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Normas em tradução: algumas considerações sobre os fatores extralinguísticos incidentes sobre a tradução jornalística

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Normas em tradução: algumas considerações sobre os fatores extralinguísticos incidentes sobre a tradução jornalística

Maria Teresa Marques Santos Sabine Gorovitz

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Artigo recebido em 01/04/2012.

Aceito em 10/06/2012.

Resumo: Por décadas a prática tradutória esteve associada à simples transposição de material textual de uma língua a outra. Variáveis de ordem sociocultural como representações semânticas, normas sociais, visões de mundo e variações linguísticas eram desconsideradas em decorrência da perspectiva estruturalista, que por anos concebeu o sentido como imanente ao texto. Tendo como referencial teórico as contribuições de Gideon Toury no que diz respeito às normas tradutórias, de André Lefevere, com o reconhecimento do chamado “mecenato”, e ainda considerando o código de ética segundo o qual a matéria jornalística é produzida, o objetivo deste ensaio é discutir as normas e coerções que incidem sobre o comportamento do tradutor de reportagens jornalísticas - textos culturalmente marcados.

Palavras-chave: Tradução. Sociolinguística. Jornalismo.

Norms in translation: some considerations about extralingual factors in journalistic translation

Abstract: For many decades, translation practice had been associated with simple transposition of textual material from source to target language. Socio-cultural variables such as semantic representations, social norms, world views and linguistic variations were disregarded due to the structuralist view that for years conceived meaning as immanent to the text. The theoretical framework for this analysis is the contributions of Gideon Toury with regard to translation norms, the work of André Lefevere with the discussion about the role of patronage in translation practice, and also the code of ethics concerning journalistic texts. Thus, the aim of this paper is to examine the norms and constraints which affect the behavior of newspaper reports translator.

Keywords: Translation. Sociolinguistics. Journalism.

      

* UnB, mteresa2005@gmail.com; UnB sabinegz@gmail.com

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Desde os primeiros anos de teorização da prática tradutória, incansáveis tentativas foram feitas no sentido de se estabelecerem diretrizes acerca da “boa tradução”. Discursos de inspiração normativa sempre buscaram ascender-se nas esferas por onde circularam. As próprias concepções acerca do que é traduzir, assim como a dicotomia entre manutenção da forma versus respeito ao conteúdo revelam noções de norma e desvio.

Por diversas vezes, considerou-se até mesmo a ideia de intraduzibilidade de certos gêneros textuais, o que reflete a intrincada rede de expectativas direcionadas ao tradutor.

O cenário é o mesmo desde os primeiros passos em direção à consolidação da tradução enquanto disciplina independente: traduções em afinidade com modelos teóricos em voga são julgadas “corretas”, “fiéis”, “de bom gosto”, ao passo que estratégias tradutórias a contrariar padrões de tradução vigentes em contextos específicos tendem a receber críticas repressivas.

Consoante Silva

i

(s/d, p. 1273)

Desde os tempos antigos, o ato de traduzir esteve intimamente ligado à concepção tradicional que expõe a existência independente de significados estáveis e a-históricos. Se a noção tradicional de leitura reclama uma recuperação isenta desses elementos imersos na estrutura textual, a tradução considerada correta deveria igualmente propagar um resgate neutro e objetivo desses significados na língua estrangeira, transportá-los intactos para a língua receptora e adequá-los, em um encaixe perfeito, em sua estrutura peculiar de significantes.

Acerca dos critérios segundos os quais se julgava o grau de correção e adequação de uma tradução, a ideia que prevalecia, mas que atualmente tem sido alvo de contestações, é a de que:

[...] a valorização de uma tradução consistiria no grau de paralelismo e de equivalência existente entre texto ‘original’ e tradução, fato que exigiria, além da identidade precisa entre os significados, uma equiparação dos próprios valores e conceitos intrínsecos às línguas envolvidas. (SILVA, s/d, p. 1273)

Percebe-se aqui um paralelo entre tradução e sociolinguística, visto que conceitos por esta observados e pormenorizados, como o de norma e desvio, modelos de prestígio versus modelos estigmatizados, contribuem para avançarmos na problemática relacionada a “qual tradução é a correta?”.

