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O estatuto gramatical de porém

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O estatuto gramatical de “porém”

Andréa Lopes Borges Universidade Federal de Uberlândia Elisete Maria de Carvalho Mesquita Universidade Federal de Uberlândia

Resumo: Segundo Neves (2000), Perini (2006) e estudos como o de Parreira (2006), porém apresenta propriedades que o fazem variar entre as categorias de advérbio e conjunção. Essa variação está relacionada ao processo de gramaticalização de porém, sobre o qual, de acordo com autores como Said Ali (1967), Longhin (2003), Hopper (1991) e Heine (1993), podemos dizer que não se encontra em nível avançado. Dessa forma, este artigo tem por objetivo oferecer explicações sobre a variação das propriedades de porém, com base em seu processo de gramaticalização. Para cumprir a meta estabelecida: (i) Selecionamos ocorrências de porém; (ii) Utilizamos os princípios de gramaticalização propostos por Hopper (1991). A análise nos mostrou que as propriedades de porém são resultado da persistência de traços da sua fonte adverbial.

Palavras-chave: Gramaticalização. Porém. Advérbio. Conjunção.

Abstract: According to Neves (2000), Perini (2006) and studies such as Parreira (2006), porém has properties that do it varies among the categories of conjunction and adverb. This variation is related to the process of grammaticalization of porém, about which, according authors such as Said Ali (1967), Longhin (2003), Hopper (1991) and Heine (1993), we can say that it is not in advanced stage. Therefore, this article aims to provide explanations about the variation of the properties of porém, based on its process of grammaticalization. To meet the target: (i) We selected instances of porém; (ii) We use the principles of grammaticalization proposed by Hopper (1991). The analysis showed us that the properties of porém are a result of the persistence of traces of its adverbial source.

Keywords: Grammaticalization. Porém. Adverb. Conjunction.

Introdução

Porém é tradicionalmente conhecido como conjunção coordenada adversativa, de acordo com a classificação registrada por gramáticas normativas, principalmente. No entanto, ao verificarmos estudos contemporâneos sobre esse elemento, percebemos que ele, na verdade, se diferencia das conjunções coordenadas.

Segundo Neves (2000), Perini (2006) e estudos como o de Parreira (2006), porém apresenta propriedades que o fazem variar1 entre as categorias de advérbio e conjunção. Essas

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propriedades são: ambiguidade (variação semântica entre os valores adversativo e conclusivo e/ou explicativo), mobilidade (variabilidade posicional) e coocorrência com outras conjunções.

Segundo Perini (2006), as propriedades relacionadas a porém não equivalem a propriedades de conjunções coordenadas, mas a de advérbios. Neves (2000) acredita que pelo fato de porém poder coocorrer com mas, ele se aproxima do grupo dos advérbios, por outro lado, pelo fato de não poder coocorrer com e e com ou, ele se aproxima das conjunções coordenadas.

Parreira (2006), por sua vez, acredita no emprego de porém com outras funções, como de explicar-concluir, e, nesses momentos, segundo essa autora, ele pode vir precedido de e.

Considerando que, segundo Neves (2000), historicamente, pelo processo de mudança gramatical, os advérbios podem ser considerados como fontes de conjunções, acreditamos que o fato de algumas propriedades de porém se aproximarem do paradigma adverbial está relacionado ao seu processo de gramaticalização, que, de acordo com autores como Said Ali (1967), Longhin (2003), Hopper (1991) e Heine (1993 apud Rodrigues, 2006), podemos dizer que não se encontra em nível avançado.

Nesse sentido, este artigo objetiva oferecer explicações sobre a variação das propriedades gramaticais de porém, com base no seu processo de gramaticalização.

Para cumprir a meta estabelecida: i) Selecionamos ocorrências de porém, referentes a usos deste século (XXI) desse item linguístico, para comprovarmos a existência das propriedades: mobilidade, coocorrência, ambiguidade e propriedades de conjunção coordenada adversativa; ii) Utilizamos os princípios de gramaticalização propostos por Hopper (1991), que nos permitem verificar o estatuto gramatical de itens em estágio incipiente de gramaticalização.

