SOCIEDADE BRASILEIRA DE ORTOPEDIA E TRAUMATOLOGIA
w w w . r b o . o r g . b r
Artigo
Original
Avaliac¸ão
de
crianc¸as
com
suspeita
de
maus-tratos
físicos:
um
estudo
de
500
casos
夽
Marcos
Picini
a,
João
Rodolfo
Radtke
Gonc¸alves
a,
Thagla
Bringhenti
be
Edilson
Forlin
a,∗aHospitalPequenoPríncipe,Curitiba,PR,Brasil
bPontifíciaUniversidadeCatólica,FaculdadedeMedicina,Curitiba,PR,Brasil
informações
sobre
o
artigo
Históricodoartigo:
Recebidoem4dejunhode2016 Aceitoem25dejulhode2016
On-lineem30dejaneirode2017
Palavras-chave:
Ferimentoselesões Maus-tratosinfantis Fraturasosséas Ortopedia
r
e
s
u
m
o
Objetivo:Esteestudotemobjetivodeavaliaroperfilepidemiológicodepacientes atendi-dosemhospitaldereferênciacomsuspeitademaus-tratosfísicos,emespecialquantoà ocorrênciadefraturas.
Métodos:Todasasnotificac¸õesdesuspeitademaus-tratoscontracrianc¸aseadolescentes (MTCAA)feitasentrejaneirode2005edezembrode2015foramavaliadaseseparadaspor mêseano.Dentreasvítimasdemaus-tratosfísicos,váriascaracterísticasdospacientes queapresentavamfraturasforamavaliadas.Quandoasradiografiasestavamdisponíveis, analisaram-seascaracterísticasdasfraturas.
Resultados:De3.125notificac¸ões,500foramclassificadascomolesõesfísicasedentreessas 63apresentavamfraturas.Observou-seumaumentoprogressivoanualdasnotificac¸ões. Quantoàidade,50pacientes(80,6%)tinhamaté3anose36(58%)até1ano.Amaioriaerado gêneromasculino(60%)eoprovávelagressoreraamãeisoladamenteeambosospais(27,5% cada).Em30pacientescomimagensdisponíveis,predominaramasfraturasdeossoslongos (fêmur,tíbiaeúmero,71%),únicas(74%),diafisárias(73%)etransversas(57%).Ocorreram doisdeóbitosnoscasosdefraturas(3%).
Conclusão:TodososortopedistasdevemestaralertasparasuspeitadeMTCAAemcrianc¸as comtraumasabaixode3anos,mesmosemsinaisclássicosdemaus-tratos.
©2016SociedadeBrasileiradeOrtopediaeTraumatologia.PublicadoporElsevierEditora Ltda.Este ´eumartigoOpenAccesssobumalicenc¸aCCBY-NC-ND(http:// creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/).
Evaluation
of
suspected
physical
abuse
in
children:
a
500-case
study
Keywords:
Woundsandinjuries Childabuse Fractures,bone Orthopedics
a
b
s
t
r
a
c
t
Objective:Thisstudyevaluatedtheepidemiologicalprofileofpatientswithsuspected phy-sicalabuse,especiallyregardingtheoccurrenceoffractures,treatedinareferralhospital.
Methods:Theauthorsreviewedall reportsofsuspectedabuseagainstchildrenand ado-lescents(AACA)inthishospitalfromJanuary2005toDecember2015.Theywereassessed andseparatedbymonthandyear.Thecharacteristicsofthevictimsofphysicalabusewith
夽
TrabalhodesenvolvidonoHospitalPequenoPríncipe,Curitiba,PR,Brasil. ∗ Autorparacorrespondência.
E-mail:ediforlin@hotmail.com(E.Forlin).
http://dx.doi.org/10.1016/j.rbo.2016.07.017
occurrenceoffractureswerestudied.Thefeaturesofthefractureswereevaluatedinthose patientswithavailableradiographs.
