• Nenhum resultado encontrado

O PARENTESCO ESPIRITUAL ENTRE OS ESCRAVOS DE SANTO ANTONIO DA LAPA,

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "O PARENTESCO ESPIRITUAL ENTRE OS ESCRAVOS DE SANTO ANTONIO DA LAPA,"

Copied!
20
0
0

Texto

(1)

O PARENTESCO ESPIRITUAL ENTRE OS ESCRAVOS DE SANTO ANTONIO DA LAPA, 1769 – 1830 1

Andressa Lopes de Oliveira

2

O texto a seguir propõe a análise de alguns aspectos ligados ao compadrio de escravos na freguesia de Santo Antonio da Lapa, situada no atual estado do Paraná e caracterizada pelas atividades ligadas ao tropeirismo. O período estudado abrange os anos de 1769 a 1830, dada a fundação da paróquia e disposição dos registros. Este estudo, que encontra-se em andamento, possui como ponto de partida os batismos protagonizados pelos três maiores proprietários da localidade e seus cativos, buscando a compreensão do funcionamento social a partir de constatações viabilizadas por casos específicos.

Sobre as relações de parentesco firmadas por meio do batismo

Durante a vida, um indivíduo passa por uma série de rituais de naturezas diversas. Do ponto de vista religioso, estes consistem em uma forma estabelecer relações com o sagrado, o divino, além de operarem como mecanismo de transformação moral a partir de regras que prescrevem como se deve agir. Os ritos de iniciação, que costumam ser dissociados do nascimento biológico, promovem a inserção do iniciado no universo espiritual bem como na esfera social, legitimando o pertencimento a um determinado grupo (CAMPOS & FRANCO, 2004: 23). Em sociedades onde não havia dissociação entre as jurisdições do Estado e da Igreja, os assentos paroquias, além de inventariar as almas, acabavam exercendo as mesmas funções que os registros civis possuem hoje no seio de um Estado laico. Pode-se dizer que a religião englobava todas as esferas da vida pública nas sociedades do Antigo Regime.

No âmbito da fé católica, o batismo, além de caracterizar-se como ritual de iniciação, é o sacramento que promove a absolvição do pecado original – e dos demais pecados quando se trata de uma pessoa adulta – e o renascimento do fiel por meio da água e do Espírito Santo. Os padrinhos desempenham o papel de mentores espirituais, figurando como guardiões e protetores de seus

1

TENHO INTERESSE EM PUBLICAR ESTE TEXTO NOS ANAIS DO EVENTO http://www.escravidaoeliberdade.com.br/

2

Mestranda do Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal do Paraná.

(2)

afilhados. Os escolhidos para cumprir esta missão certamente ocupam um lugar de respeito junto àqueles que lhes elegeram, sobretudo se considerarmos que por trás de cada escolha há uma intenção implícita.

Em um estudo sobre os batismos de Ouro Preto do século XVIII, Donald Ramos trata dos aspectos religiosos e sociais do compadrio, caracterizando-os por duas categorias de teias: sagradas e profanas, que ligariam as pessoas daquela localidade. O autor pensa na sociedade como um emaranhado de teias, que se cruzam e se sobrepõe, conectando indivíduos de um mesmo estrato social ou de classes distintas. Essas "teias invisíveis" são constituídas por meio do batismo e/ou do compadrio. Por conseguinte, o autor opera com a existência de duas categorias de família: a biológica e a espiritual; que podem ter os mesmos membros, reforçando os laços já existentes (RAMOS, 2004).

Nesta mesma direção, e valendo-se das formulações do antropólogo Stephen Gudeman, Martha Hameister apresenta a família espiritual como um reflexo da biológica (ou natural), em que o conjunto formado por pai/mãe/filho corresponde àquele composto por padrinho/madrinha/batizando (HAMEISTER, 2010: 3). O ato do batismo estabelece laços espirituais entre as duas famílias, o que implica em impedimentos matrimoniais entre padrinhos e afilhados, bem como entre os compadres, que se tornam irmãos em espírito. É por este motivo que os pais biológicos não podem, em hipótese alguma, batizar seus próprios filhos, pois implicaria uma ação incestuosa (MARQUES, 2016). A relação entre o padrinho e a madrinha, no entanto, não sugere a constituição de laço espiritual, portanto, não gera nenhum tipo de objeção.

O ato de batizar imprime um sinal distintivo, que jamais poderá ser apagado, na alma

daquele que recebe o sacramento (CAMPOS & FRANCO, 2004: 29). Da mesma forma, os laços

espirituais gestados pelo rito e que ligam as almas dos envolvidos, perduram pela eternidade,

diferente do parentesco biológico, que se limita à vida terrena dos sujeitos. Os pais concedem a vida

ao filho (a), enquanto que, os padrinhos promovem a inserção do afilhado (a) no meio social e

religioso (HAMEISTER, 2010: 14). O batismo consiste, portanto, em uma relação de associação

e/ou solidariedade construtora de redes sociais que funcionam como uma “teia de parentesco” de

caráter imaterial (BOTT, 1976).

(3)

A dimensão biológica, ainda que seja indispensável, não é determinante no processo de criação de laços familiares e/ou de parentesco, tendo em vista que a consanguinidade e a coabitação, como fenômenos isolados, não caracterizam a existência desses vínculos. São igualmente imprescindíveis, nestes tipos de relação, as alianças criadas a partir das mesmas, de modo a permitir uma estrutura de reciprocidade. (LÉVI-STRAUSS, 1982: 489). Os conceitos de família e parentesco se distinguem ao considerarmos que, o núcleo formado por pai, mãe e filhos produz indivíduos autônomos, ao passo que o parentesco envolve ligações e sistematiza grupos e lealdades primordiais. Nesse sentido, as relações de parentesco são fundadas nos antepassados, enquanto que a mentalidade individualista do par conjugal gera sujeitos que vão se diferenciando de toda a tradição (BOTT, 1976).

A natureza do parentesco depende da forma de relacionamento, bem como da estrutura social. Em sociedades tribais, por exemplo, os indivíduos tendem a estabelecer relações de parentesco fora da família ou grupo, que, na maioria das vezes, consistem em alternativas de apoio, proteção e aliança. Assim sendo, os laços parentais não controlam apenas as trocas domésticas, mas consistem na base do ordenamento social, sendo marcados por regras e escolhas estratégicas (BOTT, 1976: 12).

