusões em que é alegada (cfr. conclusões XXXVII, LII e LV), a questão da nulidade do Acórdão recorrido está intimamente relacionada com aquela outra que parece ser a questão central e será tratada em último lugar – a questão do bom ou mau uso dos poderes de apreciação da decisão sobre a matéria de facto pelo Tribunal da Relação.

A ré / recorrente argui, fundamentalmente, a nulidade do Acórdão recorrido por omissão de pronúncia, nulidade esta que, como se sabe, está prevista na 1.ª parte do artigo 615.º, n.º 1, al. d), do CPC.

Sobre esta nulidade já se pronunciaram, em Conferência, os Exmos. Desembargadores do Tribunal da Relação ….., refutando liminarmente tal alegação.

Sem prejuízo de tudo ficar ainda mais explícito aquando da resposta à última questão, pode afirmar-se, desde já, que Tribunal recorrido apreciou e decidiu todas as questões que lhe foram postas nos recursos, em conformidade com o artigo 608.º, n.º 2, do CPC, tendo apresentado para cada uma delas os fundamentos de facto e de direito em que se baseou para chegar ao resultado.

Em particular, a impugnação da decisão sobre a matéria de facto deduzida pela ré / recorrente foi autonomamente analisada, tendo a decisão do Tribunal a quo de não proceder a alterações sido fundamentada de forma clara e suficiente.

Não procede, assim, a arguição de nulidade do Acórdão recorrido.

2.ª) Da alegada ilegitimidade passiva da ré / recorrente Vai Avante

Ao contrário do alegado pelo autor / recorrido nas suas contra-alegações, não se verifica nesta parte o obstáculo ao conhecimento da revista conhecido como dupla conforme previsto no artigo 671.º, n.º 3, do CPC. Isto porquanto, sendo embora coincidentes as respostas dadas à questão pelas instâncias, não é possível dizer que o são “sem fundamentação essencialmente diferente”.

De facto, enquanto o Tribunal de 1.ª instância fundou a sua decisão no “espaço a descoberto” deixado pelo limite máximo do capital seguro e no remanescente de responsabilidade que caberia à ré assumir enquanto tomadora do seguro[1], o Tribunal da Relação foi obrigado a considerar argumentos novos, acabando por rejeitar a pretensão da ré com fundamento na impossibilidade de aquele remanescente de responsabilidade ser imputado ao Estado, por inaplicabilidade da Portaria n.º 413/99, de 8.06, que aprova o Regulamento do Seguro Escolar. Assim, não se verificando a dupla conforme, há que voltar a apreciar a

(23)

questão da ilegitimidade passiva da ré.

Os argumentos mais relevantes aduzidos pela ré / recorrente estão contidos nas conclusões XXXVIII a LII. Tal como aconteceu no recurso de apelação, alega aí a ré / recorrente, no essencial, que a Portaria n.º 413/99, de 8.06, que aprova o Regulamento do Seguro Escolar, é aplicável ao caso dos autos, consequentemente, deve ser demandado o Estado (não a ré / recorrente) e devem ser considerados competentes os tribunais administrativos.

A isto respondeu o Tribunal a quo dizendo:

“A legitimidade afere-se pela relação material controvertida tal como a configura o autor (art. 30º nº 3 do CPC).

Se de facto o acidente em questão estivesse abrangido pelo seguro escolar (cfr art. 2º nº 1 als a), b), c), d) e e) da supra referida portaria) poder-se-ia concluir que o demandado deveria ter sido o Estado e a competência seria dos tribunais administrativos.

Contudo, o acidente descrito ocorreu numa creche (que não é um jardim de infância nem ensino pré-escolar que se caracterizam por receber crianças dos três aos seis anos) e o autor tinha então pouco mais de um ano e seis meses (não tinha idade sequer para frequentar qualquer dos estabelecimentos de ensino aludidos nas citadas alíneas do artº 2º nº 1 da referida portaria) pelo que não se mostra aplicável ao caso em apreço o referido seguro escolar dado que o autor não está abrangido no âmbito do seguro (não é aluno do pré-escolar, do ensino básico, do ensino secundário …).

