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O PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA E A POSSIBILIDADE DE EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA NA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL: ANALISE DO HABEAS CORPUS Nº 126.292/SP

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UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO SEMIÁRIDO CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS E HUMANAS

CURSO DE DIREITO

ANNA KAROLINA PAIVA E SILVA

O PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA E A POSSIBILIDADE DE EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA

NA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL: ANALISE DO HABEAS CORPUS Nº 126.292/SP

Mossoró/RN 2017

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ANNA KAROLINA PAIVA E SILVA

O PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA E A POSSIBILIDADE DE EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA

NA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL: ANALISE DO HABEAS CORPUS Nº 126.292/SP

Artigo apresentado ao Centro de Ciências Sociais e Humanas como parte dos requisitos para obtenção do grau de Bacharel em Direito, no curso de Direito da Ufersa Orientador (a): Prof (a). Ms. Oona de Oliveira Cajú.

Mossoró/RN 2017

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ANNA KAROLINA PAIVA E SILVA

O PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA E A POSSIBILIDADE DE EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA

NA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL: ANALISE DO HABEAS CORPUS Nº 126.292/SP

Artigo apresentado ao Centro de Ciências Sociais e Humanas como parte dos requisitos para obtenção do grau de Bacharel em Direito, no curso de Direito da Ufersa

APROVADO EM: ____/____/____

BANCA EXAMINADORA

__________________________________________________

Profª. Ms Oona de Oliveira Cajú (UFERSA)

__________________________________________________

Profª. Ms. Lizziane Sousa Queiroz Franco de Oliveira (UFERSA) Primeiro Membro

__________________________________________________

Prof. Dr. Daniel Alves Pessôa (UFERSA) Segundo Membro

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RESUMO

O presente trabalho de pesquisa tem como objetivo analisar a possibilidade jurídica da execução provisória da pena, após a confirmação da sentença penal condenatória por acórdão proferido por órgão colegiado, ainda que pendente o julgamento de recursos de natureza extraordinária – extraordinária (strictu sensu) e especial. Para tanto, foi realizado, primeiramente, um estudo acerca da definição do referido princípio constitucional, levando em conta as suas bases fundamentais, sob a ótica dos dois modelos definidos pelo jurista italiano Luigi Ferrajoli, o sistema garantista, ou cognistimo, e o antigarantista. Depois, foi feita uma análise sobre a construção histórica da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sobre a abrangência do princípio da presunção de inocência, possuindo como base a argumentação dos ministros nos votos de alguns julgados marcantes sobre o tema.

Posteriormente, foi dissertado acerca da mudança de entendimento da Corte sobre a possibilidade da execução antecipada da pena no julgamento do HC 126.292/SP, analisando, principalmente, os pontos de controvérsia que foram utilizados na argumentação dos ministros. Por fim, em nossa conclusão, apresentamos a síntese do resultado das pesquisas, fazendo uma análise sobre a compreensão do princípio da presunção de inocência adotado por nossa Carta Magna e uma avaliação sobre a (in)compatibilidade da decisão adotada pelo STF no HC 126.292/SP com a Constituição de 1988. A metodologia utilizada foi eminentemente a pesquisa bibliográfica, como obras teóricas acerca do tema, peças processuais e informativos jurisprudenciais dos tribunais superiores.

Palavras Chaves: Princípio da presunção de inocência; Garantismo; Execução provisória da pena; Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, HC 126.292/SP.

ABSTRACT

The purpose of this research is to analyze the legal possibility of the sentence provisional execution, after confirmation of the conviction by a decision pronounced by a collegiate body, even though the judgment appeals of an extraordinary nature (strictu sensu) and special . In order to do so, a study was first carried out on the definition of this constitutional principle, taking into account its fundamental bases, from the perspective of the two models defined by the Italian jurist Luigi Ferrajoli, the Guarani or cognitive system and the Antigarantist. Then, an analysis was made on the historical construction of the jurisprudence of the Brazilian Federal Supreme Court (STF) on the principle of comprehensiveness, presumption and innocence, based on the ministers arguments on their votes of some outstanding judges on the subject. Subsequently, it was discussed on the Court's change of understanding on the possibility of early execution of the sentence in the judgment of HC 126.292 / SP, mainly analyzing the points of controversy that were used in the ministers' arguments. Finally, in our conclusion, we present a synthesis results of this research, analyzing the principle understanding of thepresumption and innocence adopted by our Magna Carta and an evaluation of the (in) compatibility of the decision adopted by the STF in HC 126.292 / SP With the 1988 Constitution. The methodology used was eminently the bibliographical research, as theoretical works about the subject, procedural pieces and informative jurisprudential of the superior courts.

Key Words: Principle of Innocence Presumption; Civil Rights Protection; Provisional Execution of Sentence; Jurisprudence of the Federal Supreme Court, HC 126.292 / SP.

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5 INTRODUÇÃO

A Constituição Federal prevê o princípio da presunção de inocência ou não culpabilidade ao prescrever, em seu artigo 5º, inciso LVII, que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Desse modo, e considerando ainda outros aspectos estruturais do sistema de direitos fundamentais preconizados em nosso ordenamento jurídico, podemos tomar a Constituição de 1988 como um diploma garantista, pois visa à proteção máxima aos direitos fundamentais e à limitação da ação de punir do Estado, estabelecendo regras e procedimentos que deverão ser adotados em sua atuação, especialmente nos provimentos jurisdicionais de natureza penal.

Muito se discutiu no meio jurídico sobre a possibilidade de restrição do referido princípio, levando em conta, dentre outros elementos, as prisões de natureza cautelar.

Atualmente, a grande discussão que envolve o postulado versa sobre a possibilidade de o acusado ter sua liberdade cessada em virtude de decisão condenatória confirmada por acórdão, mesmo que pendente julgamento de recursos de natureza extraordinária1, o que caracterizaria execução antecipada da pena.

Assim, os Tribunais de segunda instância têm adotado o posicionamento de determinar a execução da pena, quando de seus julgados condenatórios, fundamentando a expedição de mandado de prisão para início do cumprimento de pena privativa de liberdade, antes do trânsito em julgado da sentença, na falta de efeito suspensivo dos recursos especiais e extraordinários.

Esse posicionamento pode ser considerado como herança do artigo 3932 do Código de Processo Penal, o qual previa como um dos efeitos da sentença o imediato recolhimento do réu em cárcere, sendo que o mesmo não foi recebido pela nova Carta Magna, visto afrontar diretamente o disposto em seu artigo 5º, aqui já transcrito.