O próprio conceito de variação linguística, tão precioso à sociolinguística, fornece

subsídios para a compreensão de diversas estratégias tradutórias, especialmente em se

tratando da tradução de textos cuja produção se distancia temporal e espacialmente de sua

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tradução. As traduções brasileiras de Shakespeare constituem um ótimo exemplo de quão complexa pode ser a questão da variação linguística para a tradução.

Acreditando que a linguagem deveria evocar a atmosfera da época de Shakespeare, Tristão da Cunha, em 1930, ao traduzir Hamlet usando um português seiscentista, envolve-se em um curioso paradoxo: sua tradução arcaica certamente evoca, a nós, leitores do século XXI, uma realidade sociocultural e temporal distante. Há de se considerar, contudo, que o Hamlet dos anos 1600 nada soava de arcaico para seus contemporâneos. Ao contrário, “o inglês elisabetano de Shakespeare era, naquele contexto, atual e inovador”. (MARTINS, 1999, p. 71).

A “fidelidade” tradutória, nesse caso, foi a quem? Ao texto original do século XVII ou ao texto original no contexto do século XXI? Ademais, é possível falar em “fidelidade ao original” considerando-se variações linguísticas, regionalismos, idiomatismos, transformações socioculturais?

As transformações às quais toda língua está sujeita implicam dificuldades quanto à re- expressão do conteúdo através da tradução. Ademais, diferentes culturas concebem a realidade de diferentes formas, e buscar solucionar lacunas ocasionadas por contextos socioculturais distintos nem sempre é possível. Há de se ressaltar ainda que os próprios modelos teóricos de tradução não são únicos ou eternos: soluções tradutórias preponderantes em um determinado contexto são descartadas após a ascensão de outros modelos teóricos.

Discussões nesse sentido colocam em xeque a noção de estabilidade do texto fonte e, consequentemente, desestimulam o estabelecimento de normas fixas que determinam o que é certo ou errado na tradução.

A partir da década de 1980, questionamentos como esse começaram a desestimular teorias excessivamente prescritivas e, no contexto de crise dos estudos estruturais da língua, ocorre o fenômeno que Bassnet e Lefevere cunharam como “virada cultural”. A ênfase no texto enquanto objeto grafemático, passível de decodificação e re-expressão em outra língua, cede espaço a abordagens menos normativas, que consideram a relevância de fatores de ordem cultural, social e ideológica para os Estudos da Tradução.

Segundo Gentzler, apud Martins (1999, p.29):

Em termos teóricos, há um deslocamento do foco das pesquisas, que deixam de se voltar para hipotéticas traduções “ideais” e se concentram em questões analíticas daqueles textos que, mesmo “imperfeitos” ou sujeitos a críticas, funcionam como traduções numa determinada sociedade.

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Enfim, a dicotomia “norma versus desvio”, tão presente nas abordagens anteriores cede espaço a estudos que buscam não simplesmente julgar o produto, mas entender o processo tradutório, em que coerções extralinguísticas motivam o comportamento do tradutor.

Neste sentido pesquisas como a de André Lefevere (1992), versam sobre o papel do chamado “mecenato” (ou estruturas de poder) sobre a tradução, a de Gideon Toury (1995), avaliando as “normas de tradução” sob uma perspectiva descritivista, a de Itamar Even-Zohar (1990), com a teoria dos polissistemas, em que discorre sobre o papel das traduções na formação e reformação dos sistemas literários, além da pesquisa de Pascale Casanova (2002), observando a tradução de obras escritas em língua minoritária para línguas hegemônicas como estratégia de ascensão no meio literário.

Todos esses estudos discorrem sobre a questão das manipulações às quais estão sujeitos o tradutor e suas traduções. O conceito de norma parece ganhar nova dimensão. Antes vista como o conjunto de diretrizes que, se atendidas, resultariam em uma boa tradução, ela agora é observada como o conjunto de fatores extralinguísticos que incidem sobre o comportamento do tradutor. Neste trabalho em específico, nos restringiremos a observar como as contribuições de Toury (1995) e Lefevere (1992) se aplicam às traduções de matérias jornalísticas.