Propriedades gramaticais de “porém”

Segundo Perini (2006), porém, em comparação com conjunções coordenadas, apresenta as seguintes propriedades sintáticas, conforme quadro 01:

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Quadro 01: propriedades sintáticas de conjunções coordenadas e de porém.

Este quadro mostra que as propriedades sintáticas de porém são quase opostas às das conjunções coordenadas. Para Perini (2006), essas propriedades equivalem às características de advérbios da classe de consequentemente, que estabelecem uma conexão semântica entre duas orações. Segundo Perini (2006, p.147) “coordenadores” desse tipo podem coocorrer com marcas de subordinação, além de com outros coordenadores.

Neves (2000), por sua vez, acredita que o fato de porém poder coocorrer com a conjunção coordenada mas faz com que ele se aproxime do grupo dos advérbios juntivos (que operam conjunções). Por outro lado, porém não coocorre com as conjunções coordenadas prototípicas e e ou, o que o aproxima das conjunções coordenadas. Apesar dessas possibilidades, essa autora o classifica como advérbio juntivo de contraste, mas afirma que, dentre os elementos do mesmo grupo, porém é o que está mais próximo das conjunções.

Para Neves (2000), somente mas é conjunção coordenada adversativa. Segundo essa autora, todas as outras conjunções coordenadas adversativas (todavia, contudo, no entanto, entretanto), segundo a classificação de gramáticas normativas, devem ser tratadas como advérbios juntivos de contraste.

CONJUNÇÕES COORDENADAS PORÉM

A pontuação é opcional A pontuação é obrigatória

Coordenam qualquer número de membros, não obrigatoriamente, mas em geral, os dois últimos

Não coordena mais de dois elementos

Quando não repetidas, ocorrem somente antes da última oração

Ocorre em qualquer posição, que não logo antes da última oração

Coordenam tanto orações, quanto Sintagmas Nominais (SNs)

Não coordena SNs

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Ainda segundo Neves (2000), se considerado o valor semântico, porém e mas são semelhantes. No entanto, esses elementos se diferenciam se considerado o seu estatuto gramatical, uma vez que porém não ocorre, sempre, entre orações, e pode coocorrer com outras conjunções coordenadas, o que não se relaciona a mas.

Por outro lado, Parreira (2006) aponta para outro valor de porém, o de explicar e/ou concluir, afirmando que, nesse caso, porém pode vir precedido de e.

Acreditamos que esse valor conclusivo e/ou explicativo não seja, efetivamente, empregado, mas concorra, em alguns contextos, com o valor adversativo de porém. Como resultado dessa concorrência, o valor de porém se torna ambíguo, ou seja, ele não é nem inteiramente conclusivo e/ou explicativo, nem inteiramente adversativo, mas uma mescla desses dois valores.

Em relação a essas propriedades variáveis de porém, se considerado que, segundo Neves (2000), historicamente, pelo processo de mudança gramatical, os advérbios podem ser indicados como fontes de conjunções coordenadas, essas propriedades devem estar associadas, portanto, ao seu processo de gramaticalização.

Gramaticalização: processo de mudança gramatical

Por gramaticalização entendemos que a língua está em constante mudança, consequentemente, como acredita Hopper (1991), que a gramática está em constante transformação. Assim, por meio da gramaticalização se investiga historicamente a gramática de uma língua, a partir das mudanças sofridas pelos itens linguísticos, o que facilita a compreensão e descrição de usos atuais da língua, que pode ser observada tanto diacrônica quanto sincronicamente.

Pela diacronia se verifica como as formas linguísticas surgiram e se desenvolveram, e as implicações das formas fontes nas atuais. Por meio de estudos diacrônicos, Said Ali (1967) afirma que porém se originou do advérbio latino proinde, que tinha na antiga Língua Portuguesa (por volta do séc. XIV) o sentido de por isso, portanto e Longhin (2003) afirma que porém conservou a mobilidade de sua fonte adverbial. Pela sincronia se verifica graus de gramaticalidade dos elementos de uma língua sob o enfoque discursivo, os usos que tem sido feitos e as variações funcionais.

