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O princípio jurídico da coesão dinâmica no Direito Urbanístico brasileiro Doutorado em Direito

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Júlia Maria Plenamente Silva

O princípio jurídico da coesão dinâmica no Direito Urbanístico brasileiro

Doutorado em Direito

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Júlia Maria Plenamente Silva

O princípio jurídico da coesão dinâmica no Direito Urbanístico brasileiro

Doutorado em Direito

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Direito do Estado, área de concentração Direito Urbanístico, sob a orientação do Prof. Dr. Márcio Cammarosano.

(3)

Banca Examinadora

(4)

À minha filha Maria Luiza, por tudo que perdeu de mim nessa jornada e por quem tudo vale a pena.

Ao meu marido Felipe, companheiro de todas as horas, com todo o meu amor.

(5)

Agradecimentos

A Deus, primeiramente, por guiar meus passos. Aos meus pais, Eli e Maria da Graça (i.m) pela vida.

Aos meus avós, Oswaldo (i.m) e Elda pelos ensinamentos de vida diários. Ao meu marido Felipe, meu porto-seguro, e em especial pelo apoio incondicional que me prestou durante esses anos de doutorado, sem você não teria conseguido.

À minha amada filha Maria Luiza, que em tão pouco tempo de vida me transformou e tanto me ensinou.

Ao Professor Doutor Márcio Cammarosano, eterno professor, orientador e acima de tudo amigo, por sua generosidade em partilhar comigo seu conhecimento.

Aos Professores Luis Manuel Fonseca Pires e Nelson Saule Júnior, por suas consistentes e pertinentes observações na banca de qualificação.

Ao Centro de Estudos da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, pela ajuda financeira prestada.

(6)

Resumo

A tese apresentada tem por objeto o princípio da coesão dinâmica em Direito Urbanístico e por finalidade a identificação de seu conteúdo jurídico. A doutrina atribuiu à coesão dinâmica a natureza de princípio jurídico autônomo e conteúdo que se aproxima do próprio conceito de sistema. Com base na Teoria Geral do Direito, partiremos da análise do significado das expressões princípio jurídico e sistema jurídico. Em seguida, passaremos ao estudo dos princípios do planejamento e função social da propriedade, que consideramos fundamentais à identificação do Direito Urbanístico brasileiro, com vistas a relacioná-los, especialmente o princípio do planejamento, à coesão dinâmica. Por fim, a partir das normas jurídicas constitucionais e infraconstitucionais sobre política urbana, faremos uma proposta de conteúdo a ser atribuído ao princípio da coesão dinâmica.

(7)

Abstract

The presented thesis is engaged in the principle of dynamic cohesion in Urban Law and order to identify its legal content. The doctrine attributed to the dynamic cohesion nature of autonomous legal principle and content that approaches the system concept itself. Based on the Law General

Theory, we start from the analysis of the meaning of the expressions legal

principle and legal system. Then move on to the study of the principles of planning and social function of property , we consider fundamental to the identification of Brazilian Urban Law, in order to relate them, especially the principle of planning, to dynamic cohesion. Finally, from the constitutional and infra-constitutional legal norms of urban policy, we will make a proposal of content to be assigned to the principle of dynamic cohesion.

(8)

