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REFLEXÕES ACERCA DE CINEMA, EDUCAÇÃO E HISTÓRIA

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Anais da

Semana de Pedagogia da UEM

ISSN Online: 2316-9435 XXII Semana de Pedagogia X Encontro de Pesquisa em Educação

05 a 08 de Julho de 2016

Universidade Estadual de Maringá, 05 a 08 de julho de 2016.

REFLEXÕES ACERCA DE CINEMA, EDUCAÇÃO E HISTÓRIA

BARBIERI, Rafaela Arienti rafaelaarientibarbieri@hotmail.com Solange Ramos de Andrade (orientadora –DHI/PPH/LERR-UEM) Laboratório de Estudos em Religiões e Religiosidades (LERR- UEM); Universidade Candido Mendes História e historiografia da educação

INTRODUÇÃO

Sendo ou não portador de uma linguagem própria e consolidada, o cinema pode ser considerado tanto uma arte quanto uma indústria em função do seu caráter comercial, como argumenta Marcel Martin (2011). Como já colocaram Fernando e Benjamin Albagli (2006), considerando o cinema como a “sétima arte”, “os filmes não existem só ali, na tela, no instante de sua projeção. Eles se mesclam às nossas vidas, influem na nossa maneira dever o mundo, consolidam afetos, estreitam laços, tecem cumplicidades” (ALBAGLI, 2006, p. 09).

De acordo com Jean-Claude Carrière (2006), o cinema tornou-se uma linguagem a partir do momento em que os cineastas começaram a cortar o filme em cenas, o que mais tarde denominou-se enquanto montagem, edição. “Foi na relação invisível de uma cena com a outra, que o cinema realmente gerou uma nova linguagem” (CARRIÈRRE, 2006, p 16). De acordo com Jean-Claude Bernadet (1995), a aparição do cinema na Europa deu-se em 1895 na França. Feito pelos irmãos Lumière, o Cinematógrafo tinha, inicialmente, uma função científica devido a sua capacidade de reproduzir movimento. Mesmo que seus criadores desacreditassem-no enquanto instrumento para o espetáculo e diversão do público, esse novo meio de comunicação, que constrói uma interpretação da história, acabou difundindo-se para o restante do mundo.

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2 sempre uma construção, uma interpretação, uma recriação do real. Ela traduz uma experiência do vivido e uma sensibilidade, vivenciada por aquele que a produziu ou correspondente a um gosto, a um sentimento, a uma lógica e a um valor presente em uma época, captado e interpretado por aquele que construiu essa imagem [...] são sempre fruto de um ato de interpretação e de uma invenção do mundo. Ou seja, constituem uma interpretação e uma experiência do vivido, ao mesmo tempo individual, social e histórica (PESVENTO, 2008, p. 103-104)

Tendo em mente a noção de cinema enquanto documento passível de problematização por parte do âmbito historiográfico, procura-se aqui realizar algumas reflexões acerca de suas especificidades técnicas, sobre as questões de trato metodológico, não esquecendo das discussões a respeito de sua abordagem enquanto um instrumento didático-pedagógico direcionado à indivíduos que não apenas “consomem” os produtos disponibilizados em seu contexto histórico, como também fabricam influenciados por esses mesmos produtos, pensando nas noções de Michel de Certeau (1998) e compreendendo os alunos nessa mesma perspectiva. Apontando algumas dificuldades no manejo do cinema na sala de aula, Josep María Caparrós-Lera e Cristina Souza da Rosa (2013) apontam que

A modernização da escola fez com que o cinema ganhasse espaço na sala de aula como veículo pedagógico. No entanto, identificamos que não são todos os mestres que sabem utilizar a sétima arte dentro do processo de ensino. Ainda existem professores que empregam o cinema como divertimento ou como ilustrador do conteúdo. Para esta atitude temos uma explicação muito simples: o professor não tem conhecimento de como utilizar o cinema nas aulas de história. Isto não é uma exclusividade do professor de história, pois o mesmo problema é comum a professores de outras disciplinas. (CAPARRÓS-LERA; ROSA, 2013, p. 190)

DESENVOLVIMENTO E METODOLOGIA

As fontes cinematográficas oferecem suporte para pensar inúmeros aspectos da realidade histórica na qual foram produzidos, como questões a respeito do cotidiano, das crenças, dos hábitos e valores de uma sociedade. Tais aspectos podem servir como ponte em prol de um diálogo com os alunos, assim como, pensa-los através do cinema, caminha na tentativa de atribuir um sentido a própria realidade vivenciada por esse mesmo aluno fora da sala de aula.