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O processo de gramaticalização corresponde a uma forma de mudança linguística, especificamente, gramatical, e caracteriza-se, basicamente, pela “passagem de uma palavra autônoma à função de elemento gramatical” (MEILLET, 1912, p. 17 apud GONÇALVES, LIMA-HERNANDES, et al, 2007, p. 19).

As palavras gramaticais são itens invariáveis da língua, não admitindo modificadores (preposições, conjunções, advérbios, etc.). Essas palavras funcionam, basicamente, como organizadores discursivos. As palavras autônomas, segundo Gonçalves e outros (2007), são os itens lexicais, palavras variáveis da língua, que funcionam como designadores de ações, estados, seres, qualidades, etc. (substantivos, adjetivos, verbos, etc.).

Nesse sentido, a gramaticalização pode ser entendida, segundo Meillet (1912), de acordo com Gonçalves e outros (2007), como o processo de passagem de um item lexical à gramatical, ou um gramatical a mais gramatical, ou seja, consiste na especialização de um item, ou, segundo Votre (1999), na diminuição de liberdade de variação sintático-semântica.

A mudança gramatical ocorre pelas pressões do uso, conforme as necessidades sócio- comunicativas dos falantes de uma língua, além de, como acredita Neves (2002), pelas determinações do próprio sistema linguístico. Dessa forma, também, de acordo com Gonçalves e outros (2007), autores como Hopper (1987), acreditam que essa mudança começa a ser negociada na fala.

No entanto, a mudança só consiste em gramaticalização quando ocorre por um processo unidirecional do – para o +, ou seja, do lexical para o gramatical ou do – gramatical para o + gramatical, e nunca na direção contrária, o que significa que, como acreditam Gonçalves e outros (2007), nem toda mudança consiste em gramaticalização, mas toda gramaticalização pressupõe mudança.

Além de ser unidirecional, o processo de mudança gramatical, como acredita Lehmann (1995 apud Gonçalves e outros, 2007), inclui estágios ou níveis de gramaticalização, ou seja, a gramaticalização é um processo, também, gradual. Isso significa que a mudança não ocorre abruptamente, ao invés disso, as formas linguísticas passam por níveis de mudança, que, segundo Hopper e Traugott (2003), tendem a ser similares entre as línguas.

Com base nesse processo gradual, Lehmann (1995 apud Gonçalves e outros, 2007) propõe limites para o processo de gramaticalização, que, segundo esse autor, passa pelos seguintes estágios ou níveis de mudança:

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Sintaticização > Morfologização > Desmorfemização

Por esse esquema, a gramaticalização tem início na sintaticização, que é quando um elemento autônomo começa a exercer funções sintáticas e adquirir propriedades de categorias secundárias, ou mais gramaticalizadas. Na sequência, morfologização, o item em processo de gramaticalização começa a se prender ao elemento/estrutura com o/a qual aparece junto, se transformando em afixo. Em seguida, avançando no processo de gramaticalização, o item aglutina-se à forma/estrutura que acompanha, se transformando em forma flexional. Por fim, ocorre a desmorfemização, quando há apagamento dessa forma, que chegando a ∅, tem sua função, segundo Gonçalves e outros (2007), assumida pelo elemento ao qual se aglutinou.

Entretanto, esse processo não ocorre sempre dessa forma. De acordo com Santos (2010), não se sabe ao certo onde ele começa e termina. Além disso, itens em processo de gramaticalização podem não completar esse processo, como aponta Hopper (1991), esses itens podem não substituir imediatamente as formas antigas, podendo as duas coexistir, o que gera, segundo Heine (1993 apud Rodrigues, 2006), as ambiguidades.

Com base nos diferentes níveis que um item pode atingir no processo de gramaticalização, Hopper (1991) e Lehmann (2002) propõem princípios e parâmetros que nos permitem aferir o estatuto gramatical de uma forma linguística em níveis mais e menos avançados de gramaticalização.

