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O DIREITO PENAL E A CULPABILIDADE COMO MEDIDA DA PENA: A INEXIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA ALÉM DO PRAGMATISMO PENAL

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O DIREITO PENAL E A CULPABILIDADE COMO MEDIDA DA PENA: A INEXIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA ALÉM DO PRAGMATISMO PENAL

Arykoerne Lima Barbosa

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RESUMO

Este trabalho traz esclarecimentos acerca do conceito analítico do delito nos moldes da doutrina majoritária, entendendo que a culpabilidade não é pressuposto da pena, mas, sim, medida da pena, o que, por se adequar ao moderno Direito Penal e às medidas legais da garantismo penal, se mostra perspicaz na aplicação da justa medida a ser aplicada ao agente transgressor da norma penal. Entenda-se que o Direito Penal não é um fim em si mesmo, devendo, portanto, refletir a realidade acerca dos fatos sociais, tendo em vista que seria impossível a este ramo do Direito de prever todas as situações que são alvos da norma penal.

Assim, um dos elementos da culpabilidade, qual seja, a inexigibilidade de conduta diversa, deve ser o remédio para as arbitrariedades do judiciário bem como a medida da justa pena a ser aplicada ao criminoso.

Palavras-chave: Culpabilidade. Direito Penal. Inexigibilidade de Conduta Diversa.

INTRODUÇÃO

Após o chamado século das luzes, por conta do iluminismo que colocou a razão sobre o teocentrismo, o Direito Penal passou a ser alvo de inúmeras teorias evolucionistas, que tentavam dar a este ramo do Direito novas diretrizes, inclusive com novos princípios norteadores da conduta dos “legisladores”.

Sobre o conceito de crime, conforme afirma Bitencourt (2006, p.256), houve três fases de desenvolvimento, quais sejam, a fase do conceito clássico de delito, a fase do conceito neoclássico de delito e conceito finalista de delito havendo correlação entre elas e, ao mesmo tempo, um marco de interrupção completo, afastando as demais concepções.

Entretanto, interessa-nos dizer que a fase mais importante e que impulsionou o conceito analítico do crime foi a fase do conceito finalista. Para essa teoria, que teve como precursor Welzel, era necessário retirar os elementos subjetivos que integravam a culpabilidade, na medida em que nesta restaria apenas as circunstâncias que condicionam a reprovabilidade da conduta contrária ao Direito.

Nota-se a imperiosa necessidade de se estar presente o elemento da culpabilidade para que a estrutura do delito esteja completa. Porém, modernamente, fez-se necessária a

      

1 Bacharel em Direito pela SEUNE. Email: arykoerne@hotmail.com.

 

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adoção de um outro conceito de crime, o chamado conceito analítico, derivado dos conceitos de Welzel.

Com o intuito de esclarecer que a culpabilidade não é mero pressuposto da pena, passaremos, adiante, assentados nos estudos de Bitencourt (2006), Greco (2009 entre outros, a destrinchar o referido conceito analítico de crime e a culpabilidade como condição de reprovabilidade da conduta contrária ao direito, garantindo a real medida da pena.

1 A TEORIA DA INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA NO DIREITO PENAL

É incontroverso na doutrina o raciocínio de que o instituto penal denominado de inexigibilidade de conduta diversa está intimamente relacionado com o desenvolvimento dogmático da culpabilidade, vez que seu conceito está atrelado à atual função da pena no Estado Democrático de Direito.

Destarte, o Direito Penal passou por grandes períodos históricos de transformações de sua dogmática, antes de chegar ao estágio no qual se encontra hodiernamente. Assim, a culpabilidade e as formas de exculpação desta, como a inexigibilidade de conduta diversa, por exemplo, mesmo frente a fatos jurídicos puníveis, devido às circunstâncias que cercara o agente, é fruto de um Direito Penal moderno.

Indubitável também é o fato de que o desenvolvimento do Estado está intimamente ligado ao desenvolvimento da concepção de pena, ou seja, a depender do modelo socioeconômico adotado pelo Estado a pena terá função social diferente.

Em vários momentos da história, sem divergência doutrinária, o direito de punir esteve ligado ao modelo socioeconômico do Estado analisado em suas diferentes fases históricas, que são as fases da vingança privada, vingança divina e vingança pública. Nesses vários momentos de postura estatal como portador do jus puniendi, a pena também teve suas várias concepções.

Tido como mal necessário, a pena e seu entendimento foram alvos de várias teorias, passando desde o conceito clássico de delito até chegar ao atual conceito finalista adotado pelo Código Penal nacional.

Assim, o elemento culpabilidade, como um dos elementos do conceito de delito, se

transformou ao longo dos séculos até chegar num patamar que não mais se concebe um

formalismo rígido de aplicação do Direito Penal, transformando a inexigibilidade de conduta

diversa na exteriorização da humanização do jus puniendi pertencente ao Estado, de modo

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que, suprimindo a objetividade do Direito Penal na aplicação da pena, ratifica a culpabilidade como juízo de reprovação pessoal (que recai sobre o autor do fato).

1.1 Culpabilidade: Significado e Conceito no Direito Penal

Como bem preleciona Bitencourt (2006, p.256), a atual concepção tripartida do delito, realizada por Luden em meados do século XIX, posteriormente sistematizada por Von Liszt e Beling, tido como fato típico, antijurídico e culpável, é produto da mais recente doutrina, já que no passado conhecia-se o Direito sob a óptica de dois pilares: imputação ao fato e imputação de direito.

Cada elemento da teoria do delito, a depender da época de sua epistemologia, possuía uma acepção diferente, pois que vários estudiosos desenvolveram suas próprias teorias acerca do tema formando opiniões progressistas e atuais, à época, sobre o tema.

As primeiras escolas de Direito Penal esforçaram-se para chegar a uma teoria realmente adequada para tratar dos delitos, imbuídas pela necessidade de se humanizar a pena e aplicá-la de modo proporcional.

