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Coronelismo "sem" enxada e "sem" voto: aspectos políticos e sociais do coronelismo no planalto catarinense

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C o r o n e l i s m o " s e m " e n x a d a e " s e m " v o t o : a s p e c t o s p o l í t i c o s e s o c i a i s d o c o r o n e l i s m o

n o p l a n a l t o c a t a r i n e n s e .

xwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

Paulo Pinheiro Machado

Universidade Federal de Santa Catarina

IU~ UMO

I'\leartigo procura estudar as especificidades do Coronelismo, entendido não apenas como

11111 "sistema político", mas como um processo de dominação de classe, meio eficaz para a

11 -gernonia do Coronel sobre suas clientelas sociais e políticas. O Coronelismo não se

vonstruiu como um modelo único, fixo e uniforme, possui suas histórias que, na origem,

pouco dependiam da força eleitoral do Coronel. Procuramos ainda avaliar suas formas de

existência e relações predominantes na fronteira agropastoril do planalto catarinense no

mfcio do século XX.

PALAVRAS-CHAVE

Coronelismo - História de Santa Catarina - Camponeses.

ABSTRACf

The objective of this article is to discuss the characteristics of Coronelismo, defined not

only as a "polirical system" buc a1so as a process of class domination, an efficient way of the

oronel's power over social and political clientele. The Coronelismo did not evolve as fixed and uniform model. As a matter of fact, in the beginning, Coronelismo had its own histories which had lirtle to do with the coronel's elecroral power. Different varieties of Coronelismo

as well as predominant relationships in the farmland of Santa Catarina Plateau, in the

beginning of the 20,h Century are a1so analyzed.

KEYWORDS

Coronelismo, Santa Catarina hisrory, peasants.

o

Coronelismo é caracterizado pelos historiadores e demais cientistas sociais como fenômeno político essencialmente ligado ao período da Primeira

T r a j e t o s . Revista de História UFC. Fortaleza, vol. 2, n? 4, 2003.

(2)

República (1889-1930).1 Mas podemos considerar que esta prática política - que expressou o poder local dos grandes fazendeiros - foi vigente em muitas regiões do país, tanto antes da República, como muito após a chamada Revolu.ção de 1930. Derivada do termo "Coronel", a mais alta patente conce~l~a. pela G~arda Nacio.nal, o Coronelismo, ou poder local dos grandes propn~tarlOs rurais e comerciantes, encontrou no primeiro sistema político republtcano amplas condições de autonomia adequadas ao exercício de mando local e regional, inclusive como base para as situações (e oposições) políticas estaduais.

Durante a Primeira República:

:- Con~riruiçãO brasileira de 1891 impôs a forma federariva de governo e a irnportancra dos Esrados para a recém-inaugurada ordem polírica. A imagem

do Esrado, a sua importância, o seu conrrole polírico, foram os principais

remas dos congressisras e jurisras responsáveis pela elaboração da Carra

Consrirucional. Esra assegurava a cada Esrado o direiro de conrrair

emprésrimos no exrerior, decrerar imposros de exportação, reger-se por suas

próprias consriruições, rer corpos milirares próprios, bem como códigos

e1eirorais e judiciários. 2

, . Quase tod~s os autores concor~am em afirmar que a base do poder político dos Coronéis era a grande propnedade fundiãria, geralmente habitada por muitos peões e agregados, homens de confiança que, junto a fazendeiros, posseiros e lavradores vizinhos, colocavam a lealdade a serviço do chefe político local. o entanto, como o poder local já era exercido por grandes proprietários, no período colonial e no Império, a novidade sob capa republicana sedimentava determinadas relações, ao mesmo tempo em que consolidava-se a estrutura do Estado Nacional, segundo Victor Nunes Leal:

o

'Coronelismo' é sobrerudo um compromisso, urna rroca de proveiros

entre o poder público progressivamenre fortalecido, e a decadenre influência so~ial dos chefes locais, noradamenre dos senhores de rerras. Não é possível,

pOIS,compreender o fenômeno sem a referênciaànossa esrrurura agrária, que

fornece a base de susrenração das manifesrações de poder privado ainda rão

visíveis no inrerior do Brasil.3

. O Coronel dispunha, desta forma, de grande capacidade de decidir eleições municipais e de influenciar fortemente em eleições estaduais e nacionais. Além disso, os Coronéis investiam-se, na prática, de verdadeiros

p~,der~s arbit~~is sobre

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s u a g e n t ~ : resolviam rixas, proferiam "julgamentos" e arbitragens, geralmente respeitados pelos contendores; exerciam funções