1 Tradução em interface com o jornalismo

Antes de introduzir a temática “jornalismo” a este ensaio, julgamos pertinente registrar aqui as três modalidades de tradução previstas por Roman Jakobson em On Linguistic Aspects of Translation (1959). Ressalvamos que tal categorização é preponderantemente linguística e foi desenvolvida ainda no paradigma da equivalência textual:

(1) Tradução intralingual ou reformulação: interpretação dos sinais verbais por meio de outros sinais na mesma língua;

(2) Tradução interlingual ou tradução propriamente dita: interpretação dos sinais verbais por meio de outra língua, e;

(3) Tradução intersemiótica ou transmutação: interpretação de sinais verbais por meio de um sistema não verbal de sinais.

(JAKOBSON, 1959, p. 114, tradução minha)ii

Essa diferenciação, cremos, é fundamental para esclarecer a interface entre tradução e

jornalismo.

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Enquanto o tradutor interlingual age como mediador entre os universos linguísticos e culturais X e Y - mediação cujo resultado é uma tradução -, o jornalista é o intermediário entre o fato noticioso e o público - cujo resultado é uma reportagem.

No momento em que traduz de uma língua A para uma língua B, o tradutor assume a postura de interpretante do texto original, enquanto o jornalista, a de interpretante do fato noticioso.

Tradução e reportagem (não seria ela também a “tradução de um acontecimento”?) são, desta forma, a materialização textual do trabalho do tradutor e do jornalista, respectivamente. Infere-se que em qualquer forma de representação da realidade – a simples verbalização de pensamentos, por exemplo - há o fenômeno da tradução, ainda que não corresponda ao conceito popular de tradução interlingual.

Sendo elas – tradução e reportagem - produções intelectuais resultantes de interpretações humanas, é possível inferir que diversos são os fatores que as moldam e influenciam. Tais fatores podem ser tanto de ordem subjetiva - relacionados às visões de mundo, valores, expectativas e experiências por parte do sujeito que produz o texto -, quanto podem ser de natureza mercadológica e ideológica - relacionados aos interesses e diretrizes por parte de instituições de poder que regem a sociedade.

Considerando a acentuação no processo de integração dos mercados mundiais, o desenvolvimento e crescente popularização dos meios de transporte, e, principalmente, o aumento vertiginoso da circulação de pessoas ao redor do globo, a “nova ordem” aponta para uma globalização também da informação: os veículos de comunicação têm buscado a cobertura de notícias geradas tanto dentro quanto fora da organização histórico-social em que se situam fisicamente. Disso resulta o apelo à tradução dos mais diversos gêneros textuais - em especial, ao de matérias jornalísticas.

2 Jornalismo e normas

Assim como há princípios que norteiam a prática da tradução, diretrizes específicas no que diz respeito às reportagens também orientam o trabalho do jornalista.

Apesar de não ser uma profissão regulamentada, a prática jornalística é sustentada por

princípios que norteiam a conduta dos profissionais, conforme assegura o Código de Ética dos

Jornalistas Brasileiros,

iii

(doravante C.E.J). Neste, ficam estabelecidos os seguintes critérios:

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 Objetividade, segundo o qual o texto deve ser respaldado por informações objetivas, livres de impressões subjetivas a respeito da temática sobre a qual discorre.

Conforme consta no artigo 3º. “A informação divulgada pelos meios de comunicação pública se pautará pela real ocorrência do fato e terá por finalidade o interesse social e coletivo.” (C.E.J. art. 3º).

Para tanto, o texto pode até conter grandezas como altura, largura, peso, volume, temperatura, descrição de ações, cores, texturas, no entanto, advérbios que refletem impressões pessoais devem ser descartados, como “bom”, “ruim”, “melhor”, “feliz” ou

“infelizmente”, etc.