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 10

2 PRINCÍPIOS JURÍDICOS 12

2.1 Proposta de abordagem 12

2.2 Teorias positivistas 13

2.2.1Noções preliminares 13

2.2.2 Herbert L.A. Hart. 13

2.2.3 Hans Kelsen 14

2.2.4 Demais autores positivistas 14

2.3 Teorias pós-positivistas 16

2.3.1 Noções preliminares 16

2.3.2 Ronald Dworkin 18

2.3.3 Robert Alexy 19

2.3.4 José Joaquim Gomes Canotilho 20

2.3.5 Riccardo Guastini 22

2.3.6 Rodolfo Luis Vigo 23

2.3.7 Luís Roberto Barroso 25

2.3.8 Paulo Bonavides 26

2.3.9 Humberto Ávila 26

2.4 As respostas do positivismo 29

2.4.1Herbert L.A. Hart 29

2.4.2 Genaro Carrió 30

2.5 Nossa abordagem – conceito e características 31

2.6 Princípios implícitos 40

3 PRINCÍPIOS DE DIREITO URBANÍSTICO 44

3.1 Posicionamento da doutrina 44

3.1.1 Direto brasileiro 44

3.1.2 Direito italiano 49

3.1.3 Direito espanhol 50

3.1.4 Direito português 51

3.2 Princípios em espécie 54

3.2.1 Princípio do planejamento 55

3.2.1.1 Linhas gerais sobre o plano diretor 62 3.2.2 Princípio da função social da propriedade 65

4 PRINCÍPIO DA COESÃO DINÂMICA 71

4.1 Posicionamento da doutrina 71

4.2 Posicionamento dos Tribunais 82

4.3 Síntese do pensamento doutrinário 86

4.3.1Reflexo da aplicação das normas de Direito Urbanístico à

realidade em constante transformação 86

4.3.2 Integração das normas de Direito Urbanístico, afastada a

aplicação isolada 88

4.3.2.1 Sistema jurídico 88

4.3.2.1.1 Riccardo Guastini 89

(9)

4.3.2.1.5 Estrutura, elementos e características do

sistema jurídico 95

4.3.2.2 Interpretação jurídica 96

4.3.2.2.1 Ricardo Guastini 97

4.3.2.2.2 Rodolfo Luis Vigo 98

4.3.2.2.3 Luís Roberto Barroso e Ana Paula de

Barcellos 99

4.3.2.2.4 Interpretação jurídica e dinamismo 1101 4.3.3 Decorrência do princípio do planejamento 102

4.4A coesão dinâmica como princípio decorrente do princípio do

planejamento 102

4.4.1 Revisão dos planos 104

4.4.2 Integração entre os níveis de planejamento federal,

estadual e municipal 112

4.4.3 Integração entre o plano diretor e a legislação sobre ordenação do solo produzida no âmbito municipal 120

5 CONCLUSÃO 135

(10)

1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem por objeto o estudo do denominado princípio da coesão dinâmica em Direito Urbanístico e por finalidade a identificação de seu conteúdo jurídico, de forma a contribuir para uma melhor sistematização das normas deste ramo do Direito, que ainda entendemos estar em formação.

O estudo específico dos instrumentos jurídicos urbanísticos traz, sem dúvida, enorme contribuição acadêmica e reflexos práticos aos estudiosos e aplicadores do Direito. Porém, para a construção de uma ciência, é necessário primeiramente investigar a natureza e o conteúdo das normas que compõem determinado sistema, bem como o modo como elas se relacionam, à luz da teoria geral do Direito, que fornece os elementos necessários para tal investigação.

Assim, entendemos que antes de estudar os institutos em si mesmos considerados, é essencial estudar o Direito enquanto sistema no qual os institutos se inserem, na tentativa de realizar uma elaboração científica do Direito Urbanístico.

À coesão dinâmica a doutrina atribui a qualidade de princípio jurídico dotado de autonomia. Por tal razão, iremos investigar o sentido e o alcance da expressão princípio jurídico a partir do pensamento filosófico de autores nacionais e estrangeiros, para em seguida verificarmos se a coesão dinâmica, cujo conceito também abordaremos de fato se enquadra em referida espécie normativa e ainda, se é apta a identificar o Direito Urbanístico enquanto ciência jurídica.

Vivemos num momento em que os princípios proliferam-se, assim como as acepções que a eles se atribui. Nos últimos tempos, muitos autores debruçaram-se sobre a temática dos princípios. Alguns dedicaram-se a construir um conceito próprio, afastando-se do entendimento de outros doutrinadores.

É nosso dever aqui, portanto, trazer alguns dos pensamentos existentes, com atenção à efetiva contribuição que o conceito atribuído ao princípio propiciará para a ciência do direito e sua aplicação, caso contrário estaremos diante de princípios vagos1, que a tudo se aplicam.

1 SUNDFELD, Carlos Ari. Princípio é preguiça? In: MACEDO JUNIOR, Ronaldo Porto. Direito e

(11)

Com esse propósito, buscamos investigar como o princípio da coesão dinâmica proporciona o desenvolvimento da ciência do Direito e qual sua utilidade para seus aplicadores.