Consequentemente, o único seguro a considerar, no caso em apreço, é o seguro outorgado entre os réus e porque o pedido extravasa a cobertura do mesmo é a recorrente, também, parte legítima para a acção tendo em consideração os pedidos e a causa de pedir desta (subsumível à responsabilidade civil)”.

Veja-se qual é o âmbito de aplicabilidade da Portaria n.º 413/99, de 8.06, que aprova o Regulamento do Seguro Escolar.

Dispõe-se no artigo 2.º desta Portaria, com a epígrafe “Âmbito”, que:

“1 - O seguro escolar abrange:

a) As crianças matriculadas e a frequentar os jardins-de-infância da rede pública e os alunos dos ensinos básico e secundário, incluindo os ensinos profissional e artístico, os alunos dos estabelecimentos de ensino particular e cooperativo em regime de contrato de associação, e ainda, os que frequentam cursos de ensino recorrente e de educação extra-escolar realizados por iniciativa ou em colaboração com o Ministério

(24)

da Educação;

b) As crianças abrangidas pela educação pré-escolar e os alunos do 1.º ciclo do ensino básico que frequentem actividades de animação sócio-educativa, organizadas pelas associações de pais ou pelas autarquias, em estabelecimentos de educação e ensino;

c) Os alunos dos ensinos básico e secundário que frequentam estágios ou desenvolvam experiências de formação em contexto de trabalho, que constituam o prolongamento temporal e curricular necessário à certificação;

d) Os alunos que participem em actividades do desporto escolar;

e) As crianças e os jovens inscritos em actividades ou programas de ocupação de tempos livres, organizados pelos estabelecimentos de educação ou ensino e desenvolvidos em período de férias.

2 - O seguro escolar abrange ainda os alunos que se desloquem ao estrangeiro, integrados em visitas de estudo, projectos de intercâmbio e competições desportivas no âmbito do desporto escolar, quanto aos danos não cobertos pelo seguro de assistência em viagem a que se refere o artigo 34.º, desde que a deslocação seja previamente comunicada à direcção regional de educação respectiva, para efeitos de autorização, com a antecedência mínima de 30 dias”.

Não há dúvidas de que o seguro escolar regulado na Portaria n.º 413/99, de 8.06, abrange crianças a frequentar estabelecimentos de educação pré-escolar, ou seja, jardins de infância[2]. Estão, em contrapartida, excluídas as crianças que frequentam as creches[3].

Tem a ré / recorrente razão quando diz que aquela Portaria não faz expressa referência à idade das crianças. Olhando, no entanto, para a Lei n.º 5/97, de 10.02 (Lei-Quadro da Educação Pré-Escolar) bem como para o Decreto-Lei n.º 147/97, de 11.06 (estabelece o ordenamento jurídico do desenvolvimento e expansão da rede nacional de educação pré-escolar e define o respectivo sistema de organização e financiamento), verifica-se que a educação pré-escolar tem como destinatários “as crianças com idades compreendidas entre os 3 anos e a idade de ingresso no ensino básico e é ministrada em estabelecimentos de educação pré-escolar” (cfr. artigo 3.º da Lei-Quadro e artigo 4.º do DL n.º 147/97).

Ora, de acordo com a decisão sobre a matéria de facto, o AA nasceu em 24.09.2012 (cfr. facto provado 1), pelo que, à data do episódio dos autos (22.04.2014) (cfr. factos provados 13 e seguintes), não tinha ainda sequer dois anos e por isso frequentava uma creche – a creche “S...” (cfr. facto provado 2). Ou seja: não é possível dizer que o AA frequentava um estabelecimento de educação pré-escolar, ou seja, um jardim de infância, e que o acidente está coberto pelo seguro escolar regulado na Portaria n.º 413/99, de 8.06.