 Imparcialidade: Apesar da existência do chamado “jornalismo opinativo”, em geral a matéria jornalística objetiva fornecer informações retas e suficientes para que o próprio expectador chegue a conclusões. Em uma situação de conflito entre partes, a ambas o jornalista deve conceder o direito à palavra. Neste sentido, conforme impõe o código, “O jornalista deve ouvir sempre, antes da divulgação dos fatos, todas as pessoas objeto de acusações”. (C.E.J. art 14º)

 Verdade e precisão: O código é enfático: “o compromisso fundamental do jornalista é com a verdade dos fatos, e seu trabalho se pauta pela precisa apuração dos acontecimentos e sua correta divulgação”. (C.E.J. art 7º)

 Confidencialidade: Dentre as diversas fontes jornalísticas estão as pessoas, as entidades, os órgãos públicos, as instituições privadas, etc. Havendo a solicitação de não-divulgação das fontes, é dever do jornalista obedecer ao princípio da confidencialidade. Nas palavras do próprio código, “sempre que considerar correto e necessário, o jornalista resguardará a origem e identidade de suas fontes de informação”. (C.E.J. art 8º). Com este fim, antropônimos e substantivos próprios muitas vezes devem ser evitados.

Em suma, as normas existem para direcionar a prática jornalística e garantir o direito à informação. O artigo primeiro é claro e conciso a esse respeito: “O acesso à informação pública é um direito inerente à condição de vida em sociedade, que não pode ser impedido por nenhum tipo de interesse”.

A importância social do jornalismo também é explicitada no artigo nono, em que os

deveres do profissional são estabelecidos, a saber: “a luta pela liberdade de pensamento e

expressão”, “a divulgação de todos os fatos que sejam de interesse público”, “a oposição ao

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arbítrio, ao autoritarismo e à opressão, bem como a defesa dos princípios expressos na Declaração Universal dos Direitos do Homem”, “o combate e a denúncia de todas as formas de corrupção, em especial quando exercida com o objetivo de controlar a informação”, entre outros.

No contexto prático, contudo, tais princípios éticos encerram grandes contradições.

De acordo com Zipser e Polchlopeck (1999, p. 01):

Os veículos da imprensa normalmente têm pautas programadas e que obedecem aos ‘valores-notícia’ ou critérios de noticiabilidade, isto é, atributos do fato noticioso que o torna passível de ser transformado em notícia, afinal a notícia é também destinada à venda e ao consumo.

Franzon (2004) discorre acerca desses “critérios de noticiabilidade” incidentes sobre a decisão de veicular ou não a notícia (e também sua tradução), quais sejam: proeminência;

proximidade (geográfica e cultural); impacto (número de pessoas envolvidas, afetadas);

surpresa; raridade; drama/tragédia (catástrofes, acidentes, risco de morte, crime, violência, emoção).

O “direito à informação”, conforme exposto no código de ética, parece, na prática, sofrer influências de caráter mercadológico.

Ainda com relação aos “condicionantes” da matéria jornalística, segundo Traquina (apud ZIPSER e POLCHLOPECK, 1999, p. 01):

Três pontos devem ser considerados: i) a origem dos fatos, cujas características traduzem se pode ou não ‘virar’ notícia; ii) o tratamento dado ao fato, isto é, localização na página, qualidade de fotografia, a apuração do conteúdo e, iii) a visão dos fatos, sua angulação e foco para a construção do discurso jornalístico.

Esse conjunto de normas, critérios e diretrizes sob os quais a produção jornalística se enquadra são também aplicáveis à sua tradução. A imprensa, tanto no caso dos textos originais quanto no dos traduzidos, não escreve para si. No outro vértice desse relacionamento está o público expectador, que, leitor do original ou da tradução, deposita expectativas sobre a reportagem.

O discurso comum, como se percebe, é o de que o público demanda informações

isentas de subjetividade, reportagens construídas segundo um padrão que da melhor forma

possível conceba a “realidade dos fatos”.

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Essa questão da “neutralidade” é também recorrente nas discussões sobre a postura do tradutor.

No jornalismo, cria-se a ilusão de acesso à realidade dos fatos. Segundo o discurso normativo tradicional, a boa reportagem é isenta de parcialidades e juízos de valores. O jornalista opera como uma máquina, desvinculado de sua formação e de seus valores.