Lehmann (2002) propõe seis parâmetros que possibilitam verificar o estatuto gramatical de itens linguísticos em estágio avançado de gramaticalização. Conforme esse autor, esses parâmetros são definidos pelo nível paradigmático e sintagmático. O nível paradigmático se divide em três parâmetros:

1- Integridade (peso no paradigma) - Esse parâmetro, que corresponde à perda semântica e fonológica de um item em relação à sua forma fonte, mostra que o item está em grau avançado de gramaticalização.

2- Paradigmaticidade (coesão no paradigma) - Esse parâmetro corresponde ao grau de coesão entre os membros de um paradigma, medido pela regularidade e similaridade de aspectos formais e funcionais. Segundo Lehmann (2002), quanto maior a coesão entre os itens de um paradigma, menor é o paradigma, e mais gramaticalizados estão os itens desse paradigma.

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3- Variabilidade paradigmática (variação no paradigma) - Esse parâmetro consiste na obrigatoriedade do uso de um item de um determinado paradigma numa determinada estrutura sintática, o que significa que quanto menor a possibilidade de substituição desse item, mais gramaticalizado ele está.

O nível sintagmático se divide em outros três parâmetros:

1- Escopo (peso no sintagma) - Esse parâmetro corresponde ao tamanho da estrutura sintática que o item ajuda a formar. Assim, segundo Lehmann (2002), quanto menor a estrutura, mais gramaticalizado está o item.

2- Conexidade (boundedness – coesão no sintagma) - Esse parâmetro corresponde ao grau de coesão de um item com outros no sintagma. Segundo Lehmann (2002), o aumento de coesão é chamado de coalescência, e vai da justaposição à fusão, que é quando o item se torna afixo. Assim, quanto maior a coesão mais gramaticalizado está o item.

3- Variabilidade sintagmática (variação no sintagma) - Esse parâmetro corresponde à diminuição da autonomia de um item no sintagma, ou seja, menor liberdade ou variabilidade posicional. Assim, quanto mais fixo, mais gramaticalizado está o item em processo de gramaticalização.

Hopper (1991), por sua vez, propõe princípios que permitem verificar graus de gramaticalidade de itens em estágio incipiente, ou seja, menos gramaticalizados ou em processo inicial de gramaticalização.

Os princípios propostos por Hopper (1991) são:

1- Estratificação (layering) – Diz respeito ao surgimento de novas formas funcionais.

Segundo Hopper (1991), o item em processo de gramaticalização pode não substituir imediatamente a forma anterior, podendo, até mesmo, nunca substituí-la, e, assim, as formas podem coexistir.

2- Divergência (divergence) – Mostra que quando um item se gramaticaliza, a forma antiga é mantida em outros contextos.

3- Especialização (specialization) – Indica que quanto menor a possibilidade de substituição de um item, mais gramaticalizado ele está, ou próximo de gramaticalizar-se.

4- Persistência (persistence) – Diz respeito a quando a forma gramaticalizada preserva alguns traços da forma original, o que “pode ocasionar restrições sintáticas” para a forma gramaticalizada. (GONÇALVES; CARVALHO, 2007, p. 83).

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5- Decategorização (de-categorialization) – Diz respeito à perda de traços morfológicos e sintáticos de categorias primárias (lexicais – nomes, verbos, adjetivos), que assumem propriedades de categorias secundárias (gramaticais – preposições, conjunções, advérbios), ou seja, consiste na especialização do item.

Considerando que, segundo Neves (2000), a coocorrência relacionada a porém é propriedade que o aproxima dos advérbios, assim como a mobilidade, conforme Longhin (2003), e que ambiguidade é indício de gramaticalização em processo, segundo Heine (1993 apud Rodrigues, 2006), que no caso de porém se dá pelos valores adversativo e conclusivo ou adversativo e explicativo, sendo os valores de conclusão e explicação, valores de sua forma fonte proinde, segundo Said Ali (1967), podemos afirmar que essas propriedades de porém indicam que ele não está em nível avançado de gramaticalização, e que, portanto, os parâmetros propostos por Lehmann (2000) não são adequados para a realização deste estudo.