Results: Ofthe3,125notifications,500wereclassifiedasphysicalinjuries;ofthese,63had fractures.Anannualprogressiveincreaseinnotificationswasobserved.Asforagegroup, 50 patients(80.6%)wereuptothreeyearsold and36(58%)up tooneyear.Mostwere male(60%)andthelikelyaggressorsweremotheraloneandbothparents(27.5%each). In30patientswithavailableimages,fracturesoflongbones(femur,tibia,andhumerus) predominated(71%),aswellasasinglefractureline(74%),diaphyseallocation(73%),anda transverseline(57%).Thereweretwodeathsinfracturecases(3%).
Conclusion: AllorthopedistsshouldbealerttosuspectedAACAinchildrenwithtrauma belowtheageofthree,evenwithoutclassicsignsofabuse.
©2016SociedadeBrasileiradeOrtopediaeTraumatologia.PublishedbyElsevierEditora Ltda.ThisisanopenaccessarticleundertheCCBY-NC-NDlicense(http:// creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/).
Introduc¸ão
Apesar do estudo pioneiro de Tardieu em 1860, somente na segunda metade do século passado é que a violência contracrianc¸aseadolescentes comec¸oua serestudadade formamaisconsistente.1–3 Atualmenteosmaus-tratos con-tracrianc¸aseadolescentes(MTCAA)sãoreconhecidoscomo umcomplexoproblemadesaúdepública,comelevadocusto financeiro,socialeemocionalpara asociedade.4 NoBrasil, emboraabordadoemlegislac¸õesanteriores,foisomenteem 1990,comaimplantac¸ãodoEstatutodaCrianc¸a edo Ado-lescente(ECA),atravésdaLeiFederaln◦8.069,quesetornou
compulsóriaanotificac¸ãoporpartedoprofissionaldesaúde decasossuspeitosouconfirmadosdeMTCAA.3Mesmocom aobrigatoriedadedenotificac¸ão,omaiorinteressenotemae nosdadosquemostramquenossopaísapresentaaltosíndices deviolência,hápoucasestatísticasconcretasdaincidênciade casosdemaus-tratosacrianc¸asnoBrasil.Issosedeveà difi-culdadededefinic¸ão,reconhecimentoedenúnciaporparte dosprofissionaisdasaúde.5
Comoas fraturas sãoumadas formas maiscomunsde apresentac¸ãodemaus-tratos,oortopedistaéfrequentemente oprimeiromédicoaavaliaressascrianc¸as.4Apesardisso, pou-cos estudossobreasfraturas eo papel doortopedistasão publicadosnaliteraturaortopédicanacionaleconsistemde relatosdecasos5,6ousériesdetraumaemqueforam encontra-dascrianc¸assuspeitasdemaus-tratos.7,8Encontramosapenas umapublicac¸ãoemrevistanãoindexadaqueestuda especi-ficamenteaocorrênciasdefraturasempacientesvítimasde maus-tratos.9
Oobjetivodesteestudoéavaliaroperfilepidemiológicode crianc¸ascom suspeitademaus-tratos,emespecialoabuso físicocomocorrênciadefraturas,atendidasemumservic¸ode referênciapioneironaRegiãoMetropolitanadoParaná.
Material
e
métodos
Foramavaliadastodasasnotificac¸õesdesuspeitade maus--tratosentrejaneirode2005edezembrode2015,subdivididas em maus-tratos físicos, psicológicos, sexuais e negligên-cia.Dosmaus-tratosfísicosforamseparadasparaavaliac¸ão
todasasquetinhamregistrodefraturas.Foramcritériosde exclusãoasnotificac¸õescompreenchimentoincorreto, ilegi-bilidadeouextraviodoprontuário.
Detodasasnotificac¸õesforamavaliadasasuadistribuic¸ão mensal,anualearelac¸ãoproporcionalentreototalde víti-mascom maus-tratosfísicosecom ocorrênciadefraturas. Dospacientescomregistrodemaus-tratosfísicosefraturas foramcoletadososseguintesdados:faixaetária,gênero, pro-vávelagressor,topografia,númerodefraturasporpacientee ocorrênciadeóbitos.