Conforme afirma Ana Silvia Scott, a análise das escolhas e das estratégias de manobra empreendidas pelos indivíduos e pelas famílias frente aos sistemas normativos tornaram-se objetos de interesse do historiador. Assim sendo, a questão das redes familiares e sociais aflora como uma contribuição conceitual primordial para analisar o espaço familiar, sobretudo quando se trata de uma escala de abordagem reduzida. A soma destes elementos ao emprego de fontes laicas e eclesiásticas é fundamental para o estudo das redes, que são estabelecidas por meio dos laços de consanguinidade, aliança e afinidade ou, inclusive, vínculos de subordinação e/ou dependência (SCOTT, 2009: 15).

No Brasil colonial, pessoas de todas as camadas sociais tinham acesso ao sacramento do

batismo: pobres e ricos, brancos, negros e índios, homens e mulheres, tendo os eventos ocorridos ao

longo de suas vidas devidamente registrados nos livros eclesiásticos (MARCÍLIO, 2004:15). Não

obstante, como ressalta Hameister, não é possível saber, precisamente, com que grau de adesão à

crença católica ou com quais finalidades os índios e escravos (africanos ou até mesmo crioulos)

(4)

participavam do ritual cristão, uma vez que a noção de "pecado original" não era inerente às suas culturas pregressas (HAMEISTER, 2005: 447). A historiografia recente conta com uma ampla gama de estudos a respeito das constituições familiares e parentais entre cativos, de diversas regiões do território brasileiro, durante a vigência do sistema de produção escravista. O foco das análises reside, sobretudo, na busca pelo entendimento das motivações, intenções, interesses e variáveis limitantes no que diz respeito às escolhas dos parentes e familiares.

Em uma pesquisa acerca das relações de compadrio firmadas por pessoas de diferentes estratos sociais no extremo-sul do Brasil setecentista, Hameister apresenta uma categoria de família extensa, que compreende o senhor, chefe de domicílio, e todos os seus dependentes, incluindo os parentes consanguíneos, espirituais e afins, agregados, administrados e escravos. Lembrando que mulheres também chefiavam domicílios, especialmente as viúvas. Essa noção de família, segundo a autora, estaria calcada em uma concepção corporativista da sociedade, o que implica na construção de um corpo social integrado pelos diversos componentes familiares, com diferentes funcionalidades e posições hierárquicas (HAMEISTER, 2010).

A concepção de uma família extensa – que abrange elos consanguíneos, espirituais, de amizade ou afinidade – é de grande importância para o entendimento das relações tecidas pelos cativos no Brasil Colonial. A historiografia aponta para uma tendência dos escravos em buscar a construção de organizações familiares extensas, enraizada em seus ancestrais e com a perspectiva de reproduzir descendentes, que no futuro os reconheceriam como ancestrais. Assim sendo, de acordo com Mary Karasch, os negros reproduziam a família extensa através do ritual de apadrinhamento, de modo que seus vínculos de sociabilidade e solidariedade atingissem maiores proporções (KARASCH, 2000: 391).

Nesta mesma direção, Robert Slenes indica um suposto esforço empreendido pelos escravos,

sobretudo pelos africanos, em perpetuar uma “herança cultural” fundamentada pela manutenção da

família-linhagem, sendo essencial formação de novas famílias conjugais, famílias extensas e grupos

de parentesco dentro do cativeiro (SLENES, 2011:155). De acordo com o autor, embora os

indivíduos tenham sido extraídos de sua comunidade de origem, as “raízes africanas” não remetem

necessariamente à uma localização geográfica, mas ao compartilhamento de um modo de

organização social, ou seja, um grupo de parentesco, nos antepassados e em uma genealogia.

(5)

Existiria, portanto, uma identidade comum entre os cativos, pautada pelo que se pode chamar de

“cultura centro-africana compartilhada”. Segundo Slenes, haveria um “núcleo de cultura comum”

unindo os diversos grupos da África Central, de onde era proveniente boa parte do contingente de escravos trazidos para o Brasil. O ponto de convergência desses sujeitos consistia na estruturação familiar em torno de sistemas de linhagem, ou seja, laços parentais traçados pela origem a partir de ancestrais comuns (SLENES, 2011:151).

Proposta metodológica e objetivo

Nas últimas décadas surgiram, em maior número, investigações históricas caracterizadas pela análise, extremamente próxima, de fenômenos circunscritos: uma comunidade, um grupo, uma família, um indivíduo. É possível supor que o crescente interesse nas reconstituições micro- históricas esteja ligado às dúvidas a respeito de determinados processos macro-históricos. O que não se pode perder de vista é a complexidade das relações que ligam uma pessoa e/ou um agrupamento à sociedade, de modo que a História Social seja produzida com “carne e sangue”, evitando a generalização, o obscurecimento ou a distorção dos fatos (GINZBURG, 1989). A alternância de escalas é fundamental e necessária para que o pesquisador tome certo distanciamento de seu objeto de estudo (ROSENTHAL, 1998). O olhar aproximado permite enxergar aquilo que foge da visão de conjunto e vice-versa (GINZBURG, 2007: 267).

Ao realizar um breve “balanço” das variáveis exploradas em produções ligadas à ao compadrio de cativos, Carlos Bacellar defende o chamado “cruzamento de fontes” (ou cruzamento nominativo) e a micro-anélise como instrumentos metodológicos mais fecundos para este campo de pesquisa. Nas palavras do autor, os estudos de caso seriam “provavelmente a melhor opção para uma compreensão mais aprofundada das teias e nós tecidos através do compadrio” (BACELLAR, 2011:9). Sugere então que, os trabalhos mais recentes evidenciam a necessidade de ir além dos dados quantitativos, da “simples contagem”.

Os documentos eclesiásticos fornecem informações para os estudos das massas

populacionais, seus deslocamentos, seus regimes, seus padrões matrimoniais e reconstituição de

famílias. Servem, igualmente, como documentação auxiliar para complementar aspectos já

mapeados em outros tipos de documento, como as listas nominativas de habitantes, o que consiste

(6)

no chamado “cruzamento de registros nominativos”. Como aponta Hameister, os registros religiosos passaram a serem percebidos, mais recentemente, como possíveis provedores de informações sobre outras peculiaridades da sociedade, como a hierarquização, as relações pessoais de reciprocidade e diferentes tipos de interações sociais e aquelas relacionadas à condição jurídica.