Assim, com a promulgação da Constituição de 1988, houve uma mudança na atuação do judiciário, passando a ser necessário que a ordem de prisão ou a decisão que determinasse a manutenção do acusado preso fosse motivada, demonstrando a natureza cautelar desse tipo de encarceramento. Porém, na prática, as prisões provisórias continuaram a ser decretadas com justificativas baseadas em e conceitos amplos, que dão margem ao

1 Importante ressaltar que o sentido do termo extraordinário aqui utilizado abarca recursos de diversos tipos, como o recurso extraordinário (sentido estrito), recurso especial, dentre outras possibilidades recursais existente após o julgamento em segunda instância, que obstariam o trânsito em julgado da sentença.

2 Art. 393. São efeitos da sentença condenatória recorrível: I-ser o réu preso ou conservado na prisão, assim nas infrações inafiançáveis, como nas afiançáveis enquanto não prestar fiança; II- ser o nome do réu lançado no rol dos culpados.

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6 subjetivismo, como, por exemplo, a garantia de ordem pública e conveniência da instrução criminal.

Diante disso, uma série de Habeas Corpus foi impetrada ante o Supremo Tribunal Federal (STF), apresentando a questão como supressão do princípio da presunção de inocência e na busca de uma unificação de entendimento sobre a matéria. No decorrer dessas ações, o posicionamento inicial do STF foi pela aceitação e, posteriormente, pela negativa da possibilidade de execução antecipada da pena. No entanto, recentemente houve uma mudança no entendimento da Corte, especialmente manifestada no julgamento do HC 126.292/SP, em que o Tribunal acatou a execução antecipada da pena, considerando-a constitucional. A argumentação mais recorrentemente adotada pelos ministros para justificar esse posicionamento é pautada pelo alegado conflito entre o princípio da presunção de inocência e o interesse da sociedade na efetividade do direito penal. No entendimento vitorioso no julgamento do HC 126.292/SP, este segundo preceito poderia definir limites mais estreitos para o primeiro.

Em virtude dessa controvérsia, verifica-se a necessidade de um estudo quanto ao entendimento do Supremo sobre a abrangência do princípio da presunção de inocência, especialmente no tocante às construções jurisprudências, realizadas pelos ministros, que se fundamentam num alegado conflito com a efetivação de outros direitos fundamentais, também garantidos na Carta Magna.

Destarte, a grande problematização deste trabalho reside na compreensão do posicionamento que começa a se desenhar no STF quanto à execução antecipada da pena, entendendo que essa questão, quando mais profundamente analisada, reflete a própria definição, atribuída pelo Tribunal, ao princípio da presunção de inocência e sua abrangência, o que pode apontar, por sua vez, se a Corte, com essa postura, aproxima-se de uma compreensão mais ou menos garantista do sistema penal.

Desse modo, pretendemos constatar, a partir da análise do julgamento do HC nº 126.292/SP, se o STF, com a definição acerca do princípio da presunção de inocência adotada nesse processo, aproxima-se de uma concepção não garantista, e, dessa análise, tomando a Constituição de 1988 como diploma garantista, refletir acerca da constitucionalidade daquela decisão.

Com vistas a dar conta do problema, dedicamo-nos, no o primeiro capítulo, inicialmente, a apresentar a concepção teórica do garantismo penal, conforme trabalhada pelo jurista italiano Luigi Ferrajoli, destacando seus principais postulados, bem como uma

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7 definição do princípio da presunção de inocência a partir do viés garantista. Em seguida, abordamos os elementos de uma concepção não garantista do direito penal, também chamada de antigarantista por Ferrajoli, destacando as principais sínteses dessa formulação teórica.

No segundo capítulo, apresentamos um breve relato acerca do processo de conformação jurisprudencial dos primeiros posicionamentos adotados pelo STF quanto à execução provisória da pena. O entendimento da Corte variou, nas primeiras decisões, da possibilidade, até a consolidação pela impossibilidade, amparado pela definição, então incorporada pela Corte, sobre o alcance do princípio da presunção de inocência – entendimento que classificamos como garantista.

No capítulo seguinte, analisamos a decisão do HC 126.292/SP, que marca a mudança de entendimento do STF sobre a matéria, retomando as posições dos primeiros julgados, e aproxima a Corte de uma concepção antigarantista penal. Para esse estudo, analisamos o teor do relatório e dos votos em separado dos ministros, extraindo de suas fundamentações os elementos argumentativos que demonstram aquela aproximação.

Por fim, apresentamos em nossa conclusão a síntese do resultado das pesquisas, destacadamente a compreensão que seguimos sobre o princípio da presunção de inocência e a avaliação sobre a incompatibilidade da decisão adotada pelo STF no HC 126.292 com a Constituição de 1988, que estabelece um sistema de direitos fundamentais, especialmente quanto a salvaguardas penais e processuais penais, que nos permitem compreendê-la como diploma alinhado ao garantismo.

A pesquisa foi realizada a partir de fontes bibliográficas, como obras teóricas acerca do tema, peças processuais e informativos jurisprudenciais dos tribunais superiores.

Utilizamos de raciocínio dedutivo e indutivo e adotamos, principalmente, uma metodologia exploratória, haja vista que se pretende analisar os conceitos e princípios demonstrados durante o raciocínio dos ministros em sua decisão, bem como uma análise jurisprudencial sobre a temática.

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8 1. BASES FUNDAMENTAIS DO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA

O princípio da presunção de inocência está consagrado no artigo 5º, inciso LVII da Constituição Federal de 1988 nos seguintes termos “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.

Trata-se de verdadeira limitação ao poder de punir do Estado, uma vez que o referido princípio é considerado pela Constituição Federal de 1988 como garantia fundamental, sendo, para o sistema penal acusatório, um dos elementos atinentes ao devido processo legal.

Dada essa dimensão, é importante compreendermos, com maior precisão possível, o significado da presunção de inocência e sua abrangência, de modo que possamos identificar os institutos jurídicos que lhe garantem e os que lhe contrariam.

Para cumprimento de tal finalidade, neste capítulo, apresentamos breve apanhado acerca da conformação da presunção de inocência enquanto princípio atinente aos ordenamentos jurídicos modernos, enfocando nas elaborações de Luigi Ferrajoli acerca do que o jurista denominou garantismo e antigarantismo penal.