Para os pacientes que apresentavam radiografias dispo-níveis para avaliac¸ão no sistema eletrônico ou prontuário, foram coletadasas característicasda fratura,inclusive sua localizac¸ãoeclassificadasconformeaAOMülleremfraturas diafisáriascomtrac¸osimples(A),cunha(B)ecomplexas(C).
EsteestudofoiaprovadonoComitêdeÉticaePesquisasob oprotocolo47209215.0.0000.0097.
Resultados
Foram encontradas3.125notificac¸ões demaus-tratosentre janeirode2005edezembrode2015.Dentreastipologias,a grandemaioriafoirelacionadaàagressãosexual,2.144casos (68,6%).Aviolênciafísicacorrespondeua500pacientes(16%), a maioria traumasmusculoesqueléticos leves (hematomas, contusões,escoriac¸ões)edesses12,4%(n=62)estavam relaci-onadosafraturas(tabela1).
Observadoumprogressivoaumentodasnotificac¸ões con-formeosanos,comodemonstraafigura1.Houveumaumento dosnúmerosdeagressãofísica,de11%em2005para23%em 2015,assimcomoonúmerodefraturas,de4%para10%. Ocor-reram algumasflutuac¸õesemrelac¸ãoaonúmero decasos, compicosemalgunsanos,como2008,porémcomprincipal aumentoapartirde2011.
Conformeobservadonafigura2,ascrianc¸asdebaixaidade sãoasquemaissofreramagressão.Afaixaatétrêsanos cor-respondea50casos(80,6%)enafaixadeatéumanofoide 36casos(58%).Conformeoaumentodaidade,essasfraturas setornammenosprevalentes,comumnovopicona adoles-cência.
Tabela1–Tipologiadaviolênciaesuadistribuic¸ãomensal,de2005a2015
Tipologiadaviolência Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez TOTAL
Física 34 53 58 31 42 33 34 48 39 45 39 44 500
Psicológica/Moral 5 4 2 6 5 3 2 7 5 5 5 7 56
Sexual 188 168 177 178 155 188 163 173 201 186 170 197 2144
Negligência/Abandono 28 49 37 29 34 35 25 32 43 39 25 45 421
TOTALPORMÊS 255 274 274 244 236 259 224 260 288 275 239 293 3121
FRATURAS QTD. 62
Notificações x agressão física x fraturas
450
400
350
300
250
200
150
100
Número de casos
50
0 2005
221 191 191 320 179 285 346 313 347 335 397
92
9 8 11 5 5 7 7 4 4 25
Físicas
Fraturas Total notificações
18 15 35 20 44 37 39 89 101
1 1
2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015
Figura1–Distribuic¸ãoanualdenotificac¸ões.
38meninos(60%).Ambosospaiseamãeisoladamenteforam osprincipaisresponsáveispelasuspeitaàagressãonavítima demaus-tratos,corresponderama17 casoscada(27,5%).O paiisoladamentefoiindicadoemoitoepisódios(13%)eoutros (parente,vizinho,cuidador,colegaenãoinformado) totaliza-ram10casos(15,8%).Nãohouvepreenchimentodosdadosem 10notificac¸ões(15,8%).
Quarentaequatropacientes(71%)apresentavamfraturas dosossos longos,19 nofêmur(30%),seguidasporúmero e tíbiacom10pacientescada(16%).Fraturasdecostelasecrânio foramobservadasem14pacientes(22%)(fig.3).
Quanto ao número de fraturas por paciente, 46 (74%) apresentaramumúnicoossofraturadoesomente16com fra-turasmúltiplas,nove(15%)comdoisossosesete(11%)com três ou mais.Entre os pacientescom fraturas foram cons-tatados dois óbitos (3,2%). Ambos apresentavam múltiplas fraturas,incluindotraumatismocrânio-encefálico(TCE)grave, quefoiofatordesencadeantedoóbito.