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3 intenções do diretor, ao posicionamento da câmera, aos efeitos de iluminação e à própria trilha sonora, por exemplo.

Na visão de Carrière, o cinema fez uso de “tudo que veio antes dele [...] arregimentou pintores, recorreu a músicos e arquitetos. Cada um contribuiu com sua visão, com sua forma de expressão. Mas ele se formou, antes de mais nada, a partir de si mesmo” (CARRIÈRE, 2006, p. 22). A partir de si mesmo pois teria inventado funções até então desconhecidas, como o operador de câmera, diretor, montador, engenheiro de som. Funções que gradualmente aperfeiçoaram seus instrumentos de trabalho. É interessante o momento em que o autor afirma que o

Cinema é uma arte em movimento, uma arte apressada, uma arte em incessante solavanco e desordem, e isso, às vezes, leva os cineastas a ver mudanças profundas em meras alterações sintáticas, em novos equipamentos, transmissão por satélite, geração eletrônica de imagens. Essa riqueza de invenção que o cinema conhece desde seus primórdios, essa expansão aparentemente ilimitada dos instrumentos da linguagem [...] gera, com frequência um tipo de intoxicação que, mais uma vez, nos leva a confundir técnica e pensamento, técnica e conhecimento. (CARRIÈRE, 2006, p. 25)

É uma arte apressada e cuja linguagem é complexa, mas não somente a linguagem, uma vez que se dirige a cada espectador individualmente como também à plateia como um todo, assim como também todos falam do seu próprio jeito, com seus próprios recursos, ideias, estilos e limitações.

o cinema exibiu rotos humanos ampliados monstruosamente e até mesmo, em Um cão andaluz, o close de uma navalha cortando um globo ocular (mulheres desmaiaram a plateia). Inventou modos de falar, êxtases, aflições, novos tipos de terror. Pode até ter nos ajudado a descobrir em nós mesmos sentimentos até então desconhecidos. (CARRIÈRE, 2006, p. 33)

Dentre os cuidados metodológicos que devem ser tomados em uma análise da narrativa cinematográfica, está o de compreender que a própria câmera é um agente ativo do registro da realidade material e de criação da realidade fílmica (MARTIN, 2005, p. 37). Faz-se necessário, também, atentar às formas de enquadramento, que organizam um fragmento da realidade e dão diferentes sentidos às cenas e ao filme no total; aos os diferentes planos; às formas com que os atores representam perante a câmera; às formas do Travelling; à iluminação, figurino, cenário e outros diversos elementos que compõem e dão sentido à linguagem cinematográfica.

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4 O plano contrapicado (o assunto é fotografado de baixo para cima, colocando-se a objectiva abaixo do nível normal do olhar) dá em geral uma impressão de superioridade, de exaltação e de triunnfo, porque engrandece os indivíduos e tende a magnificá-los, recortando-os no céu até os envolver numa auréola de neblina. (MARTIN, 2011, p. 51)

Ou ainda

O plano picado (filmagem de cima para baixo) tem a tendência para tornar o indivíduo ainda mais pequeno, esmagando-o moralmente ao colocá-lo no nível do solo, fazendo dele um objeto levado por uma espécie de determinismo impossível de ultrapassar, um brinquedo do destino. (MARTIN, 2011, p. 51)

Compreendendo portanto, que uma produção cinematográfica possui uma intenção e um sentido dentro de uma determinada realidade histórica, leva-la para a sala de aula é um desafio na medida em que o objetivo não é trata-la enquanto portadora de uma verdade mas sim, problematiza-la junto ao aluno, um sujeito ativo em seu próprio processo educacional. Certeau defende a ideia de que os indivíduos de uma determinada realidade histórica não são apenas consumidores dos produtos disponibilizados em seu contexto, uma vez que também

fabricam influenciados por esses mesmos produtos.