É certo que a fluidez de seus termos leva a um sem número de aplicações possíveis que, por sua vez, nem sempre representarão avanços acadêmicos, mas mero exercício intelectual, o que pretendemos afastar.

Tendo em vista a melhor adequação do termo, será necessário ainda, no âmbito do pensamento filosófico, a análise das noções de sistema e interpretação.

(12)

2 PRINCÍPIOS JURÍDICOS

2.1 Proposta de abordagem

A coesão dinâmica é tratada pela doutrina como espécie de princípio jurídico. Diante disso, em primeiro lugar cumpre-nos analisar o conceito de princípio, a partir de algumas das principais teorias jurídicas até hoje formuladas.

A depender do conceito de princípio que se adote, seu papel no sistema jurídico será variável e, por consequência, servirá a aplicações distintas, influenciando de maneira diversa as relações jurídicas que dele decorrem.

Foram inúmeras as teorias jurídicas que, a fim de formular o conceito de Direito e identificar os elementos que compõem o ordenamento jurídico, voltaram-se à temática dos princípios.

Conforme veremos adiante, em muitas delas o estudo dos princípios foi realizado com vistas a defender ou rechaçar o modelo positivista de compreensão do Direito, o que não deixaremos de tangenciar, pois muito embora não seja o objetivo central do presente trabalho, é relevante para o estudo dos princípios jurídicos.

Dessa forma, tendo sempre em foco os princípios, por primeiro apresentaremos, em linhas gerais, algumas noções sobre as teorias positivistas, com base nos ensinamentos de Hart e Kelsen, e em seguida trataremos de algumas teorias denominadas de pós-positivistas2 e suas críticas ao positivismo, e

por fim analisaremos as respostas oferecidas por teóricos positivistas.

Também advertimos que muitas das teorias ocuparam-se de estabelecer critérios distintivos entre regras e princípios, porém, como pretendemos examinar os princípios, discorreremos sobre as regras, a complexa distinção entre eles e os critérios para a solução de eventuais conflitos existentes apenas no que for imprescindível à obtenção do conceito de princípio formulado pelos doutrinadores.

(13)

2.2 Teorias positivistas

2.2.1 Noções preliminares

As denominadas teorias positivistas, dentre as quais destacaremos as de Herbert L.A. Hart3 e Hans Kelsen4, preocuparam-se em

identificar o sistema jurídico independente, ou seja, baseado em si próprio. Assim, qualquer justificação para a obrigatoriedade de suas normas deveria provir dele mesmo, e não de uma origem divina ou da natureza do próprio ser humano, conforme pregava a doutrina jusnaturalista.

Entretanto, em suas teorias, os autores responsáveis por difundir o positivismo não se voltaram ao tema dos princípios jurídicos, mas estabeleceram critérios para o estudo científico do Direito, identificando a validade das normas jurídicas, tidas como objeto da ciência do Direito.

2.2.2 Herbert L.A. Hart

Em seu estudo, Hart identificou regras primárias, que estabelecem obrigações dirigidas à conduta das pessoas, e secundárias, que se voltam às regras primárias, e dividem-se em: (i) regras de reconhecimento, que permitem determinar quais são as fontes dotadas de autoridade para emanar as regras primárias; (ii) regras de alteração, que estabelecem os mecanismos e órgãos competentes para modificar ou derrogar as regras primárias; e (iii) regras de julgamento, que possibilitam resolver controvérsias sobre a aplicação das regras primárias mediante a atuação de órgãos e procedimentos destinados para esse fim.

Assim, para Hart, somente é possível falar em uma verdadeira ordem jurídica quando houver uma união das regras primárias e secundárias.

As regras de reconhecimento assumem papel relevante em sua teoria, pois permitem identificar a validade das normas jurídicas. Dessa forma, uma regra é válida quando satisfaz os requisitos estabelecidos pela regra de

3 HART, Herbert L.A. O conceito de direito. 4. ed. trad. Armindo Ribeiro Mendes. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2005.

(14)

reconhecimento, mas a validade da última regra de reconhecimento não pode ser questionada, deve ser simplesmente aceita como adequada.