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policiais, legalmente ou não, e para isso contavam com gra~de núme:o. de agregados e capangas." Faziam parte desta estrutura as alIan.ças políticas regionais e estaduais que os Coronéis firmavam para reproduzir seu poder,

cm busca de determinados "favores" como: influência na nomeação de

funcionários estaduais (principalmente os mais "estratégicos" como Delegados

de Polícia, Juizes, Promotores, Coletores de Impostos) e federais (Coletores de Impostos, Agentes de Correios, etc.) em sua região, busca de verbas públicas para obras em sua área de influência e veto à ascensão política de adversários e desafetos locais, em outros setores da vida do Estado.' Os oronéis tinham que zelar pelo encaminhamento e solução das demandas provenientes de sua clientela política, que incluía alguns setores urbanos,

. 6

como pequenos cornercianres,

Os principais meios de articulação política dos Coronéis foram os partidos republicanos, organizados em cada Estado. O parti~o passou a ser importante espaço de disputa política e canal de encaminhamento de

demandas regionais, ao contrário do período monárquico, em que as

demandas nacionais estavam acima das questões regionais. O processo político-partidário no Império vinha de cima para baix~, ~om os gabinetes de situação, indicados pelo Imperador, formando marorra parlamentar a partir do controle das Presidências de Província e as respectivas chefaturas de polícias. No período monárquico, as situações políticas quase nunca perderam eleições'? A principal brecha para autonomia de ação local dos grandes potentados rurais, no Império, estava na composição das Câmaras Municipais e nos Juizados de Paz, eleitos localmente.

Todos os autores reafirmam como decisivas as iniciativas dos Coronéis nos períodos eleitorais. Entretanto é importante registrar que a mudança de regime político da Monarquia para a República não correspond~u ao aumento muito significativo do número de eleitores das regiões rurais. Em Curitibanos, por exemplo, localidade do planalto médio catarinense, na eleição para Deputado Geral, em 1886, havia 93 .eleitores i~scrito~ (vo~ar~ 58). Na eleição para Juiz de Paz, em 1892, havia 115 eleitores mscntos. Considerando que há um rápido crescimento da população do município nesse período, podemos considerar que o percentual de cidadãos votant~s em Curitibanos se manteve praticamente inalterado na virada da Monarquia à República. O fim dos critérios censitários de renda e su~ sub~tituição pela exigência da alfabetização dos eleitores (já presente na lei Saraiva de 1881) manteve o universo eleitoral restrito, urbano e minoritário no conjunto da sociedade. Fica aqui, portanto, a indagação: se a fonte principal de poder do Coronel é o meio rural, onde é evidente sua liderança, como é possível que

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os meios urbanos tenham se tornado seu principal "curral político", já que eram nas cidades que residiam a maior parte dos eleitores?

Neste aspecto, José Ibarê Dantas defende um entendimento que contraria a maior parte da literatura sobre o Coronelismo e propõe uma abordagem temporalizada para o estudo deste fenômeno político." Afirma Dantas que:

...0voto nem sempre se constituiu na principal fonte de poder do Coronel.

Sob este aspecto, nossa hipótese é a de que na Primeira República o controle

da coerção pelos proprietários rurais apresentava um papel muito mais

significativo, como fonte de prestígio e de poder, do que o controle do voto,

enquanto cal. Diante das transformações político-institucionais que afetam o

Estado, o Coronelismo vai explorando suas fontes de poder, primeiramente

suas milícias particulares, posteriormente seu prestígio socialmente

reconhecido, e, por fim, o controle do eleitorado.!?

o

principal argumento de Danras é de que a grande maioria da massa rural era analfabeta e, portanto, não eleitora. As vitórias eleitorais alcançadas

pelos Coronéis, provinham muito mais como conseqüência do poder de

coerção do que da vontade do eleitorado propriamente dita. Em última instância, e freqüentemente, segundo Dantas, "eleições poderiam ser falsificadas e os resultados geralmente puderam ser impostos, desde que houvesse suporte na força, baseada na capacidade de mobilizar homens em armas"."