Para Certeau, tais fabricações ou produções de usuários nem sempre são barulhentas ou espetaculares mas, por muito, dispersas ou até mesmo invisíveis. Para articular esse pensamento, o autor utiliza os conceitos que denominou por estratégias e táticas, que seriam diferentes maneiras de fazer marcadas por diferentes tipos de operação. Esses conceitos acabam por caracterizar uma rearticulação do produto em questão, onde as criações dos

usuários que resultariam dele podem diferenciar-se dos objetivos estabelecidos por aquele que

as produziu inicialmente.1

É interessante notar como o pensamento do autor caminha ao encontro da percepção do aluno enquanto sujeito ativo de seu processo educacional, uma perspectiva também articulada por Marlene Cainelli e Maria Auxiliadora Schimidt (2004), o que se torna evidente no momento em que colocam, por exemplo, que

O conteúdo precisa ser desenvolvido na perspectiva de sua relação com a cultura experiencial dos alunos e com suas representações já construídas; [...] é necessário constituir, em sala de aula, um ambiente de compartilhamento de saberes. Nesse sentido, a relação entre o conhecimento histórico a ser ensinado e a cultura experiencial do aluno deve ‘desenvolver-se num processo de negociação de significados’, isto é, o processo ensino-aprendizagem é uma reconstrução de conhecimentos, e não mera justaposição deles. (SCHIMIDT; CAINELLI, 2004, p. 50)

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5 Isabel Barca (2004), em inúmeros momentos, critica a os modelos educacionais como a

aula – conferência, ou inda a aula expositiva baseada em uma pedagogia por objetivos, apesar

da autora ter pleno conhecimento de que tais modelos ainda são praticados. O trato com a fonte é parte do processo de instrumentalização proposto pela autora, que está relacionado com a necessidade de contextualização do conhecimento histórico. De acordo com Schmidt

[...] como se sabe, as imagens não são o real, mas a representação dele. Portanto, o trabalho com o documento histórico em sala de aula é importante para a desconstrução de determinadas imagens canonizadas a respeito do passado. (SCIMIDT; CAINELLI, 2004, p. 92)

Tendo essas considerações em mente, é interessante traçar aqui um panorama de como o cinema passou a ser valorizado no meio educativo. De acordo com Caparrós-Lera; Rosa o uso do cinema enquanto meio educativo começou na Europa depois da Primeira Guerra Mundial, mais precisamente na França, Itália, Alemanha e União Soviética, o que estimulou a criação de institutos de cinema educativos, sendo que a Itália foi o primeiro país a organizar o instituto de cinema educativo, o Istituto Nazionale LUCE com o objetivo de fazer filmes educativos destinados aos cinemas, escolas e centros operários da Itália.2

Nesse mesmo sentido argumentativo, Carrière procura deixar claro que nos anos que se seguiram à Primeira Guerra Mundial, os administradores coloniais franceses organizavam frequentes sessões de cinema na África. De acordo com o autor, o

objetivo, é claro, era divertir, proporcionar o entretenimento da moda, mas também demonstrar às populações africanas subjugadas à incontestável supremacia das nações brancas. O cinema, invenção recente dentre muitas no Ocidente industrializado, era produtor de um encontro histórico entre teatro, vaudeville, music hall, pintura fotografia e toda uma série de progressos técnicos. Assim, ajudava a exaltar as qualidades da civilização branca de classe média que lhe deu origem (CARRIÈRE, 2006, p. 11)

Eric Hobsbawm (1998), ao trabalhar com as artes transformadas após a Primeira Guerra Mundial, destaca a forma com que a França e os Estados Unidos articulavam a indústria cinematográfica. Para o autor, o cinema

Tratava-se, de fato, da primeira arte que não poderia ter existido a não ser na sociedade industrial do século XX e que não tinha paralelo ou precedente nas artes anteriores [...] Pela primeira vez na história, a apresentação do movimento em imagens visuais se libertava da sua apresentação imediata e ao vivo. E, pela primeira vez na história, o teatro ou o espetáculo estavam livres das restrições impostas pelo tempo, espaço e natureza física do observador, para não falar dos limites palco em relação ao uso dos efeitos. O movimento

