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ANAIS DO 5º S&D ISSN , n. 5 COMUNICAÇÕES DAS MESAS-REDONDAS de Outubro de 2015

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ANAIS DO 5º S&D ISSN 2236-9651, n. 5

COMUNICAÇÕES DAS MESAS-REDONDAS

14-16 de Outubro de 2015 NITERÓI: Ed. PPGSD

2015

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COMISSÃO CIENTÍFICA:

Profa. Dra. Alba Simon (Pós-Doutoranda/PPGSD/UFF) Profa. Dra. Ana Maria Motta Ribeiro (PPGSD/UFF)

Prof. Dr. Candido Francisco Duarte dos Santos e Silva (PPGSD/UFF) Profa. Dra. Carla Apollinário de Castro (PPGSD/UFF)

Prof. Dr. Carlos Eduardo Machado Fialho (PPGSD/UFF) Profa. Dra. Carmem Lúcia Tavares Felgueiras (PPGSD/UFF)

Prof. Dr. Cleber Francisco Alves (PPGSD/UFF) Profa. Dra. Daizy Valmorbida Stepansky (PPGSD/UFF)

Prof. Dr. Daniel Veloso Hirata (PPGSD/UFF) Prof. Dr. Delton Ricardo Soares Meirelles (PPGSD/UFF)

Prof. Dr. Eder Fernandes Monica (PPGSD/UFF) Prof. Dr. Edson Alvisi Neves (PPGSD/UFF)

Prof. Dr. Fernando Gama de Miranda Netto (PPGSD/UFF) Prof. Dr. Frederico Policarpo de Mendonça Filho (PPGSD/UFF)

Prof. Dr. Gabriel Rached (PPGSD/UFF) Prof. Dr. Gilvan Luiz Hansen (PPGSD/UFF)

Profa. Dra. Gizlene Neder (PPGSD/UFF)

Prof. Dr. Ivan da Costa Alemão Ferreira (PPGSD/UFF) Prof. Dr. João Pedro Chaves Valadares Pádua (PPGSD/UFF)

Prof. Dr. Joaquim Leonel de Rezende Alvim (PPGSD/UFF) Prof. Dr. José Fernando de Castro Farias (PPGSD/UFF)

Prof. Dr. Lenin dos Santos Pires (PPGSD/UFF) Profa. Dra. Letícia Helena Medeiros Veloso (PPGSD/UFF)

Prof. Dr. Luís Antônio Cardoso (PPGSD/UFF) Prof. Dr. Luís Antônio Cunha Ribeiro (PPGSD/UFF)

Prof. Dr. Luís Carlos Fridman (PPGSD/UFF) Prof. Dr. Marcelo Pereira de Mello (PPGSD/UFF) Profa. Dra. Márcia Cavendish Wanderley (PPGSD/UFF)

Prof. Dr. Marcus Fabiano Gonçalves (PPGSD/UFF) Prof. Dr. Maurício Mello Vieira Martins (PPGSD/UFF)

Prof. Dr. Napoleão Miranda (PPGSD/UFF)

Prof. Dr. Pedro Heitor Barros Geraldo (PPGSD/UFF)

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Prof. Dr. Ricardo Perlingeiro Mendes da Silva (PPGSD/UFF) Prof. Dr. Roberto da Silva Fragale Filho (PPGSD/UFF) Prof. Dr. Ronaldo Joaquim da Silveira Lobão (PPGSD/UFF)

Prof. Dr. Valter Lúcio de Oliveira (PPGSD/UFF) Profa. Dra. Vívian Gilbert Ferreira Paes (PPGSD/UFF)

Prof. Dr. Vladimir de Carvalho Luz (PPGSD/UFF) Prof. Dr. Wilson Madeira Filho (PPGSD/UFF)

COMISSÃO ORGANIZADORA:

Profa. Dra. Ana Maria Motta Ribeiro Prof. Dr. Wilson Madeira Filho Alessandra Dale Giacomin Terra

Carolina Weiler Thibes Eder Fernandes Monica

Emmanuel Oguri Mara Cátia Faria Marcelino Conti de Souza Rodolfo B. de M. Lobato da Costa

Rogério Rocco Tauã Lima Verdan Rangel Thaís Maria L. S. Azevedo Wagner de Oliveira Rodrigues

PADRONIZAÇÃO E EDIÇÃO DOS ANAIS:

Prof. Dr. Wilson Madeira Filho Carolina Weiler Thibes

Emmanuel Oguri Marcelino Conti de Souza Rodolfo B. de M. Lobato da Costa

Rogério Rocco

Tauã Lima Verdan Rangel

Thaís Maria L. S. Azevedo

Wagner de Oliveira Rodrigues

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APRESENTAÇÃO

Com a temática “3º Mundo Terceirizado”, a quinta edição do Seminário Interdisciplinar em Sociologia e Direito, organizado e promovido pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (PPGSD-UFF), com a participação de importantes colaborações de Docentes e Discentes dos diversos programas de pós-graduação, vem se consolidando como um espaço crítico-reflexivo fecundo para a promoção de um debate plural, complexo e interdisciplinar.

Trata-se, portanto, de um espaço destinado a consolidação das perspectivas de análises empíricas, permitindo a superação dos paradigmas essencialmente dogmáticos, ao tempo em que se pauta no imprescindível diálogo propiciado pela interdisciplinaridade, com foco especial para a condição do agente catalizador da dinâmica contemporânea, capaz de impulsionar a construção e difusão do conhecimento.

O 5ºS&D apresenta como objetivos principais: (i) fortalecer o espaço interinstitucional para fomentar debates, pesquisas e reflexões interdisciplinares entre o Direito e a Sociologia; (ii) promover a interlocução entre Discentes e Docentes dos diversos Programas de Pós-Graduação e instituições de pesquisa;

(iii) incentivar e contribuir para o aperfeiçoamento do trabalho de pós-graduação por da construção de um espaço que dialogue, de maneira plena, a pesquisa, o ensino e a extensão.

Prof. Dr. Wilson Madeira Filho

Coordenador do 5º S&D

PPGSD-UFF

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SUMÁRIO

DISPUTAS POLÍTICO-JURÍDICAS SOB O ENFOQUE DAS RELAÇÕES DE DOMINAÇÃO NO CAMPO: AS CLASSES DOMINANTES COMO OBJETO DE ANÁLISE - TAVARES, Ana Claudia Diogo ... p. 07

O MUNDO DO TRABALHO HOJE NO BRASIL: BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A NOVA OFENSIVA NEOLIBERAL - CASTRO, Carla Appollinario de ... p. 23

DUAS DÉCADAS DA PORTARIA 1.886/94: BALANÇO DA REDEMOCRATIZAÇÃO DO ENSINO JURÍDICO A PARTIR DOS DADOS CONTIDOS NOS RELATÓRIOS DO ENADE 2012 - SPRICIGO, Carlos Magno; LOIS, Cecília Caballero ... p. 42

A CURATELA SOB MEDIDA: NOTAS INTERDISCIPLINARES SOBRE O ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA E O NOVO CPC - ABREU, Célia Barbosa ... p. 56

TRIBUTAÇÃO JUSTA NO TERCEIRO MUNDO TERCEIRIZADO - MELLO, Elizabete Rosa de ... p. 81