Desta forma, até mesmo os vínculos de clientelismo, amizade e tensões entre famílias ou diferentes grupos sociais podem ser encontradas de maneira implícita na documentação em questão. Os assentos paroquiais nos permitem explorar a fundo os laços intrafamiliares e, inclusive, possibilitam a recomposição, mesmo que parcial, do quadro complexo de relações sociais de uma determinada localidade ou para além de suas jurisdições (HAMEISTER, 2014: 77;79).

Os registros de catolicidade passaram a ser obrigatórios no mundo cristão a partir do Concílio de Trento. Na América portuguesa esta obrigatoriedade foi reiterada nas Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, de 1707. Se foram constituídos com a intenção de contabilizar almas, ao historiador têm servido para estudos de natureza variada, notadamente no que se refere à História da Família. De acordo com as ordenações, cada paróquia deveria possuir livros encadernados, com folhas numeradas e rubricadas pelo vigário, com termos de abertura e encerramento. Seria necessário um deles para cada tipo de registro: batismos, casamentos e óbitos.

Regulamentavam também a maneira como proceder cada um desses sacramentos. Grande parte das paróquias contava com livros exclusivos para os assentamentos de escravos, o que dependia da leitura do pároco ao anotar os eventos de indivíduos deste grupo social (NADALIN, 2004: 41).

Quando falamos em “fonte”, independente de qual tipo seja, devemos ter em mente que:

toda fonte é uma construção do pesquisador, fruto de sua vinculação com os vestígios do passado.

Estes, por sua vez, devem ser contextualizados numa dada localização e temporalidade, para que se tornem documentos detentores de informações sobre uma determinada sociedade. Portanto, as fontes e/ou o cruzamento delas não existem por si só e não precedem a existência do pesquisador e das perguntas elaboradas por ele. A História, assim como as demais ciências humanas, jamais será neutra e capaz de reproduzir os fatos tal como ocorreram, pois existem “mediadores” ou “filtros”

entre o pesquisador e a realidade. O presente do historiador e suas convicções irão interferir, mesmo

que inconscientemente, no diálogo estabelecido com os “vestígios do passado”, de modo que, o um

(7)

dado objeto nunca será o mesmo para todas as pessoas e nem em diferentes conjunturas (KOSIK, 1976).

Tendo em vista a impossibilidade de alcançar a realidade em sua totalidade, cabe ao pesquisador operar com aquilo que costumamos chamar de “imaginação histórica”, que nada mais é que a criação de hipóteses embasadas teoricamente e empiricamente. A imaginação histórica entra em cena com a finalidade de preencher as lacunas deixadas pela documentação. Nesse sentido, é importante mostrar, além dos resultados da pesquisa, os “bastidores”, ou seja, a metodologia empregada para que fosse possível alcançar uma dada hipótese (CIPPOLA, 1991). Embora as interpretações históricas sejam construções e, portanto, subjetivas, o caráter científico não é descartado, uma vez que a História conta com teoria e método. A subjetividade está presente em todo e qualquer tipo de estudo ou de ciência, a diferença é que a historiografia trata de evidenciar sua existência (REVEL, 2011).

Posto isso, apresentarei uma análise cujo objetivo é levantar alguns indícios acerca das relações tecidas entre indivíduos, mais especificamente os cativos das três maiores escravarias de uma dada localidade, dentro de um determinado período: freguesia de Santo Antônio da Lapa, 1769 a 1830. A expectativa é a de que, seguindo os métodos de micro-análise e cruzamento de registros nominativos, seja possível construir uma espécie de imagem fotográfica do grupo populacional estudado, de modo a realizar a difícil articulação entre as esferas “micro” e “macro”.

A freguesia de Santo Antonio da Lapa e as dimensões de uma sociedade escravista

A ocupação populacional e a organização da freguesia que recebeu o nome de Santo

Antônio da Lapa, situada no Paraná (5ª Comarca da Província de São Paulo), ocorreu,

primordialmente, devido ao tráfego e invernagem de tropas que partiam de Viamão rumo às feiras

de Sorocaba. O tropeirismo contribuiu não só para o agrupamento de pessoas nesta região, como

também para o seu desenvolvimento econômico. De acordo com as observações de Maria Luiza

Andreazza, em 1777 a localidade contava com 877 habitantes. O crescimento populacional ao longo

dos anos foi significativo, de modo que, no final do século XVIII, chegou a 1500 o número de

indivíduos, aproximadamente (ANDREAZZA, 2002).

(8)

Bem como em outras regiões do Brasil Colonial, as atividades econômicas locais, calcadas na pecuária e na agricultura de subsistência, tinham como base a mão de obra escrava. O índice de cativos permaneceu relativamente estável durante as primeiras décadas de desenvolvimento da freguesia, girando em torno de 15% da população. Embora a presença africana não possa ser ignorada, as escravarias eram majoritariamente crioulas e estavam distribuídas entre três grandes senhores

3

, cujo número de cativos era superior a 20, além dos pequenos proprietários, que não contavam com muito mais do que 5 escravos (ANDREAZZA, 2002: 8).

Tabela 1: RELAÇÃO DO NÚMERO DE CATIVOS DAS PRINCIPAIS ESCRAVARIAS DE ACORDO COM AS LISTAS NOMINATIVAS DE HABITANTES.

1782 1785 1788 1790 1791 1792 1793 1796 1797 1798 1806 1807 Domingos

Pereira da Silva

* 30 ** 29 30 30 31 30 32 30 26 26

Francisco Teixeira Coelho

5 9 10 10 11 12 14 20 20 19 22 25

Joze dos Santos Pacheco

27 27 27 26 26 26 24 22 23 23 8 -

* A parte da lista nominativa de habitantes em que consta a informação do número de escravos está danificada.