2.2.3 Hans Kelsen

Em sua Teoria Pura do Direito, Kelsen parte da distinção entre “ser” e “dever-ser”. O primeiro encontra-se no mundo natural, é objeto de estudo, portanto, das ciências naturais, e sustenta-se no binômio verdadeiro–falso. Já o “dever-ser”, refere-se às normas jurídicas, objeto de estudo das ciências sociais, que por sua vez não se contrapõem como “verdadeiras ou falsas”, mas sim válidas ou inválidas.

Em seguida, preocupa-se em desgarrar o Direito da Moral e sustenta que aquele configura uma estrutura hierárquica de normas que regulam a conduta dos homens, dentro da qual cada uma delas deriva sua validade de outra norma superior, mas admite a existência de uma norma cuja validade não pode ser derivada de nenhuma outra.

Assim, pressupõe que a norma fundamental representa a razão última de validade dentro do sistema normativo. É denominada pelo autor de

norma hipotética fundamental.

A estrutura escalonada proposta por Kelsen, a justificar o plano de validade das normas jurídicas e, como consequência, a concepção de sua teoria pura do direito, baseia-se unicamente no aspecto formal deste.

2.2.4 Demais autores positivistas

Com o intuito de estudar o direito sob uma perspectiva sistemática e vertente positivista, autores tradicionais tratavam de princípio como norma estruturante, que assumia papel mais relevante do que as demais normas no sistema, por ser sua fonte geradora.

Nesse sentido, e já direcionando nosso estudo a autores publicistas, destacamos o posicionamento de Ruy Cirne Lima, que afirma:

(15)

sua vez hão de subordinar-se aos princípios fixados pela carta política, da qual o órgão que as elabora tira o poder de fazê-lo5.

Entre os positivistas também prevalecia o entendimento de que os princípios representavam guias, orientações ou indicações gerais para a interpretação dos textos normativos, que informavam a ordem normativa de determinado Estado.

Oswaldo Aranha Bandeira de Mello seguiu tal acepção ao tratar da distinção entre hermenêutica, interpretação e aplicação do direito:

Hermenêutica é a teoria relativa à apuração dos sentidos dos textos legais. Compreende a sistematização teórica dos princípios a serem utilizados na descoberta do significado dos textos legais.

A interpretação é a prática desses princípios, isto é, a própria utilização dos processos adequados para tanto, valendo-se da orientação teórica, fornecida por aquela, na descoberta do pensamento que se enclausura na letra da lei. A aplicação consiste no enquadramento da norma jurídica e dos atos jurídicos decorrentes no caso concreto sob apreciação, de modo a fazer a tese constante da lei incidir sobre a hipótese específica, a fim de se verificar se se acha por ela envolvida, e tirar as consequências que então defluem. Para isso se vale o aplicador do direito da teoria da Hermenêutica e dos processos de interpretação das normas jurídicas.6

Mais recentemente, conferindo ao princípio a função de núcleo básico do sistema jurídico, encontramos a doutrina de Celso Antônio Bandeira de Mello, que assim preleciona:

Princípio é, pois, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para exata compreensão e inteligência delas, exatamente porque define a lógica e a racionalidade do sistema normativo, conferindo-lhe a tônica que lhe dá sentido harmônico. [...]

violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma.7 A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio violado, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra.8

5LIMA, Ruy Cirne. Princípios de direito administrativo. 7.ed. rev. e reelab. por Paulo Alberto Pasqualini. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 72.

6 BANDEIRA DE MELLO, Oswaldo Aranha. Princípios gerais de direito administrativo. 3.ed. vol. I. Introdução. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 401-2.

7 Nessa passagem, Celso Antônio Bandeira de Mello menciona “norma” como sinônimo de regra. 8 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 30.ed. São Paulo:

(16)

Com esta ideia de base ou fundamento do sistema, os princípios assumiram relevante papel como vetores interpretativos, cujo desrespeito implica grave violação ao Direito.

2.3 Teorias pós-positivistas

2.3.1 Noções preliminares

Sem descurar do primordial papel que o positivismo representou para a ciência jurídica, passamos agora ao exame das teorias subsequentes, denominadas, entre outros termos, de pós-positivistas, cujos avanços também entendemos indispensáveis ao estudo e aplicação do Direito na atualidade.