Dessa maneira, dentro dos vários períodos do Direito Penal, vários foram os conceitos elaborados acerca do delito. Pertinente é a lição de Bitencourt (2006, p.256)

Foi Ihering, em 1867, que desenvolveu o conceito de antijuridicidade objetiva para o Direito Civil, mas a adequação desse instituto para o Direito Penal foi obra de Liszt e Beling, com o abandono da antiga teoria da imputação. A elaboração dos primeiros contornos do conceito de culpabilidade coube a Merkel, que conseguiu reunir dolo e culpa sob o conceito de determinação de vontade contrária ao dever. A tipicidade foi o último predicado que se somou na construção da forma quadripartida do conceito de delito, permitindo o Beling, seu autor, formular a seguinte definição:

“delito é a ação típica, antijurídica, culpável, submetida a uma cominação penal adequada e ajustada às condições da dita penalidade”. (grifos no original)

Uma observação sobre o referido texto é que a definição de crime nele apresentada é fruto da elaboração das teorias alemãs, construídas na segunda metade do século XIX. Nesse ínterim, temos o atual conceito de crime como ação típica, antijurídica e culpável, ou seja, em nada mudou o conceito. O que mudou de lá para cá foi a forma de como esses elementos são encarados na nova perspectiva do Direito Penal.

Porém, devemos notar, como bem ensina Greco (2009, p.142), que nosso Código

Penal não nos fornece um conceito de crime, sendo, portanto, o mesmo, um conceito

eminentemente jurídico, vez que não existe um conceito de crime fornecido pelo legislador.

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A digressão histórica que fora feita é necessária para entendermos sobre o conceito e significado acerca da culpabilidade como um dos elementos de Direito Penal, já que não há maiores divergências doutrinárias sobre a tipicidade, como sendo juízo de adequação do fato humano à norma de Direito, bem como à antijuridicidade como sendo juízo de contrariedade da conduta humana ao Direito.

Como dito anteriormente, os elementos do conceito de crime passaram por grandes transformações, exalando o que as teorias formuladas pelos estudiosos do Direito Penal defendiam, e, diante das várias transformações, o modo de aplicá-las também se transformavam.

No que concerne ao desenvolvimento teórico acerca do elemento da culpabilidade, salutar é a lição de Brandão (2008, p.200)

O conceito de culpabilidade passou por várias fases. Em que pese sabermos que só no início deste século, com Reinhard Frank, construiu-se um conceito científico de culpabilidade, os estudos anteriores a ele já identificavam as espécies de culpabilidade, sem, contudo, “conseguir fixar um conceito comum às duas espécies”. (grifos no original)

O que o autor do texto supratranscrito quer dizer é que mesmo antes de ser formulado o conceito sobre a culpabilidade e suas características, outros autores já haviam tratado do tema, como Merkel, por exemplo.

No que tange ao conceito de culpabilidade, nos ensina Brunoni (2008, p.33) que

O significado dogmático atribuído ao princípio da culpabilidade implica o reconhecimento de que não cabe imposição de pena alguma se não concorre culpabilidade no autor, e de que a pena não pode exceder a medida da culpabilidade:

a culpabilidade constitui o fenômeno e o limite da pena.

Nesse mesmo sentido é a lição de Brandão (2008, p.201)

A culpabilidade é um juízo de reprovação pessoal, feito a um autor de um fato típico e antijurídico, porque, podendo se comportar conforme o Direito, o autor do referido fato, optou livremente por se comportar contrário ao Direito.

Quando se diz que a culpabilidade é um juízo de reprovação pessoal, diz-se que a mesma é um juízo que recai sobre a pessoa. Por isso, diz-se que a culpabilidade é o elemento mais importante do crime, porque o Direito Penal há muito abandonou a responsabilidade pelo resultado, ou responsabilidade objetiva, para debruçar-se sobre a responsabilidade pessoal.

Algumas considerações devem ser feitas acerca dos dois entendimentos, pois mesmo

que se mostrem no mesmo sentido, ou seja, congruentes à ideia de culpabilidade, revelam

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elementos diferentes; a culpabilidade como princípio de direito Penal e a culpabilidade como fruto do Direito Penal Subjetivo.

Nessa óptica, a culpabilidade como princípio de Direito Penal revela o ensinamento de Brunoni (2008), passado ao leitor no início das considerações acerca do tema, ou seja, o princípio da culpabilidade implica no reconhecimento de que não cabe imposição de pena alguma se não concorrer culpabilidade no autor.

Na lição de Silva (2006, p.24), “Os princípios são, portanto, mandamentos jurídicos primaciais e fundamentais, compostos de valores da cultura sociojurídica da sociedade, que servem como substrato às outras normas jurídicas quando aplicadas na solução de casos concretos”.

Desse modo, revela-se a importância do Princípio da Culpabilidade no atual manuseio Direito Penal como instrumento de repressão e atuação do jus puniendi, já que no Estado Democrático de Direito deve prevalecer a humanização do Direito, ratificando a dignidade da pessoa humana como fundamento do mesmo.

Nesse sentido, o princípio da culpabilidade tem como escopo garantir a proporcionalidade e a racionalidade do dever estatal de punir, restando seguro a finalidade da pena como resposta proporcional ao fato delituoso cometido por determinado autor.

Ademais, a culpabilidade como fruto do Direito Penal Subjetivo significa dizer que não mais existe a responsabilidade penal objetiva no sistema penal, em que não se fazia nenhuma indagação sobre os motivos que levaram o agente a cometer o delito, mas somente interessava o resultado de dano (BRANDÃO, 2008, p.201).

A responsabilidade subjetiva, consagra o princípio da culpabilidade, que por sua vez requer justamente o contrário; para que determinado resultado seja atribuído ao agente, é necessário que sua conduta tenha sido dolosa ou culposa. Assim, mostra-se o princípio da culpabilidade como sendo o elemento mais importante da estrutura dogmática do delito.