Trintapacientestinhamradiografiasdisponíveis,26(87%) constituíam-se de trac¸ossimples. Dois(6%) contabilizaram fraturascomplexasedois(6%)apresentavam-secomtrac¸os incompletos,com ausênciasdetrac¸osemcunha. Quantoà
40
35
30
25
20
15
10
5
0
34
Fraturas por ldade
Fraturas por ldade
16 6 2 4
10 a 18 anos 5 a 10 anos
3 a 5 anos 1 a 3 anos
Menor de 1 ano
Número de fr
atur
as
Fêmur Úmero Perna Crânio
Costela Antebraço Outros 16%
16% 10%
12% 9%
7%
30%
Figura3–Topografiadasfraturas,de2005a2015.
direc¸ãodostrac¸ossimples,17casos(57%)cursaramcom fratu-rastransversas,cinco(17%)oblíquasequatro(13%)emespiral. Quantoàlocalizac¸ãonoosso,26(87%)ocorreramnadiáfisee quatrometáfise-epifisárias(13%),inclusiveumcasode desco-lamentotransepifisário.
Discussão
Tardieufoiumdosprimeirosaabordarotemaemumestudo em1860,descreveu18óbitosdecrianc¸ascommenosdecinco anos,cujaslesõesnãoforamexplicadasdemaneira satisfa-tória pelosresponsáveis. Apesar desseestudo,somente na segunda metade do século passado éque o tema ganhou importância.Otermosíndromedacrianc¸aespancadausado porKempeem1961eapublicac¸ãodeoutrosestudos impor-tantesatraíramatenc¸ãoparaotema.1–4
OsMTCAAganharammaiorinteressenoBrasilsomente nosúltimos20anos.Issosurpreendeespecialmentepelopaís apresentaralgunsdosmaioresíndicesdeviolênciamundial.4 Mesmoabordadoemlegislac¸õesanteriores,foisomentecom aelaborac¸ãodoEstatutodaCrianc¸aedoAdolescente(ECA) quehouveumamudanc¸anoentendimentoda responsabili-dadedasociedadecomosmenoresdeidade,1–4especialmente emseuartigo13,emqueestáexplícitoquecabeaomédico a notificac¸ão obrigatória de suspeita de maus-tratos. Para casosdenãocumprimentoestáestabelecidaumamultade três a20 salários,queédobradano casode reincidência.3 Apesardissoháumadificuldadegeneralizadatantono reco-nhecimentoquantonacondutadecasossuspeitos.Asrazões podemserodesconhecimentodascaracterísticasdoquadro oudasmedidasnecessáriasetambémoreceio de envolvi-mentodosprofissionaisnessetipodesituac¸ão.6,10
Paraabordardeformaadequadaasituac¸ão,foramcriadas emalgumascidadesredesdeprotec¸ãoparaenfrentamento dersituac¸õesdeviolênciaquecapacitamprofissionaisdaárea da saúde e da educac¸ão e criam fluxos de atendimento e
referências.Curitibafoiumadasprimeirascidadesa implan-tararede,em2003,queemsuasprimeirasfasescapacitou maisde 10mil pessoasnoreconhecimento econduta face à suspeitade MTCAA.11 Com issoo número de casos sus-peitosaumentoudrasticamenteeassimconseguimosterum panorama mais real da situac¸ão. Mas mesmo em centros nosquaishámelhorcondic¸ãodereconhecimentoeconduta a subnotificac¸ão étida como elevada.11,12 Conforme Rolim etal.,13osprincipaisfatoresparagerac¸ãodasubnotificac¸ãosão ainexperiênciadoprofissionaldasaúde,menosdecincoanos detrabalho,eonãoconhecimentodafichadenotificac¸ão. Pas-colatetal.14estimamquenoBrasilparacadacasodeabuso físico,10 a20nãosejamregistrados.HermaneMcCarthy15 citam quenos Estados Unidos menos de 8%dos casos de maus-tratossãoreportadosporprofissionaisdesaúde.