** Nesta lista não consta o número de escravos pertencentes a Domingos Pereira da Silva.

*** Na lista de 1806, quem aparece como chefe de domicílio é a viúva de José dos Santos Pacheco e, como foi possível observar, o número de cativos do plantel caiu drasticamente. É possível supor que José dos Santos Pacheco tenha concedido a liberdade a alguns de seus escravos em testamento ou que estes tenham sido partilhados entre sua esposa e filhos após o desfecho do inventário do falecido.

A tabela 1 evidencia que o tamanho dos plantéis correspondentes à Domingos Pereira da Silva e José dos Santos Pacheco mantiveram-se constantes ao longo dos anos. Por outro lado, as posses cativas de Francisco Teixeira Coelho cresceram gradualmente, o que pode ter relação com a diferença de idade entre ele e os outros dois proprietários, o que será visto a seguir. Um ponto que chama atenção é a queda brusca do número de integrantes do plantel após a morte de José dos Santos Pacheco. É provável que tenham ocorrido concessões de liberdade em testamento e/ou o

3

Domingos Pereira da Silva, Francisco Teixeira Coelho e José dos Santos Pacheco. Podem ser considerados “grandes-

proprietários” dentro do contexto pequeno-escravista do qual Santo Antonio da Lapa e as demais regiões do Paraná

faziam parte, diferente da configuração característica das grandes propriedades voltadas às plantations.

(9)

desmembramento do grupo cativo na partilha de bens do falecido. O fato é que, dos 23 escravos que compunham seu plantel, apenas 8 deles permaneceram servindo a viúva Maria Pereira da Silva que, por sinal, não pôde ser localizada na lista nominativa do ano seguinte (1807).

De acordo com as reflexões de Hebert Gutman, a estabilidade da família cativa estaria associada ao ciclo de vida do proprietário. Quando jovens estes compravam – ou herdavam – escravos que, imediatamente, buscavam o estabelecimento de laços parentais. O segundo momento, marcado pela maturidade biológica e administrativa do senhor, correspondia ao auge da socialização entre os escravos. Após a morte do dono, as famílias cativas encontravam-se na pior fase, pois eram, muitas vezes, desintegradas em doações e heranças ou ainda pulverizadas no mercado (apud in FLORENTINO & GÓES, 1997: 115).

Um fator que deve ser observado é a existência de parentescos por afinidade e consanguinidade entre os detentores da maior parte dos escravos da localidade em análise. É perceptível, bem como observou Maria Luiza Andreazza, a constituição de uma elite local composta, sobretudo, pelos descendentes do casal de portugueses João Pereira Braga e Josefa Gonçalves da Silva, considerados até hoje como fundadores da freguesia de Santo Antônio da Lapa (ANDREAZZA, 2002: 6). Os descendentes desta linhagem, assim como os parentes por afinidade, ocuparam a maior parte dos cargos políticos, militares e eclesiásticos locais. Este fato se revela como fator determinante no que diz respeito às redes de parentesco e sociabilidade tecida por todos os integrantes da sociedade em estudo, inclusive os escravos.

O tenente Domingos Pereira da Silva ( ☆ 1725 ✞ 1812)

4

, era filho dos pioneiros João Pereira Braga e Josefa Gonçalves da Silva, vindos de Portugal. Casou-se com Casimira da Costa França (✞1810), filha do capitão José da Costa Rezende, natural da Ilha dos Açores, e de Maria d’O França, de Paranaguá. O feitor José dos Santos Pacheco Lima (☆1730✞1806), natural de Ponte do Lima, era filho de Francisco Costa Pacheco de Miranda e da mulher deste, a portuguesa Christina da Costa Miranda. Contraiu matrimônio em 1753 com Maria Pereira da Silva Pacheco ( ☆ 1727 ✞ 1807), também filha de João Pereira Braga e Josefa Gonçalves da Silva e, por conseguinte, irmã de Domingos Pereira da Silva. O capitão Francisco Teixeira Coelho

4

O símbolo “ ☆ ” será utilizado para indicar o ano de nascimento do indivíduo e o símbolo “ ✞ ” para indicar o ano de

falecimento. É importante explicitar que, parte dessas informações não aparecem dadas nos registros, mas foram

calculadas com base no cruzamento de outras datas e/ou menção de idade.

(10)

(☆1751✞1811), nascido e batizado em Portugal, era filho de Custodio Teixeira e Catharina Francisca Coelho. Casou-se, em 1774, com Gertrudes Maria dos Santos, natural de Curitiba, filha de José dos Santos Pacheco e Maria Pereira da Silva Pacheco, além de ser sobrinha de Domingos Pereira da Silva.

Distinções sociais diluídas pelos laços espirituais

Ainda que as relações parentais e arranjos matrimoniais, das famílias mais abastadas da região da Lapa, fossem limitadas e tenham ocorrido, tendencialmente, entre sujeitos de um mesmo estatuto social, o sacramento do batismo viabilizou o estabelecimento de parentesco entre as pessoas das mais diversas posições dentro da hierarquização existente na sociedade em estudo. Isso se reflete, entre outras situações, nos compadrios firmados entre os senhores de maior prestígio e escravos, seus ou de outros plantéis.

No âmbito da escravidão, diversos pesquisadores

5

têm mostrado que o batismo de cativos pelos seus respectivos proprietários, embora tenha existido, são casos raros. É mais comum encontrar parentes, biológicos e afins, batizando esses indivíduos (HAMEISTER, 2010). De acordo com Katia Mattoso, ser afilhado do senhor era um sinal de privilégio e proteção ou, até mesmo, da probabilidade de que o batizando fosse filho ilegítimo do senhor com sua escrava, que prefere não reconhecê-lo como tal (MATTOSO, 2003: 132).

O tenente Domingos Pereira da Silva apadrinhou quatro crianças cativas, dentre estas José, filho de Maria, escrava de sua propriedade. O fato de José ser a único, entre os quatro, cujo pai é anotado como “incógnito”, nos leva a imaginar que há alguma chance de ele ser fruto de uma relação ilícita entre Domingos e Maria. Como não foram encontrados indícios que confirmem tal suposição, esta permanecerá como uma possibilidade, apenas

6

.

5

Cito Bruna Sirtori, Cacilda Machado, Carlos Bacellar, Martha Hameister, Rachel Marques, Silvia Brügger, Stephen Gudeman, Stuart Schwartz, Tiago Gil, entre outros.