Na tradução, a neutralidade, intimamente ligada à noção de “fidelidade ao original”, vincula-se à ideia de que nenhum tipo de interpretação subjetiva, por parte do tradutor, pode se impor sobre o texto-fonte de forma a “corromper” as intenções do autor. Percebe-se implícita aqui a ilusão de poder acessar, em nível psicanalítico, os intentos do autor do texto- fonte.

3 Tradução e normas

Gideon Toury, em Descriptive Translation Studies and beyond (1995) desenvolveu o conceito de “normas tradutórias”, conferindo-lhes um caráter sócio-histórico. Diferentemente das abordagens prescritivas, Toury as trata de maneira analítica e descritiva. Ao discorrer sobre normas, sua intenção não é estabelecer uma taxonomia de regras que estipulam a melhor maneira de traduzir, mas avaliar os diferentes tipos de coerções – por vezes implícitas - incidentes sobre o comportamento do tradutor. Variáveis extralinguísticas que direcionam o processo tradutório são por ele identificadas e analisadas.

Na definição de Toury, normas são avaliadas como:

[...] a tradução de valores gerais e ideias compartilhadas por uma dada comunidade com relação ao que é certo ou errado, adequado e inadequado, em instruções de desempenho aplicáveis a situações específicas, desde que não sejam (ainda) formuladas como leis.

(TOURY, 1995, p. 53).

Em uma perspectiva diacrônica, é fácil perceber que as normas não são absolutas, assim como não são estáticos os valores, os códigos de conduta e ética, as manifestações linguísticas, enfim, tudo aquilo que compõe a esfera cultural de uma sociedade. Normas são assimiladas ao longo do processo de socialização dos indivíduos e normalmente implicam sanções – reais ou potenciais, e representações negativas ou positivas.

A subdivisão da norma em “normas preliminares”, “norma inicial” e “normas

operacionais”, como proposto por Toury (1995), permite-nos entender como diversas

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variáveis linguísticas e extralinguísticas influenciam a prática de tradução – especialmente de textos jornalísticos.

Normas preliminares – estão relacionadas a questões como a escolha do texto a ser traduzido e à estratégia global [de tradução] a ser utilizada em determinado contexto.

Não é novidade a existência de filtros com relação ao que traduzir ou divulgar. Como já discorrido, a prática jornalística está sujeita a diversas exigências em relação ao que noticiar.

Nesse contexto de manipulação, André Lefevere (1985), ao versar sobre a relação entre sistema literário e as estruturas de poder, evidencia os mecanismos de controle interno e externo aos quais os textos estão sujeitos. Segundo ele,

[a] ação do mecanismo de controle interno pode ser no sentido tanto de reprimir certas obras que contrariam as concepções de literatura (poética) e de mundo (ideologia) predominantes numa dada sociedade, num dado momento, quanto de adaptar as obras literárias de modo a fazê-las corresponder à poética e à ideologia da sua época.

(LEFEVERE, 1985, p. 226).

Com relação aos controles externos, estes, segundo Lefevere (1985), operam basicamente fora do sistema literário e designam os “poderes” (instituições de ensino, corporações, editoras, veículos de imprensa) que auxiliam ou impedem a difusão de determinadas produções intelectuais.

Apesar de as teorias de Toury (1995) e Lefevere (1985) terem como escopo o sistema literário, é justo afirmar que a manipulação por parte do “mecenato” não se restringe ao meio literário. A esfera social também é, da mesma forma, condicionada por interesses quanto ao que noticiar e traduzir. No campo da tradução jornalística, é razoável afirmar que a escolha do fato a ser noticiado e/ou traduzido reflete os padrões histórico-sociais vigentes, assim como os interesses financeiros e ideológicos por parte de quem os veicula ou patrocina.

Em um contexto de censura como o da ditadura militar, por exemplo, em que o teor e o volume de traduções e reportagens é severamente manipulado, fica evidente a força dessas instâncias (re)formadoras de opinião.

Voltando a Toury (1995), a norma inicial, por sua vez, é aquela que governa a

estratégia de produção de uma tradução adequada (adotando as normas do sistema em que

está inserido o texto original) ou aceitável (adotando as normas linguísticas do sistema meta).