Assim, os Coronéis eram considerados e respeitados em relação à força do contingente de milicianos particulares, não apenas pelos seus vizinhos e adversários, mas também pelos próprios grupos oligárquicos estaduais que neles se apoiavam. Esse poder, de diferentes formas, atingia a área urbana dos municípios. Este é o ponto decisivo: a clientela política dos Coronéis não era a mesma clientela de empregados e agregados em que recrutavam suas milícias, pelo menos nas primeiras décadas da República.

O texto de Dantas tem o mérito de considerar, expressamente, o Coronelismo não apenas como "sistema político", tal como é tratado por Victor Nunes Leal, mas como algo muito mais amplo, como o desdobramento político de uma forma de dominação de classe. Éapenas a partir das décadas

de 1930/40 que o eleitorado rural terá um peso mais significativo no conjunto

do eleitorado nacional, dando espaço a um tipo de prática política coronelista semelhante à descrita por unes Leal." Contrariamente ao que coloca este último autor, em Santa Catarina, o Estado serviu de suporte à expansão do poder local dos Coronéis.

Considero esta visão defendida por Dantas adequada ao estudo do

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oronelismo, no planalto catarinense, nas duas décadas iniciais do. ~éc. XX, principalmente para o planalto médio e norte, nas regiões de. Curitibanos e Canoinhas. Muitas lideranças locais firmavam-se como tais sem ocupar quaisquer cargos públicos, mas exerciam poder e influência polí~i~a pela quantidade de homens em armas que poderiam rapidamente mobl.ltzar. O Coronel Fabrício Vieira, por exemplo, atuou no planalto norte cacannense e no vale do Iguaçu, no Sul do Paraná, desde a Revolução Federalista at.é a década de 1930, sem jamais ocupar cargo público. Da mesma manelr~, podemos nomear os líderes de piquetes

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v a q u e a n o s Chico Lino, Leocãdio

Pacheco, Salvador Dente de Ouro, Pedro Ruivo, Nicolau Bley e Lau Fern~des, chefes locais que lideraram centenas e até milhares de capangas no auxílio às tropas oficiais, como lideranças que exerciam um poder de fato, ~m extensas regiões, sem depender de qualquer processo ~e I.egitimidade eleitoral.

Porém, paralelamente à questão preliminar colocada por Dantas, outro aspecto a ser considerado, que é deixado de lad.o por esse aut.or, é a busca da liderança regional conquistada com apoIO de determinados intelectuais. Além da força militar privada, os chefes locais que efetivamente ocuparam os executivos municipais, necessitar~ fi.rmar o poderi~ e1eito.ral sobre determinado município ou região, o que implicou na absorçao política de setores urbanos que, ao final das contas, seri~ responsáveis ~e1a futu~a eleição do Coronel e de pessoas ligadas a seu partido. Os Corone~s, a partir

dos próprios PRs, mantinham muitos jorn~is .em ~equenas ~Idades do

interior, redigidos por bacharéis e profissionais lIberaIS. que ~:avltav.an; "" torno dos Coronéis, quando não eram seus parentes diretos. ~ ~xlst~n~la desta imprensa, eminentemente política, estendia para setor~~ sociais. médios urbanos o discurso político e os interesses dos Coronéis domlnant.es, conseguindo, desta maneira, consolidar sua força regional com maior

legitimidade. . .

Maria Isaura Pereira de Queiroz procura sistematizar uma outra característica social do mundo do coronelismo, que é a liderança pessoal e

Política do Coronel sobre um conjunto socialmente heterogêneo que compõe

. d . d I 14

seu grupo extenso de seguidores, que Maria Isaura enorruna e parente a. Para esta autora, os constantes conflitos entre os chefes das parentelas, em que se envolviam como um todo, impediam que fosse possível um levante

de trabalhadores e agregados contra seus chefes. .