6

No âmbito dessa discussão é válido mencionar, rapidamente, a existência de um assento de catolicidade em que são

apontados dois pais para uma mesma criança. No dia 13 de novembro de 1769 foi batizado o inocente Antônio,

registrado, em um primeiro momento, como filho legítimo dos escravos Efigênia e Romão, ambos sob o domínio de

Antônio Gonçalves dos Reis. No final do assento, o vigário João da Silva Reis relata que o senhor, ali presente,

reconheceu o rebento “como sendo seu filho” e concedeu-lhe a liberdade na pia batismal.

(11)

TABELA 2: RELAÇÃO DOS APADRINHAMENTOS DE ESCRAVOS OU FILHOS DE ESCRAVOS PELO TENENTE DOMINGOS PEREIRA DA SILVA

Afilhados Compadres Senhor Comadres Senhor

Felícia Antônio Manoel Simões Benedita Manoel Simões Jerônimo Pedro Gonçalo José de Menezes Domingas Gonçalo José de Menezes Francisca Bernardo Cristóvão Pinheiro Rodrigues

de França

Marcellina Cristóvão Pinheiro Rodrigues de França

José - - Maria Domingos Pereira da Silva

Fonte: Livros de registro de casamento, batizados e óbitos da paróquia de Santo Antônio da Lapa.

Manoel Simões (☆1721✞1801), proprietário dos compadres e de uma das afilhadas de Domingos Pereira da Silva, era cunhado do mesmo, pois casou-se com a irmã deste, Joanna Pereira da Silva (☆1735✞1795), em 1759. Cristóvão Pinheiro Rodrigues de França (☆1702✞1785) era tio-avô de Casimira da Costa França, mulher de Domingos. Possivelmente, Gonçalo José de Menezes também tivesse parentesco por afinidade com o tenente, mas não foram encontrados dados suficientes para comprovar a existência desses laços. No entanto, é presumível que o último fosse um proprietário absenteísta

7

, pois nas listas nominativas de habitantes

8

não há referência direta a ele e/ou familiares; o domicílio consta simplesmente como “na fazenda de...”, contando com o arrolamento de seus escravos e dois agregados apenas.

Em se tratando de compadrios estabelecidos com escravos, José Pacheco de Carvalho Lima não figurou como guardião espiritual de nenhum indivíduo que poderia ser incluso nesta categoria social ou que tivesse alguma ligação biológica com a senzala.

No que diz respeito ao capitão Francisco Teixeira Coelho e o apadrinhamento de pessoas atreladas ao cativeiro, a tabela 3 mostra que este foi mentor espiritual de Bernardo (☆1882✞1810), filho de

7

Exploradores de terras que não se transferiram com toda a família (escravos, bens, animais, parentes e clientes) para as fazendas ou sesmarias e não tinham o intuito de fundar novas sociedades (MACHADO, 1968: 19).

8

Correspondentes aos anos de: 1781, 1782, 1785, 1788, 1790, 1791, 1792 e 1793. Nas listagens anteriores a 1781 e

posteriores a 1793 não há nenhum tipo de menção, seja da propriedade ou do proprietário.

(12)

Martinho e Helena, além de Maria (☆1783) cujo pai era “incógnito” e a mãe chamava-se Patornilha:

TABELA 3: RELAÇÃO DOS APADRINHAMENTOS DE ESCRAVOS OU FILHOS DE ESCRAVOS PELO CAPITÃO FRANCISCO TEIXEIRA COELHO.

Afilhados Compadres Senhor Comadres Senhor

Bernardo Martinho João da Silva Reis Helena Antunes de Brito Administrada

Maria - - Patornilha Manoel Francisco de Medeiros Fonte: Livros de registro de casamento, batizados e óbitos da paróquia de Santo Antônio da Lapa.

Martinho pertencia ao plantel do padre João da Silva Reis ( ☆ 1729 ✞ 1785), que por sua vez era irmão de Domingos Pereira da Silva, e tinha como esposa Helena Antunes de Brito, administrada. Esta era filha de André, escravo de José dos Santos Pacheco, e Izabel Antunes, também administrada, que consequentemente eram avós de Bernardo, o qual se casou com Marcellina. É provável que Izabel tenha falecido (✞27/12/1780) no parto de seu segundo bebê, Feliciano, e que este tenha sido batizado (09/06/1781) alguns meses depois. Foi no final deste mesmo ano (1781) que ocorreu o matrimônio de Martinho e Helena, que tiveram mais três filhos juntos, além de Bernardo: Francisco (☆1784), Manuel (☆1785) e Maria (☆1814), que morreu um dia após o seu nascimento. Um fator que chama atenção é o intervalo de 29 anos entre o nascimento de Manuel e de Maria, pois, na verdade, os cônjuges já teriam idade para serem avós da menina, ainda que tenham sido registrados como pais da mesma no ato do batismo (OLIVEIRA, 2014: 43;

44).

Pouco se sabe a respeito do tenente Manoel Francisco Medeiros proprietário de Patornilha

e sua filha, a qual foi batizada por Francisco Teixeira Coelho. O caso da ilegítima Maria se

enquadra nas possibilidades, já mencionadas, de que fosse filha de seu próprio senhor. Todavia,

diferente de José, cativo e afilhado de Domingos Pereira da Silva, a menina não foi batizada pelo

seu senhor, mas teve um padrinho de grande notoriedade e prestígio na sociedade em questão. O

que induz a pensar que Medeiros pudesse ser o progenitor da filha de sua escrava é o fato de este

(13)

aparentemente não ter se casado, além de sua posse variar entre 5 e 6 escravos ao longo dos anos, um número relativamente baixo tanto de indivíduos como de possível arranjos matrimonias no interior do grupo. Nos levantamentos populacionais, seu domicílio sempre foi anotado como sendo composto apenas por ele mesmo e seus cativos

9

. Patornilha teve mais quatro filhos de pai(s)

“incógnito(s)”: José (☆1779), Anna (☆1786), Brígida (☆1789) e Antônio (☆1791).

QUADRO 1: GENEALOGIA DA FAMÍLIA DE BERNARDO, AFILHADO DE FRANCISCO TEIXEIRA COELHO.