“TERCEIRO MUNDO TERCEIRIZADO” – ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS NO BRASIL CONTEMPORÂNEO - RODRIGUES, Fabiana de Cássia ... p. 95

TERCEIRO MUNDO TERCEIRIZADO E A PERSPECTIVA DA ECONOMIA POLÍTICA INTERNACIONAL – RACHED, Gabriel ... p. 105

FORMAÇÃO JURÍDICA E HISTÓRIA DAS FACULDADES DE DIREITO EM PORTUGAL E NO BRASIL – NEDER, Gizlene; CERQUEIRA FILHO, Gisálio ... p. 116

A MEDIAÇÃO PELO OLHAR DA SOCIOLOGIA DAS PROFISSÕES – ALVIM, Joaquim Leonel de Rezende; BAPTISTA, Bárbara Gomes Lupetti ... p. 138

ACERCA DE PRECARIZAÇÃO, JUDICIÁRIO E POLÍTICAS PÚBLICAS

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HUMANISMO FRAGMENTADO EM POLÍTICA CRIMINAL: PRINCÍPIO RESPONSABILIDADE, SUBJETIVIDADE E PÓS-MODERNIDADE – PARAGUASSU, Mônica ... p. 167

POVOS INDÍGENAS BRASILEIROS: VIVENDO, AINDA HOJE, ENTRE “A CRUZ E A

ESPADA” - KAUSS, Vera Lucia Teixeira ... p. 188

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7

DISPUTAS POLÍTICO-JURÍDICAS SOB O ENFOQUE DAS RELAÇÕES DE DOMINAÇÃO NO CAMPO: AS CLASSES DOMINANTES COMO

OBJETO DE ANÁLISE

TAVARES, Ana Claudia Diogo.

Professora do Programa de Pós Graduação em Políticas Públicas em Direitos Humanos e-mail: anaclaudiatavares@yahoo.com

RESUMO

O objetivo do presente artigo foi aprofundar as possibilidades teórico-metodológicas de abordagem das relações de poder no campo, em especial a partir do estudo da ação das classes patronais e das suas entidades representativas, com destaque para o modo como se utilizam do campo jurídico na disputa política. Esse aprofundamento tomou como ponto de partida as pesquisas que realizei para a minha coletiva tese de doutorado, em que abordei formas de atuação da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), entidade sindical de representação patronal rural, sobre legislações que podem apresentar legitimidade e, ao mesmo tempo, restrições às práticas patronais no Brasil, tais como:

leis agrárias, leis ambientais e leis trabalhistas. A análise proposta visa desvelar parte da dinâmica de construção de hegemonia, a partir dos usos do Direito pela classe dominante e de suas táticas argumentativas.

Palavras-chave: Relações de dominação, campo jurídico, classes dominantes no campo.

ABSTRACT

The aim of this paper was to deepen the theoretical and methodological possibilities of addressing the power relations in the field, especially from the study of the action of employer’s classes and their representative bodies, especially the way they use the legal field in the political dispute. This deepening took as its starting point the research I conducted for my collective doctoral thesis, in which I discussed forms of actions of the National Confederation of Agriculture and Livestock of Brazil (CNA), a labor union rural employer representation, on legislation that may have legitimacy and at the same time, restrictions on employer’s practices in Brazil, such as land laws, environmental laws and labor laws. The proposal aims to unveil analysis of the dynamics of construction of hegemony, from the law uses the ruling class and its argumentative tactics.

Key-words: Relations of domination, legal field, ruling classes in the field

INTRODUÇÃO

No presente artigo pretendo debater algumas possibilidades de se abordar as relações de dominação e poder no campo, a partir da compreensão da atuação das classes dominantes no contexto de disputas sociais que possuem dimensões políticas e jurídicas indissociáveis.

As relações de dominação são tratadas como construções sociais dinâmicas e

conflitivas, sob a perspectiva da busca por hegemonia, em que a legislação e o direito são

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8 objetos de disputa entre classes e grupos subalternizados, de um lado, e classes dominantes, de outro.

Essa disputa pode ser analisada a partir do estudo da atuação de diversos grupos sociais e/ou de suas organizações representativas, entre as quais as organizações das classes dominantes. Entretanto, conforme abordo no desenvolvimento do artigo, não são muitos os estudos que tomam como objeto de análise as formas de ação dos grupos socialmente dominantes, em especial as organizações das classes patronais no campo.

O debate teórico-metodológico proposto neste artigo, em diálogo com a proposta do GT que coordenamos eu e Ana Maria Motta Ribeiro, relaciona-se com minha trajetória acadêmica e, em especial, com a pesquisa que resultou na minha coletiva tese de doutorado.

Na tese, abordei formas de atuação da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), entidade sindical de representação nacional do patronato rural, sobre legislações que podem apresentar restrições às práticas patronais no Brasil, tais como: leis agrárias, leis ambientais e leis trabalhistas. Isto, porque, embora as leis possam apresentar limitações ao uso da propriedade e do trabalho humano, também legitimam determinadas relações sociais desiguais de poder fundadas sobre a possibilidade de apropriação privada da terra e da força de trabalho humano (TAVARES, 2012).

A pesquisa utilizou diversos instrumentos metodológicos, como roteiro de entrevistas com representantes da classe e advogados da entidade, levantamento e fichamento de ações judiciais e de publicações oficiais da entidade, em especial da sua revista Gleba.

Em síntese, pretendo aprofundar as possibilidades teórico-metodológicas de abordagem das relações de poder no campo, a partir do estudo da ação das entidades representativas das classes patronais, com destaque para o modo como se utilizam do campo jurídico na disputa política. A análise proposta busca, portanto, desvelar parte da dinâmica de construção de hegemonia, a partir dos usos do Direito pela classe dominante e de suas táticas argumentativas.

1. PERSPECTIVAS SOBRE AS RELAÇÕES DE PODER NO CAMPO

A diversidade de entidades representativas tanto das classes dominantes quanto dos

grupos subalternizados socialmente pode ser analisada tendo-se como parâmetro seus

objetivos, suas articulações, forma de associação, bem como sua posição na estrutura estatal.

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9 As entidades sindicais representativas dos setores patronais no campo, como a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), por um lado, e as organizações sindicais que representam os trabalhadores do campo, como a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), por outro, são associações reconhecidas oficialmente pelas instituições estatais, o que pode lhes conferir vantagens e limitações em relações a outras organizações com pretensões representativas de setores patronais ou de trabalhadores rurais no campo.

A partir da Constituição de 1988, as Confederações de grau superior, como a CNA e a Contag, adquiriram legitimidade jurídica (oficial, constitucional) para propor ações judiciais de inconstitucionalidade de normas jurídicas

1

ao Supremo Tribunal Federal (STF), órgão máximo na hierarquia dos Tribunais brasileiros, considerado o “guardião da Constituição”, o que as torna interlocutoras privilegiadas com o Poder Judiciário, na divisão de trabalho e na concorrência entre as demais entidades rurais. Portanto, as disputas político-jurídicas dessas entidades em torno do universo legal podem envolver um amplo leque de ações dentro da institucionalidade do Estado, desde a participação em espaços políticos e legislativos até o ingresso de ações judiciais. Essas disputas podem também se manifestar nas orientações prestadas aos seus associados e nas articulações com outros setores, tais como as demais confederações oficiais ligadas a outros setores econômicos (TAVARES, 2012).