O denominado pós-positivismo, embasado nas teorias críticas do Direito, toma o seu prefixo emprestado do momento em que se situa, a pós-modernidade. Surge no cenário posterior à Segunda Guerra Mundial, em que barbáries foram cometidas em nome da legalidade.

A ruína dos grandes regimes autoritários, como o fascista e o nazista, fez ascender os ideais democráticos, consagrados pela Constituição da Itália de 1947 e pela Lei Fundamental de Bonn, de 1949 na Alemanha. Portugal e Espanha também passaram pela reconstitucionalização e redemocratização após os regimes autoritários salazarista e franquista, respectivamente. Na América Latina, o movimento foi marcado pela queda do peronismo na Argentina, da ditadura Pinochet no Chile e da ditadura militar no Brasil.

Assim, a estrutura formalista do ordenamento passa a ser preenchida por valores éticos e surge a teoria dos direitos fundamentais. A tônica da teoria do direito leva em conta também o aspecto material das normas jurídicas.

O Direito, até então construído a partir do conhecimento unívoco, que derivava da ciência jurídica, abre caminho para, nos dizeres de Rodolfo Luis Vigo, “a pluralidade do saber jurídico”, isto é, o conhecimento do Direito sob distintas perspectivas além da científica, em especial a operativa e filosófica.9

9 VIGO, Rodolfo Luis. Interpretação jurídica – Do modelo juspositivista-legalista do século

(17)

Entra em cena uma nova hermenêutica constitucional e os princípios são extraídos da Constituição, não mais sendo considerados princípios gerais de direito, de conteúdo indeterminado.10

Contudo, há o reconhecimento dos avanços do positivismo para o estudo metodológico do Direito, que forneceu a base teórica adequada para tanto, o que não foi alcançado pelo jusnaturalismo.

Albert Calsamiglia assim se refere ao pós- positivismo:

En un cierto sentido la teoria jurídica actual se pude denominar postpositivista precisamente porque muchas de las enseñanzas del positivismo han sido aceptadas y hoy todos en un cierto sentido somos positivistas. [...] Denominaré postpositivistas a las teorias contemporâneas que ponen el acento en los problemas de la indeterminación del derecho y las relaciones entre el derecho, la moral y la política.11

Esta nova fase, ainda em formação, entendemos ter sido corretamente resumida nos dizeres de Luís Roberto Barroso, que a ela se refere como teoria crítica:

A teoria crítica, portanto, enfatiza o caráter ideológico do Direito, equiparando-o à política, a um discurso de legitimação do poder. O Direito surge, em todas as sociedades organizadas, como a institucionalização dos interesses dominantes, o acessório normativo da hegemonia de classe. Em nome da racionalidade, da ordem, da justiça, encobre-se a dominação, disfarçada por uma linguagem que a faz parecer natural e neutra. A teoria crítica preconiza, ainda, a atuação concreta, a militância do operador jurídico, à vista da concepção de que o papel do conhecimento não é somente a interpretação do mundo, mas também sua transformação.

Uma das teses fundamentais do pensamento crítico é a admissão de que o Direito possa não estar integralmente contido na lei, tendo condição de existir independentemente da bênção estatal, da positivação, do reconhecimento expresso pela estrutura de poder. O intérprete deve buscar a justiça, ainda quando não a encontre na lei. A teoria crítica resiste, também à ideia de completude, de autosuficiência e de pureza, condenando a cisão do discurso jurídico, que dele afasta os outros conhecimentos teóricos. O estudo do sistema normativo (dogmática jurídica) não pode insular-se da realidade (sociologia do direito) e das bases de legitimidade que devem inspirá-lo e possibilitar a sua própria crítica (filosofia do direito). A interdisciplinaridade, que colhe elementos em outras áreas do saber – inclusive os menos óbvios, como a psicanálise ou a linguística –, tem uma fecunda colaboração a prestar ao universo jurídico.12

10 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 28.ed. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 283.

11 CALSAMIGLIA, Albert. Postpositivismo. Doxa 21:209. Disponível em

http://bib.cervantesvirtual.com/servlet/SirveObras/public/23582844322570740087891/cuaderno

21/volI/Doxa21_12.pdf?portal=4. Acesso em 03.05.2014.