Quanto ao conceito de culpabilidade, ensina Brandão (2008, p.202) que nem sempre foi assim, ou melhor, que quanto ao conceito de culpabilidade não há que se falar em unanimidade doutrinária. Vejamos

Para Aftalión, o conceito de culpabilidade é um conceito impotente [...]. Para o filósofo-penalista argentino, a culpabilidade deve ser conectada ao conceito de perigosidade, posto que, quando não há perigosidade, não há reprovabilidade.[...]

Para Maurach, de outro lado, a culpabilidade está inserida em uma categoria maior, que é a atributividade. Para o professor de Munique, como a atividade do juiz penal é dupla, ou seja, aplicar a pena e aplicar a medida de segurança, deve-se reunir os dois conceitos para que a culpabilidade e a perigosidade estejam submetidas a um conceito maior; à ação culpável imputar-se-ia uma pena, e à ação perigosa de um inimputável se imputaria uma medida de segurança. “Ambas reações pressupõem que a ação tipicamente antijurídica possa ser atribuída ao sujeito como obra de sua vontade”. (grifos no original).

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Não se pode olvidar que, realmente, o conceito de culpabilidade tem um sentido muito amplo no campo das relações penais, e, por que não dizer, sociais; todavia, o conceito de culpabilidade, sobre o qual discutimos refere-se a um dos elementos do conceito de crime.

Desse modo, não vemos como salutar discutir o tema sob a óptica do Direito Penal lato sensu, ou seja, em sentido amplo.

A culpabilidade, como um dos elementos que compõem o conceito de crime, é a reprovabilidade pessoal da conduta ilícita. É um juízo de reprovação que recai sobre o autor do fato, que, tendo a possibilidade de agir conforme o Direito age de forma contrária a ele.

É nesse liame que a culpabilidade se mostra como o mais importante elemento do conceito de delito, pois que garante ao agente criminoso a proporcionalidade da pena, afastando-se assim a ideia de culpabilidade como pressuposto da pena, como defende alguns doutrinadores.

A inclusão da culpabilidade no conceito analítico de crime tem como objetivo afastar do Direito Penal a responsabilidade objetiva (expurgada do Direito Penal contemporâneo), já que, a transportar para fora do conceito de crime, colocando-a como mero pressuposto da pena, seria não fazer o juízo de reprovação sobre o autor no momento da ação.

Nesse sentido, são as palavras de Nucci (2007, p.116-117)

Assim, a conduta, sob o prisma finalista, é a ação ou omissão voluntária e consciente, que se volta a uma finalidade. Ao transferir o dolo para a conduta típica, o finalismo despiu-o da consciência de ilicitude (tornando-a potencial), que continuou fixada na culpabilidade. [...] O importante é esclarecer que a adoção da teoria tripartida é a mais aceita, dentre causalistas, finalistas e adeptos da teoria social da ação. Não se pode acolher uma das concepções bipartidas, que refere ser o delito apenas um fato típico e antijurídico, simplificando em demais a culpabilidade e colocado-a como mero pressuposto da pena

Porém, em sentido contrário, há uma parte da doutrina penal que, embora minoritária, expressa suas ideias sob o prisma da culpabilidade como pressuposto da pena, por entender que o Código Penal pátrio exclui a culpabilidade do conceito de crime justamente porque retirou do próprio conceito de crime os elementos psicológicos.

Vejamos o que diz Dotti (2002, p.335-336) ao entender que a culpabilidade é mero pressuposto da pena.

A persistência em “fazer” da culpabilidade um “elemento” do conceito de crime revela o efeito da antiga compreensão quando se procurava separar antijuridicidade e culpabilidade mediante o critério objetivo-subjetivo. [...] A proposição de que a culpabilidade é pressuposto da pena e não um “elemento” do delito, encontra ressonância em nosso ordenamento jurídico positivo, quando o código trata de algumas causas de isenção de pena. (grifos no original).

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Nesse mesmo sentido é a posição tomada por Capez (2001, p.273)

Verifica-se, em primeiro lugar, se o fato é típico ou não, em seguida, em caso de afirmativo, a sua ilicitude; só a partir de então, constatada a prática de um delito (fato típico e ilícito), é que se passa ao exame da possibilidade de responsabilização do autor.

Na culpabilidade afere-se apenas se o agente deve ou não responder pelo crime cometido. Em hipótese alguma exclusão do dolo e da culpa ou da ilicitude nessa fase, uma vez que tais elementos já foram analisados nas precedentes. Por essa razão, culpabilidade nada tem que ver com o crime, não podendo ser qualificada como seu elemento.

Entretanto, entende-se que a culpabilidade é um elemento do crime, e não um mero pressuposto de aplicação da pena, pois, se assim o fosse, reduziríamos o Direito Penal a um pragmatismo excessivo, retirando a essência de sua legitimidade, porque se alguém cometesse um ilícito sem ter ideia de que o que fazia era ilícito, seria considerado um criminoso, aplicando a culpabilidade como pressuposto da pena, mesmo sem ter havido crime, ou havendo, bastando apenas a conduta e o resultado, pilares, sustentados à época da responsabilidade objetiva.

Sabe-se que no Direito Penal da antiguidade, a responsabilidade penal decorria da chamada responsabilidade objetiva, ou seja, da aplicação da pena para aos autores de simples fatos lesivos, sem ao menos se indagar da culpa do mesmo. E foi a partir do desenvolvimento do conceito de culpa que se desenvolveu novos elementos até o conhecimento do dolo.

Assevera Bitencourt (2006, p.416) que, quando as teorias desenvolvidas acerca da imputação chegaram no patamar de apreciação subjetiva da conduta do autor do fato, chegou- se também à ideia de culpabilidade, à medida em que um determinado sujeito, por sua própria conduta, age, livremente, de forma contrária à lei. A partir de então, surgiram várias teorias sobre a culpabilidade para explicar a conduta de determinados sujeitos.

1.2 Teorias da Culpabilidade

A primeira teoria conhecida na doutrina é a teoria psicológica da culpabilidade.

Segundo Zaffaroni e Pierangeli (2002, p.603), a culpabilidade, vista sob a óptica da teoria psicológica, era tida como a relação psicológica que havia entre a conduta e o resultado, sem qualquer elemento normativo, mas apenas com uma pura descrição de uma relação.