1.1. Breves considerações teóricas e históricas sobre a presunção de inocência:

referências normativas e bases iluministas do princípio jurídico

Em virtude de seu conceito impróprio, restou para a o campo teórico e para a jurisprudência determinar a abrangência da presunção de inocência, sendo o entendimento majoritário que, de uma maneira geral, o princípio abarca, em primeiro lugar, a exigência de o acusado não ser tratado como culpado durante a persecução penal, não sendo necessário que ele prove a sua inocência, visto que esta é presumida. Em segundo lugar, como consectário, a pessoa acusada não deve ser submetida a nenhuma restrição em seu direito de liberdade antes de comprovada a sua culpabilidade.

No que se refere às manifestações do princípio da presunção de inocência, Auri Lopes Júnior (LOPES JR. 2013, p.228) citando Vegas Torres, discorre que:

a)É um princípio fundante, em torno do qual é construído todo o processo penal liberal, estabelecendo essencialmente garantias para o imputado frente à atuação punitiva estatal; b)É um postulado que está diretamente relacionando ao tratamento do imputado durante o processo penal, segundo o qual haveria de partir-se da ideia de que ele é inocente e, portanto, devem reduzir-se ao máximo as medidas que restrinjam seus direitos durante o processo (incluindo-se, é claro, a fase pré- processual); c) Finalmente, a presunção de inocência é uma regra diretamente

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9 referida ao juízo do fato que a sentença penal faz. É sua incidência no âmbito probatório, vinculado à exigência de que a prova completa da culpabilidade.

Ainda sobre o assunto, Marcio Arantes Filho explica que “a doutrina analisa a presunção de inocência sob vários enfoques: a) como garantia política do estado de inocência;

b) como regra de julgamento no caso de dúvida: in dubio pro reo; c) como regra de tratamento do acusado ao longo do processo” (ARANTES FILHO, 2010).

Ou seja, a efetivação da presunção de inocência implica em que, dentre outras exigências, o sistema de justiça trate a pessoa investigada ou acusada a partir de um estado de inocência, que não pode ser alterado até a comprovação da culpa. A definição de quando se dá esse momento específico, de constituição da culpa, é crucial para se determinar a possibilidade de aplicação legal de instrumentos punitivos contra a pessoa condenada. Como veremos, um dos aspectos de disputa entre visões garantistas e as que se afastam do garantismo (algumas mesmo antigarantistas) estabelece-se, justamente, quanto ao instante em que se constitui uma “culpa” apta a autorizar o cumprimento da pena – se apenas com o trânsito em julgado da condenação (garantismo), ou antes, mesmo do trânsito em julgado (antigarantismo). Outro ponto crucial, que também veremos a seguir, se dá quanto à justificativa do aprisionamento antes da decisão final.

O princípio da presunção de inocência está previsto em vários instrumentos normativos internacionais, principalmente relacionados ao sistema de proteção dos direitos humanos, como a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 17893, a declaração Universal dos Direitos do Humanos de 19484, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos de 19665 e no Pacto de São José da Costa Rica de 19696.

Nem sempre o princípio da presunção de inocência foi visto como garantia fundamental e pressuposto necessário ao devido processo legal, dado que esse postulado sofreu grandes modificações de acordo com o evoluir da proteção e da importância dada aos direitos humanos pela sociedade.

3 Artigo 9º- Todo o acusado se presume inocente até ser declarado culpado e, se se julgar indispensável prendê- lo, todo o rigor não necessário à guarda da sua pessoa, deverá ser severamente reprimido pela Lei.

4 Artigo 11. 1. Todo ser humano acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa.

5 Artigo 14. 2. Toda pessoa acusada de um delito terá direito a que se presuma sua inocência enquanto não for legalmente comprovada sua culpa.

6 Artigo 8. 2. Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas:

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10 Somente com a Revolução Francesa e os seus ideais iluministas é que começa a surgir a atual visão do princípio aqui discutido. Assim, antes da adoção do modelo processual acusatório7, os sistemas de justiça dos Estados ocidentais aplicavam o padrão inquisitório ou inquisitivo, no qual era necessária somente a suspeita da autoria do crime para o início da persecução penal. Ademais, nesse modelo, o acusado era visto como um inimigo que deveria ser punido a todo custo, sendo que a primeira medida a ser tomada seria a privação de sua liberdade que só poderia ser recuperada novamente caso fosse provada sua inocência e afastada a sua culpabilidade8.

É somente após a Revolução Francesa que esse quadro é revertido e a presunção de inocência passa a ser postulado necessário à instrução processual, devendo ser observado em todas as fases do processo, sob pena de violação aos direitos humanos, com ênfase na dignidade da pessoa humana. Desse modo, ocorre uma inversão da lógica inquisitória, sendo presumida não a culpa, mas a inocência da pessoa processada. Como discute Luiz Ferrajoli (2002), essa perspectiva jurídica é fruto da modernidade, sua elaboração está eminentemente atrelada aos processos revolucionários (políticos, sociais, científicos, filosóficos) do século XVIII, a partir dos quais há um reposicionamento dos sujeitos e princípios no ordenamento jurídico, sendo colocadas no centro preceitos como a dignidade humana e os direitos individuais:

O direito penal dos ordenamentos desenvolvidos é produto predominantemente moderno. Os princípios sobre os quais se funda seu modelo garantista clássico – a legalidade estrita, a materialidade e a lesividade dos delitos, a responsabilidade pessoal, o contraditório entre as partes, a presunção de inocência- são, em grande parte, como se sabe, fruto da tradição jurídica do iluminismo e do liberalismo.

(FERRAJOLI, 2002. p.28).

Atualmente, o princípio da presunção de inocência, consagrado como cláusula pétrea pela ordem constitucional, é considerado como garantia processual fundamental para o desenvolvimento de um processo justo, que visa a preservar e dar efetividade aos direitos fundamentais do acusado, principalmente o seu direito à liberdade.

O jurista italiano Lugi Ferrajoli realizou amplo estudo sobre a estruturação dos sistemas de justiça penal conformado ao longo da história, teorizando a respeito do processo de conformação do paradigma acusatório, acima mencionado. A partir do trabalho de

7 Segundo Auri Lopes Jr. “O sistema acusatório é um imperativo no moderno processo penal, frente à atual estrutura social e política do Estado. Assegura a imparcialidade e a tranquilidade psicológica do juiz que irá sentenciar, garantindo o trato digno e respeitoso com o acusado, que deixa de ser um mero objeto para assumir sua posição de autentica parte passiva do processo penal” (LOPES JR,2013p.109).