(18)

Neste novo cenário que se apresenta, os princípios são tidos como instrumentos veiculadores desses valores, e são albergados pela Constituição expressa ou implicitamente, reconhecida sua normatividade.13

Adiante, destacaremos o pensamento dos principais representantes desta vertente e em especial sua contribuição para o desenvolvimento do conceito de princípio jurídico.

2.3.2 Ronald Dworkin

O norte-americano Ronald Dworkin, professor titular de Filosofia do Direito da Universidade de Oxford, propôs uma teoria baseada nos direitos individuais e afirmou que sem eles não existe o Direito. Afirmou ainda que a distinção entre Direito e Moral não é tão clara quanto se sustenta no modelo positivista, que deixa de fora os princípios.

Tomou o autor como base para sua crítica ao positivismo a teoria de Hart, que em linhas gerais expusemos acima. Para o autor, além das regras, que passam pelo teste da submissão à regra de reconhecimento proposto por Hart, que tem por finalidade validá-las como elementos do sistema, denominado teste de pedigree, existem os princípios, que, ao lado das diretrizes políticas, não podem ser identificados formalmente, por sua origem, mas pelo peso de seu conteúdo e força normativa.14

Segundo Dworkin, o positivismo jurídico rejeita a ideia de que os direitos jurídicos possam preexistir a qualquer forma de legislação; em outras palavras, rejeita a ideia de que indivíduos ou grupos possam ter outros direitos além daqueles expressamente determinados pela coleção de regras explícitas que formam a totalidade do Direito de uma comunidade.

Assim, para o autor, o positivismo jurídico é a teoria segundo a qual os indivíduos só possuem direitos jurídicos na medida em que estes tenham sido criados por decisões políticas ou práticas sociais expressas pelo legislador.

A partir da análise de casos difíceis, e da suposição de que as normas jurídicas não fornecem critérios certos para a sua solução, o que equivale

13 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. 7.ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 327.

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à incompletude do sistema jurídico, Dworkin invoca os princípios, que segundo ele fornecem razões para decisão em um determinado sentido, levando em conta os critérios de justiça e equidade, e ainda reduzem a discricionariedade do aplicador.

Para Dworkin, portanto, princípios são standards juridicamente vinculantes radicados nas exigências de justiça.

Nesse sentido, assinala que somente o arcabouço jurídico composto de normas, diretrizes e princípios é capaz de dar uma resposta correta ao problema posto.

Diferencia os princípios das normas na medida em que estas prescrevem comportamentos e aqueles critérios para decisão diante da incompletude do sistema em que se inserem as normas, os quais são obtidos por meio da formulação de teorias. Neste cenário, o Poder Judiciário “cria” o direito a partir do caso concreto, dada a insuficiência das normas positivadas para a solução dos conflitos.

O juiz assume posição de destaque no pensamento de Dworkin, o que torna discutível a visão sistemática do Direito. Ao analisar o litígio, o juiz configura sistematicamente o direito vigente para chegar a uma decisão. Assim, para o autor, até o caso concreto, não há que se falar num sistema jurídico pronto e acabado. O sistema jurídico, portanto, é recriado a cada decisão judicial, o que não afeta sua unidade, coerência e plenitude.15

Ao contrário do que defendem os positivistas, portanto, segundo Dworkin o Direito é composto de elementos prescritivos – normas jurídicas, que ditam resultados – e descritivos – teorias formuladas para a solução dos casos difíceis, que ensejam a invocação de padrões extrajurídicos, como os princípios extraídos da Moral, por exemplo, cujo peso revela-se importante à decisão, mas sem estabelecer previamente direitos ou deveres.

A doutrina de Dworkin aproxima-se do jusnaturalismo na medida em que concebe o sistema jurídico formado não apenas por normas, mas também por valores, representados pelos princípios.

2.3.3 Robert Alexy

15 VIGO, Rodolfo Luis. Interpretação jurídica – Do modelo juspositivista-legalista do século

(20)

Robert Alexy constrói sua teoria do Direito a partir da normatividade dos princípios, e pressupõe serem estes espécies do gênero norma jurídica, do qual também se extraem as regras. Todavia, delas diferem em virtude da dificuldade de aplicação, pois podem entrar em conflito ou contradição, por não terem a pretensão de exclusividade como as regras, mas ao contrário, complementam-se e limitam-se reciprocamente.