Porém tal teoria se mostrou falha, na medida em que não conseguiu explicar outros

fenômenos delituosos, como a culpa inconsciente, como mostra Veloso (2008, p.133)

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Essa teoria não respondeu a todas as indagações a respeito das relações psicológicas do evento delituoso com o seu autor, como defende Jescheck e Weigend (2002, p.578), segundo o qual tal concepção psicológica logo se mostrou insuficiente, porque não dava respostas às questões de quais relações psíquicas deviam considerar-se relevantes jurídico-penalmente e porque sua presença fundamenta a culpabilidade e sua ausência a exclui.

Assim, não se poderia explicar por que, ainda quando o autor atuou dolosamente e produziu uma relação psíquica com o resultado, deveria negar-se-lhe sua culpabilidade se ele é um doente mental ou agiu em estado de necessidade exculpante, nem se podia fundar o conteúdo da culpabilidade da culpa inconsciente na concepção psicológica, já que nela falta precisamente toda a relação psíquica com o resultado.

Assim, por apresentar-se insuficiente para a dogmática penal, já que se a culpabilidade se esgotasse num mero nexo psicológico, assim, também, o inimputável seria passível de do juízo de culpabilidade, portanto, levaria em conta que tal agente seria capaz de agir com vontade, a doutrina desenvolveu nova teoria sobre o instituto, denominada de teoria psicológico-normativa da culpabilidade.

A partir dessa teoria, a culpabilidade recebe mais uma característica, ou melhor, mais um atributo, passando, o valor, a ingressar em seu âmbito, de modo que dolo e culpa deveriam ser valorados normativamente. Nesse diapasão, passou-se a censurar o fato, se, de acordo com as circunstâncias, se pudesse exigir do autor do fato, conduta de acordo com o Direito.

Nesse ínterim, assinala Brunoni (2008, p.143-145)

O primeiro passo para uma concepção normativa de culpabilidade foi dado por Frank, que concebeu por primeira vez a culpabilidade como “reprovabilidade” do fato. A culpabilidade assim ententida se caracteriza por um juízo de censura ao sujeito que realizou um injusto, que consiste em analisar até que ponto e em que condições sua atitude interior é reprovável por ter-se oposto ao dever. Constitui, pois, um juízo valorativo expressado na fórmula “reprovabilidade pelo ato praticado”. (grifos no original).

Dessa forma, conforme a teoria psicológico-normativa da culpabilidade, entendia-se, a culpabilidade sobre o autor do fato no cometimento do mesmo, ou seja, censurava-se o fato em virtude de o individuo ter podido conhecer a ilicitude de sua vontade. Na teoria complexa (psicológico-normativa), alguns elementos da culpabilidade eram consideravelmente, importantes, na medida em que, sem os mesmos não se poderia aplicar determinada pena de forma razoável ou proporcional.

Assinala Brandão (2008, p.207) que “É pela relevância dada à consciência da

antijuridicidade que a culpabilidade deixou de ser um puro nexo psicológico para ser um juízo

normativo”. O que se pretende dizer com isso é que além de dolo e culpa, há outros elementos

que devem ser considerados, tais como a reprovabilidade sobre o fato, ou mesmo a

consciência da ilicitude da conduta, ou, ainda, as circunstâncias do fato.

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Esses elementos foram frutos de aperfeiçoamento da teoria psicológico-normativa da culpabilidade, feito por outros grandes doutrinadores do Direito Penal, pois, conforme afirma Brunoni (2008, p.144-147), Frank concebeu a culpabilidade como reprovabilidade, Goldschmidt, por sua vez, analisou a culpabilidade sob o prisma da contrariedade ao dever, Freudenthal encontrou na exigibilidade um elemento central para formular um juízo de reprovabilidade.

Merkel tem a culpabilidade como efeito antijurídico, que se imputa ao agente, elaborando-se um juízo de valor sobre o autor do ato antijurídico, e, por último, Mezger, defendendo ser a culpabilidade o conjunto de requisitos para que se possa fazer um juízo de reprovabilidade sobre o autor da conduta antijurídica.

Contudo, essa teoria também se mostrou insuficiente, porque havia casos em que faltavam elementos intrínsecos à culpabilidade para se fazer um juízo de reprovação do fato, e, faltando um desses elementos, o auto do fato poderia ser considerado inculpável. Corrobora com esta tese, Bitencourt (2006, p.424)

Com a adoção de um dolo híbrido – ao mesmo tempo psicológico e normativo -, cria-se um problema para o Direito Penal, prontamente detectado por Mezger, a respeito da punibilidade do criminoso habitual ou por tendência. Esse criminoso, em virtude do seu meio social, não tinha essa consciência da ilicitude, necessária à configuração do dolo, porque, de regra, se criava e se desenvolvia em um meio em que determinadas condutas ilícitas eram normais, corretas, eram esperadas pelo seu grupo social. (grifos no original).

Controvérsias como essas citadas no fragmento de texto supracitado foram supridas pelo finalismo adotado por Welzel, porque faltando um elemento para configuração da culpabilidade não haveria reprovabilidade do autor do fato, já que desconhecia a ilicitude do fato, por, justamente, o mesmo ser aceito e tido como correto em seu determinado grupo social.

Diante dessas dicotomias, surge a teoria normativa pura da culpabilidade, idealizada por Welzel, que a despiu, eliminando seus elementos psicológicos, passando o dolo e a culpa para a ação, tendo a culpabilidade autêntica aparência normativa, uma vez que a culpabilidade, como reprovabilidade passa a ter um conceito puramente normativo, já que os elementos anímicos, ou psicológicos foram retirados da mesma para integrar o tipo subjetivo, a ação.