Assim, para verificarmos o estatuto gramatical de porém nos parece mais adequado os princípios propostos por Hopper (1991), que nos permitem analisar o estatuto gramatical de itens em graus menos elevados de gramaticalização.

Material e métodos

Para oferecermos explicações sobre as propriedades de porém que se aproximam tanto do paradigma das conjunções coordenadas quanto dos advérbios, vimos a necessidade em comprovarmos a existência dessas propriedades. Para isso, selecionamos uma ocorrência representativa de cada uma delas.

Essas ocorrências são referentes a usos deste século (XXI) de porém, especificamente do ano de 20092, retiradas de 4 artigos de opinião, gênero que, segundo Rodrigues (2005), nos oferece vasto emprego de elementos como porém, de 3 diferentes jornais3 brasileiros: Gazeta de Alagoas; Zero Hora; e Pag 20:

(i) A 1ª ocorrência foi retirada do artigo “Esperar faz bem”, publicado em 21 de novembro de 2009, no jornal Zero Hora;

(ii) A 2ª ocorrência foi retirada do artigo “Ditadura e Petróleo”, publicado em 26 de novembro de 2009, no jornal Gazeta de Alagoas;

2 As ocorrências utilizadas neste estudo são parte do corpus da pesquisa de mestrado: Os usos de “porém” em artigos de opinião, coletado em 2009.

3 Todos são jornais online.

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(iii) A 3ª ocorrência foi retirada do artigo “Retrato da campanha presidencial”, publicado em 27 de novembro de 2009, no jornal Pag 20;

(iv) A 4ª ocorrência foi retirada do artigo “Relato de um paciente (quase) terminal”, publicado em 24 de novembro de 2009, também, no jornal Pag 20.

Por considerarmos os princípios propostos por Hopper (1991) como os mais

adequados para a análise das propriedades gramaticais de porém, por esse item linguístico se encontrar em processo de gramaticalização, analisamos as propriedades adverbiais e as de conjunções coordenadas de porém, de acordo com esses princípios.

Análise do estatuto gramatical de “porém”, segundo os princípios de Hopper (1991)

Identificamos as propriedades de porém como de 4 tipos:

Porém 1: mobilidade Porém 2: coocorrência

Porém 3: conjunção coordenada adversativa Porém 4: ambiguidade

Para comprovarmos a existência dos tipos 1, 2, 3 e 4 de porém, selecionamos um dado representativo de cada um deles.

A ocorrência 1 representa o Porém 1, onde porém é empregado no meio da oração, apresentando mobilidade:

(1) “Quem tem filhos em idade escolar percebe a enorme diferença na conduta do estudante perante a aprendizagem, de uma geração atrás para a atual. Há, porém, que se considerar o seguinte: todas as pessoas, no seu processo de desenvolvimento psíquico, atravessam um primeiro sistema, que Freud chamou “princípio do prazer”.”

A ocorrência 2 representa o Porém 2, onde porém coocorre com a conjunção assim como:

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(2) “O próprio Lobato esteve preso, em virtude de sua luta em defesa do “ouro negro”.

(...)Porém, assim como o petróleo motivou a prisão do escritor, propiciou, bem mais adiante na história e também em regime autoritário, à soltura de um dissidente.”

A ocorrência 3 representa o Porém 3, onde porém é empregado com valor adversativo, entre orações coordenadas, e não coocorrendo com outra conjunção, ou seja, apresenta propriedades de conjunção coordenada adversativa:

(3) “O governador paulista pode usar o espaço para tentar retomar seu crescimento nas pesquisas. Porém, será importante oferecer espaço para que Aécio Neves se exponha nacionalmente e se apresente como alternativa viável caso Serra desista.”

A ocorrência 4 representa o Porém 4, onde porém apresenta valor ambíguo:

4. “Chegados os exames eles confirmaram que dada à baixa imunidade do meu organismo eu poderia estar com uma tuberculose (...), mas uma virótica. (...). Porém, era preciso confirmar.”