8 Auri Lopes Jr. explica que nesse modelo “confundem-se as atividades do juiz e acusador, e o acusado perde a condição de sujeito processual e se converte em mero objeto de investigação.” (LOPES JR.,2013. p.112).

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11 Ferrajoli, procuramos uma compreensão mais profunda do princípio da presunção de inocência, que, conforme as elaborações do autor, é o elemento fundante do que ele denominou como garantismo penal. A esse respeito, segue o próximo tópico.

1.2. O princípio da presunção de inocência à luz da teoria garantista: alcance amplo em todas as instâncias processuais e opção da Constituição de 1988

O garantismo ou cognitismo é a corrente teórica no âmbito do direito penal que orienta a forma e os limites de atuação do poder punitivo estatal, possuindo como enfoque a garantia dos direitos humanos, com prevalência na liberdade dos indivíduos submetidos à jurisdição penal do Estado. Elaborada por Luigi Ferrajoli, ela reflete sobre a herança iluminista no direito penal e identifica, nos ordenamentos jurídicos contemporâneos, princípios propugnados ainda nas revoluções do século XVIII e sua estruturação enquanto sistema de garantias fundamentais, alocado, geralmente, em âmbito constitucional.

Conforme explica Ferrajoli (2002), o modelo de garantismo penal vem para assegurar o julgamento do acusado por juízos não arbitrários, pautados por procedimentos equânimes. Desse modo, designa garantias penais estabelecidas em princípios como o da legalidade, da materialidade, da culpabilidade, que atuam como verdadeiros limites ao poder de punir do Estado.

Ademais, como uma forma de efetivação desses princípios penais, que protegem a esfera de direitos fundamentais do acusado, o modelo garantista estabelece, ainda, as chamadas garantias processuais, que servem como instrumento de implementação daqueles.

A presunção de inocência seria uma dessas garantias processuais penais que, no entendimento de Ferrajoli (2002), estaria diretamente ligada ao princípio de submissão à jurisdição. Ressalta o autor que este último princípio se refere à submissão de apuração do possível crime e de suas provas a um juiz regularmente constituído. Assim, na persecução penal, busca-se a verdade processual9, que deve observância às garantias penais e processuais,

9Segundo Aruy Lopes Jr., a chamada verdade processual “Trata-se de uma verdade perseguida pelo modelo formalista como fundamento de uma condenação e que só pode ser alcançada mediante o respeito das regras precisas e relativas aos fatos e circunstancias considerados como penalmente relevantes” (LOPES Jr., 2013, p.567). Esse modelo se opõe ao da verdade material, característico do sistema inquisitório, no qual se admitiam práticas como a tortura e a confissão era considerada como a prova mais importante do processo. Para o autor, existe uma falha nos dois modelos, visto que a verdade é praticamente inalcançável. Ademais, ele explica que as provas nada mais são do que a reconstrução de um fato do passado, sendo assim, seria um absurdo se falar em verdade quando o fato já aconteceu. Explica ainda que, no sistema acusatório, existe um esforço exaustivo das partes em convencer o juiz de as suas “verdades”. Desse modo, a sentença, devidamente motivada, pode coincidir ou não com a verdade do fato, dependendo de quem atue com maior poder persuasivo.

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12 ressaltando, ainda, que a presunção de inocência deve prevalecer até que seja provado o contrário e declarada à responsabilidade penal por meio de sentença definitiva condenatória.

Em sua abordagem, Ferrajoli ressalta ainda que, nos modelos atuais, em virtude da consagração do Estado Democrático de Direito, o princípio da presunção de inocência é ligado principalmente ao tratamento dado ao acusado, possuindo como base a dignidade da pessoa humana. Nesse sentido, é dever do Estado e de todos os concidadãos garantir que o acusado seja tratado como inocente durante toda a persecução penal, incluindo a fase investigativa e a fase processual, até a decisão condenatória definitiva, visto o seu estado de inocência. Diante disso, entende Ferrajoli que o princípio da submissão à jurisdição seria um meio para garantia do princípio da presunção de inocência ou de não culpabilidade, ou seja, seria também uma garantia processual.

Na espécie de tratamento dado ao acusado, ressaltam os teóricos alinhados ao garantismo penal que não se admite nenhuma medida que venha a antecipar a punição, visto que isso seria a presunção do estado de culpa, e não de inocência do acusado, ao longo do processo. Inclusive, esse tem sido o entendimento majoritário também na nossa jurisprudência pátria, que vem elaborando diversas medidas, as quais asseguram a proteção do referido princípio, como, por exemplo, a proibição do uso de algemas, conforme súmula nº 11 do STF10.

Luis Flavio Gomes, citado por Brandini, relata que:

segundo consenso doutrinário e jurisprudencial, a presunção de inocência apresenta um duplo papel, como regra de juízo, a exigir que toda a condenação criminal se faça com fundamento em prova incriminatória legítima, onde as dúvidas sejam dirimidas em favor do imputado (in dubio pro reo) e como regra de tratamento a excepcionar as medidas que violem a condição de inocente (favor libertatis) (GOMES , 1996 apud BRANDINI,2015).

Márcio Geraldo Britto Arantes Filho (2010) explica que o princípio da presunção de inocência se desdobra em mais duas vertentes, tão importantes quanto à apresentada por Luigi Ferrajoli. Conforme Arantes Filho, o preceito apresenta-se como standard de interpretação normativa e julgamento, como garantia política do processo legislativo.

Enquanto parâmetro de julgamento, a presunção de inocência desdobra-se no princípio in dubio pro reo, o qual, como garantia do próprio estado de inocência do indivíduo,

10 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula Vinculante nº 11. Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade do Estado”.

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13 aduz que, havendo mais de uma interpretação quanto aos fatos e provas apresentadas no processo, deve ser adotado o entendimento mais favorável ao réu.

Em segundo lugar, a presunção de inocência destaca-se como uma estrutura determinante no exercício político legislativo, assegurando as garantias fundamentais dos indivíduos contra o arbítrio estatal, de modo que todas as medidas que visem a restringir a liberdade do acusado devem observar os preceitos estabelecidos pela Constituição relacionados à presunção de inocência.

Ainda, nas palavras de Marcio Arantes Filho (ARANTES FILHO, 2010, 25): “A presunção de inocência constitui garantia fundamental do devido processo legal, que assegura, contra o arbítrio punitivo estatal, valores constitucionais: a dignidade da pessoa humana, a liberdade, a verdade e a segurança”.