Bruno et al. (2008: 13), a despeito dos limites e críticas de algumas lideranças patronais a respeito das entidades sindicais, percebe a estrutura sindical como “espaço importante de representação e de apoio logístico para os demais grupos e organizações patronais”, que, portanto, “não prescindem do espaço sindical patronal, enquanto espaço tradicional e reconhecido de representação política”.

O estudo das relações de dominação no campo pode ser complexificado através da percepção de que há uma heterogeneidade de interesses empresariais e há também disputas por

1 Cf. art. 103, CF/1988. A ação direta de inconstitucionalidade “foi introduzida no Direito brasileiro [...] pela Emenda Constitucional no. 16, de 26 de novembro de 1965, à Constituição de 1946, que a ela se referia como representação” (BARROSO, 2012: 182). Apenas o Procurador-Geral de República, que ocupava “cargo de confiança do Presidente da República”, podia propor esse tipo de ação que acabava confinada “às hipóteses que não trouxessem maior embaraço ao Poder Executivo” (BARROSO, 2012: 186-187). A Constituição de 1988 estendeu a diversos entes e entidades a possibilidade de propor ação direta de inconstitucionalidade (portanto, a legitimidade ativa), entre os quais se encontra “confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional”

(art. 103, IX). Há controvérsias no STF sobre “a caracterização do que seja entidade de âmbito nacional, a noção de classe e a composição das entidades”. Para detalhes sobre a tendência de jurisprudência do STF, ver Barroso (2012).

(10)

10 representação internas às frações de classe dominante

2

, além das disputas que envolvem o Estado e/ou a classe trabalhadora.

A heterogeneidade empresarial, construída na concorrência capitalista e destacada por Bianchi (1997), por exemplo, pode ser um dos fatores explicativos para a emergência da crise de representação na CNA ao final dos anos 1980, que coincide com a emergência na cena pública da União Democrática Ruralista (UDR), criada em 1985, com a defesa de ações violentas e armadas para combater as ocupações de terra que se disseminavam como tática de luta reconhecida e utilizada especialmente pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).

O empresariado ligado ao setor agrário também está organizado através de associações por produtos (produtores de cana, produtores de soja, por exemplo), diferentes das associações de empregadores que “organizam os interesses empresariais no mercado de força de trabalho” e

“são expressão das relações existentes entre os empresários e a ação coletiva dos trabalhadores”

(BIANCHI, 1997: 123).

Entretanto, quando se trata da defesa do direito de propriedade como absoluto, as tensões e disputas internas à classe dominante parecem desaparecer para dar lugar a uma unidade contra qualquer tentativa de reforma agrária.

As pesquisas sobre relações de poder também podem enfatizar o modo como o poder está articulado ao “saber” valorizado de forma hegemônica. As críticas ao paradigma científico ocidental e ao direito moderno retomam a importância de desvelar a trajetória e o lugar de fala dos pesquisadores para situar as reflexões teóricas e metodológicas propostas. Evidencia-se, assim, que a ciência ocidental com pretensões universalistas é construída a partir de particularismos de sociedades capitalistas dominantes baseadas em espaços geo-políticos determinados (GROSFOGUEL, 2008: 120).

2 As disputas entre frações da classe dominante no campo podem se refletir no espaço institucional oficial de representação patronal. Essas disputas se expressaram como crise de representação da CNA (que culmina na disputa pela sua direção) na década de 1980, em uma conjuntura atravessada por uma crise econômica mundial, pelo surgimento de diversas associações por produto e pela defesa da propriedade, pela intensificação de mobilizações em torno da luta pela terra, pelo debate do I Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA) e início dos debates Constituintes de 1987/1988. As divisões e disputas internas à classe dominante no campo, que nem sempre são exteriorizadas, são analisadas por Bruno (2008; 2009). Ver também Carneiro (2008), sobre a tensão intraclasse dominante “dentro” e “fora” da porteira, ou seja, entre aqueles que se dedicam à agropecuária e os demais setores da economia, como bancos, multinacionais e indústrias. O autor percebe que os primeiros estão em uma posição subordinada e possuem “menor capacidade de influência nas decisões estatais em comparação com” os segundos, que são beneficiados, por exemplo, com uma queda de preços agrícolas. Essa diferenciação, para o autor, tem lugar em uma agenda econômica do patronato, enquanto em relação à agenda fundiária, há uma unidade.

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11 A ciência, portanto, é também objeto de disputas, que conformaram um campo de estudos críticos, em especial de estudiosos latino-americanos

3

, à chamada colonização do saber, entendida no bojo de processos de dominação colonial que sustentam a universalidade dos paradigmas epistemológicos e dos modos de pensar eurocêntricos e, dessa forma, ocultam o

“outro” não-eurocêntrico (ESCOBAR, 2005; GROSFOGUEL, 2008; MIGNOLO, 2005;

SANTOS, 2007).

Para Grosfoguel (2008: 120), a neutralidade e a objetividade desinserida na egopolítica do conhecimento não passam de um mito ocidental possível na medida em que esconde “sua perspectiva local e concreta sob um universalismo abstrato”, que oculta o sujeito e permite a construção de uma hierarquia de conhecimentos e de povos superiores e inferiores.

As leis, sob essa perspectiva epistemológica, também são processo e produto de um determinado contexto particular patriarcal-capitalista que visa se estender a um universo amplo de relações sociais, através do discurso de sua objetividade e neutralidade.

Esse contexto particular em que se produz a lei estatal é marcado por relações de forças e conflitos sociais e, dessa forma, a lei pode incorporar limitações ao poder absoluto da classe dominante, em decorrência de sua pretensão de universalidade (THOMPSON, 1989). Mas a limitação efetiva do poder e a interpretação dominante sobre o sentido das leis dependem de lutas sociais, das forças em disputa.

Nuances sobre o sentido de cada conjunto de leis em uma sociedade capitalista, entretanto, podem nos levar a perceber distintos níveis de contradições: as leis agrárias e ambientais legitimam a apropriação privada de parcelas de um território, com a exclusão dos demais, mas limitam o poder proprietário sobre o livre uso da terra

4

; já as leis trabalhistas legitimam relações de produção caracterizadas pela exploração da força de trabalho de um ser humano (o trabalhador) por outro (o empregador ou patrão), ao mesmo tempo em que comportam limites ao poder patronal (TAVARES, 2012).

Essas clássicas contradições da lei em abstrato, entretanto, ocultam, normalmente, alguns sujeitos submetidos a limitações provenientes do paradigma da apropriação/violência

3 Embora o grupo que participa do programa de investigação modernidade/colonialidade esteja estabelecido na

“Latinoamérica”, ela não deve ser entendida como região geográfica, “más como una ‘perspectiva’ o um espacio epistemológico que como una región” (ESCOBAR, 2005: 80).

4 Para uma análise da criação legislativa da propriedade privada de terras no Brasil (através da Lei de Terras de 1850) e na Argentina, ver Silva e Secreto (1999). As autoras constatam que o objetivo das leis agrárias que criaram a propriedade privada, separando as terras públicas das terras particulares, instituindo a compra como meio fundamental de aquisição do domínio, era a formação de mercado de terras nas antigas colônias europeias, parte de um processo de formação do mercado mundial de terras e de produtos agrícolas.