Para Maria Isaura, na sociedade dominada pelo coronelisrno, pelo

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outra, no interior de uma parentela; as disputas entre parentelas rivais serviram justamente para desviar os grupos de lutas desse tipo, de lutas de inferiores contra superiores'l" Discordo desta avaliação no que diz respeito à Guerra Sertaneja do Contestado. Para a citada autora, este conflito foi o resultado do desdobramento da luta entre diferentes parentelas, principalmente das

lideradas pelos Coronéis Albuquerque e Henriquinho de Almeida, em

Curitibanos. O discurso e os atos praticados pelos sertanejos rebeldes, principalmente após a grande ofensiva rebelde, a partir de julho de 1914, e o ataque à fazenda do Coronel Henriquinho, em junho de 1915, nos colocam diante de vários indícios e elementos de que o grupo rebelde procurava, nesta luta, um caminho próprio de emancipação das forças oficiais e dos Coronéis do planalto. Se o conceito de

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p a r e n t e l a pode ser útil, e de fato o é,

para descrever determinadas situações de domínio e subordinação social em algumas partes do sertão brasileiro, não é operante como definição taxativa da impossibilidade de luta de classes no campo e nem auxilia a entender o

que se processou na guerra do Contestado, em que houve não só uma

destruição de muitas parentelas, como também insurgência social das camadas "inferiores" contra as "superiores".

Édifícil caracterizar a relação de subordinação entre os pecuaristas e seus peões e agregados. Denominações do tipo "relação patriarcal" dizem muito pouco sobre esta forma histórica de relação social. 16 Thompson

apropriadamente critica o emprego generalizado desse conceito, que pode

ser aplicado a povos desde a antigüidade até o período contemporâneo, de praticamente todos os continentes. 17

Sem dúvida, essas relações sociais praticadas no planalto eram sentidas como c o s t u m e i r a s e n a t u r a i s pelas pessoas. Como relações de

produção, são experiências socialmente compartilhadas que poderiam possuir tanto aspectos de conformidade, como de rebeldia." O costume tradicional do planalto era balizado religiosamente pelos ensinamentos do Monge João Maria, como se fossem mandamentos para uma boa vida no sertão, baseada em valores como o respeito, a defesa da vida e da honra, a lealdade, a sinceridade e o equilíbrio.

Os ensinamentos do monge João Maria, chamado de São João Maria

pelos sertanejos 19 são mandamentos que previnem contra crimes e

determinam os principais valores, socialmente aceitos pela sociedade sertaneja,

para uma vida com justiça e dignidade.

Para o monge João Maria, caberia aos camaradas zelo, trabalho, respeito e cuidado em relação ao patrão, enquanto este deve cuidar do empregado como um filho. Neste caso, o paternalismo guarda um significado

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~'~~'J'CO

como ponto de partida do exame desta forma de relação, que nunca existiu.

As idéias atribuídas a João Maria significavam uma concepção do que deveria ser considerado como tradicionalmente correto no trato entre as pessoas,

orno uma "economia moral".

Éimportante ressaltar que os mandamentos do monge procuram recuperar um tipo de sociedade que as pessoas, na época, já não identificavam como parte do mundo real, ou seja, os patrões não agiam como pais e os camaradas, em contrapartida, não demonstravam zelo nem responsabilidade

obre seu trabalho, havia ódio e mentira entre os homens, existia uma consciência de que a avareza dominava as relações; justamente por isto os mandamentos

eram difundidos como necessários a uma vida justa."