A raridade com que são encontrados batismos de escravos por seus senhores, pode estar ligada ao que foi colocado por Stuart Schwartz e Stephen Gudeman. Os autores apresentam o compadrio e a relação senhor-escravo como elementos divergentes, o que justificaria a inexistência de batismos de cativos por seus proprietários na Bahia setecentista, bem como a raridade de casos encontrados por outros historiadores em diferentes localidades. De acordo com os autores, se por um lado o vínculo do apadrinhamento constitui um elo espiritual de proteção, por outro, o vínculo senhor-escravo implicou numa correlação assimétrica de propriedade. Portanto, o que havia era uma união de relações incompatíveis que, no entanto, não foram anuladas, mas mantidas separadamente

9

Listagens de: 1782, 1785, 1788, 1790 e 1791. Nos levantamentos anteriores a 1782 e posteriores a 1791 não há

nenhum tipo de menção, seja da propriedade ou do proprietário. ---

(14)

(GUDEMAN & SCHWARTZ, 1988).

A escolha dos padrinhos e suas implicações sociais

Existem autores

10

que sugerem uma tendência à escolha de padrinhos de mesma condição social e mesmo grupo por parte dos cativos que compõem grandes plantéis. Isso se daria pelo fato de possuírem um leque mais abrangente de opções entre seus pares, ao passo que os membros de pequenas propriedades, não dispunham de muitas possibilidades de escolha no seio de seu grupo.

Como demonstra Cacilda Machado, nas regiões economicamente voltadas ao mercado interno e à agricultura de subsistência caracterizadas por pequenas propriedades – onde se pode incluir a freguesia de Santo Antonio da Lapa –, o compadrio serviu como um elemento de sociabilidade entre escravos, livres de cor e livres pobres, possibilitando a criação de vínculos entre indivíduos de condições sociais diferentes que passavam a se reconhecer como parentes (MACHADO, 2006: 56).

Neste ponto, entra em jogo a mobilidade espacial desses sujeitos. Como mostram Tiago Gil e Bruna Sirtori, a questão geográfica interferia incisivamente na eleição de padrinhos pelos escravos e também livres e libertos (GIL & SIRTORI, 2008). Estes pesquisadores enfatizam, inclusive, um fator de grande relevância ao tomar como objeto de estudo a seleção de parentes espirituais e as intenções implícitas: “antes de entender os motivos de uma escolha, é preciso verificar até que ponto ela foi condicionada por outros fatores” (GIL & SIRTORI, 2008: 143). De acordo com Machado, a manutenção de compadres podia funcionar como um meio de aproximação entre familiares e amigos que habitavam domicílios diferentes, como cativos ou agregados, reforçando as relações de parentesco e sociabilidade, bem como a circulação dos indivíduos (MACHADO, 2008).

Entre os historiadores

11

é também muito discutida uma possível hierarquização entre os proprietários, devido às diferentes proporções de suas posses e as decorrentes implicações. Do mesmo modo, é levantada a questão da existência de uma hierarquia entre os próprios escravos no momento de escolha dos compadres. Os cativos que pertenciam aos senhores de maiores cabedais econômicos – o que pode ser medido pela dimensão da escravaria – e elevado prestígio social, figuravam entre os mais bem vistos e considerados “bons padrinhos” pelos seus pares

10

Tomando como exemplo (GÓES, 1993), (BRÜGGER, 2004) e (GIL & SIRTORI, 2008).

11

Ver (HAMEISTER, 2005) e (GIL & SIRTORI, 2008).

(15)

(HAMEISTER, 2005: 452).

Silvia Brügger ressalta um grande interesse por parte dos escravos em estabelecerem alianças “para cima”, no sentido de proteger a si e seus descendentes criando laços com uma pessoa de recursos superiores aos seus. No entanto, segundo a autora, a proximidade com o “mundo dos livres” possivelmente colocaria o indivíduo em uma posição incômoda dentro do cativeiro, pois poderia figurar como aliado do senhor em eventuais embates com os colegas de senzala. Por outro lado, ao elegerem irmãos espirituais pertencentes ao seu grupo, ou até mesmo a outros plantéis, demonstravam a capacidade de relacionar-se com seus iguais, reforçando o elo entre as pessoas desta mesma condição social. Assim sendo, para uma convivência harmônica dentro da escravaria, a escolha dos padrinhos poderia ser fundamental para a manutenção e/ou fortalecimento das alianças entre seus membros (BRÜGGER, 2004: 6).

Em trabalhos anteriores foi possível perceber que os maiores plantéis de Santo Antônio da Lapa favoreciam o casamento e a formação de famílias em seu interior, pois ofereciam mais possibilidades de arranjos nupciais. Havia, portanto, uma relação bastante estreita entre o poder econômico do senhor e a configuração do mercado matrimonial, de modo que crescimento endógeno da população cativa possibilitou a manutenção e/ou aumento da posse de escravos aos grandes proprietários (OLIVEIRA, 2014). Partindo destes pressupostos, pretende-se verificar se na freguesia o estabelecimento dos laços de compadrio, entre os cativos dos três grandes proprietários, seguiam as tendências endógenas mencionadas. Vislumbra-se, igualmente, averiguar a existência de hierarquias entre os plantéis de diferentes proporções, bem como no interior dos mesmos.

Tratando do estabelecimento de parentescos espirituais no interior da escravaria de Domingos Pereira da Silva, serão mostrados alguns dos padrões ligados à escolha de padrinhos entre seus cativos. Como evidencia a tabela 4, existia um relativo equilíbrio entre a origem social dos compadres: 18 padrinhos e 15 madrinhas cativos; 15 padrinhos e 16 madrinhas livres; 2 madrinhas forras. Não foram contabilizados forros e administrados entre os compadres, nem administradas entre as comadres.

Tabela 4: DISTRIBUIÇÃO DOS BATISMOS DE ESCRAVOS PERTENCENTES A DOMINGOS PEREIRA

DA SILVA DE ACORDO COM A CONDIÇÃO SOCIAL DOS PADRINHOS.

(16)

Escravo (a) Forro (a) Livre Administrado (a)

Padrinho 18 0 15 0

Madrinha 15 2 16 0

Total 33 2 31 0

Fonte: Livros de registro de casamento, batizados e óbitos da paróquia de Santo Antônio da Lapa.