Nesse sentido, nos ensina Brunoni (2008, p.148) que “[...] a transferência de dolo e

culpa para a tipicidade, a culpabilidade adquire autêntica feição normativa, pois deixa de

compreender elementos anímicos”. Corroboram com a tese outros doutrinadores do Direito

Penal, como é o caso de Henkel (2005, p.45), que, nesse contexto, assevera

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Conhecido é que essa abordagem simples, mas ao mesmo tempo um problema revolucionário, trouxe como conseqüência, um intenso debate, que o conceito psicológico da culpabilidade, até então dominante foi substituído pela teoria da culpabilidade, resultado da seguinte fórmula: culpabilidade penal não consiste, em qualquer caso, do esgotamento da relação psicológica do autor do fato (saber ou não saber; querer ou não querer), mas que, na sua essência, representa um fenômeno normativo; reside no julgamento, cujo conteúdo é designado como inconveniente ao direito ou reprovabilidade. Agora é possível chegar à conclusão de que a inexigibilidade reside na exigibilidade como seu elemento reverso.

A culpabilidade, como dito, não contém nenhum elemento psicológico, mas somente elementos normativos: é formada pela potencial consciência da antijuridicidade, da imputabilidade e da exigibilidade de outra conduta, na medida em que a culpabilidade é tida como juízo de reprovação sobre o autor do fato, por ter esse agido de forma contrária ao direito (BRUNONI, 2008, p.148).

Nota-se, que o que fez Hans Welzel não foi o esvaziamento do conceito de culpabilidade, como uma parte da doutrina, minoritária, acredita. Assim, embora, Welzel tenha retirado da culpabilidade dolo e culpa colocando-os na ação, a culpabilidade passa por uma reformulação, já que passa a ser puramente normativa, haja vista que os elementos psicológicos da culpabilidade são extintos para dar lugar aos elementos normativos.

Nesse liame de entendimento acerca do instituto penal da culpabilidade, assinala, com propriedade, Brunoni (2008, p.1489-149)

Para os finalistas, pois, a culpabilidade é compreendida como um “puro” juízo de reprovação sobre o autor, por não haver este se omitido da ação antijurídica ainda quando podia fazê-lo. Dolo, situado no tipo, é concebido como objeto do juízo de censura da culpabilidade. Portanto, com a teoria normativa pura a estrutura da culpabilidade sofre uma redefinição nos seguintes termos: a) reprovabilidade da conduta típica e antijurídica; b)imputabilidade ou capacidade de culpabilidade (de entender e querer); c)potencial conhecimento do injusto; d) exigibilidade de comportamento ajustado ao Direito (de conduta diversa). A culpabilidade concebida como reprovabilidade, nos termos propostos pela teoria normativa pura, é aceita pela doutrina dominante [...]. (grifos no original).

Tendo reformulado o conceito de culpabilidade, Hans Welzel (1997, apud BRANDÃO, 2008), como adepto da teoria finalista da ação, transportou dolo e culpa para o primeiro elemento do conceito quadripartite de crime, a ação, e, incorporou à culpabilidade os elementos da imputabilidade, o potencial conhecimento do injusto e a exigibilidade de conduta diversa.

Contudo, entre os elementos da culpabilidade, nos irá interessar a análise de apenas

um: a (in) exigibilidade de conduta diversa (conduta conforme o Direito), já que, se observada

sua ausência em determinados casos e circunstâncias, será o autor do fato inculpável, porque

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não fora possível exigir do mesmo, nas circunstâncias em que se encontrava, uma conduta conforme o Direito.

1.3 Evolução Doutrinária da (in) Exigibilidade de Conduta Diversa no Direito Penal

Conforme nos ensina Welzel (1997, p.210 apud BRANDÃO, 2008, p. 230), quando o autor imputável tem consciência da antijuridicidade da ação, verifica-se estabelecida a culpabilidade em sua materialidade, porém isso não significa que o ordenamento jurídico fará juízo de reprovabilidade na culpabilidade.

Assim, não constatada a configuração dos elementos da culpabilidade, como já estudado, a imputabilidade, o potencial conhecimento da antijuridicidade e a exigibilidade de outra conduta, poderá o autor ser absolvido de pena, por exculpação, haja vista a não configuração da culpabilidade.

Desse modo, quando estabelecida materialmente a culpabilidade, verificar-se-á se era possível exigir do autor do fato, comportamento conforme o Direito, ou seja, se naquelas circunstâncias poderia o autor, além do dever de se comportar conforme o Direito, poderia ele optar por se comportar conforme o Direito (relação entre dever e poder).

A ideia de exigibilidade de outra conduta na teoria da culpabilidade foi desenvolvida no século XIX, através da jurisprudência do Tribunal do Império da Alemanha (o Reichsgerich). A primeira decisão que adotou a tese foi dada no caso Leinenfänger (o cavalo

que não obedece às rédeas) (SILVA, 2007, p.24).

Nesse sentido, assinala Azuma (2007, p. 80)

Conta-se que, um senhor locador de carruagens ordenou ao cocheiro que arreasse dois cavalos para que pudesse sair. Ocorre que este cavalo possuía um defeito – prendia as rédeas e o cabresto com o rabo contra o corpo. Esse fato era conhecido pelo empregador e pelo patrão. O cocheiro tentou resistir à ordem do patrão, argumentando sobre a possibilidade de um acidente. Em vão. O patrão ameaçou despedi-lo se a ordem não fosse cumprida, fato que fez o cocheiro seguir o comando do proprietário do animal. No caminho da viagem, o animal prendeu as rédeas vindo a desbocar. O patrão perdeu a direção e atropelou um transeunte, ocasionado-lhe lesões. O empregado foi acusado e respondeu a processo por lesões corporais culposas. O tribunal alemão absolveu o cocheiro sob o fundamento de que não seria justo, todavia, exigir-se dele outro proceder. Sua recusa em sair com o animal importaria a perda do emprego, logo, a prática da ação não foi culposa, em razão da inexigibilidade de comportamento conforme o Direito, porque, na situação coativa em que se encontrava, estava obrigado a obedecer ao patrão.