Desde o fim do trabalho escravo na região, as relações sociais são predominantemente capitalistas. O poder dos fazendeiros sobre seus peões e agregados se baseava na propriedade da terra e no poder de ceder, em situação precária, como um "favor", uma capoeira para o agregado fazer sua pequena roça. Por outro lado, o poder do peão ou agregado sobre o fazendeiro também existia, uma vez que era cada vez mais difícil contar com um camarada leal e trabalhador, principalmente com uma fronteira agrícola em expansão tão próxima, como em Curitibanos e Canoinhas. Nestas regiões, os peões e agregados tinham várias opções. Paralelamente, um conjunto de laços de lealdade e reciprocidade construía-se através de relações de compadrio. Quando as propriedades eram vendidas, o pacto tinha que ser

refeito com o novo proprietário, o que não era incomum.

Um ano após adquirir terras de pastagem e cultivo na região de Rio Bonito, o Coronel Henrique Rupp moveu uma Ação Possessória contra um morador, Ildefonso Rodrigues Padilha, que se dizia dono das mesmas terras. Após interpelação judicial, o posseiro deixou reconhecido em cartório que Rupp era o proprietário das terras e ele ficaria morando e plantando no local

até quando seu proprietário deixasse. O curioso é que o morador não foi expulso, pois para Rupp bastava que sua propriedade fosse reconhecida, apesar da audácia do morador: nada foi feito para tirá-lo dali. A carência de trabalhadores, na região, obrigava o eminente Coronel a contemporizar com o intruso audaz."

Em relação às regiões de ocupação mais antiga, como no município de Lages, a fronteira agro-pastoril de Curitibanos apresentava maior fluidez

nas relações entre fazendeiros e seus empregados e agregados, que foi diminuindo na medida em que, aos poucos, distanciou-se a fronteira. O processo acelerou-se com o fim da Guerra do Contestado: nunca o poder local dos Coronéis foi tão forte como na recepção da população sertaneja

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rendida das "Cidades Santas".

Interessa-nos, neste momento, entender os diferentes processos e aspecros dessas relações e, principalmente,

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e m q u a l s e n t i d o estavam se organizando. Se, na Inglaterra do séc. XVIII, Thompson identifica um

processo paulatino de emancipação da população trabalhadora dos antigos laços patriarcais em relação à G e n t r y , principalmente depois de 1760, em que é identificada uma crescente mobilidade, indisciplina e falta de controle sobre a "vida inteira" dos trabalhadores (ou controle cada vez mais indireto, sem a relação "face a face"), no planalto catarinense, por outro lado,

vislumbramos uma população de tropeiros, sitiantes e posseiros

independentes, na passagem do séc. XIX ao XX, e m p r o c e s s o d e p e r d a d e s u a

a u t o n o m i a e c r e s c e n t e s u b m i s s ã o frente ao poder local dos Coronéis e grandes

fazendeiros.

Evidentemente, a Inglaterra do Séc. XVIII era uma sociedade muito mais hierarquizada, e, em vários aspecros, mais complexa, que a sociedade do planalro serrano catarinense, no período em tela. Há diversos elementos históricos, políticos e culturais que devem demover-rios do intento de estabelecer comparações diretas. Porém, apresento esta comparação por considerá-Ia útil para entender não apenas a natureza das relações de subordinação social, mas principalmente para qual sentido elas caminhavam.

NOTAS

1José Murilo de Carvalho chama a atenção para que não se confundam os conceitos de

Coronelismo (sistema de poder típico da Primeira República), Mandonismo (o poder

local dos potentados rurais, existente desde o período colonial, tendendo a declinar) e

Clienrelismo (que é uma prática política crescenre com o aumenro do poder do Estado).

CARVALHO, J. M. de "Mandonismo, Coronelismo, Clienrelismo: Uma discussão

conceitual", D a d o s - R e v i s t a d e C i ê n c i a s S o c i a i s , vol. 40, nO 2, Rio de Janeiro, 1997.

2SOUZA, Maria do Carmo Campello de . "O Processo Polírico-Parridário na Primeira

República" In MOITA, Carlos Guilherme (org.), B r a s i l e m P e r s p e c t i v a . Iied. São Paulo:

Difel, 1980, p. 162.