(25)

Conclui-se, assim, com o Tribunal recorrido, que o único seguro celebrado pela ré / recorrente Vai Avante enquanto tomadora com a Açoreana Seguros (cfr. facto provado 5) e porque o pedido excede a cobertura do mesmo é a ré / recorrente Vai Avante também parte legítima no âmbito da presente acção.

Cabe, por último, refutar as alegações da ré, ora recorrente, de que esta interpretação das normas da Portaria n.º 413/99, de 8.06, seria inconstitucional por violação do princípio da igualdade plasmado no artigo 10.º da CRP bem como do dever de não aplicar normas que infrinjam princípios ou normas constitucionais disposto no artigo 204.º da CRP (cfr. conclusões LI e LII). É bem visível que a interpretação não conduz a uma discriminação injustificada ou arbitrária mas se funda em razões objectivas: o seguro escolar previsto na Portaria n.º 413/99 é, de acordo com o disposto no seu artigo 1.º, n.º 1, “um seguro destinado a garantir a cobertura dos danos resultantes do acidente escolar”, portanto, aplicável no quadro do sistema escolar, composto de estabelecimentos de educação ou de ensino; sucede que as creches não se qualificam como estabelecimentos de educação ou de ensino.

3.ª) Da alegada violação do disposto no artigo 662.º do CPC

Chega-se, finalmente, à questão central ou, pelo menos, à questão que ocupa a maioria das conclusões da revista, ou seja, é objecto, fundamentalmente, das conclusões VI a XXXVII.

Consiste ela na observância ou não pelo Tribunal recorrido dos poderes-deveres que legalmente lhe incumbem sempre que tem de decidir a impugnação da decisão sobre a matéria de facto.

Cabe esclarecer, antes do mais, que, sendo certo que a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça é meramente residual no que respeita à apreciação e à fixação da matéria de facto realizada pelas instâncias, tem sido entendido que é possível apreciar o uso que a Relação faz dos poderes que lhe são conferidos pelo artigo 662.º do CPC, sendo o “mau uso”[4] (uso indevido, insuficiente ou excessivo) susceptível de configurar violação da lei de processo e, portanto, de constituir fundamento do recurso de revista, nos termos do artigo 674.º, n.º 1, al. b), do CPC[5]. Isto é, naturalmente, diferente da hipótese de este Supremo Tribunal sindicar os resultados a que chegou o Tribunal recorrido, isto é, de este Supremo Tribunal controlar a decisão sobre a impugnação da decisão da matéria de facto e se imiscuir na valoração da prova feita pelo Tribunal recorrido segundo o critério da sua livre e prudente convicção, tudo coisas que lhe estão e permanecem interditas[6].

Note-se ainda que, estando em causa a conformidade da decisão recorrida com o disposto no artigo 662.º do CPC, que constitui “lei de processo” para os efeitos do artigo 674.º, n.º 1, al. b), do CPC[7], a dupla conformidade das decisões das instâncias é uma mera aparência, não constituindo obstáculo à admissão da revista por via normal[8].

(26)

No recurso de apelação que a ré, ora recorrente, interpôs punha em causa a decisão sobre a matéria de facto, mais precisamente impugnando os factos provados 14, 15 e 32 (que segundo ela deviam ser dados como não provados) e os factos considerados não provados 9 e 10 (que segundo ela deviam ser dados como não provados).

O Tribunal recorrido julgou inexistir fundamento para tal alteração da decisão sobre a matéria de facto, explicando a sua decisão assim:

“A impugnação da matéria de facto só é lograda se, além do mais, os concretos meios probatórios apresentados para o efeito impuserem decisão diversa da recorrida (art. 640º nº 1 als a), b) e c) do CPC) e o tribunal aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto (art. 607º nº 5 do CPC).

A matéria de facto cuja reapreciação a recorrente pretende tem a ver com a circunstância de saber se o evento que lesionou o autor aconteceu na creche ou existem motivos para crer que, quando deu entrada nesta, o autor já apresentava sintomas da lesão que culminaram com o diagnóstico acima referido (logo, segundo a recorrente, não foi na creche que o autor se feriu ou foi ferido no globo ocular esquerdo).