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12 vigente nas sociedades coloniais, o lado oculto do paradigma da regulação/emancipação das sociedades modernas capitalistas, conforme exposto por Santos (2007). A face ocultada é a da desumanização e desqualificação dos trabalhadores no lado colonial da modernidade, é a negação de seus saberes e a invisibilidade ou negação de formas de produção da vida que não estejam a serviço da acumulação capitalista. Mas essas formas se afirmam e os sujeitos ocultos se apresentam em processos de resistência e luta, gerando distintos limites ao processo de apropriação capitalista da terra e do trabalho humano. As mobilizações e lutas de populações indígenas na América Latina são exemplares dessa afirmação.

Santos (2007: 5) caracteriza como exemplos de pensamento abissal tanto o monopólio da ciência moderna sobre a distinção entre o verdadeiro e o falso, em detrimento de conhecimentos visíveis como a filosofia e da teologia, de forma a tornar invisíveis conhecimentos “populares, leigos, plebeus, camponeses ou indígenas” que se encontrem “além do universo do verdadeiro e do falso”, quanto o direito moderno “determinado por aquilo que conta como legal ou ilegal de acordo com o direito oficial do Estado ou com o direito internacional”, portanto que se reduz à dicotomia/distinção universal legal-ilegal. Segundo o autor, este

deixa de fora todo um território social onde ela seria impensável como princípio organizador, isto é, o território sem lei, fora da lei, o território do a-legal, ou mesmo do legal e ilegal de acordo com direitos não oficialmente reconhecidos. Assim, a linha abissal invisível que separa o domínio do direito do domínio do não-direito fundamenta a dicotomia visível entre o legal e o ilegal que deste lado da linha organiza o domínio do direito (SANTOS, 2007:

6).

Esse pensamento caracterizado por Santos (2007) como abissal permeia as argumentações dos representantes e assessores técnicos, por exemplo, da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), entidade sindical de representação do patronato rural.

Nesse sentido, reforça o paradigma da ciência moderna, adjetivando de ideológicos em sentido pejorativo os discursos divergentes.

Esse ideário da modernidade que oculta o subalternizado é apropriado pelas classes

dominantes dos países situados do lado colonial da linha abissal. Bruno (1997: 16-17) percebe a

emergência, no início dos anos 1990, da ideologia do “moderno” no discurso do patronato rural

brasileiro, construída a partir da década de 1980, como uma espécie de “modernização da

retórica” referenciada na consolidação da modernização agrícola no campo brasileiro.

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13 Em síntese, os debates historiográficos e sociológicos que percebem o direito como campo de disputas (THOMPSON, 1989; BOURDIEU, 1996, 2004) nos mostram como esse campo está engendrado por relações de dominação e de que forma influencia as conformações dos conflitos sociais. Por outro lado, leituras de Poulantzas (1985) e de Gramsci sobre o Estado e o Direito nos ajudam a pensar de forma relacional as disputas sociais que se traduzem em linguagem jurídica, bem como as possibilidades e os limites dos usos do Direito em perspectiva contra-hegemônica, a partir da análise do modo como a classe dominante constrói sua hegemonia.

2. O DIREITO E A CLASSE DOMINANTE NO CAMPO BRASILEIRO E A DISPUTA PELA HEGEMONIA

Não há muitas pesquisas sociológicas sobre as classes dominantes e suas organizações representativas no campo brasileiro

5

. Mendonça (1997, 2005, 2006, 2010) enfatizou especialmente o histórico de algumas organizações patronais no Brasil, como as distinções e disputas entre a Sociedade Rural Brasileira (SRB) e a Sociedade Nacional da Agricultura (SNA) durante a Nova República, a conquista de hegemonia, a partir dos anos 1990, pela Organização de Cooperativas do Brasil (OCB), ao conduzir a criação da Associação Brasileira de Agrobusiness (Abag), em 1993, como articulação de interesses e entidades do âmbito financeiro, industrial, comercial e agrário.

Bruno (1996, 1997, 2002, 2008, 2009) estudou a representação de interesses e a retórica do patronato rural em geral, compreendendo associações sindicais e não sindicais, com objetivos de defesa da propriedade privada ou de representação por produtos, em especial a partir de meados dos anos 1980 até o período recente da história brasileira.

Leal (2002) tratou da questão agrária para a CNA no período de 1995 a 2001, e Ramos (2011) abarcou o período da ditadura militar no Brasil até o início da redemocratização, em 1985.

5 Entre as razões possíveis para a ausência de estudos das ciências sociais sobre a alta-burguesia, Pinçon e Pinçon-Charlote (2007) destacam a ignorância do sociólogo, proveniente de camadas médias, em relação à classe dominante. Outra, relacionada com a primeira, é a dominação desta classe de capitais simbólicos sobre o sociólogo, acostumado a uma relação desequilibrada a seu favor, quando estuda prioritariamente as classes dominadas. Bruno et al. (2008: 50), em pesquisa sobre a representação de interesses do patronato rural, perceberam a constituição de uma “relação de poder às avessas”, exemplificada por falas sobre eles serem

“oriundos da cidade” e, por isso desconhecerem a realidade rural, além de inverterem as questões e/ou questionarem a correção das perguntas realizadas pela equipe.

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14 Sevá (2008) destacou o embate do patronato rural em relação à legislação ambiental incidente sobre a propriedade privada, enquanto Carneiro (2008) direcionou seus estudos para compreender as formas de ação coletiva do patronato rural.

As análises sobre as organizações representativas da classe dominante no campo, em geral, explicitam o discurso de seus dirigentes, as ideologias, as estratégias, as práticas e as propostas políticas extraídas de documentos, bem como as disputas de representação entre as entidades de classe, sem perder de vista o contexto socioeconômico e político. Em comum, destacam a defesa do direito absoluto de propriedade e do uso da violência como recurso legítimo contra movimentos populares na garantia da propriedade (BRUNO, 1997; 2002;

2009). Há também abordagens sobre a disputa na elaboração de leis, em especial na Assembleia Nacional Constituinte que aprovou a Constituição brasileira de 1988 (MENDONÇA, 2006;

BRUNO, 1998 etc), embora, em geral, o uso do Poder Judiciário não seja objeto de análise.

Podemos, portanto, analisar com distintos enfoques as disputas sobre a formação das legislações, como o Estatuto da Terra, a Constituição de 1988, o Código Florestal, entre outras, ao perceber a articulação das diversas organizações representativas das classes dominantes ou dos grupos subalternizadas, as disputas internas e consensos construídos, ressaltando a união das classes dominantes quando se tratou da defesa do direito absoluto de propriedade da terra.

Há, portanto, a possibilidade de estudar disputas sociais sob a ótica das relações de poder em suas manifestações e desdobramentos no campo jurídico. A especificidade desse campo jurídico, analisada sociologicamente, está associada com uma caracterização do Estado moderno (ou Estado-nação) construído historicamente e também fruto dessas disputas.

O Estado moderno ocidental é, normalmente, caracterizado a partir de noções de lei

“universal” ou “impessoal” e da hipótese de existência de um direito “racional” que são constitutivas do discurso legitimador do próprio Estado como soberano.