Analisando o caso supracitado, ratificamos o que temos estudado até o presente

momento; a ideia de exigibilidade conduta diversa é ligada à ideia de liberdade, uma vez que

se reprova o sujeito, que, podendo agir conforme o Direito, dentro de determinadas

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circunstâncias, age de forma contrária a ele. Portanto, tendo agido contrário o Direito, quando poderia e deveria ter agido conforme o mesmo, far-se-á o juízo de reprovabilidade sobre o autor do fato, verificando-se sua culpabilidade.

Entretanto, no caso em epígrafe, o autor do fato, o cocheiro, deveria ter agido conforme o Direito, mas, em virtude das circunstâncias, que tolhem a liberdade de agir conforme a norma, não pôde, o mesmo ter agido conforme o Direito, por ter sido ameaçado por seu patrão de ser demitido, o que tornaria impossível o sustento de sua família. É sobre esse raciocínio que se assenta a tese da inexigibilidade de conduta diversa.

A partir do estudo do caso de leinenfänger, a doutrina alemã desenvolveu, no início do século XX, através de Frank e a inovadora teoria normativa pura da culpabilidade, o elemento da exigibilidade de conduta diversa como pressuposto da culpabilidade (BRANDÃO, 2008, p.231).

Azuma (2007, p. 79) leciona que em 1913 Goldschimdt destinguiu a norma jurídica de norma de dever, podendo então um fato típico e antijurídico não ser culpável, de modo que o espaço para a aplicação da teoria da exigibilidade de outra conduta ganharia maior campo de atuação e pesquisa na dogmática penal da época

Contudo, conforme nos ensina Silva (2007, p.25), foi Freudenthal quem propôs a exigibilidade de conduta diversa como fundamento principal da culpabilidade, através do estudo das teorias de Frank e da análise da jurisprudência do Tribunal do Império Alemão, de modo que a reprovabilidade da conduta do autor reside no poder dever do agente de atuar de modo diferente da prática criminosa.

Ainda, segundo os ensinamentos de Veloso (2008, p.172), vemos que foi Freudenthal quem postulou a aplicação da inexigibilidade de conduta diversa nas duas formas de culpabilidade até então conhecidas, o dolo e a culpa, já que até aquele momento doutrina e jurisprudência a aceitavam apenas nos casos de delitos em sua forma culposa, enquanto que na forma dolosa se aceitava apenas a tese do estado de necessidade.

Assim, conforme analisamos, quando ausente a possibilidade do autor de agir conforme o Direito, restará também ausente a reprovabilidade, e, portanto não haverá culpabilidade, logo, se as circunstâncias que rodeavam o autor do fato eram de tamanha magnitude, que qualquer pessoa se comportaria igualmente ao autor do fato, este não será considerado culpado, na medida em que, deveria, mas não poderia ter agido conforme o Direito, ou seja, não poderia ser exigido do mesmo conduta diversa da que fora tomada.

Destarte, afirma Henkel (2005, p.60) que os mesmos tribunais alemães que

assentaram a tese da inexigibilidade de outra conduta tiveram incontáveis decisões em sentido

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contrário, por não estar o instituto legalmente previsto nas legislações, sendo, portanto, inadmissível sua aplicação, até então.

Nesse diapasão, entendendo que será punível o autor do fato que devia e podia agir em conformidade com o Direito, mas age de forma contrária constituindo o delito, devemos ter em mente que há possibilidades desse mesmo autor não ser punido, visto que nas circunstâncias em que se encontrava não era exigível comportamento diverso do realizado, na medida em que quando se carece de qualquer dos elementos da culpabilidade, como vimos, ela é excluída.

É a partir desse raciocínio que se há firmada a tese da inexigibilidade de conduta diversa. Assim, quando o agente deveria agir conforme o Direito, mas em determinadas circunstâncias age de modo contrário, pois não podia agir em congruência com o Direito, há a inexigibilidade de outra conduta.

A exigibilidade de conduta, conforme o Direito, como causa geral de inculpabilidade, conforme a entendemos hodiernamente, fora alvo de várias decisões contrárias, haja vista que alguns juristas e tribunais assim não a entendiam, e o seu contrário como causa supralegal de excludente da culpabilidade, pois não havia previsão legal (HENKEL, 2005, p.58).

Em sentido contrário ao entendimento da inexigibilidade de conduta diversa como causa geral de exculpação se mostra Jescheck, por entender que o instituto seria um princípio regulativo, e não causa de exculpação supralegal, alegando, ainda, que o reconhecimento de tal tese implicaria perigos a igualdade de justiça (JESCHECK, 1981, p.687 apud AZUMA, 2007, p.83).

Porém, entendemos que a teoria da inexigibilidade de conduta diversa é a ratificação de um sistema penal justo e que atende aos anseios da justiça social, humanizando a prática punitiva à realidade dos fatos da vida, porque o Direito, como ciência social, não deve se mostrar estático. Nesse sentido é o magistério de Yarochewsky (2000, p.39-40)

A grande questão para o reconhecimento da inexigibilidade de outra conduta como causa de exclusão da culpabilidade, no caso concreto, é saber se o agente podia ou não podia agir de outro modo, se lhe era ou não exigido um comportamento conforme o Direito. O Direito Penal moderno não pode e não deve se prender ao formalismo demasiado, a uma rigidez de conceitos que, muitas vezes, afasta o homem da realidade. [...] Hoje, apesar das opiniões em contrário, não é mais possível no Direito Penal, seja na doutrina, na jurisprudência, ou no Direito positivo, deixar de reconhecer e admitir a inexigibilidade de outra conduta como causa de exclusão da culpabilidade.

A digressão histórica feita a respeito da construção da tese da inexigibilidade de

outra conduta é indubitavelmente necessária, já que sem que haja esse entendimento não

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haveria como se desenvolver um raciocínio lógico do qual resulta a inexigibilidade de conduta diversa como causa de inculpabilidade. Ademais, a partir do desenvolvimento dos estudos de Freudenthal é que a inexigibilidade de outra conduta revela seus elementos cruciais, como ato volitivo, de liberdade, sobre o qual poderá recair a reprovabilidade.