Assim, é nesse sentido que se determina a abrangência do princípio da presunção de inocência, consagrado no art. 5º, LVII da Constituição Federal à luz da teoria do cognitismo ou garantista, preservando o estado inicial de inocência, que deve ser mantido em face do arbítrio estatal e de seu poder de punir.

Destarte, a Constituição garantista preconiza, de maneira implícita, conjuntamente com a interpretação dos princípios do processo penal, que o princípio da presunção de inocência deve ser assegurado em todos os graus de jurisdição, não se restringindo às vias ordinárias, visto que o status de inocente só some com o trânsito em julgado da condenação, o que caracteriza a coisa julgada material.

1.3. A (não)presunção de inocência a partir de parâmetros não garantistas ou antigarantistas: resquícios do sistema penal inquisitivo

Luigi Ferrajoli (2002) explica que o sistema antigarantista do processo penal tem origem com o processo inquisitivo, na idade medieval, no qual se buscava a verdade, ou melhor, uma verdade, a todo custo, sem a observância de garantias mínimas para o indivíduo.

Em sua obra, o autor descreve uma espécie de antigarantismo moderno, o qual, segundo ele, envolveria teorias de prevenção especial, de defesa social, do tipo do autor, com variantes que levam em conta a moral para tomada de decisões e do conceito de eficácia do poder de punir.

Ferrajoli relata ainda que é com base nesse modelo que surgem as medidas protetivas, incluindo as medidas cautelares. Nas palavras dele:

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14 [...] todas irrogáveis não como consequência de fatos legalmente indicados e judicialmente comprovados como delitos, mas derivados de pressupostos subjetivos dos mais variados: como a mera suspeita de haver cometido delitos ou, pior, a periculosidade social do sujeito, legalmente presumida conforme as condições pessoais ou de status, como as de “desocupado”, “vagabundo”, “propenso a delinquir”, “reincidente”[...] (FERRAJOLI, 2002, p. 35).

O artigo 312 do Código de Processo Penal reflete bem a perspectiva de Ferrajoli, quando trata da prisão preventiva e utiliza termos de definição abstrata como “garantia de ordem pública”, “conveniência da instrução criminal” e “assegurar a aplicação da lei” para justificar a sua determinação. Trata-se, na realidade, de verdadeira relativização do princípio da legalidade para fornecer brechas ao subjetivismo judicial, deixando de lado a garantia fundamental da estrita legalidade. Assim, Ferrajoli afirma que a preconização realizada pelo modelo antigarantista, que ele chama também de modelo subjetivista, faz com que a tomada de decisões judiciais se opere tanto com base no direito, como na moral, possibilitando, assim, que ocorram “discriminações subjetivas e invasões incontroláveis na esfera de liberdade dos cidadãos” (FERRAJOLI, 2002, p.35).

Nas palavras de Ferrajoli, o modelo antigarantista possui como fundamento:

[...] exatamente o oposto do modelo garantista: sem uma predeterminação normativa precisa dos fatos que se devem comprovar, o juízo remete, na realizada, muito mais à autoridade do juiz do que à verificação empírica dos pressupostos típicos acusatórios. Por outra parte, seu caráter não cognitivo nem estritamente vinculado à lei contradiz sua natureza jurisdicional no sentido acima já determinado (FERRAJOLI, 2002, p.36).

Nesse ponto, o autor preconiza os conceitos, como os já exemplificados do artigo 312 do Código de Processo Penal, que dão margem a interpretações amplas de sua abrangência. Assim, fazendo uma análise do princípio da presunção de inocência à luz do sistema antigarantista, surge a possibilidade de flexibilização, podendo até se falar em desconsideração do referido direito fundamental, visto que, para esse modelo, a aplicação da pena se baseia em razão do “ser” do autor do crime, e não do ato praticado por ele e que é passível de punição.

Ainda, relata Ferrajoli sobre o modelo inquisitivo que:

O decisionismo é o efeito da falta de fundamentos empíricos precisos e da consequente subjetividade dos pressupostos da sanção nas aproximações substancialistas e nas técnicas conexas de prevenção e de defesa social. Esta subjetividade se manifesta em duas direções por um lado, no caráter subjetivo do tema processual, consistente em fatos determinados em condições ou qualidades pessoais, como a vinculação do réu a "tipos normativos de autor" ou sua congênita natureza criminal ou periculosidade social; por outro lado, manifesta-se também no caráter subjetivo do juízo, que, na ausência de referências fáticas determinadas com exatidão, resulta mais de valorações, diagnósticos ou suspeitas subjetivas do que de provas de fato”. (FERRAJOLI, 2002, p.36).

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15 Destarte, é desconsiderado o estado de inocência e o paciente pode vir a ser tratado como culpado durante a persecução penal, conforme for sendo confirmada a sua responsabilidade penal. É nesse sentido que observa Eduardo Espínola Filho (2000) quando afirma que existe uma variável em relação ao princípio da presunção de inocência que ocorre de acordo com os indivíduos que ocupam o lado passivo no processo, bem como as contingências da prova e o estado da causa.

Sendo assim, caracterizam-se como inerentes ao modelo antigarantista as medidas de natureza cautelar, sob a alegação de que seriam necessárias para o regular andamento processual ou ainda para garantia de uma futura punibilidade, sustentadas sob considerações como o risco eminente de fuga do acusado, a ameaça que representaria ao sistema de justiça ou à sociedade, dentre outras. Cada uma dessas possibilidades de adoção de medidas cautelares no processo penal possui previsão legal no sistema brasileiro, a exemplo do artigo 312 do Código de Processo Penal, como acima mencionado. Entretanto, mesmo esteadas na legalidade, é possível que tais previsões deixem espaço para o subjetivismo e o decisionismo dos provimentos judiciais que concedem tais medidas, analisando a figura do acusado e não o ato típico em si.

Nesse sentido, pode-se afirmar que esse sistema vai contra o posicionamento da nossa Carta Magna, visto que esta preconiza pela máxima efetividade dos direitos fundamentais.