A separação entre as esferas, conforme verifica Bourdieu (1996: 108-109), é

característica da constituição histórica do Estado, como resultado da concentração e

diferenciação de capitais interdependentes (econômico, de força física, cultural, simbólico etc),

dentre os quais o “capital jurídico” que acompanha a “constituição de um campo jurídico

autônomo”, ou seja, com regras e capitais simbólicos próprios e com certa autonomia em

relação a outros campos, tal qual o político (que admite a presença das disputas ideológicas). O

discurso jurídico constituiu-se como discurso justificador de Estado que progressivamente se

transforma de uma ficção de juristas para uma ordem autônoma. Bourdieu (2004) aponta ainda

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15 a formalização e a ideologia de neutralidade e autonomia como especificidade do campo jurídico.

Na tradição teórica marxista, também foi explicitada a ideologia dominante “do Estado neutro, representante da vontade e dos interesses gerais, árbitro entre as classes em luta”

(POULANTZAS, 1985: 175-176). Essa ideologia legitima o poder da classe dominante e, dessa forma, contribui para a hegemonia desta classe. Mas, de acordo com Thompson (1987: 354), a lei, para cumprir essa função ideológica, precisa conservar a aparência de independência frente a manipulações flagrantes e de justiça e, para isso, deve “preservar sua lógica e critérios próprios de igualdade; na verdade, às vezes sendo realmente justa”.

Nesse sentido, as ideias “senso comum” da imparcialidade (ou neutralidade) e de justiça da lei - ou, para Bourdieu (2004), de atuação interessada apenas no bem público - são imprescindíveis para a hegemonia da classe dominante. Entretanto, na visão de Thompson (1987) há brechas, exatamente em função disso, para conquistas das classes subalternizadas.

A ideologia da lei como expressão de uma imparcialidade ou neutralidade axiológica, em diversas situações, é reforçada nos discursos da representação patronal e a própria disputa política pode incidir sobre os significados da autonomia e da neutralidade. Entretanto, as limitações legais ao uso de terras na lógica da expansão capitalista do setor agropecuário são constantemente postas em questão pelas classes dominantes do campo e suas representações.

Santos (1988: 87), ao questionar leituras que não aportam as distintas formas assumidas pelo discurso jurídico estatal na sociedade capitalista, identificou três modalidades de discurso jurídico, ou melhor, “a tríplice dimensão retórica, burocrática e coercitiva da instância estatal da sociedade capitalista”.

As teorias que enxergam uma “ambigüidade” do Direito, em razão da abstração ao

“atribuir a este uma função política geral” não perceberiam as “funções secundárias” do Direito (SANTOS, 1988: 93).

O discurso retórico, de acordo com o autor, caracteriza-se pela busca da “persuasão

consentida com base na lógica do razoável” e, por isso, pressupõe, ao menos como aspiração, “a

igualdade de oportunidades entre os participantes no discurso, quer ele seja dialógico ou

antitético (como é, por exemplo, o discurso jurídico)”, razões pelas quais tem ou aspira a “um

conteúdo democrático” (SANTOS, 1988: 94). Isto, na medida em que se movimenta tanto

contra a “violência dos princípios e das provas absolutas, de que decorrem soluções necessárias

(a lógica institucional sistêmica a que aspira o aparelho burocrático)”, quanto contra a

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16

“violência física e psíquica do aparelho coercitivo” (SANTOS, 1988: 94). A retórica na sociedade capitalista é vista como “uma nova forma de violência, ao lado da violência burocrática e da violência física - a violência simbólica” (SANTOS, 1988: 96).

As principais diferenças entre as três dimensões do discurso que constituem a instância jurídica são sintetizadas da seguinte forma: “o discurso retórico é basicamente uma fala, um discurso dito, enquanto o discurso institucional-sistêmico é um discurso escrito e o discurso coercitivo, um discurso feito” (SANTOS, 1988: 107-108; grifos no original).

Neder (1995: 12) adota um uso alargado do termo discurso jurídico, que compreende tanto o vinculado à forma de pensamento dos juristas quanto “as formas difusas e dispersas na formação ideológica, que encaminham algum tipo de reflexão com normas de legalidade”. A autora enfatiza o estudo do discurso jurídico na construção da ordem burguesa no Brasil, período compreendido entre o final do século XIX e as primeiras décadas do século XX e entende que o discurso jurídico formulou “projetos para a construção da ‘nação’”, promoveu “a individualização de conflitos através do processo de criminalização”, além da “ideologia burguesa de trabalho, ajudando a abrir caminho para a constituição do mercado de trabalho na sociedade brasileira” (NEDER, 1995: 13). Ela verifica ainda que o discurso “explicitava toda uma tentativa de recurso à técnica e à ciência no sentido de legitimar a regulamentação e a normatização da ordem burguesa em processo de afirmação” (NEDER, 1995: 22).

Consideramos que o uso alargado da noção de discurso jurídico, em termos semelhantes à adotada por Neder (1995), caracteriza os discursos político-jurídicos como aqueles referidos às normas estatais e às políticas públicas

6

e pode ser frutífero para estudar as relações de dominação no campo brasileiro.

As dimensões do discurso jurídico destacadas por Santos (1988) podem contribuir para examinar as distintas dimensões dos discursos político-jurídicos proferidos por diversos grupos e sujeitos sociais, em diferentes espaços, como publicações oficiais, ações judiciais, audiências públicas, manifestações de rua etc. De forma que também devem ser considerados os contextos nos quais são proferidos os discursos.

As teorias críticas da década de 1980 já enfatizavam a dimensão política do direito em oposição à perspectiva dominante do positivismo jurídico formalista nos cursos de direito,

6 Vale destacar que as políticas comportam sempre um momento normativo que determina sua execução e estabelece limites, competências ou atribuições etc. Pode haver normas que, embora determinem uma política, não sejam executadas por motivos diversos, mas não encontramos políticas que não tenham sido objeto de algum nível de regulamentação no Estado brasileiro, ao menos no período mais recente (pós-1988).

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17 pautados em uma visão dogmática e restrita do direito como sinônimo de lei, o que contribui para a manutenção do status quo na disputa política-ideológica (LYRA FILHO, 1993). Roberto Lyra Filho

7

, nesse sentido, ressaltava a necessidade de debate crítico no ensino jurídico, adotando-se uma perspectiva dialética, que permitisse o questionamento do direito e da ciência jurídica (LYRA FILHO, 1993, p. 25).

A negação da dimensão política do Direito, conforme o autor, “é um disfarce que adota a opção política de natureza conservadora – isto é, não quer que o estudante ou professor ‘façam política’, porque esperam que eles se acomodem docilmente à política oficial, que já traçou a função e a maneira de exercê-la”, impedindo a contestação social (LYRA FILHO, 1993, p 26).

De forma similar, José Eduardo Faria, critica a cultura hegemônica nos cursos de direito, que inclui o desprezo pelas indagações sociais, políticas e econômicas vistas como metajurídicas, na medida em que se limita a transmitir das premissas básicas do sistema e a informar “de maneira estereotipada e padronizada a linguagem necessária ao aprendizado da dogmática”

(FARIA, 1993, p. 20).

Essas teorias críticas do Direito se contrapõem a leituras conservadoras e dogmáticas sobre a Ciência do Direito, que negam aos setores subalternizados a possibilidade de construção do direito na luta ou na rua, a partir das necessidades sentidas e bloqueadas por um Estado ditatorial.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No presente artigo, pretendi demonstrar as potencialidades de analisar as disputas sociais sob a ótica das relações de dominação no campo e de perceber o direito como objeto dessas disputas, nas quais a classe dominante tem papel ativo.