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6 da câmeram a variabilidade de seu foco, o espectro ilimitado dos truques fotográficos e, acima de tudo, a possibilidade de cortar a tira de celuloide – que registra tudo – em pedaços e montá-los ou remonta-los à vontade tornaram-se imediatamente evidentes e foram imediatamente explorados pelos realizadores, que raramente tinham qualquer interesse ou afinidade com as artes de vanguarda. Até agora, nenhuma arte representa tão bem quanto o cinema as exigências e o tiúnfo espontâneo de um modernismo artístico inteiramente não tradicional. (HOBSBAWM, 1998, p. 332)

Tais debates chegaram ao Brasil nos anos 20, e as revistas de educação e de cinema serviram como cenário para a defesa do cinema enquanto meio de educação. De acordo com as autoras,

Em 1928, Fernando Azevedo, diretor geral da Instrução Pública do Distrito Federal, determinou e regulamentou seu uso nas escolas do Distrito Federal, através do decreto 2.940 (REVISTA NACIONAL DE EDUCAÇÃO, 1932). Nele, Azevedo deixou claro que “o cinema seria utilizado, em exclusivo, como instrumento de educação e como auxiliar do ensino para que facilitasse a ação do mestre sem substituí-lo” (p. 5). Outro passo importante para a introdução do cinema educativo no Brasil foi a criação, em 1936, do Instituto Nacional de Cinema Educativo (INCE), pelo governo de Getúlio Vargas. (CAPARRÓS-LERA; ROSA, 2013, p. 191)

De acordo com as autoras, citando a pedagogia da Escola Nova, os educadores dos anos 1930 tinham por preocupação que os filmes aproximassem a escola da realidade dos alunos, sendo que professores como Jonathas Serrano e Venâncio Filho, influenciados pela Escola Metódica, não recomendavam o uso de filmes em aulas de história, mas sim em disciplinas como higiene, ciências naturais e geografia.3

José Carlos Reis (1996) delineia alguns traços do “espírito positivo” da obra de Langlois e Seignobos, destacando

[...] o apego ao documento (“pas de document, pas d’histoire”), o esforço obsessivo em separar o falso do verdadeiro; o medo de se enganar sobre as fontes; a dúvida metódica, que muitas vezes se torna sistemática e impede a interpretação; o culto do fato histórico, que é dado, “bruto”, nos documentos. (REIS, 1996, p. 18)

Ainda que no século XIX o cinema não fosse compreendido enquanto documento histórico, ele era utilizado em prol da Pátria e da exaltação de heróis nacionais, como também afirmam Caparrós-Lera e Rosa4. Dessa forma, o cinema não era tido pelos historiadores do início do século XX como um registro histórico. “Sem vez nem lei, órfão, prostituindo-se para

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7 o povo, a imagem não poderia ser uma companhia para esses grandes personagens que constituem a Sociedade do historiador”. (FERRO, 1975, p.04)

De acordo com Marcos Napolitano (2006), ainda no início do século XX, a ideia de cinema era fortemente vinculada com os chamados “filmes históricos”, portanto, pode-se visualizar que “o cinema descobriu a história antes de a História descobri-lo como fonte de pesquisa e veículo de aprendizagem escolar”. (NAPOLITANO, 2006, p. 240). Com o desenvolvimento da Escola dos Annales, iniciada em 1929 por Marc Bloch e Lucen Febvre, e mais tarde com o movimento de renovação historiográfica francesa de 1960 e 1970 denominado

Nova História, a identificação de novos objetos e métodos permitiu que o cinema fosse

admitido no panorama documental do historiador, onde o objetivo é analisar o filme como uma construção, e não como evidência histórica.3

Os apontamentos de Napolitano a respeito da fonte cinematográfica estão a favor não apenas da compreensão do cinema enquanto um documento histórico, mas também auxiliam em uma melhor abordagem do mesmo em sala de aula. Primeiramente cabe destacar que o cinema não deve ser compreendido como um “testemunho quase direto e objetivo da história” (NAPOLITANO, 2008, p. 236), uma vez que a questão a ser enfatizada é a percepção das fontes áudio visuais em seus mecanismos de representação da realidade, a partir de seus códigos internos e estruturas de linguagem.