Compreendido o princípio da presunção de inocência a partir do paradigma garantista e tomando como premissa que a Constituição de 1988 incorporou ao ordenamento jurídico brasileiro um sistema penal pautado pelo garantismo11, passamos agora a avaliar os posicionamentos que o Supremo Tribunal Federal (STF) tem assumido nesse tema, quando no julgamento sobre a possiblidade de execução provisória da pena privativa de liberdade

2. O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E O PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA: O ENTENDIMENTO DA CORTE ACERCA DO CUMPRIMENTO ANTECIPADO DA PENA ATÉ A MODIFICAÇÃO OCORRIDA EM 2016.

11 Ou seja, o alcance dos direitos fundamentais consagrados no texto constitucional é amplo e, no que se refere às normas de caráter penal, a proteção à liberdade e a limitação ao poder de punir do Estado possuem significativa densidade, atribuindo-se, dessa forma, ampla abrangência ao princípio da presunção de inocência, não sendo plausível que ele venha a ser limitado por preceitos que avaliem moralmente a pessoa acusada, e não seus atos, que aleguem, de forma genérica, uma pretensa necessidade de garantia da ordem pública ou que visem a garantir o chamado interesse de punir do Estado.

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16 Conforme explicitado na introdução deste trabalho, pretendemos compreender a abrangência atribuída pelo Supremo Tribunal Federal ao princípio da presunção de inocência ou não culpabilidade. Esse exame será feito a partir da análise da jurisprudência do Tribunal acerca da possibilidade ou não de execução antecipada da pena, após sentença condenatória em segunda instância.

Adotamos esse caminho porque, ao longo da pesquisa e análise dos julgados sobre a temática, percebemos que o entendimento de cada ministro se estabelece a partir da adoção de uma interpretação mais ampla ou mais restrita do princípio da presunção de inocência – ou, em outras palavras, mais garantista ou menos garantista. Esse referencial teórico e analítico aparece na fundamentação dos votos e dos acórdãos e será a chave para a resposta ao problema a que se propõe este trabalho – identificar se a decisão tomada pelo STF no julgamento do HC 126.292/SP é compatível com a Constituição.

Antes da análise do processo objeto de nosso interesse, é necessário entender, em linhas gerais, o desenvolvimento histórico das decisões tomadas pela Corte sobre a execução da pena após condenação em segunda instância, antes do trânsito em julgado, até à formação dos primeiros entendimentos. Esse processo variou de espectros, até consolidar-se pela impossibilidade da medida, por ser considerada incompatível com o princípio da presunção de inocência. Esses julgados também dialogam diretamente com as condições atuais de efetivação dos direitos fundamentais no país, especialmente no tocante ao direito de liberdade e à dignidade humana.

2.1. O cumprimento antecipado da pena na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: variações entre posicionamentos antigarantistas e garantistas

Conforme tratamos no capítulo 1, com a Constituição Federal de 1988, o princípio da presunção de inocência se tornou uma importante base para a evolução das normas processuais, visto que a implementação desse postulado veio a consolidar o modelo de justiça garantista, possibilitando, ainda, a aplicação de princípios como o devido processo legal, a ampla defesa e o contraditório.

Apesar de alguns marcos importantes na história brasileira, que demonstram que o princípio da presunção de inocência já era garantia processual antes da Carta Magna, como a adesão pelo país a instrumentos internacionais de direitos humanos, a exemplo da Declaração Universal de Direitos Humanos, de 1948, foi somente com a promulgação da Constituição de

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17 1988 (e encerramento de 21 anos de um Estado de exceção autoritário, vale ressaltar), que o referido princípio ganhou força na defesa dos direitos fundamentais.

Não obstante isso, e mesmo com a adoção, na ordem processual brasileira, do sistema penal acusatório e do modelo constitucional garantista, alguns resquícios inquisitoriais ainda persistem no judiciário nacional, como ocorre no caso concessão de medidas cautelares com base na graduação subjetiva de periculosidade do acusado.

Conforme dispõe Ricardo Juvenal Lima (2016, p. 95) em seu trabalho sobre a história do princípio da presunção de inocência:

Com a manutenção da visão de periculosidade do criminoso, o atual sistema processual penal brasileiro não conseguiu se desvencilhar totalmente de seu legado inquisitorial, mantendo-se a herança de supressão dos direitos e garantias individuais da pessoa acusada da prática de um crime.

Ao Supremo Tribunal Federal, foi definido, pela própria Constituição Federal, o dever de sua salvaguarda, conforme dispõe o seu artigo 102, caput12. A questão acerca da possibilidade ou não da execução provisória da pena e, consectariamente, a abrangência do princípio da presunção de inocência, possui natureza eminentemente constitucional e, consequentemente, foi levada ao STF, já na primeira década do regime democrático.

Quando provocado para decidir sobre o entendimento acerca das questões mencionadas, em sede de Habeas Corpus, durante um vasto período, o Supremo se posicionou no sentido de que a presunção de inocência, como qualquer regra de natureza principiológica, não seria absoluta, sendo possível a execução provisória da pena quando a sentença condenatória for confirmada por acórdão proferido por órgão colegiado de segundo grau.

Conforme dispõe o Ministro Gilmar Mendes (2012) em sua obra, a jurisprudência inicialmente adotada pelo Tribunal foi de que, apesar de o princípio da não culpabilidade vedar o lançamento do nome do réu no rol dos culpados, não haveria impedimento para a execução penal provisória da sentença condenatória pendente de julgamento de recursos de natureza extraordinária – não transitada em julgado, portanto.

O tema foi discutido no HC 72.322/SP, em que se averiguava a validade do artigo 594 do Código de Processo Penal, que determinava a necessidade de o réu ser recolhido à prisão ou realizar o pagamento de fiança para ter o direito de apelar de sentença condenatória prolatada. E, por unanimidade dos votos, foi negada a ordem, considerando a medida

12 Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: [...]

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18 compatível com o sistema constitucional, que, diga-se de passagem, já era o garantista, e que não contrariava o princípio da presunção de inocência.

Esse foi o entendimento aplicado em diversas decisões da Corte como no julgamento do HC 68.726/1991, no qual ficou assentado que a presunção de inocência não impediria a prisão decorrente de acórdão que, em apelação, confirmou a sentença penal condenatória recorrível.

Já no julgamento do HC 74.983/1997, que teve como relator o Ministro Carlos Velloso, foi alegado que a falta de efeito suspensivo dos recursos especial e extraordinário possibilitaria o cumprimento de mandado de prisão, de acordo com a Lei nº 8.038/90, em seu art. 27, §2º.