Pelafrequênciade maus-tratosfísicosefraturas o orto-pedistaéoprofissionalqueprimeiroatendeessespacientes (30 a 50%).6,16 Apesar de isso implicar que o ortopedista deveestarpreparadoparadiagnósticoeparaconduziresses casos,éincomumqueessesprofissionaisfac¸amnotificac¸ões. Um dos aspectos que demonstram esse fato éo pequeno númerodeestudospublicadosnasrevistasnacionaisnaárea deortopedia.Encontramosapenasdoisestudos5,6que abor-damdiretamenteosMTCAAeambosconsistemderelatode casoserevisãodeliteratura.Outroestudo,deBergamaschi
etal.,7avaliacausasdefraturasdofêmuremcrianc¸as meno-resdetrêsdeanos,de18casosavaliadosseisforamtidoscom maus-tratosfísicosetrêscomonegligência.Franciozietal.8 avaliaram182pacientespediátricosatendidosportraumaem umhospitalpúblico,encontraramdoisóbitos(1%)porMTCAA. Oúnicoestudoqueincluiumasériedecasoscomfraturasfoi deDiranietal.,9publicadoemrevistanãoindexada,que ava-liaram122casosdesuspeitadeabusofísicocom25pacientes queapresentavamfraturas.
Portanto, pelo nosso levantamento este é um primeiro estudonacionalnaáreadeortopediaqueabordaumagrande série desuspeitas de maus-tratos.Na literaturaa frequên-cia dos maus-tratos classificadoscomo físicos encontra-se nafaixaentre20e30%.6,7,11Nossoíndicemenor(16%)pode serexplicadopelofatodequeohospitaldopresenteestudo é a referência no municípiopara o abuso sexual, explica--se assimograndenúmerode atendimentosdessetipode maus-tratos.Jáquantoaostraumasospacientespodemser atendidos emoutroscentrosterciários deemergência. Por-tanto, acreditamos quea relac¸ão demaus-tratospossa ser muitomaiordoqueaencontrada.Issoreforc¸aanecessidade dequeoortopedistaestejapreparadoparaoreconhecimento eencaminhamentoadequado.Observamosqueosmeninos sofrerammaisabusosfísicos(60%).Naliteratura,aprevalência entreosgênerosdivergeentreosestudosquesugeremtanto aprevalênciadosexomasculino14quantoparaooposto.9,17 Comodefinic¸ãodeMTCAAosagressoressãopessoas próxi-maseconhecidasdasvítimas. Nanossasérie,assimcomo Diranietal.,9encontramosqueamãeisoladamente,seguida deambosospais,foiosuspeitomaisfrequente.JáPascolat
et al.14 citam a mãe eMenezes et al.17 apontamambos os pais.
Figura4–Descolamentotransepifisárioemcrianc¸amenordeumano.
queencontramos,oíndicefoide21%.Nossoíndicefoimenor (12%)emaisumavezissopodeserjustificadopelofatode que,emboraonosso hospitaltenhaservic¸odeemergência pediátrica,acidadetambémcontacompelomenosquatro hospitaiscompronto-socorrodealtovolumedetraumaque podematenderpacientescomfraturas.
Quantoaopadrãodefratura,emboramuitosesperemque asfraturasdeMTCAAtenhamcaracterísticastípicas,como nodescolamentotransepifisárioemcrianc¸asdebaixaidade (fig.4),nossotrabalho,assimcomováriosestudos, demons-trouqueopadrãomaiscomum(pelomenos50%doscasos)é afraturaisoladadosossoslongos,diafisáriaetransversa6,19–21 (fig.5).Na nossasérie 71% apresentaramfraturaisolada, é maiscomumofêmur,seguidoporúmero,ossosdapernae antebrac¸o.CanaleeBeaty19 descrevemnúmeros semelhan-tesao nossoestudo.JáSchwend etal.16 eKingetal.20 não mostramdiferenc¸asde prevalênciaentrecada osso(fêmur, tíbia, úmero). Dequalquer maneira, éimportante ressaltar quenagrandemaioriadoscasosnãoháumacaracterística típicaparaasfraturasdeMTCAA.Tambémquantoaotrac¸o dafraturaverificamosqueagrandemaioria(87%) apresen-tavaumtrac¸osimples,principalmentenoplano transverso (57%). Esses dados corroboram os estudos de Kinget al.,20 LodereBookout21eespecialmenteodeMurphyetal.,22que estabelecemfortecorrelac¸ãodefraturassimplestransversas
comasuspeitadeMTCAA.Encontramostambémaltonúmero defraturaslocalizadasnadiáfise(73%),númerosuperiorao encontradoemoutrasséries.18,19
Houvebaixaprevalênciadasfraturascomcaracterísticas tidascomo“especiais”,classicamenteassociadasàMTCAA, comoesterno,escápulaepresenc¸ademúltiploslocais.4 Ape-nas11%dospacientesapresentaramfraturasmúltiplas(fig.6), o quecorroboraoutrosestudos.9 Peloexposto, acreditamos quenossosdadosreforc¸amarecomendac¸ãodequeasuspeita deMTCAAnãodevebasear-seemcaracterísticasespecíficas dasfraturas.Nenhumdosnossospacientesfoiatendidocom históriadeviolênciaenãoconseguimosestabelecerotempo deevoluc¸ão.Portanto,doisfatorestidoscomofundamentais, quesãoaincompatibilidadeentrehistóriaelesãoeoatraso naprocuradetratamento,nãoforamavaliados.Outroaspecto importantenãoabordadonesteestudoéquantoaoriscode recidivadaagressão,émaisumfatorquealertaparaa neces-sidadedereconhecimentoecondutaadequadadecasosde maus-tratosparadesencadearmedidasqueprotejamo paci-ente.