Nesse liame, entendemos ser impossível para o Direito Penal, ou mesmo ao Direito como um todo, prever todas as situações sobre as quais deve recair suas normas. Assim, mais uma vez, reiteramos a ideia de que, como adeptos da concepção finalista do delito, a inexigibilidade de conduta diversa deve ser entendida como causa geral e supralegal de exclusão da culpabilidade.

Dessa maneira, Brandão (2008, p. 232) cita a jurisprudência do Superior tribunal de Justiça como acolhedora da tese da inexigibilidade de conduta diversa, como causa supralegal de exclusão da culpabilidade, cuja admissibilidade no Direito brasileiro já não pode ser negada.

Portanto, como bem afirma Correa (2004, p.61), a inexigibilidade de conduta diversa assume a posição de princípio informador, determinando a atipicidade das condutas cuja realização exceda as possibilidades do homem médio.

Para que seja entendida como causa geral e supralegal de exclusão da culpabilidade, é necessário estudarmos os pressupostos e características do instituto em análise, com escopo de demonstrarmos sua aplicabilidade.

1.4 Pressupostos e características da Inexigibilidade de Conduta Diversa

Diante das considerações feitas até aqui, chegamos à conclusão de que alguns elementos são intrínsecos à inexigibilidade de conduta diversa, tais como a liberdade, a reprovabilidade e a relação entre dever e poder do agente imputável do fato quando inserido num contexto criminal de determinadas circunstâncias.

Nesse ínterim, temos, conforme assinala Brandão (2008, p.231), que “A ideia de exigibilidade de outra conduta é ligada a ideia de liberdade, pois se reprova pessoalmente o sujeito que, podendo se comportar conforme o Direito optou livremente por se comportar contrário ao Direito”.

Contudo, no tocante à inexigibilidade conduta diversa temos que essa liberdade de se comportar conforme o Direito é tolhida pelas circunstâncias de determinadas situações, como bem mencionamos, no caso da cavalo que não obedecia às rédeas.

Quanto à relação de entre dever e poder, observa Yarochewsky (2000, p.39), que esta

sofrerá juízo de reprovabilidade o autor imputável de certo fato, que podia e devia agir

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conforme o Direito. De tal modo, de maneira contrária, o autor imputável que devia agir conforme o Direito, mas que, diante das circunstâncias que ultrapassam os limites do homem médio, não podia agir conforme esse Direito será a ele aplicada a inexigibilidade de conduta diversa.

No que tange à reprovabilidade do autor do fato, Silva (2007, p.26) assevera que “É forçoso, pois, reconhecer que a configuração do juízo de reprovabilidade exige como requisito imprescindível a possibilidade de o agente atuar de forma diferente do ato antijurídico, quando devia e podia agir conforme o Direito”.

Entretanto não se pode reprovar a conduta do autor do fato, se em torno da execução, estivesse o mesmo rodeado de determinadas circunstâncias que, de tal modo, qualquer um se comportaria conforme o autor, restando ausente o fundamento da culpabilidade, pois não podia o mesmo agir de modo contrário à norma.

Nessa perspectiva é o magistério de Henkel (2005, p.123), “Na verdade, esta é uma causa da inculpabilidade pura, isto é, a negação de culpa por falta de uma formação jurídica defeituosa, por falta de censura sobre o autor. Está ausente o conteúdo normativo da culpabilidade, a reprovabilidade”.

A exigibilidade de conduta diversa deve ser entendida como pressuposto dos elementos da imputabilidade e do potencial conhecimento da ilicitude do fato, já que, sem que haja o juízo de reprovabilidade sobre o autor do fato estará ausente a culpabilidade, e, como vimos, a reprovabilidade do fato dependerá se o autor do fato, mesmo devendo agir conforme o Direito age, devido a circunstanciais tais, de modo contrário, aplicando-se a inexigibilidade de conduta diversa.

Um dos pressupostos para que a inexigibilidade de conduta diversa seja aceita e como tese jurídica no Direito Penal é o reconhecimento de que tal tese seja reconhecida como causa geral e supra legal de exclusão da culpabilidade.

Adepto da corrente doutrinária que reconhece a inexigibilidade de conduta diversa como causa geral e supra legal que exclui a culpabilidade. Alhures, encontram-se outros entendimentos nesse sentido, como é o caso do magistério de Veloso (2008, p.190)

A inexigibilidade é uma causa geral de exculpação da culpabilidade aplicável aos fatos não abrangidos pelas causas de exculpação previstas na lei, bastando para isso comprovar que, no caso concreto, o sujeito não pôde atuar conforme a norma, a fim de que seja eximido da responsabilidade penal, sem necessidade de uma previsão legal específica.

Nesse mesmo sentido é o entendimento de Azuma (2007, p.83), “A inexigibilidade

ocupa a função de fundamento geral de exculpação. É o fundamento do juízo de

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reprovabilidade. Todos os casos de exculpação em verdade o são porque não se exige um comportamento do sujeito de acordo com a norma”.

Os fragmentos de texto supracitados revelam o que já tem sido dito de forma contundente, ou seja, confirmam que é preciso reconhecer que existem situações anormais onde não se pode exigir do homem um comportamento conforme o Direito, ainda que não esteja previsto no ordenamento jurídico como causa de exculpação.

Contudo, o conceito e natureza jurídica da inexigibilidade de conduta diversa é bem controverso em boa parte da doutrina, pois a depender de como o instituto é entendido receberá o mesmo diferentes ilações.

Para muitos, a inexigibilidade de conduta diversa não é entendida como causa geral e supralegal de exclusão da culpabilidade, haja vista que se comportaria como princípio regulador, como já citado.

Greco (2009, p. 420) assim define causa supralegal de exclusão da culpabilidade

Causas supralegais de exclusão da culpabilidade são aquelas que, embora não estejam previstas expressamente em algum texto legal, são aplicadas em virtude dos princípios informadores do ordenamento jurídico.

Nossa legislação penal, ao contrário da legislação alemã, não proíbe a utilização do argumento da inexigibilidade de conduta diversa como causa supralegal de exclusão da culpabilidade.