A ambiguidade de porém na ocorrência 04 se dá por o verbo presente nela: poderia, demonstrar que não há confirmação da doença, ou seja, pode ser uma tuberculose, de maneira que a oração introduzida por porém parece redundante se observada pelo valor adversativo desse elemento, parecendo mais adequado acreditar na relação conclusiva, equivalendo ao emprego de conjunções como portanto.

A seguir apresentamos a análise dos tipos de porém, segundo os cinco princípios propostos por Hopper (1991).

Estratificação

Este princípio diz respeito ao surgimento de novas formas com mesmo funcionamento das formas antigas, a partir do qual, a forma em processo de gramaticalização pode não substituir imediatamente a forma fonte, e as duas podem coexistir.

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Por esse princípio não podemos dizer que porém coexiste com a forma antiga proinde, pois ela desapareceu, nem que porém substituiu a forma fonte, revelando-se como nova forma funcional de proinde, pois adquiriu propriedades de conjunção coordenada adversativa (Porém 3), mas que porém, em alguns contextos, apresenta um funcionamento que se assemelha ao funcionamento de sua fonte adverbial.

Assim, por exemplo, o Porém 1 (mobilidade), segundo Longhin (2003), é propriedade que porém conserva de proinde. O Porém 4 (ambiguidade) também parece se aproximar do funcionamento da fonte adverbial de porém, pois, se considerarmos que a ambiguidade de porém se dá pelos valores conclusivo e/ou explicativo, valores de proinde, podemos dizer que, em contexto ambíguo, porém se aproxima do funcionamento semântico de sua forma fonte.

Além disso, se considerarmos que coocorrência (Porém 2) é propriedade associada aos advérbios, podemos dizer que em contexto onde porém coocorre com outras conjunções, ele se aproxima do funcionamento sintático de proinde.

Divergência

Este princípio diz respeito a quando a forma antiga é mantida em outros contextos. Por ele, não podemos dizer que a forma da qual surgiu porém é mantida em outros contextos, pois ela não existe mais, mas que, como verificado pelo princípio da estratificação, em alguns contextos, porém apresenta traços de proinde, como em contextos onde coocorre com outras conjunções (Porém 2), em contextos onde aparece em outras posições, que não no início da última oração (Porém 1), e em contextos ambíguos, onde é possível o valor conclusivo e/ou explicativo para porém (Porém 4).

Especialização

Segundo este princípio, quanto menor a possibilidade de substituição de um item, mais gramaticalizado ele está.

De acordo com as propriedades pertencentes aos tipos identificados de porém, percebemos que porém pode ser substituído por contudo, entretanto, todavia, e no entanto,

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segundo Neves (2000), essas conjunções são, também, advérbios juntivos de contraste e, segundo Perini (2006), funcionam como porém, ou seja, podem se posicionar em qualquer lugar na frase, podem coocorrer com outras conjunções coordenadas, e podem apresentar comportamento sintático-semântico de conjunção coordenada adversativa.

Por outro lado porém só pode ser substituído por mas, quando for de tipo 3, já que mas, como autêntica conjunção coordenada, como acredita Neves (2000), pode ocorrer, segundo Perini (2006), somente entre orações, e não pode coocorrer com outros coordenadores.

Além dessas substituições, quando porém for de tipo 4 pode ser substituído por conjunções com valor conclusivo e/ou explicativo, como por isso e portanto.

As possibilidades de substituição e de escolhas de que dispõe o falante/escritor quanto ao uso de porém mostram que não há obrigatoriedade em relação ao uso desse elemento linguístico e confirmam que porém está pouco gramaticalizado como conjunção.

Persistência

Este princípio diz respeito à preservação de alguns traços da forma original pela forma em processo de gramaticalização. Por ele é possível explicar as propriedades variáveis de porém e afirmar que as propriedades de porém que se aproximam dos advérbios são propriedades que ele preserva de sua fonte adverbial proinde.

Assim, o Porém 1 (mobilidade) é propriedade que porém conserva de proinde, como afirma Longhin (2003), o Porém 2 (coocorrência), como propriedade característica de advérbios, é resultante, portanto, da preservação desse traço sintático de proinde por porém.