No interior do domicílio de José dos Santos Pacheco Lima observa-se também uma convergência entre os valores encontrados para cada camada social: 13 padrinhos e 14 madrinhas escravos; 2 padrinhos e 1 madrinha forra; 8 padrinhos e 8 madrinhas livres. Os administrados não figuraram neste conjunto de batismos.

Tabela 5: DISTRIBUIÇÃO DOS BATISMOS DE ESCRAVOS PERTENCENTES A JOSÉ DOS SANTOS PACHECO LIMA DE ACORDO COM A CONDIÇÃO SOCIAL DOS PADRINHOS.

Escravo (a) Forro (a) Livre Administrado (a)

Padrinho 13 2 8 0

Madrinha 14 1 8 0

Total 27 3 16 0

Fonte: Livros de registro de casamento, batizados e óbitos da paróquia de Santo Antônio da Lapa.

No que se refere à população escrava sob a propriedade de Francisco Teixeira Coelho, além de uma disparidade mínima entre os valores relativos aos estratos sociais, verifica-se um número bem inferior de batismos no interior de seu plantel. É plausível deduzir que o capitão contasse com mais escravos adultos, já batizados antes mesmo de chegarem às suas mãos.

Tabela 6: DISTRIBUIÇÃO DOS BATISMOS DE ESCRAVOS PERTENCENTES A FRANCISCO TEIXEIRA COELHO DE ACORDO COM A CONDIÇÃO SOCIAL DOS PADRINHOS.

Escravo (a) Forro (a) Livre Administrado (a)

Padrinho 5 3 9 0

(17)

Madrinha 8 2 6 0

Total 13 5 15 0

Fonte: Livros de registro de casamento, batizados e óbitos da paróquia de Santo Antônio da Lapa.

*Há um batismo em que não consta a figura do padrinho.

**Duas madrinhas não possuem indicação de condição social e nem sobrenome, de modo que não se pode identificá-las de acordo com as distinções da tabela.

A tabela 7 evidencia a predominância dos escravos do tenente Domingos Pereira da Silva nos registros de batismo de pessoas de sua mesma condição. Aqueles pertencentes ao capitão Francisco Teixeira Coelho mesmo contabilizando um número bem inferior, se comparado aos primeiros, compõem de forma considerável o quadro de apadrinhamento dos cativos da freguesia. O que realmente surpreende é a existência de apenas dois assentos em que os inocentes foram apadrinhados por escravos de José dos Santos Pacheco. Foram encontrados, com maior frequência, aqueles que pertenciam aos seus familiares estabelecendo laços espirituais. Ainda não consegui encontrar prováveis explicações para o fato.

Tabela 7: NÚMERO DE APADRINHAMENTO POR ESCRAVOS DE ACORDO COM O PROPRIETÁRIO.

Nº total batismos por escravos

Domingos Pereira da Silva

José dos Santos Pacheco Lima

Francisco Teixeira Coelho

Padrinhos 159 24 2 14

Madrinhas 150 30 0 10

Total 309 54 2 24

Fonte: Livros de registro de casamento, batizados e óbitos da paróquia de Santo Antônio da Lapa.

*Foram encontradas escravas de seus familiares batizando, mas não as suas próprias.

Considerações finais

Os dados levantados até o momento permitem indicar que os cativos do maior proprietário

de escravos da região da Lapa, Domingos Pereira da Silva, se sobrepuseram aos demais entre no

(18)

momento da escolha de padrinhos por indivíduos que ocupavam o mesmo lugar social. Isso consiste como um indicativo de que este grupo de escravos gozava de um relativo prestígio em meio a seus pares, o que evidencia a existência de uma hierarquização na escolha de parentes espirituais no interior da senzala, bem como entre os plantéis.

O número elevado de padrinhos livres entre os cativos, em que estão inclusos Domingos Pereira da Silva e Francisco Teixeira Coelho, bem como seus familiares e os de José dos Santos Pacheco Lima, remete às possíveis intenções de proteção e/ou notoriedade social.

O panorama, em consolidação, é o de uma sociedade fundada a partir de uma linhagem, a qual deteve os principais postos e cargos da localidade por várias gerações e onde os cativos circulavam entre os familiares e se relacionam não só com seus pares, mas também com seus proprietários. Sendo assim, boa parte dos habitantes de Santo Antonio da Lapa eram parentes, seja por consanguinidade, afinidade ou no âmbito espiritual, independente do lugar em que ocupavam na hierarquia social.

Fontes:

VIDE, Sebastião Monteiro Da. Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia. Coimbra, Real Colégio da Cia. de Jesus, 1720.

Livros de registro de casamento, batizados e óbitos da paróquia de Santo Antônio da Lapa.

Listas nominativas de habitantes de Santo Antônio da Lapa. 1772-1798.

Referências bibliográficas:

ANDREAZZA, M. L. Olhares para a ordem social de Santo Antonio da Lapa (1763-1805) . In: XII Encontro Nacional da ABEP, 2002, Ouro Preto. Anais do XII Encontro Nacional da ABEP, 2002.

________. Ser a escrava e ser a mulher: um estudo de caso. In: 26 Reunião Anual da SBPOH, 2006, Rio de Janeiro. Programa e Resumos. Rio de Janeiro: Sociedade Brasielira de Pesquisa Histórica, 2006. v. 1. p. 1-74.

BACELLAR, C. A. P. Os compadres e as comadres de escravos: um balanço da produção historiográfica brasileira. In: XXVI Simpósio Nacional de História, 2011, São Paulo. Anais do XXVI Simpósio Nacional de História - Anpuh, 2011.

BOTT, E. Família e Rede Social. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1976.

(19)

BRÜGGER, S. M. J. Compadrio e Escravidão: uma análise do apadrinhamento de cativos em São

João del Rei, 1730-1850 . In: XIV Encontro Nacional de Estudos Populacionais, 2004, Caxambú.

Anais do XIV Encontro Nacional de Estudos Populacionais. Caxambú: ABEP, 2004.

CAMPOS, A. A. & FRANCO, R. Notas sobre os significados religiosos do batismo. Varia História, 2004, v.31, pp. 41-68.