Ao atender essespacientes éessencial avaliarpossíveis lesões associadas especialmente o TCE, pelo alto risco de sequelasgraveseatémorte.8,23 Estudosdemonstraramque pacientescomMTCAAcomfraturadecrâniotêmmaior inci-dência de hematomas intracranianos doque os porcausa
Figura6–SinaisclássicosdeMTCAA,fraturasemdiferentesestágiosdeconsolidac¸ãoemcrianc¸ade15meses.
acidental.4,23 Entreosnossospacientesquetiveramfraturas doisforamaóbito.Pelasuaextremagravidadeconsideramos esseíndicemuitoalto,oquemaisumavezressaltaa impor-tânciadasuspeitaedaadequadacondutadessespacientes. Portanto,opapel doortopedistapodesercrucialnãosóno tratamento,masnaprotec¸ãoesobrevivênciadascrianc¸ase adolescentesvítimasdemaus-tratos.
Conclusão
Este trabalho reforc¸a que os casos de maus-tratos cursam geralmentecomfraturasúnicas,deossoslongos,diafisárias etransversasemcrianc¸asdebaixaidade,com predominân-ciaparao sexomasculinoeagressor próximoaopaciente. Pacientesvítimasdemaus-tratosapresentamriscodeóbitos associadosaoTCE.
Oortopedista,porsermuitasvezes oprimeiroaavaliar taispacientes,deveestarpreparadoparaoreconhecimentoe acondutaadequadanascrianc¸aseadolescentesvítimasde maus-tratos.
Conflitos
de
interesse
Osautoresdeclaramnãohaverconflitosdeinteresse.
Agradecimentos
AoServic¸oSocialdanossainstituic¸ãopelacessãodasfichas denotificac¸ãoeaoSamepeladosprontuários.
r
e
f
e
r
ê
n
c
i
a
s
1.GuerraVNA.Violênciadepaiscontrafilhos:atragédia revisitada.4a
edSãoPaulo:Cortez;2001.
2.MinayoMCS.Violênciacontracrianc¸aseadolescentes: questãosocial,questãodesaúde.RevBrasSaudeMater Infant.2001;1(2):91–102.
3.Estatutodacrianc¸aedoadolescente.[Acessoem09/04/16]. Disponívelem:http://www.planalto.gov.br/ccivil03/leis/ L8069.htm.
4.ForlinE,PfeifferL.Maus-tratosnainfânciaeadolescência. ProgramadeAtualizac¸ãoemTraumatologiaeOrtopedia (Proato).PortoAlegre:Artmed;2004.
5.RuaroAF,MeyerAT,AguilarJAG,HelluJJ,CustódioMD. Síndromedacrianc¸aespancada.Aspectoslegaiseclínicos– Relatodeumcaso.RevBrasOrtop.1996;32(10):835–8.