3LEAL, Victor Nunes. C o r o n e l i s m o , E n x a d a e v o t o : OM u n i c í p i o e o r e g i m e r e p r e s e n t a t i v o n o B r a s i l . 2 ed. São Paulo: A1fa-Omega, 1975, p. 20. Para Maria de Lourdes Monaco janorri,

"o característico Coronel foi, por muiro tempo, um fazendeiro, possuidor de várias

propriedades, em diversos distritos.

°

Coronel fazendeiro era aquele que mais se aproximava

do histórico senhor de engenho da anriga sociedade patriarcal." O C o r o n e l i s m o : U m a

p o l i t i c a d e c o m p r o m i s s o s . Col. Tudo é História, n? 13. 8 ed. São Paulo: Brasiliense, 1992, p. 42.

4LEAL, Victor Nunes, O p . C i t . , p. 23.

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poder para a nomeação de funcionários públicos será importante para a reprodução

local do poder do Coronel, são nomeações estratégicas, não é ainda uma forma de nomeação

da clientela, como empreguismo. CARVALHO, José Murilo de "Mandonismo,

Coronelismo", O p . C i t o

6MARTINS, José de Souza. O s c a m p o n e s e s e a p o l í t i c a n o B r a s i l . ' A s l u t a s s o c i a i s n o c a m p o e s e u

l u g a r n o p r o c e s s o p o l í t i c o . 3 ed. Perrópolis: Vozes, 1986, p. 47. .

7A situação governante conservadora só perdeu a eleição para a Câmara Geral e Assembl~la

Provincial no Rio Grande do Sul, em 1872. Sobre a política partidária no Império,

CARVALHO, José Murilo de. T e a t r o d e S o m b r a s : A P o l í t i c a I m p e r i a l . Rio de Janeiro: Ed.

UFRJ/Relume Dumará, 1996, p. 359-379.

8Livros de Registros e Atas do Cartório de Curitibanos, Caixa A5, Livros 3Ae 5A Museu do

Judiciário Catarinense, Florianópolis.

?DANTAS, José Ibarê Costa. C o r o n e l i s m o e D o m i n a ç ã o . Aracaju: Ed. UFS, 1986.

10 Idem, p. 14. Éimportante registrar que Danras afirma que o Coronelismo, na Primeira

República, apoiava-se em relações sociais não-capitalistas, com o que não concordo. No

caso do planalto catarinense, apesar da incipiência e quase inexistência de um mercado de

trabalho livre, no final do séc.XIXas relações sociais de produção são predominantemente

capitalistas.

\I Idem, p. 24

12 Importante crítica ao conceiro clássico de "Coronelismo", princi~alme~te as visões de

Victor N. Leal, Maria Isaura, Raymundo Faoro é elaborada por Mana Lucinete Fortunato.

Esta autora, estudando as origens do conceito de "Coronelisrno", identificou no período

pós-1930 um processo de construção de imagem do Coronel com ~racterísti~ ~istóricas

e atemporais, como um traço permanenre do auroritarismo na SOCIedade brasileira, o que

ampliaria à atualidade a permanência deste "personagem". Concordo ~o~ a análise de

Maria Lucinete quando aponra a visão excessivamenre formal dos pnnClpats aurores, que

consideram o poder do Coronel como apenas o poder restriro ao que lhe ~be d~nrro do

aparelho de Estado, de um poder que é apenas personalizado na. figura individual do

Coronel, não havendo o enrendimenro do poder como um conJunro de processos e

relações. Isro fica muiro claro na visão de inrelectuais oficiais, durante o Est~do Novo: ~~e

caracterizam a Primeira República como um regime de Coronéis, e que o reglffie autontano

do Estado Novo seria necessário para aplacar o poder local, para viabilizar a construção da

nacionalidade. Porém, acho que a aurora se equivoca ao considerar que Leal, Queiroz ,

Faoro e vários outros reforçam e legitimam as relações do poder com a construção da

imagem do Coronel e do imaginário do Coronelismo, o mesmo aconrecendo na liter~tura

pós-1930 e na teledramaturgia. Para meu foco mais direro de interesse, o faro do Coronelismo

ser uma "construção irnagérico-discursiva" não elimina sua importância concreta, como

um conjunro de práticas sociais efetivamenre vigenres na sociedade catarinense serrana do

início do séc. XX.FORTUNATO, Maria Lucinere, OC o r o n e l i s m o e a i m a g e m d o C o r o n e l : D e s l m b o l o a s i m u l a c r o d o p o d e r l o c a l .Tese de Dourorado, Depro. de História, Unicamp,

Campinas, 2000. . .