Desse modo, quando o agente não pôde ter agido em conformidade com o Direito nos casos em que esteja rodeado de circunstâncias que qualquer um diante das mesmas agiria, também, de forma contrária restará configurada a inexigibilidade de conduta diversa.

Corroborando com esta tese, leciona Silva (2007, p.33).

Desse modo, a inexigibilidade de outra conduta pode ser entendida como fundamento geral para a configuração de todas as hipóteses de exculpantes, pois quando ausente a capacidade de autodeterminação em conformidade com o Direito, por qualquer causa que seja, haverá a inexigibilidade de conduta diversa e, por conseguinte a inculpabilidade do agente da conduta criminosa praticada. [...] Assim, pode-se afirmar que há inexigibilidade de conduta diversa quando ausente qualquer um dos elementos configurantes da culpabilidade (imputabilidade, potencial conhecimento da ilicitude e exigibilidade de conduta diversa).

Por ser notadamente impossível que qualquer ordenamento jurídico tenha o condão de prever todas as situações em que irão atuar as normas, ou de prever normas para todas as situações, é necessário dinamizar o Direito. No caso do Direito penal, é necessário humanizar a pena, analisando o caso concreto, pois o Direito Penal deve servir como ultima ratio.

Dessa maneira, há que se afirmar que existem situações de anormalidade, não

previstas pelo Direito, em que o sujeito é impedido de atuar conforme o dever-ser normativo,

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não se exigindo um comportamento conforme a norma. Nesses casos, a anormalidade dos fatos traz a inexigibilidade de outra conduta.

Afirma Azuma (2007, p.86)

Pode ocorrer, ante o caso concreto, de o autor não ter a possibilidade de cumprir seu dever jurídico, em razão da anormalidade da situação. O Direito exige que todo sujeito capaz de culpa, portanto, imputável, realize atos conforme o entendimento do lícito e ilícito que possui. Contudo existem casos, onde não se exige do agente um comportamento conforme o Direito, isso em razão da motivação anormal de sua vontade impelida pelas circunstâncias anormais.

Assim, a inexigibilidade de conduta diversa se mostra como uma alternativa para o Direito Penal, obstruindo o desenvolvimento de ações e interpretações temerárias das normas incriminadoras, exalando o anseio de justiça social do qual cada um é merecedor, já que às vezes esquecemos que somos seres humanos e semelhantes, ávidos de dignidade.

CONCLUSÃO

É incontroverso na doutrina o raciocínio de que o instituto penal denominado de inexigibilidade de conduta diversa está intimamente relacionado com o desenvolvimento dogmático da culpabilidade, vez que seu conceito está atrelado à atual função da pena no Estado Democrático de Direito.

Destarte, o Direito Penal passou grandes períodos históricos de transformações de sua dogmática, antes de chegar ao estágio no qual se encontra hodiernamente. Assim, a culpabilidade e as formas de exculpação da mesma, como a inexigibilidade de conduta diversa, por exemplo, mesmo frente a fatos jurídicos puníveis, devido às circunstâncias que cercara o agente, é fruto de um Direito Penal moderno.

O elemento culpabilidade, como um dos elementos do conceito de delito, se transformou ao longo dos séculos até chegar num patamar que não mais se concebe um formalismo rígido de aplicação do Direito Penal, transformando a inexigibilidade de conduta diversa na exteriorização da humanização do jus puniendi pertencente ao Estado, de modo que, suprimindo a objetividade do Direito Penal na aplicação da pena, ratifica a culpabilidade como juízo de reprovação pessoal (que recai sobre o autor do fato).

Assim, não constatada a configuração dos elementos da culpabilidade, como já

estudado, a imputabilidade, o potencial conhecimento da antijuridicidade e a exigibilidade de

outra conduta, poderá o autor ser absolvido de pena, por exculpação, haja vista a não

configuração da culpabilidade.

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Desse modo, quando estabelecida materialmente a culpabilidade, verificar-se-á se era possível exigir do autor do fato, comportamento conforme o Direito, ou seja, se naquelas circunstâncias poderia o autor, além do dever de se comportar conforme o Direito, poderia ele optar por se comportar conforme o Direito (relação entre dever e poder).

Portanto, conforme analisado, quando ausente a possibilidade do autor de agir conforme o Direito, restará também ausente a reprovabilidade, e, portanto, não haverá culpabilidade, logo, se as circunstâncias que rodeavam o autor do fato eram de tamanha magnitude, que qualquer pessoa se comportaria igualmente ao autor do fato, este não será considerado culpado, na medida em que, deveria, mas não poderia ter agido conforme o Direito, ou seja, não poderia ser exigido do mesmo conduta diversa da que fora tomada (inexigibilidade de conduta diversa – falta de elemento requisito da culpabilidade).

A inexigibilidade de conduta diversa se mostra como uma alternativa para o Direito Penal, obstruindo o desenvolvimento de ações e interpretações temerárias das normas incriminadoras, exalando o anseio de justiça social do qual cada um é merecedor, já que às vezes esquecemos que somos seres humanos e que devemos ter garantida a dignidade pertencente a esta condição.

A ilação que se faz é que a evolução da culpabilidade até o patamar que se encontra

hodiernamente (e ainda em evolução) é fruto do desenvolvimento social e do próprio Direito

Penal, de modo que entendê-la sob a óptica de que é inerente a esse instituto, o requisito da

inexigibilidade de conduta diversa, exala o dever do Estado e do próprio Direito Penal dentro

do real conceito de justiça, pois aplicar uma pena justa e dar a cada um que é seu, abstraindo-

se a responsabilidade penal objetiva, é ratificar e fortalecer a dignidade da pessoa humana,

princípio maior do Estado Social e Democrático de Direito brasileiro.

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REFERÊNCIAS

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BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 2006.

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CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal - Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 2001.

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HENKEL, Heinrich. Exigibilidad e Inexigibilidad Como Princípio Jurídico Regulativo.

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Brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

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