Com relação ao Porém 4, a ambiguidade relacionada a ele acontece com os valores adversativo e conclusivo e/ou explicativo por porém preservar a propriedade semântica de sua fonte adverbial: valor conclusivo-explicativo.

Já o Porém 3 apresenta propriedades sintático-semânticas que porém adquiriu das conjunções coordenadas adversativas no seu processo de gramaticalização, ainda em transição.

Como restrição sintática sofrida por porém em decorrência da preservação de traços de sua fonte adverbial, podemos considerar o fato de porém não poder coordenar mais de

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dois membros, nem SNs, conforme o quadro 01, apresentado anteriormente, ou seja, porém fica impedido de se comportar como uma autêntica conjunção coordenada adversativa.

Entretanto, diferentemente de como aponta Perini (2006) – conforme quadro 01 –, encontramos porém coordenando SNs. Como exemplo deste caso, apresentamos a ocorrência abaixo:

Serra, o candidato, aventurou-se em território exótico. Foi ser figurante de programa policial, o do Datena. Em ambiente muito distinto dos que costuma frequentar o alto tucanato, decidiu jogar o jogo. E era um tal de engaiola p’ra cá, malditos p’ra lá, que a empolgação o levou à derrapagem: sacou, à queima-roupa, um tal Ministério da Segurança.

Surpreendido por essa crise de “inchaço da máquina”, súbita e distoante, seu entorno foi rápido no gatilho. Até editorial crítico Serra ganhou, publicado por jornal que o apóia, com o título de “Desafinado”. Era inaceitável, para seus pares, um discurso que, ainda que obviamente eleitoreiro, fazia ruído na campanha pelo “estado mínimo; esbelto, PORÉM musculoso”. (Por que Serra não gosta da SAE? – Jornal Pag 20. 11/05/2010).

Nesta ocorrência, os nomes coordenados por porém se referem ao estado mínimo, de forma que esse elemento coordena o SN: estado mínimo esbelto – estado mínimo musculoso.

Nesse sentido, como restrição sintática para porém consideramos apenas o fato de ele não poder coordenar mais de dois elementos.

Decategorização

Este princípio diz respeito a quando categorias primárias adquirem propriedades de categorias secundárias.

Porém sempre pertenceu às categorias secundárias: advérbio (por volta do séc. XIV) e conjunção (a partir do séc. XV), por esse motivo, só podemos falar em transição de categoria secundária com maior variabilidade (advérbio), para categoria secundária com menor (conjunção), ou seja, de – gramatical para + gramatical. Mas isso não ocorre com porém, pois, apesar de ter adquirido o valor adversativo das conjunções coordenadas adversativas, segundo Longhin (2003), crescente desde o séc. XV, e por poder se comportar sintática e semanticamente como uma, esse elemento ainda apresenta propriedades de sua forma fonte, como verificado no princípio da persistência. Ou seja, porém não completou o processo de transição de advérbio para conjunção.

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Portanto, segundo o princípio da decategorização, porém não se especializou como conjunção adversativa, mas está em processo de gramaticalizar-se como uma.

Conclusão

A análise das propriedades de porém, segundo os princípios propostos por Hopper (1991), confirmou o fato de porém estar pouco gramaticalizado como conjunção coordenada adversativa, e em processo de gramaticalização.

Como fator resultante dessa gramaticalização em processo, o princípio da persistência mostrou que porém conserva traços sintáticos e semânticos de sua fonte adverbial proinde, e que, portanto, as propriedades relacionadas a porém: mobilidade, coocorrência e ambiguidade são consequência dessa conservação de traços. Por esse motivo, as propriedades de porém variam entre as categorias gramaticais: advérbio e conjunção.

Portanto, as propriedades variáveis de porém são decorrentes de uma gramaticalização ainda em processo, de certa forma, relacionadas às de sua fonte adverbial.

Por isso, porém apresenta propriedades mais próximas dos advérbios do que das conjunções.

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Referências

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