7 Em 1982 na Unb, inicia-se a publicação da Revista Direito e Avesso, fundada a partir de um movimento de juristas-intelectuais de esquerda que se auto-intitulam “Nova Escola Jurídica Brasileira.” Entre estes juristas, destaca-se o professor Roberto Lyra Filho, citado por José Geraldo de Souza Júnior como principal expoente desse movimento. Já em 1987, o Núcleo de Estudos para a Paz e Direitos Humanos – NEP, criado em 1986, e o Centro de Educação Aberta, Continuada e à Distância – CEAD, lançam uma publicação, inicialmente denominada Introdução Crítica ao Direito e posteriormente transformado em série “O Direito Achado na Rua”, que se propõe a ser um curso de extensão à distância numa perspectiva de divulgação da crítica à concepção dogmática do Direito.

Nesse sentido, os juristas envolvidos visam resituar o Direito enquanto processo histórico, “não como ordem estagnada, mas como a positivação, em luta, dos princípios libertadores, na totalidade social em movimento”.

Esses juristas têm como principal preocupação a análise crítica do direito estatal, privilegiando a transformação social em detrimento das instituições jurídicas, tratando a experiência jurídica sob o ângulo assumidamente político, buscando com isso subsidiar a atividade prática de juristas comprometidos com a transformação do sistema jurídico.

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18 Analisei, por exemplo, o discurso jurídico-político da CNA em sua publicação periódica oficial, a Revista “Gleba”, no âmbito da pesquisa para a produção de minha tese de doutorado.

E percebi como a racionalidade moderna ocidental e colonial foi acionada pelas classes dominantes, desde o início dos anos 1960, para, por um lado, reivindicar do Estado assistência aos proprietários de terra para se tornarem eficientes na lógica econômica capitalista e, por outro, para atribuir ao trabalhador rural uma espécie de incapacidade natural para a produção da terra.

Esse pensamento moderno-colonial inferioriza a um grau tão elevado determinadas formas de pensar, conhecer e saber (e, portanto, também de produzir) que não as considera nem como outra forma de saber ou produção, mas como ausência. O trabalhador, nessa retórica abissal patronal, não é inferiorizado como menos capaz, mas é tratado como o incapaz (SANTOS, 2007). Diante dessa incapacidade, não se torna razoável permitir que tenha qualquer acesso à terra.

Entretanto, para se opor aos beneficiários da política de assentamentos rurais considerados não vocacionados, a CNA, no contexto do financiamento público de aquisição de terras (chamada reforma agrária de mercado estimulada pelo Banco Mundial), reconhece a existência de trabalhadores com “vocação para trabalhar na terra” (www.cna.org.br apud MEDEIROS, 2002: 83). A única reforma agrária possível seria realizada por mecanismos de mercado (crédito), buscando-se eliminar todos os outros instrumentos (índices de produtividade e desapropriações), pois o objetivo da reforma agrária se reverte, na fala patronal, no crescimento da produção agropecuária, o que já fora atingido pela competição, que exclui e desapropria naturalmente os “menos eficientes” (GLEBA, set. 1998: 5 apud LEAL, 2002).

A “outra” reforma agrária, rejeitada pela CNA, é caracterizada de “política, ideológica, instrumento da filosofia socialista” (GLEBA, jul-ago. 2003: 12). Como a democracia, para a CNA, significa manutenção da “ordem” (capitalista-patriarcal-colonial), os grupos que pretendem subverter essa ordem não podem ser tolerados pelo Estado (GLEBA, jul-ago. 2003:

12). De forma correlata, o sentido de “justiça”, para a CNA, está na manutenção das ações

estatais no “estrito limite das leis e da neutralidade” que não permite outra ação que não seja a

espera paciente dos camponeses pela reforma agrária. A CNA rearticula noções de um Estado

cujo papel é se reduzir a garantir a segurança dos detentores da propriedade privada (o próprio

direito de propriedade de alguns) contra aqueles que buscavam sua distribuição social.

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19 De forma semelhante à argumentação de outrora que caracterizava os trabalhadores rurais como incapazes e ignorantes, conduzidos por interesses comunistas escusos, a partir da década de 1990 e, especialmente, dos anos 2000, os indígenas e quilombolas são colocados nesse lugar da ausência de capacidade para protagonizar sua própria luta. A CNA combate àqueles que conferem a legitimidade científica à luta política dos indígenas, através de laudos:

os antropólogos. Estes passam a ser responsabilizados, ao lado das organizações não governamentais, pela reivindicação e invenção de identidade indígena. A desqualificação da CNA dos antropólogos e das ONGs de apoio às lutas indígenas pode se relacionar ao apoio científico do reconhecimento da legitimidade da reivindicação, discurso cabível no lado da racionalidade moderna-ocidental, num caso, e à visibilidade promovida, no outro.

A modernidade é uma matriz de pensamento fundante e fundadora do contratualismo das vontades livres e pressupostas como iguais em um mercado garantido pelo Estado capitalista. Em uma sociedade de raízes coloniais e escravocratas, como a brasileira, ela apresenta a sua face colonial na ausência de quaisquer limites à concentração territorial privada sob domínio de grandes corporações; no avanço do modelo agroexportador monocultor sobre terras indígenas, quilombolas e áreas de preservação ambiental; bem como na existência do trabalho escravo contemporâneo (também nomeado de servidão por dívida).

Apesar da defesa da neutralidade da lei, esta é tratada como “irracional” e/ou

“inconstitucional” nos momentos que representam restrições a essa forma de apropriação da terra e do trabalho. Nesse sentido, por exemplo, normas do Código Florestal de 1965 sobre a necessidade de preservação de Áreas de Preservação Permanente e de Reserva Legal, foram refutadas pela CNA tanto via ação judicial (ações diretas de inconstitucionalidade), quanto por meio da ação parlamentar, o que culminou com a alteração do Código Florestal em 2012.

Na análise da argumentação patronal nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade

percebemos como a própria interpretação constitucional é objeto de disputas sociais que tem

reflexos diretos na conformação dessas disputas. Por exemplo, o artigo 225 da Constituição

brasileira, que impôs o dever de preservação do meio ambiente ao poder público e à

coletividade, foi reinterpretado pelos advogados da CNA de forma a se atribuir a

responsabilidade (exclusiva) do poder público pela preservação ambiental e, portanto, a

necessidade de incentivos ou compensações financeiras serem oferecidas para os proprietários

que contribuíssem na defesa e proteção do meio ambiente. No discurso político-jurídico da

CNA a compensação financeira foi defendida como uma alternativa “moderna” de política

(20)

20 ambiental e, dessa forma, substituía a ideia de dever ou obrigação social para a de favor à sociedade que deve ser compensado.

Quando a própria Constituição de 1988 se apresenta como obstáculo aos interesses patronais, como na garantia aos indígenas do direito originário às suas terras, impedindo o pagamento de indenização aos seus usurpadores, a mobilização da CNA incluiu a defesa de mudanças de ordem constitucional, para submeter a aprovação da demarcação de terras indígenas ao parlamento brasileiro (PEC 215/2000).