O Ministro Ricardo Lewandowski, presidente do HC 126.292/SP, em seu voto, fez um levantamento histórico em que a Corte manteve o entendimento nesse sentido, sendo exemplos o HC 71.723, Rel. Min. Ilmar Galvão, Primeira Turma, DJ 16/6/1995; HC 79.814, Rel. Min. Nelson Jobim, Segunda Turma, DJ 13/10/2000; HC 80.174, Rel. Min. Maurício Corrêa, Segunda Turma, DJ12/4/2002; RHC 84.846, Rel. Carlos Velloso, Segunda Turma, DJ 5/11/2004; RHC 85.024, Rel. Min. Ellen Gracie, Segunda Turma, DJ 10/12/2004; HC 91.675, Rel. Min. Cármen Lúcia, Primeira Turma, DJe de 7/12/2007; e HC 70.662, Rel. Min. Celso de Mello, Primeira Turma, DJ 4/11/1994.

No ano de 2009, com o julgamento pelo Plenário do HC 84.078/MG, houve uma mudança de posicionamento do STF, na qual se verifica uma aproximação ao modelo garantista, visto que foi reconhecida a incompatibilidade entre o princípio da não culpabilidade e a execução da sentença antes do trânsito em julgado da condenação.

Assim, nesse momento, firmou-se o entendimento de que somente poderia ser decretada prisão do acusado, antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória, se possuísse natureza cautelar, devendo a decisão ser fundamentada e preencher os requisitos do art. 282 do Código de Processo Penal13.

O relator, Ministro Eros Grau, em seu voto, alegou que, possibilitando a execução provisória nos casos de penas privativas de liberdade haveria, claramente, violação, também, ao princípio da isonomia, quanto à aplicação das normas. Conforme fundamentou o ministro, sendo a jurisprudência da Corte pacífica quando tratava da impossibilidade de cumprimento

13 Art. 282. As medidas cautelares previstas neste Título deverão ser aplicadas observando-se a: (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011). I - necessidade para aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais; (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011). II - adequação da medida à gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado

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19 antecipado de pena restritiva de direito, que é menos grave do que a restritiva de liberdade, considerou impossível a efetivação antecipada de pena restritiva de liberdade sem contrariar o princípio da presunção de inocência.

Ainda, o relator, seguido pela maioria, argumenta que o direito fundamental à ampla defesa não pode ser visto de maneira restrita, dado que deve alcançar todas as fases processuais. Sendo assim, a execução provisória da pena caracterizaria verdadeira restrição do direito de defesa.

Destarte, fazendo um comparativo com os atos normativos da década de oitenta, época em que os direitos fundamentais eram limitados, afirmou que isso se opõe de maneira evidente aos preceitos garantistas, visto que impõem uma política penal repressiva, sendo um exemplo desse regime a falta de atribuição do efeito suspensivo dos recursos extraordinário e especial e as medidas reacionárias justificadas na necessidade de punição e justiça social desejada pela população.

O tema da execução provisória voltou a ser discutido no HC 126.292/SP, no ano de 2016, e o Supremo modificou o posicionamento consolidado em 2009, como veremos no capítulo a seguir.

3. NOVO POSICIONAMENTO DO STF SOBRE A ABRANGÊNCIA DO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA: ANÁLISE DO JULGAMENTO DO HC 126.292/SP

O paciente do HC 126.292/SP havia sido condenado, inicialmente, à pena de 5 anos e 4 meses de reclusão, em regime inicial fechado, pela prática do crime de roubo majorado, tipificado no art. 157, §2º, I e II do Código Penal, com direito de recorrer em liberdade.

Dessa decisão somente a defesa apresentou recurso de apelação para o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, sendo o mesmo negado e determinada a expedição de mandado de prisão contra o réu.

Desse modo, a defesa impetrou Habeas Corpus no Superior Tribunal de Justiça, o qual restou indeferido, sob a alegação de que o instrumento necessário para atacar o acórdão seria recurso especial, matéria da Súmula 691/STF. O Ministro relator afirmou, em sua decisão, que não estaria presente eventual flagrante de ilegalidade passível de ser sanado pelo Tribunal, motivo pelo qual não se enquadraria na exceção de reconhecimento do pedido de liminar.

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20 Destarte, foi impetrado pela defesa novo Habeas Corpus (nº 126.292/SP), dessa vez perante o Supremo Tribunal Federal, alegando-se a ocorrência de constrangimento ilegal, que ensejaria a superação da Súmula 691/STF. A defesa também argumentou falta de motivação para a decretação de prisão preventiva do acusado, após mais de três anos de ter sido posto em liberdade, sem acontecimento de fato novo e sem que a decisão condenatória tivesse transitado em julgado.

A Procuradoria Geral da República se manifestou pela concessão da ordem, porém a ação foi denegada em dezessete de fevereiro de 2016. Passaremos agora a discorrer sobre os elementos que fundamentaram essa decisão. Da análise do Acórdão, foi possível averiguar que o voto do relator, Ministro Teori Zawaski, condensou o entendimento da Corte, sendo acompanhado por sete ministros, ocorrendo poucos votos contrários ao seu posicionamento14. Por esse motivo optamos por enfatizar o voto do relator, evitando, assim, repetições desnecessárias Em seguida, procuramos apresentar as divergências mais destacadas na votação.

3.1. Posicionamento majoritário no julgamento do HC 126.292: voto do relator pela mitigação do princípio da presunção

O ministro Teori Zawaski adotou uma sequência bastante didática no julgamento.

Após o relatório descrevendo os principais acontecimentos e atos processuais, esclareceu conceitos e evidenciou os princípios relevantes para o desenvolvimento da demanda. Em segundo lugar, delimitou os temas relacionados ao princípio da presunção de inocência que mais influenciam na determinação de sua abrangência, especialmente quanto ao seu alcance, aliado à busca de um necessário equilíbrio entre esse princípio e a efetividade da função jurisdicional penal. Por fim, a partir da delimitação traçada, adentrou no juízo de constitucionalidade do dispositivo impugnado, utilizando-se da hermenêutica constitucional e do direito comparado.

O ministro expôs diversos julgados da Corte para esclarecer a historicidade do posicionamento adotado pelo Tribunal sobre o tema, demonstrando a argumentação utilizada em cada caso. Conforme explicado tópico 2.1, o relator asseverou que a orientação que prevalecia no STF, mesmo sob a égide da Constituição de 1988, era a da possibilidade da execução provisória da pena privativa de liberdade, posicionamento que só foi modificado em 2009.