É uma representação da realidade portadora de uma intenção, seja do diretor ou da equipe de produção como um todo. O autor auxilia a perceber a importância de não tecer um julgamento a respeito do cinema e seus supostos equívocos, mas sim atentar para o porquê eles aparecem em uma determinada narrativa cinematográfica. Cabe lembrar que Carrière, caminhando no mesmo sentido que Napolitano, acaba por afirmar que cinema é manipulação, e que deve-se levar em consideração esses processos de edição, onde as imagens são sutilmente adulteradas, seja pelo texto falado ou pela música. Segundo Napolitano

A imagem é, para o historiador, ao mesmo tempo que transmissora de mensagens enunciadas claramente, que visam seduzir e convencer, a tradutora, a despeito de si mesma, e de convenções partilhadas que permitem que ela seja compreendida, recebida, decifrável. (NAPOLITANO, 2008, p.239)

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8 é menos importante saber se tal e qual filme foi fiel aos diálogos, à caracterização física dos personagens ou a reproduções de costumes e vestimentas de um determinado século. O importante é entender o porquê das adaptações, omissões, falsificações que são apresentadas num filme. (NAPOLITANO, 2008, p.237)

Tal citação do autor dialoga com o pensamento de Pesavento na medida em que a autora argumenta que “um historiador da cultura não deveria procurar na imagem estudada o necessariamente acontecido, mas sim a percepção dos homens acerca da realidade em que viveram [...] Para a história cultural, ler uma imagem é avançar para além da estética, ultrapassando os cânones que delimitam o belo e a virtualidade técnica da composição e feitura da boa imagem” (PESAVENTO, 2008, p. 113-114)

Pesavento caminha na mesma linha de Carrière e Napolitanto, uma vez que argumenta que a imagem é sempre uma construção, uma interpretação, uma recriação do real pois ela traduz uma experiência do vivido, uma sensibilidade, vivenciada por aquele que a produziu. Dessa forma, as imagens são sempre fruto de um ato de criação e de uma invenção de mundo, lembrando que a vivência de seu criador é individual, social e histórica. 5

Assim como Certeau trabalha com a ideia de usuários ativos em sua realidade histórica, Pesavento também admite um papel do espectador na própria construção da imagem. É um espectador que interpreta a imagem e tem uma bagagem de memória, uma “imagem mental” que o auxilia em tal processo. Dessa forma, as imagens são portadoras de sentidos tanto construídos quanto descobertos “por aquele que olha”6

Partindo dessa perspectiva de análise contextual e não passividade do espectador perante ao filme, cabe afirmar que o conceito de representação de Roger Chartier torna-se coerente para uma boa análise de tal documento. No momento em que se trabalha com o conceito de representação de Chartier, que é analisado sob um viés coletivo, é necessário compreender que ele não pode ser explicado e articulado isoladamente das outras propostas apresentadas pelo mesmo autor no decorrer da obra. Chartier propõe pensar o conceito de representação coletiva considerando

O trabalho de classificação e de recorte que produz as configurações intelectuais múltiplas pelas quais a realidade é contraditoriamente construída pelos diferentes grupos que compõem uma sociedade; em seguida, as práticas que visam a fazer reconhecer uma identidade social, a exibir uma maneira

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9 própria de estar no mundo, a significar simbolicamente um estatuto e uma posição; enfim, as formas institucionalizadas e objetivadas graças às quais “representantes” (instâncias coletivas ou indivíduos singulares) marcam de modo visível e perpetuado a existência do grupo, da comunidade ou da classe. (CHARTIER, 2002b, p.73)

Dessa forma, o processo de representação é apenas a ponta de um processo que parte da apropriação de determinadas ideias e conceitos, os quais são influenciados pela visão de mundo do grupo em questão em um dado contexto. Tal apropriação acaba por passar por um processo de ressignificação influenciado justamente por essa visão de mundo para assim então, ser representada.

Portanto, o trabalho do historiador é analisar

[...] a problemática do “mundo como representação”, moldado através das séries de discursos que o apreendem e o estruturam, conduz obrigatoriamente a uma reflexão sobre o modo como uma configuração desse tipo pode ser apropriada pelos leitores dos textos (ou das imagens) que dão a ver e a pensar o real. (CHARTIER, 2002a, p. 23-24)