Com os exemplos acima, extraídos de uma leitura da atuação da CNA, busquei contribuir para análises sobre o direito como construção social conflitiva, que inclui as disputas na formação e alteração de legislações (incluindo as normas constitucionais), bem como na interpretação e aplicação do conjunto de normas estatais pelo Poder Judiciário. Enfatizei a possibilidade de compreendermos as relações de dominação no contexto dessas disputas por hegemonia a partir da análise da organização e argumentação das classes dominantes, que adotam diversas táticas para garantir a dominação sobre seus adversários, entre as quais ocultá-los ou desqualificá-los como representantes do atraso, da incompetência e da irracionalidade, nos termos do paradigma científico da modernidade ocidental.

Portanto, na pesquisa empírica sobre os usos do Direito pelas classes dominantes percebemos possibilidades analíticas e críticas das teorias críticas do Direito (LYRA FILHO, 1993; FARIA, 1993 entre outros) e das perspectivas sobre a descolonização do saber (ESCOBAR, 2005; GROSFOGUEL, 2008; MIGNOLO, 2005; SANTOS, 2007).

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(23)

23

O MUNDO DO TRABALHO HOJE NO BRASIL: BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A NOVA OFENSIVA NEOLIBERAL

CASTRO, Carla Appollinario de

Professora Adjunta do Departamento de Direito da Universidade Federal

Fluminense de Volta Redonda (UFF/PUVR/VDI) e do Programa de Pós-graduação em Sociologia e Direito da UFF (PPGSD) e-mail: carlaappollinario@ig.com.br

RESUMO

O presente artigo tem por objetivo debater a emergência de uma possível nova ofensiva neoliberal no contexto brasileiro na última década, a partir do ajuste e do desmonte de direitos sociais (em especial, os trabalhistas e previdenciários) e seus impactos sobre o mundo do trabalho. Para tanto, ele foi estruturado em três partes. A primeira apresenta uma sistematização das principais medidas políticas e econômicas impostas nos últimos anos, por meio de alterações no arcabouço jurídico-legal de proteção social, a fim de caracterizar o que identificamos como nova ofensiva neoliberal em curso em nosso país. Na segunda parte, problematizaremos todas essas transformações em termos de novos desafios que são impostos à classe trabalhadora. Por fim, na terceira e última parte, será realizado o cotejamento entre as mudanças decorrentes da nova ofensiva neoliberal e o possível acirramento das diversas formas de manifestação da questão social brasileira. Utilizaremos como métodos de pesquisa a revisão de literatura, assim como o levantamento de dados, da legislação pertinente aos direitos sociais e notícias sobre as atuais reformas econômicas divulgadas na mídia impressa e eletrônica. Esperamos, dessa forma, contribuir para o debate acadêmico acerca do mundo do trabalho brasileiro na última década, bem como sobre o contexto político e econômico no qual ele está inserido, procurando revelar o quanto as últimas medidas impostas pelo atual estágio do capitalismo, na realidade, se configuram como uma nova ofensiva neoliberal contra os direitos historicamente conquistados pela classe trabalhadora.

Palavras-chave: Mundo do trabalho brasileiro. Nova. Ofensiva neoliberal

ABSTRACT

This article aims to discuss the emergence of a possible new neoliberal offensive in the Brazilian context in the last decade, from the setting and social rights disassemble (in particular the labor and social security) and its impact on the world of work. To this end, it was structured in three parts. The first presents a systematization of the main political and economic measures imposed in recent years, through changes in the legal and judicial framework of social protection in order to characterize what we identify as new neoliberal offensive under way in our country. In the second part, we question all these changes in terms of new challenges that are imposed on the working class. Finally, the third and final part will be held the comparison between the changes resulting from the new neoliberal offensive and the possible worsening of the various manifestations of Brazilian social issue. We will use as research methods literature review, as well as data collection, the relevant legislation to social rights and news on current economic reforms disclosed in print and electronic media. We hope thus to contribute to the academic debate about the world of Brazil in the last decade, as well as the political and economic context in which it is inserted, trying to reveal how much the latest measures imposed by the present stage of capitalism, in reality if configured as a new neo-liberal offensive against the rights historically achieved by the working class.

Key-words: World Brazilian labor. New. Neoliberal offensive.

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24 INTRODUÇÃO

Inicialmente, esclarecemos que nossa ênfase no neoliberalismo se deve ao fato dele impor um grau de precarização nas condições e relações de trabalho que não pode ser negligenciado pela teoria social e jurídica, sobretudo se levarmos em conta os avanços tecnológicos e informacionais alcançados. Assim, apesar de vivermos em uma época de profundo progresso, em termos de tecnologia e de informação, o uso da máquina e da informação ainda não nos liberou do trabalho, como identificou Herbert Marcuse (1978).

A suposta contradição que emerge da relação existente entre aumento da produção e aumento da exploração da classe trabalhadora já havia sido apontada por Herbert Marcuse em 1979, ao sustentar em uma entrevista (MARCUSE, 1999), que o progresso técnico – em vez de libertar os seres humanos – só intensificou o processo de submissão ao trabalho daqueles que têm uma ocupação remunerada, pois

Em primeiro lugar, o progresso técnico serve em grande parte para continuar e intensificar a submissão do homem ao trabalho. Segundo, a elevação do nível de vida foi alcançada com a ampliação e a intensificação do trabalho alienado. Deve-se e precisa-se comprar as infindáveis quantidades de mercadorias que são oferecidas. Mas para poder fazer isso é preciso trabalhar sempre mais do que antes. Temos então, por um lado, a imagem de uma riqueza inesgotável que poderia tornar realmente impossível o trabalho alienado ou, em todo caso, reduzi-lo muito, mas, por outro lado, a pressão para continuar e aumentar o trabalho alienado. Terceiro, podemos ainda acrescentar, esta sociedade na sua estrutura é talvez em grande medida um sistema de dominação, como foram formas sociais passadas. Pois a dominação é, num grau inaudito, também interiorizada, de tal modo que muitos homens sentem como suas necessidades e como seus próprios fins aquilo que de fora é impregnado neles pelo aparato de dominação.

(MARCUSE, 1999, 15-16)

Na realidade, Marcuse procura analisar o processo de intensificação da exploração a partir de sua forte imbricação com a formação de uma sociedade voltada para o consumo, isto é, para a absorção de uma gama cada vez maior de falsas necessidades criadas a partir dos produtos e mercadorias proporcionados pelas novas tecnologias. Esta análise, além de fornecer os aportes necessários para a compreensão do fenômeno da maior exploração, apesar do progresso tecnológico, também nos conduz à necessária reflexão sobre o conceito de alienação.

Isto porque:

Defrontamos novamente com um dos aspectos mais perturbadores da

civilização industrial desenvolvida: o caráter racional de sua irracionalidade.