13 Este é o caso principalmenre da imprensa lageana, nos casos dos JornaIs OL a g e a ~ o e

R e g i ã o S e r r a n a , e de O T r a b a l h o , fundado em Curitibanos, em 1909, pelo Cel. Francisco de A1buquerque.

(6)

origem no próprio parentesco simbólico criado pelos laços de compadrio. "...

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o s v í n c u l o s d o c o m p a d r i o u n i a m t a n t o p a d r i n h o s e a fi l h a t Ú l s , q u a n t o o s c o m p a d r e s e n t r e s i , d emodo t ã o e s t r e i t o

q u a n t o o p a r e n t e s c o c a r n a l , " Queiroz, Maria Isaura Pereira de, "O Coronelismo numa

interpretação sociológica"InFAUSTO, Boris (org.)H i s t ó r i a G e r a l d a C i v i l i z a ç ã o B r a s i l e i r a .

Tomo IlI. O Brasil Republicano. Vol. 1°, Estrutura de Poder e Economia (1889-1930). Rio de Janeiro: Bertrand do Brasil. 1989, p. 164 e 165.

15 Idem, p. 170.

16A sociologia brasileira, adorando a conceiruação de Weber, emprega o termo "parrirnonial",

que diz mais respeiro a relação entre a elite e o Estado, do que propriamente entre

proprietários e empregados. MONTEIRO, Duglas T. O s e r r a n t e s d o n o v o s é c u l o : o s u r t o

m i l e n a r t Ú I C o n t e s t a d o . São Paulo: Duas Cidades, 1974, p. 42.

17"Ot e r m o " ( p a t e r n a l i s m o ) " p o u c o n o s d i z s o b r e a n a t u r e z a d o p o d e r e t Ú IE s t a d o , s o b r e a s fo r m a s d e p o s s e e d e p r o p r i e d a d e , s o b r e a i d e o l o g i a e a c u l t u r a e é m e s m o p o r d e m a i s i n e fi c i e n t e p a r a d i s t i n g u i r e n t r e modos d e e x p l o r a ç ã o , e n t r e o t r a b a l h o e s c r a v o e o l i v r e " . . . " é u m a d e s c r i ç ã o d a s r e l a ç õ e s s o c i a i s v i s t a s d e c i m a " THOMPSON, Edward P.C o s t u m e s e m C o m u m . Trad. Rosaura Eichemberg, São Paulo: Cia. Das Letras. 1998, p. 29.

18THOMPSON, E.P.O p .

e u .

pp. 20,2l.

19 Linhares declamou estas décimas, aprendidas de seu pai, para FELIPE, Euclides J. O

Ú l t i m o j a g u n ç o : F o l c l o r e n a H i s t ó r i a t Ú I C o n t e s t a d o . Curitibanos: Univ. do Contestado. 1995, p. 26.

20Para THOMPSON, Op. C i t . ,p. 30-31, o mito do paternalismo e do "calor humano" que

ele traz, sempre recua na história, cada época atribui àgeração anterior os bons tempos.

Raymond W1LLIAMS identifica, na literatura inglesa, uma espécie de "escada rolante", sobre os "bons tempos" da velha Inglaterra rural, onde grande número de autores, de diferentes séculos, identificam estes bons tempos, de justiça e felicidade, sempre atribuídos à sua infância ou à geração anterior. Assim os "bons tempos" recuam até a antigüidade mais longínqua, a uma "Idade de Ouro". Oc a m p o e a c i d a d e n a h i s t ó r i a e n a l i t e r a t u r a . Trad. Paulo H. Britro, São Paulo: Cia das Letras, 1989, p. 21-26 e 56-68.

21 Ação Possessória do Ten. Cel. Henrique Rupp contra Ildefonso Rodrigues Padilha,

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