Tendo em mente as observações de tais autores a respeito do documento cinematográfico, cabe aos educadores não firmá-las apenas no campo da teoria acadêmica, mas leva-las para a sala de aula, articulando tais cuidados metodológicos em uma linguagem passível de entendimento pelo aluno. Tal processo acaba por possibilitar ao aluno uma visão mais crítica da própria história, bem como uma noção de como o processo de construção do conhecimento histórico articula-se.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Apesar de inúmeras narrativas cinematográficas apresentarem como figuras mitológicas, monstros como acontece muito na ficção, tais elementos estão profundamente relacionados com aquela realidade, nem as inteligências nem as ideias são desencarnadas7, afinal, os “leitores” (telespectadores nesse caso), como colocaria Chartier “não se confrontam nunca com textos abstratos ideias, separados de toa materialidade: manejam objetos cujas organizações comandam sua leitura, sua apreensão e compreensão partindo do texto lido” (CHARTIER, 1991, p. 178)

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10 Considerar as representações, o mundo do leitor e a complexidade da construção do sentido pode ser utilizada não apenas para problematizar a fonte cinematográfica, como também os próprios meios de comunicação que permeiam o contexto atual, cercado por diversos discursos exibidos pela mídia, jornais, sites, redes sociais, filmes, documentários, livros, charges que não devem ser assimilados enquanto o “real em si” mas sim problematizados, criticados com base em seu papel e objetivo na sociedade em questão, afinal, eles não são inocentes, eles possuem intenção.

Para Jörn Rüsen (2007), a história é ciência na medida em que é constituída de prática, sendo que a própria história se constitui enquanto ciência pois pensamos historicamente, independentemente da sala de aula, por exemplo. Nesse sentido, os conteúdos são ferramentas para aprimorar o conhecimento histórico, permitindo ao aluno sair de seu egocentrismo, estabelecendo um olhar mais estrutural a respeito do mundo, e que é o outro no mundo. Dessa forma,

O aprendizado da história transforma a consciência histórica em tema da didática da história. Vale lembrar que os processos de aprendizado histórico não ocorrem apenas no ensino de história, mas nos mais diversos e complexos contextos da vida concreta dos aprendizes, nos quais a consciência histórica desempenha um papel. Abre-se assim o objeto do pensamento histórico para o campo da consciência histórica, e a didática da história caiu nas malhas da teoria da história. (RÜSEN, 2007, p. 91)

REFERÊNCIAS

ALBAGLI, Benjamin; ALBAGLI, Fernando. A linguagem secreta do cinema. In:

CARRIÈRE, Jean-Claude. A linguagem secreta do Cinema. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006

BARCA, Isabel. Aula oficina: do projeto à avaliação. In Para uma educação de qualidade: Atlas da Quarta Jornada de Educação Histórica. Braga, Centro de Investigação em Educação (CIED)/ Instituto de Educação e Psicologia, Universidade do Minho, 2004, p. 131-144. BERNARDET, Jean-Claude. O que é cinema? SP: Brasiliense, 1985

CARRIÈRE, Jean-Claude. A linguagem secreta do Cinema. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006.

CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano. Petrópolis: Vozes, 1998 FERRO, Marc. Filme: Uma contra-análise da Sociedade? 1975. Disponível em

http://www.educacaopublica.rj.gov.br/oficinas/historia/reverso/downloads/MarcFerro.pdf. Data de acesso: 09/05/2014

HOBSBAWM, Eric J. A era dos impérios. RJ: Paz e Terra, 1998

JÖRN, Rüsen. História viva: teoria da história: formas e funções do conhecimento

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11 NAPOLITANO, Marcos. Os historiadores e as fontes audiovisuais e musicais. In:

PINSKY, Carla Bassanezi (org.). Fontes Históricas. 2. ed. - São Paulo: Contexto, 2006. PESAVENTO, Sandra. O mundo da imagem: território da história cultural. In:

PESAVENTO, Sandra; SANTOS, Nádia Maria Weber; ROSSINI, Miriam de Souza (orgs.). Narrativas, imagens e práticas sociais: percursos em historia cultural. Porto Alegre: Asterisco, 2008. p. 99-122.

REIS, José Carlos. A história entre a filosofia e a ciência. SP: Atica, 1996.

ROSA, Cristina Souza da; CAPARRÓS-LERA, Josep María. O cinema na escola: Uma

metodologia para o ensino de história. Juiz de Fora: Educ. Foco, v. 18, n. 2, jul. / out. 2013,

p. 189-210.

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