Dessa forma, enquanto as regras representam razões definitivas, os princípios representam razões prima facie. Segundo essa visão, os princípios são normas que determinam mandados de otimização, a serem realizados na maior medida possível, cuja aplicação definitiva só ocorrerá após a ponderação com outros princípios, que prevalecerão ou não diante do caso concreto, sem que haja exclusão de um ou de outro do ordenamento jurídico.

A aplicação dos princípios, portanto, não depende apenas das possibilidades fáticas, mas também jurídicas.

São normas dotadas de acentuado grau de relatividade, já que podem ser cumpridas em diferentes graus. Isto porque os princípios positivam valores, e não há valor absoluto.

Admite ainda que princípios e valores são relacionáveis e se distinguem em função do caráter axiológico destes em face do caráter deontológico daqueles16.

O autor tedesco admite, assim, a utilização dos princípios de forma mais ou menos intensa, de acordo com as possibilidades jurídicas existentes, sem que isso comprometa sua validade, como ocorre em relação às regras.17

2.3.4 José Joaquim Gomes Canotilho

Antes de apresentar sua teoria sobre princípios, que recebeu muita influência das teorias de Dworkin e Alexy, o constitucionalista estabelece como pressuposto que o sistema jurídico português é um sistema aberto de

16 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Trad. Virgílio Afonso da Silva, 2.ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 144-5.

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regras e princípios, “porque tem uma estrutura dialógica, traduzida na disponibilidade e capacidade de aprendizagem das normas constitucionais para captarem a mudança da realidade e estarem abertas às concepções cambiantes da verdade e da justiça.”18

Em seguida, sugere o abandono da distinção entre normas e princípios e a adoção da distinção entre regras e princípios, ambos tidos pelo autor, portanto, como espécies de normas.19

Sobre a distinção entre regras e princípios, o autor português entende que a complexidade apresentada decorre do fato de não se estabelecer as seguintes premissas fundamentais: (i) identificar a função dos princípios, ou seja, se eles têm função retórico-argumentativa ou são normas de conduta e (ii) saber se existe um denominador comum entre regras e princípios, o que conduziria a uma distinção quanto ao grau, ou se são qualitativamente diferentes.20

Para o autor, a função retórico-argumentativa é desempenhada pelos princípios hermenêuticos, que permitem:

[...] por exemplo denotar a ratio legis de uma disposição ou revelar as normas que não são expressas por qualquer enunciado legislativo, possibilitando aos juristas, sobretudo aos juízes, o desenvolvimento, integração e complementação do direito.21

Entretanto, ressalta que tais princípios não possuem a qualidade de verdadeiras normas jurídicas, categoria na qual se inserem as regras, e delas diferem qualitativamente por constituírem exigências de otimização, que exprimem valores, compatíveis com vários graus de concretização.22 Nesse

sentido, adota o pensamento de Dworkin e Alexy.

O autor também revela compartilhar do posicionamento de Luhmann e Müller e admitir função sistêmica aos princípios, por servirem de fundamento de validade às regras jurídicas e conferirem unicidade ao sistema, a partir da Constituição Federal:

18 CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7.ed. Coimbra: Almedina, 2003, p. 1.159.

19 CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7.ed. Coimbra: Almedina, 2003, p. 1.160.

20 CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7.ed. Coimbra: Almedina, 2003, p. 1.161.

21 CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7.ed. Coimbra: Almedina, 2003, p. 1.161.

(22)

Em virtude de sua referência a valores ou da sua relevância ou proximidade axiológica (da justiça, da ideia de direito, dos fins de uma comunidade), os princípios têm uma função normogenética e sistémica: são o fundamento de regras jurídicas e têm uma idoneidade irradiante que lhes permite “ligar” ou cimentar objetivamente todo o sistema constitucional.23

Nesse sentido, Canotilho propõe um sistema constitucional baseado em regras e princípios de diferentes graus de concretização, formado por princípios estruturantes, princípios constitucionais gerais, princípios constitucionais especiais e regras constitucionais.24

Os princípios estruturantes são indicativos das diretrizes básicas de toda ordem constitucional. São as vigas mestras do sistema constitucional. No Direito brasileiro, a exemplo do Direito português, seriam princípios estruturantes o Estado de Direito, princípio democrático e republicano.