14 A Ministra Rosa Weber abriu a divergência, sendo seguida pelos Ministros Marco Aurélio, Celso de Mello e Ricardo Lewandosi.

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21 Basicamente, a argumentação é baseada na falta de efeito suspensivo do recurso especial ou extraordinário, possibilitando assim a expedição da ordem de prisão. Ademais, o ministro, no decorrer de seu raciocínio, apresenta as diversas vantagens proporcionadas ao ordenamento brasileiro pelo princípio da presunção de inocência, como a efetivação do modelo garantista e dos postulados do devido processo legal, da ampla defesa, do contraditório, do juiz natural, da inadmissibilidade de obtenção de provas por meios ilícitos, da não auto-incriminação e todos os seus desdobramentos. Preconiza, assim, que o atual modelo adotado pelo sistema penal brasileiro é contrário àquele em que cabia ao acusado demonstrar a sua inocência.

Posto isto, ele discorre acerca da perspectiva de culpabilidade, tecendo uma análise gradual do instituto. Desse modo, defende que a culpa do acusado vai sendo provada durante toda instrução processual, nas fases em que se analisam os fatos e as provas, sendo que a cada prolação de decisão a responsabilidade criminal do acusado torna-se mais comprovada, exaurindo-se o duplo grau de jurisdição nas instâncias ordinárias.

Nas palavras do relator:

Realmente, antes de prolatada a sentença penal há de se manter reservas de dúvida acerca do comportamento contrário à ordem jurídica, o que leva a atribuir ao acusado, para todos os efeitos – mas, sobretudo, no que se refere ao ônus da prova da incriminação –, a presunção de inocência. A eventual condenação representa, por certo, um juízo de culpabilidade, que deve decorrer da logicidade extraída dos elementos de prova produzidos em regime de contraditório no curso da ação penal.

Para o sentenciante de primeiro grau, fica superada a presunção de inocência por um juízo de culpa – pressuposto inafastável para condenação –, embora não definitivo, já que sujeito, se houver recurso, à revisão por Tribunal de hierarquia imediatamente superior. É nesse juízo de apelação que, de ordinário, fica definitivamente exaurido o exame sobre os fatos e provas da causa, com a fixação, se for o caso, da responsabilidade penal do acusado. É ali que se concretiza, em seu sentido genuíno, o duplo grau de jurisdição, destinado ao reexame de decisão judicial em sua inteireza, mediante ampla devolutividade da matéria deduzida na ação penal, tenha ela sido apreciada ou não pelo juízo a quo. Ao réu fica assegurado o direito de acesso, em liberdade, a esse juízo de segundo grau, respeitadas as prisões cautelares porventura decretadas (STF. HC 126.292/SP. Relator: Min. Teori Zawaski, Tribunal Pleno, DJE 17/02/2016.)

No mesmo sentido, o ministro Edson Fachin argumenta, em seu voto, existir uma necessidade de ponderação15 dos princípios da presunção de inocência e do interesse constitucional na efetividade da lei penal. De modo que, no decorrer da instrução processual, o princípio da não culpabilidade vai perdendo força e dando cada vez mais espaço ao princípio da efetividade da lei penal, visto a função social da pena. Nesse caso, poderíamos

15Ingo Sarlet (2014, p.224) em sua obra cita a finalidade da ponderação como tratada por Canotilho, sendo

“utilizadas sempre que surge necessidade de “encontrar o direito” para resolver “casos de tensão” (em especial de colisões) entre bens juridicamente protegidos, situações que têm sido cada vez mais frequentes no campo do direito e da interpretação constitucional”.

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22 dizer que o raciocínio do voto estaria apoiado num exercício de ponderação de princípios, técnica sistematizada por Robert Alexy, autor que exerce grande influência no direito brasileiro, tanto no plano teórico, quanto no jurisprudencial. Segundo Alexy (1988, p.147):

“La referencia a las possibilidades fácticas lleva a los bien conocidos princípios de adecuación y necesidad La referencia a las possibilidades jurídicas implica una ley de ponderación que puede ser formulada como sigue: Cuanto más alto sea el grado de incumplimiento o de menoscabo de un principio, tanto mayor debe ser la importância del cumplimiento del otro”16.

A utilização desse caminho interpretativo reforça nosso entendimento de que a opção dos ministros se dá em nível de preferência principiológica. Ao reduzir o peso atribuído à presunção de inocência em razão do princípio da efetividade penal, o ministro realiza um juízo de valoração, dando preferência ao segundo, em detrimento do primeiro, o que sinaliza o enfraquecimento da filiação do tribunal ao sistema garantista.

Acrescentado, o ministro Luiz Fux menciona o fato de a “coisa julgada”17 estar diretamente ligada à imutabilidade das decisões, o que, no tocante aos fatos, ocorreria com o fim da análise das provas nas instâncias ordinárias.

A despeito da construção interpretativa dos ministros, a argumentação torna-se contraditória nesse ponto. Conforme demonstrado no capítulo 1, o princípio da presunção de inocência, à luz do garantismo penal de Ferrajoli, possui três perspectivas: como garantidor do estado de inocência, como regra de julgamento no caso de dúvida (in dubio pro reo) e como regra de tratamento do acusado ao longo do processo. Desse modo, a norma deve ser observada durante todo o processo e não somente em determinadas fases, como mencionam os ministros.

Ademais, as garantias processuais, como direitos fundamentais, são imprescindíveis para o desenvolvimento de um processo justo e, desse modo, devem persistir em todas as fases da tramitação, o que não seria diferente após a mudança de instâncias, inclusive porque seria contraditório que o exercício do direito ao duplo grau de jurisdição implicasse no esvaziamento de outra garantia processual, qual seja, a presunção de inocência.

Conforme relato da Ministra Ellen Gracie em seu voto no HC 84.078/MG, abaixo transcrito:

[...] o domínio mais expressivo de incidência do princípio da não-culpabilidade é o da disciplina jurídica da prova. O acusado deve, necessariamente, ser considerado

16“A referência das possibilidades dos fatos leva a necessidade de adequação e a possibilidade de aplicação legal que envolve uma ponderação da lei, podendo ser formulado da seguinte maneira: Quanto maior o grau de falha ou violação de um princípio maior deve ser a importância do cumprimento de outros”. (Tradução Livre).

17 José Afonso da Silva (2012, p.438) se utiliza do artigo 467 do antigo Código de Processo Civil para definir coisa julgada “Denomina-se coisa julgada material a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário

Referências

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