O tribunal a quo avaliou o depoimento das testemunhas acima referidas (designadamente da Educadora, da auxiliar desta, da funcionária da recorrente que entregou o autor na creche, da condutora do transporte escolar e da auxiliar desta) cruzou-os, além do mais, com as declarações dos médicos oftalmologistas e dos pais do autor e avaliou a credibilidade das declarações prestadas concluindo, com elevado grau de probabilidade, que o autor se lesionou no referido estabelecimento juízo esse que se sufraga tendo em consideração o expendido a este propósito na fundamentação da matéria de facto nomeadamente em relação à credibilidade dos depoentes (de facto, se o autor, logo pela manhã, apresentava, quando saiu de casa, sinais de que o olho esquerdo não estava bem essa situação, para além de não dever passar despercebida a todos aqueles que com ele contactaram nessa circunstância, deveria ter sido objectivamente assinalada logo na entrada da creche de modo a não subsistirem dúvidas quanto a esse facto).

Justificam-se, assim, as reservas colocadas pelo tribunal a quo aos depoimentos de EE, FF e GG (auxiliar da Educadora) porquanto sendo funcionárias da 1ª ré denotaram nas respectivas declarações comprometimento com a mesma.

Inexiste, por isso, fundamento para alterar o decidido pelo tribunal a quo em sede de matéria de facto”.

Em face desta fundamentação, não é possível acompanhar a ré / recorrente quando diz que o Tribunal da Relação … violou o disposto no artigo 662.º, n.º 1, do CPC.

(27)

É manifesto, por um lado, que o Tribunal da Relação ….. fez um uso adequado dos poderes-deveres que lhe são conferidos artigo 662.º do CPC. Procedeu à reavaliação dos meios de prova sujeitos à livre apreciação e reponderou a questão de facto em discussão. É manifesto, por outro lado, que o Tribunal da Relação ….. formou uma convicção própria e autónoma, fundada na prova carreada para os autos. A fundamentação apresentada reflecte o percurso traçado para formar tal convicção, não se tendo o Tribunal limitado a remeter para a fundamentação da 1.ª instância ou a aderir genericamente a ela mas tendo-se pronunciado directamente, por palavras suas, sobre as razões por que achava ser de recusar valor decisivo à prova testemunhal.

O facto de a decisão do Tribunal da Relação ser, como é, coincidente com a decisão proferida pela 1.ª instância não pode constituir indício de que aquele não exerceu os poderes que lhe são atribuídos pelo artigo 662.º do CPC. Veja-se que no n.º 1 desta norma se dispõe que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto se – apenas se – os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.

Diga-se ainda que se admite que a fundamentação da decisão de não alteração da matéria de facto “soe” ou pareça escassa à ré por não ocupar – como não ocupa, com efeito – muitas linhas. Mas, como é evidente, a completude e a qualidade da fundamentação não podem medir-se pelo número de linhas ou de palavras usadas. É até defensável que a fundamentação das decisões judiciais, como de outras peças, é tanto mais incisiva, desempenhando, portanto, tanto melhor a sua função de explicitar o percurso lógico trilhado, quanto mais sintética é.

Chegados aqui, é de concluir que não há violação dos poderes funcionais conferidos ao tribunal no artigo 662.º do CPC, em particular do disposto no n.º 1 desta norma nem do poder funcional de apreciação livre das provas segundo a sua prudente convicção (cfr. artigo 607.º, n.º 5, do CPC).

Tão-pouco há violação do dever de fundamentação da decisão (cfr. artigo 154.º do CPC) ou do dever de fundamentação da decisão do modo legalmente prescrito (cfr. artigo 607.º, n.º 4, do CPC).

Por fim, a interpretação que o Tribunal recorrido fez das normas que prescrevem estes deveres está em absoluta conformidade com o disposto no artigo 205.º, n.º 1, da CRP.