CIPOLLA, C. M. Entre la Historia y la Economía: introducción a la historia económica . Barcelona: Crítica, 1991.

FLORENTINO, M. & GÓES, J. R. A paz das senzalas. Famílias escravas e tráfico atlântico, Rio de Janeiro, 1790 – 1850. Rio de Janeiro: Civ. Brasileira, 1997.

GIL, T. & SIRTORI, B. Bom dia, padrinho: espaço e parentesco na formação de redes entre cativos nos campos de Vacaria, 1778-1810. Revista Eletrônica de História do Brasil, v. 10, p. 142- 160, 2008.

GINZBURG, C. Sinais: raízes de um paradigma indiciário. In: Mitos, emblemas, sinais:

Morfologia e História. São Paulo: Editora Schwarcz Ltda., 1989.

________. O nome e o como: troca desigual e mercado historiográfico. In: A Micro-história e outros ensaios. pp.169-78. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989.

________. Micro-história: duas ou três coisas que eu sei a respeito. In: O fio e os rastros:

verdadeiro, falso, fictício. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. pp. 249-279.

GUDEMAN, S. & SCHWARTZ, S. Purgando o pecado original: compadrio e batismo de escravos na Bahia no século XVIII. In: REIS, João José (Org.) Escravidão e invenção da liberdade.

Estudos sobre o negro no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1988.

HAMEISTER, M. D. Quem tem padrinho não morre pagão: as escolhas dos padrinhos de escravos, pardos, índios e população 'branca e livre'na Vila do Rio Grande (1738-1763). In: VI Jornada Setecentista, 2005, Curitiba. Programação e Resumos VI Jornada Setecentista. Curitiba:

Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes da Universidade Federal do Paraná, 2005.

__________. Padrinhos de pretos no extremo-sul do Estado do Brasil no século XVIII. In: Décimo Congresso Internacional da Associação de Estudos Brasileiros – Brasilian Studies Association, 2010, Brasília. Anais BRASA X. Nashville: Internacional da Brazilian Studies Association (BRASA), 2010. v. não há. pp. não há.

KARASCH, M. C. A Vida dos Escravos no Rio de Janeiro – 1808-1850. São Paulo: Cia. das Letras, 2000.

KOSIK, K. A Dialética do Concreto. Petrópolis: Paz e Terra, 1976.

LÉVI-STRAUSS, C. As Estruturas elementares do parentesco. Tradução de Mariano Ferreira.

Petrópolis, Vozes, 1982.

MACHADO, B. P. Contribuição ao estudo da história agrária do Paraná – I: formação da estrutura agrária tradicional dos Campos Gerais. Boletim da Universidade Federal do Paraná, Curitiba (3): 1 -21, junho 1963.

MACHADO, C. As muitas faces do compadrio de escravos: o caso da Freguesia de São José dos Pinhais (PR) na passagem do século XVIII para o XIX. Revista Brasileira de História (Impresso), v.

26, p. 49-78, 2006.

(20)

MARCILIO, M. L. Os registros paroquiais e a Historia do Brasil. Varia-Historia, Belo Horizonte, v. 31, p. 13-20, 2004.

MARQUES, R. S. Para Além dos Extremos: Homens e mulheres livres e hierarquia social (Rio Grande de São Pedro, c. 1776 - c.1800). Tese de doutorado em História, UFPR. Ano de obtenção:

2016.

NADALIN, S. O. História e demografia: elementos para um diálogo. Campinas: Associação Brasileira de Estudos Populacionais – ABEP, 2004.

OLIVEIRA, A. L. Reconstituição de dinâmicas familiares entre cativos e forros a partir de registros paroquiais: Santo Antonio da Lapa, 1769 – 1830. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em História) - Universidade Federal do Paraná, 2014.

RAMOS, D. Teias sagradas e profanas: o lugar do batismo e compadrio na sociedade de Vila Rica durante o século do ouro. Varia História, 2004, v.31, pp.41-68.

REVEL, J. Micro versus Macro: escalas de observación y discontinuidad en la historia. Tiempo histórico: revista de la Escuela de Historia, nº 2 (2011): 15–26.

ROSENTHAL, P. A. Construir o ‘macro’ pelo ‘micro’: Fredrik Barth e a ‘microstoria’. In: Jogos de Escalas: a experiência da microanálise. Rio de Janeiro: FGV, 1998.

SCOTT, A. S. V. As teias que a família tece: uma reflexão sobre o percurso da história da família no Brasil. História Questões e Debates, vol. 51, p. 13-29, 2009.

SLENES, R. W. Na senzala, uma flor. Esperanças e recordações na formação da família escrava.

Brasil, Sudeste, século XIX. 2ª edição, Campinas: Editora da Unicamp, 2011.

VALLE, M. S. Movimento populacional da Lapa: 1769 – 1818. Curitiba, 1976. Dissertação de

mestrado em História. UFPR.

Referências

Documentos relacionados

Os dados de incidência foram obtidos do RCPB de Fortaleza a partir do sistema basepopWeb (INSTITUTO NACIONAL DE CÂNCER, 2010), sendo coletados: o número de casos novos

Siguiendo esta línea de reflexión, en este estudio se encontró que el grupo de brasileñas y colombianas quienes cuentan con mejores ni- veles educativos que las peruanas tienen

Os alunos que concluam com aproveitamento este curso, ficam habilitados com o 9.º ano de escolaridade e certificação profissional, podem prosseguir estudos em cursos vocacionais

Verificou-se a ocorrência de nove famílias e onze gêneros, todas pertencentes à ordem Filicales, sendo observadas as famílias Polypodiaceae e Pteridaceae, com dois gêneros cada, e

(grifos nossos). b) Em observância ao princípio da impessoalidade, a Administração não pode atuar com vistas a prejudicar ou beneficiar pessoas determinadas, vez que é

A Oficina Avaliação da Atenção Básica – Estratégias para a Institucionalização, como parte do VII Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva, constitui-se numa proposta destinada

devidamente assinadas, não sendo aceito, em hipótese alguma, inscrições após o Congresso Técnico; b) os atestados médicos dos alunos participantes; c) uma lista geral

Se os estudos envolvendo processos de recuperação do Bioma Cerrado são escassos os processos de recuperação através de plantios de enriquecimento são mais raros ainda, dentro