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Os termos “tradução adequada” e “tradução aceitável” dialogam claramente com a noção de estrangeirização versus domesticação, binômios cunhados por Venuti (2002).

Uma tradução jornalística “adequada” ou “estrangeirizadora” seria aquela que mantém as marcas culturais e sintáticas do texto fonte, causando estranhamentos e a nítida percepção de que se trata de uma tradução.

Já uma tradução jornalística “aceitável” ou “domesticadora” prevê estratégias que facilitem e tornem mais fluente possível a leitura. Críticos dessa postura alegam ser este um modelo etnocêntrico, que visa reduzir o Outro a si.

A opção por uma tradução adequada ou aceitável implica assimilação ou afastamento do Outro. Convém acrescentar que os dois polos – aceitabilidade e adequação – não são excludentes. O tradutor pode optar por uma solução intermediária, um modelo híbrido de tradução.

Quanto ao que Toury (1995) conceitua como normas operacionais, estas são as que direcionam as decisões tomadas durante a ação tradutória, como seleção do material para organizar o texto alvo, segmentação textual, omissões, inclusões e explicitações.

As normas operacionais são de caráter mais textual e revelam preferências linguísticas e estilísticas. Percebe-se que as decisões relativas às normas operacionais estão subordinadas às duas primeiras. Em outras palavras, as normas preliminares têm precedência sobre a inicial que, por sua vez, motiva as práticas relacionadas às normas operacionais.

4 Considerações finais

O objetivo deste ensaio foi o de explicitar o fato de que não apenas coerções linguísticas influenciam o comportamento do tradutor. Assim como para o jornalista, as escolhas do tradutor são condicionadas por normas que extrapolam o domínio meramente linguístico do texto.

A cultura - aqui considerada tanto segundo os valores, códigos de conduta, crenças e costumes de um povo quanto segundo a política de controle incidente sobre as produções textuais (o código de ética dos jornalistas e as normas editoriais impostas sobre o texto traduzido, por exemplo) - influi decisivamente sobre o processo tradutório.

Percebe-se que não há como estipular uma taxonomia fixa de normas que garantam

uma exímia tradução, especialmente no caso de textos marcadamente culturais, como os

jornalísticos.

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O que hoje é considerado modelo a ser seguido, em determinados contextos é desestimulado – vide o conflito entre teóricos defensores da exotização do texto, como Antoine Berman (2007) e Lawrence Venuti (2002) (que chegou a definir a estratégia de estrangeirização como a mais “ética”), e Eugene Nida (1968), que, ao contrário, procurou, em sua tradução da Bíblia, tornar o texto o mais fluido e culturalmente adaptado aos leitores do texto-alvo.

A conjugação dos estudos da tradução com outras áreas da comunicação, como o jornalismo, representa, a nosso ver, um meio de ampliar as discussões sobre a abrangência do fenômeno da tradução e avançar em direção à compreensão da diversidade de variáveis que incidem sobre a produção não só do texto enquanto tradução, mas do texto enquanto objeto de comunicação entre indivíduos que compartilham ou não uma língua.

Para encerrar, compartilhamos a reflexão de Nuñez e Del Teso (1996):

A ordem social está formada de textos; nos movemos num marco de saberes e opiniões estabelecidos, um conjunto de pensamentos que regem esta ordem social, que permanecem por detrás de nossas condutas e que, ao mesmo tempo se transformam em decorrência da proliferação de novos textos.

(NUÑEZ e DEL TESO, 1996, p.168)

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 i O artigo de Gisele Dionísio da Silva apresenta-se sem data de publicação. Disponível em:

http://www.filologia.org.br/ileel/artigos/artigo_499.pdf Acesso em: 31/07/12.

ii 1) Intralingual translation or rewording is an interpretation of verbal signs by means of other signs of the same language. 2) Interlingual translation or translation proper is an interpretation of verbal signs by means of some other language. 3)Intersemiotic translation or transmutation is an interpretation of verbal signs by means of signs of nonverbal sign systems. (JAKOBSON, 1959, p. 114)

 

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