**

(28)

Pelo exposto, nega-se provimento à revista e confirma-se o Acórdão recorrido.

*

Custas pelo recorrente.

*

Catarina Serra (relatora)

Cura Mariano

Fernando Baptista

Nos termos do artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo DL n.º 20/2020, de 1.05, declaro que o presente Acórdão tem o voto de conformidade dos restantes Exmos. Senhores Juízes Conselheiros que compõem este Colectivo.

______

[1] Pode ler-se na sentença: “[f]oi julgada improcedente a exceção de ilegitimidade passiva invocada pela primeira ré, tendo a autora atribuído à ação o valor de €30 000,01 o que equivale a dizer que esse é o “teto” máximo do pedido e cobrindo o seguro contratado danos permanentes e tratamentos inerentes até ao valor de €12 000,00 tal significa que o pedido formulado ultrapassa o valor do capital seguro e por essa razão o tomador do seguro é parte legítima para a presente ação”.

[2] Na página oficial da Direcção-Geral da Educação (https://www.dge.mec.pt/perguntas-frequentes-faq), diz-se expressamente que não existe diferença entre um estabelecimento de educação pré-escolar e um jardim de infância.

[3] Na página oficial da Direcção-Geral da Educação (https://www.dge.mec.pt/perguntas-frequentes-faq), diz-se expressamente que o jardim de infância se distingue da creche por se destinar às crianças entre os 3 anos e a idade de ingresso no ensino básico enquanto a creche é um estabelecimento que se destina às crianças dos 0 aos 3 anos de idade.

[4] Partilha-se a expressão usada no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9.07.2015, Proc. 284040/11.0YIPRT.G1.S1 (disponível em http://www.dgsi.pt).

[5] Sobre isto cfr., por todos, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30.05.2019, Proc. 156/16.0T8BCL.G1.S2, relatado pela presente relatora (disponível em http://www.dgsi.pt).

(29)

1834/03.0TBVRL-A.S1 (disponível em http://www.dgsi.pt).

[7] Cfr., por todos, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11.02.2016, Proc. 907/13.5TBPTG.E1.S1 (disponível em http://www.dgsi.pt).

[8] Cfr., no mesmo sentido, Abrantes Geraldes / Paulo Pimenta / Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, vol. I - Parte Geral e Processo de declaração – Artigos 1.º a 702.º, Coimbra, Almedina, 2018, p. 800. Dizem eles que “é de rejeitar a aparente verificação da dupla conforme, à luz do art. 671.º, n.º 3, nos casos em que, apesar da confirmação da sentença da 1.ª instância pela Relação, o recorrente suscita a violação de preceitos adjectivos relacionados com a aplicação do art. 662.º”.

Referências

Documentos relacionados

Avaliação técnico-econômica do processo de obtenção de extrato de cúrcuma utilizando CO 2 supercrítico e estudo da distribuição de temperatura no leito durante a

Por meio dos registros realizados no estudo de levantamento e identificação de Felinos em um remanescente de Mata atlântica, uma região de mata secundária

Estudos sobre privação de sono sugerem que neurônios da área pré-óptica lateral e do núcleo pré-óptico lateral se- jam também responsáveis pelos mecanismos que regulam o

Assim, assumindo o objetivo de ressignificar o papel da gramática em nossas aulas, de trabalhar integradamente práticas de leitura, produção e análise linguística de textos, de usar

Foram utilizados 120 dentes humanos unirradiculares, que após tratamento endodôntico foram separados aleatoriamente em 6 grupos n=20, de acordo com o material restaurador

A perspectiva teórica adotada baseia-se em conceitos como: caracterização câncer de mama e formas de prevenção; representação social da doença; abordagem centrada no

CÓDIGO ÓTIMO: um código moral é ótimo se, e somente se, a sua aceitação e internalização por todos os seres racionalmente aptos maximiza o bem-estar de todos