6.TerraBB,FigueiredoEA,TerraMPO,AndreoliCV,EjnismanB. Maus-tratosinfantis.Revisãodaliteratura.RevBrasOrtop. 2013;48(1):11–6.
8. FrancioziCED,TamaokiMJS,AraújoEFA,DobashiET, UtumiCE,PintoJA,etal.Traumanainfânciaeadolescência: epidemiologia,tratamentoeaspectoseconômicosemum hospitalpúblico.ActaOrtopBras.2008;16(5):261–5.
9. DiraniM,FonsecaN,DiraniCC.Maus-tratosnainfância: análisede122casos.RevMedStaCasa.1989;1(1):84–8.
10.FerreiraLAM,PenhaJA.Aresponsabilidademédicaem relac¸ãoaosmaus-tratosdecrianc¸aedoadolescenteea legislac¸ãomenorista.Promotoriadejustic¸adainfânciaeda juventudeedapessoacomdeficiênciadePresidente Prudente,2013.Disponívelem:http://www.pjpp.sp.gov.br/ wp-content/uploads/2013/12/31.pdf.
11.MuraroHMS,TrovãoB,Sant’anaAS.Protocolodaredede protec¸ãoàcrianc¸aeaoadolescenteemsituac¸ãoderiscopara violência.3a
ed.Curitiba:SecretariaMunicipaldaSaúdede Curitiba;2008.
12.BazonMR.Violênciascontracrianc¸aseadolescentes:análise dequatroanosdenotificac¸õesfeitasaoConselhoTutelarna cidadedeRibeirãoPreto,SãoPaulo,Brasil.CadSaúdePública. 2008;24(2):323–32.
13.RolimACA,MoreiraGAR,CorrêaCRS,VieiraLJES.
Subnotificac¸ãodemaus-tratosemcrianc¸aseadolescentesna atenc¸ãobásicaeanálisedefatoresassociados.SaúdeDebate. 2014;38(103):794–804.
14.PascolatG,SantosCFL,CamposECR,ValdezLCO,BusatoD, MarinhoDH.Abusofísico:operfildoagressoredacrianc¸a vitimizada.JPediatr(RioJ).2001;77(1):35–40.
15.HermanMJ,McCarthyJJ.Theprinciplesofpediatricfracture andtraumacare.In:WeinsteinSL,FlynnJM,editors.Lovell andWinter’spediatricorthopaedics.7thed.Philadelphia:
WoltersKluwerHealth;2014.p.1680–3.
16.SchwendRM,BlakemoreLC,FickenscherKA.Theorthopedic recognitionofchildmaltreatment.In:FlynnJM,SkaggsDL, WatersPM,editors.RockwoodandWilkinsfracturesin children.8thed.Philadelphia:WoltersKluwerHealth;2015.
p.231–58.
17.MenezesMGP,OliveiraMC,OsmoAA,SetinSMC, SpinelliMAS,PahlMMC,etal.Acrianc¸avítimade maus-tratosatendidaemservic¸osdeemergência.Pediatr (SãoPaulo).1996;18(2):75–81.
18.BlakemoreLC,LoderRT,HensingerRN.Roleofintentional abuseinchildren1to5yearsoldwithisolatedfemoralshaft fractures.JPediatrOrthop.1996;16(5):585–8.
19.CanaleST,BeatyJH.Fracturesanddislocationsinchildren. In:CanaleST,BeatyJH,editors.Campbell’soperative orthopaedics.12a
ed.Philadelphia:Mosby/Elsevier;2012. p.1368–9.
20.KingJ,DiefendorfD,ApthorpJ,NegreteVF,CarlsonM. Analysisof429fracturesin189batteredchildren.JPediatr Orthop.1988;8(5):585–9.
21.LoderRT,BookoutC.Fracturepatternsinbatteredchildren. JOrthopTrauma.1991;5(4):428–33.
22.MurphyR,KellyDM,MoisanA,ThompsonNB,WarnerWCJr, BeatyJH,etal.Transversefracturesofthefemoralshaftarea betterpredictorofnonaccidentaltraumainyoungchildren thanspiralfracturesare.JBoneJointSurgAm.
2015;97(2):106–11.