(25)

25 Sua produtividade e eficiência, sua capacidade para aumentar e disseminar comodidades, para transformar o resíduo em necessidade e a destruição em construção, o grau com que essa civilização transforma o mundo objetivo numa extensão da mente e do corpo humanos tornam questionável a própria noção de alienação. As criaturas se reconhecem em suas mercadorias;

encontram sua alma em seu automóvel, hi-fi, casa em patamares, utensílios de cozinha. O próprio mecanismo que ata o indivíduo à sua sociedade mudou, e o controle social está ancorado nas novas necessidades que ela produziu. (MARCUSE, 1978, 29-30)

Disso resulta também a importância de perceber o quanto as próprias formas utilizadas para o controle social, são

(...) tecnológicas num novo sentido. Na verdade, a estrutura e eficiência técnicas do aparato produtivo e destrutivo foram um meio importante de sujeitar a população à divisão social do trabalho estabelecida, durante todo o período moderno. Mais ainda, tal integração sempre foi acompanhada de formas de compulsão mais óbvias: perda dos meios de sustento, a distribuição da justiça, a polícia, as forças armadas. Mas, no período contemporâneo, os controles tecnológicos parece serem

(sic)

a própria personificação da Razão para o bem de todos os grupos e interesses sociais – a tal ponto que toda contradição parece irracional e toda ação contrária parece impossível. (MARCUSE, 1978, 30)

Nesse contexto, que alia o aumento do desemprego estrutural

1

e da intensificação do trabalho com precarização das condições e relações de trabalho também dos trabalhadores formais, além dos informais, como demonstraremos a seguir, vem sendo imposta uma série de medidas, de cunho político e econômico, que representam um novo ataque aos direitos sociais (em especial, os trabalhistas e previdenciários). Daí, a importância de se retornar ao debate entorno das ideias neoliberais e o que ela representam, na prática.

Dessa forma, apesar de alguns autores não distinguirem o neoliberalismo das demais fases anteriores do capitalismo, afirmando que todos os estágios foram de uma economia pautada pela acumulação (“o valor que se transforma em mais valor”), como é o caso dos adeptos da Teoria do Valor, Robert Kurz (1997 e 1996) e Anselm Jappé (2006), acreditamos que seja interessante pontuar que a forma atual do capitalismo é bem distinta do modelo representado pelo Estado de bem estar social, quando o padrão de acumulação capitalista

1 De acordo com dados divulgados pelo Ministério do Trabalho e Emprego (CAGED), foram fechados 1.381.992 postos de trabalho formal nos últimos 12 meses, até outubro deste ano. Este foi o pior resultado para outubro desde o início da série histórica, em 1992, isto é, em vinte e três anos. Além disso, o fechamento de postos de trabalho tem se revelado uma constante nos últimos 7 meses. Disponível em: http://www.ipeadata.gov.br/ Acesso em:

20/11/2015.

(26)

26 pretendia se impor e se manter, sendo exigidas diversas concessões materiais. O neoliberalismo, ao contrário, se caracteriza por ser uma época de retirada de direitos tidos como universais sem que, para tanto, sejam realizadas quaisquer concessões materiais.

Vivemos uma época sem concessões, pois, na atualidade, o capitalismo, em seu estágio neoliberal, apresenta quatro pilares bem demarcados, que o distinguem de forma significativa de todos os seus ciclos anteriores, sendo eles:

i) abertura comercial (redução das tarifas alfandegárias aliada à eliminação

das barreiras legais às importações);

ii) privatização da produção de mercadorias e de serviços (sobretudo, sob a

forma de mercantilização da educação, da saúde e da previdência social);

iii) desregulamentação e/ou flexibilização do mercado de trabalho;

iv) redução dos gastos sociais do Estado (BOITO JÚNIOR: 2002, 61-62).

Dos quatro pilares, dois merecem especial atenção e guardam relação com o principal tema do presente artigo, que são: a flexibilização do mercado de trabalho e a redução dos gastos sociais do Estado.

Assistimos, a partir do início dos anos 1990, uma verdadeira ofensiva aos direitos sociais (sobretudo, os trabalhistas) garantidos em outro estágio do desenvolvimento capitalista no Brasil, por meio da flexibilização do tempo de trabalho (jornada de trabalho), da remuneração, das espécies de contratação, da alocação do trabalho e, por fim, das formas de resolução dos conflitos, inclusive, com amplo incentivo à solução direta, como por exemplo, da conciliação e da mediação, como revelaram CASTRO (2010), KREIN (2003) e NORONHA e ARTUR (2005).

Isso nos permite afirmar que mesmo os empregos criados no contexto neoliberal (e seus respectivos contratos de trabalho) são acompanhados de um arcabouço jurídico-legal que já contempla as formas institucionalizadas de precarização das relações e condições de trabalho.

Então, a tímida retomada do emprego formal, verificada nos dois mandatos do governo Lula e no primeiro mandato do governo da Dilma, não pode ser comemorada, pois diversas mudanças introduzidas na legislação trabalhista impuseram um novo tipo de contrato que carrega consigo a precariedade na proteção social.

Claramente, no Brasil, experimentamos diversas “ondas” e tentativas de imposição das

medidas neoliberais, em maior ou menor grau. O neoliberalismo chega ao Brasil no início dos

anos 1990, durante o governo do Fernando Collor; é estancado durante o governo de Itamar

Franco (que não teve condições políticas para implantá-lo dada a conturbação provocada pelo

(27)

27 impeachment de seu antecessor); se consolida durante os dois mandatos do FHC e, por fim, foi mantido pelos governos Lula e Dilma, apenas com um viés mais social (CASTRO, 2013). Por isso, foi possível caracterizar o período das duas gestões de Luís Inácio Lula da Silva como

“Lulismo”, ou como social-liberalismo (CASTELO, 2013), com todas as críticas que podem e devem ser dirigidas a ele, seja pela manutenção do padrão excludente de inserção social, seja pela sua incapacidade de promover a emancipação substantiva.

Isso porque mesmo as medidas de cunho mais social, são, na realidade, apenas medidas assistencialistas e focalizadas, bem distintas dos direitos sociais universais de outrora. Pelo contrário, a partir dos anos 1990 até os dias atuais temos assistido apenas o “ajuste” da economia e o “desmonte/desmanche”

2

do próprio Estado e dos direitos sociais, neles compreendidos os do trabalho, eleitos como o inimigo número um da acumulação capitalista.

Então o que se viu foi que as políticas sociais serviram apenas para simular resolver no varejo o que a política macroeconômica produzia no atacado, como bem observou Armando Boito Júnior (palestra, s./d.).

Porém, na atualidade, mais precisamente, a partir da reeleição da Presidenta Dilma, nem mesmo o elemento social, ainda que precário, tem resistido a um recrudescimento da política econômica neoliberal, representada pelo chamado “ajuste fiscal”. O desemprego volta a crescer e os direitos sociais continuam sendo retirados de forma inaudita. Resta-nos apenas o neoliberalismo mesmo, nu e cru, isto é, o capitalismo “sem desconto”, bem distinto daquele praticado na época do Estado de bem-estar social.

É interessante notar que mesmo o social-liberalismo de antes – que já era neoliberalismo –, em nada se assemelhava ao liberalismo clássico, sendo possível estabelecer alguns pontos importantes de divergências existentes entre ambos os modelos, como mostra Marcelo Dias Carcanholo:

natureza histórica - o liberalismo clássico possuía um caráter

progressista, pois se opunha à nobreza e ao Estado estamental, defendendo a igualdade (jurídica) entre os indivíduos. Já o neoliberalismo, aparece como um movimento conservador, na medida em que concentra seus esforços no desmonte do Estado de Bem-Estar Social;

2 O termo “desmanche”, inicialmente utilizado por Roberto Schwarz, passou a ser amplamente associado às mudanças provocadas pelo neoliberalismo no contexto brasileiro. Para um aprofundamento sobre a crítica ao

“desmanche” da sociabilidade verificada no período 1964-1990, fortemente pautada pelas ilusões nacionais de desenvolvimento e superação da dependência econômica e financeira, ver: SCHWARZ, 1999.

Referências

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