Os princípios gerais fundamentais, por sua vez, densificam os princípios estruturantes, e com ele formam um sistema interno. Assim, ao princípio do Estado de Direito é conferida maior densidade normativa pelo princípio da legalidade (art. 5º, II e art. 37, caput, da CF/88).

Nesse passo, os princípios especiais fornecem maior concretude aos princípios gerais, como ocorre com o princípio da vedação ao excesso, ou proporcionalidade25, em relação ao princípio da legalidade.

Por fim, as regras constitucionais densificam os princípios especiais. No Direito brasileiro, podemos citar como exemplo de regra constitucional, densificadora dos princípios da proporcionalidade e da legalidade, aquela que prevê prazo de validade do concurso público de até dois anos, prorrogável uma vez por igual período (art. 37, III da CF/88).

2.3.5 Riccardo Guastini

Da doutrina italiana damos destaque aos estudos de Riccardo Guastini, que desde o início admite a impossibilidade de enquadrar os princípios

23 CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7.ed. Coimbra: Almedina, 2003, p. 1.163.

24 CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7.ed. Coimbra: Almedina, 2003 p. 1.173-5.

(23)

em uma categoria simples e unitária. Para o autor, os princípios são normas jurídicas dotadas das seguintes propriedades: (i) posicionamento diferenciado em relação às demais normas do sistema, servindo de fundamento em três diferentes sentidos: (a) maior generalidade, característica que permite que deles decorreram outras normas; (b) representam um fim e outras normas um meio para atingi-lo e (c) são normas de competência e delas emanam a autoridade instituída por outras normas; (ii) significado mais indeterminado do que outras normas, representando até mesmo vagueza, em razão de: (a) não possuírem um campo exato de aplicação, (b) possuírem conteúdo teleológico ou programático e (iii) generalidade em relação às outras normas.

No que se refere a indeterminação e generalidade, o autor ressalva que, por serem conceitos relativos, não são propriedades peculiares aos princípios, e podem ser encontradas também nas regras.26

Por fim, destaca o autor italiano que os princípios são usados na produção, interpretação e integração do direito. Quanto à produção, diz o autor que os princípios são responsáveis por circunscreverem o limite substancial das normas que lhe são subordinadas, que com eles não poderão ser incompatíveis. A interpretação, por sua vez, deve sempre ser realizada em conformidade com os princípios expressos, sobretudo os constitucionais. No que concerne à integração, os princípios são usados na colmatação de lacunas.27

2.3.6 Rodolfo Luis Vigo

Atento às funções desempenhadas pelos princípios está o argentino Rodolfo Luis Vigo, que assim as discrimina: função ontológica, normativa e gnosiológica. Ao assumir a função ontológica, os princípios originam normas e outros princípios jurídicos. De acordo com o significado normativo, todo princípio assinala uma exigência de determinadas condutas a serem realizadas em cumprimento à finalidade do princípio. Por sua vez, os princípios possuem alcance cognitivo, pois representam a própria ideia central de uma instituição

26 GUASTINI, Riccardo. Das fontes às normas. Trad. Edson Bini. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 185-91.

(24)

jurídico-positiva, possibilitam o conhecimento do sentido de uma norma. Por tal razão, a ciência reduz os fenômenos a seus princípios.28

Também tratou o autor da categoria dos princípios gerais de direito, que entende estarem estreitamente vinculados ao jusnaturalismo:

De nossa parte, acreditamos que o jusnaturalismo, por si próprio, muito além de suas distintas versões, supõe o reconhecimento explícito ou implícito de certos princípios, preceitos ou fins que, ao menos em sua versão clássica ou tradicional, se descobrem como constitutivos da natureza humana e da ordem humana, representando o fundamento e a medida do que deve ser o direito positivo.29

Alertou o autor, contudo, para o fato de a inclusão dos princípios gerais de Direito nos códigos, na época do cientificismo jurídico do século XIX, poder torná-los versões prontas e acabadas, com desprezo a sua transcendência original.30

Ainda segundo o autor, a positivação dos princípios gerais de Direito deu origem a diversas correntes doutrinárias, que merecem ser citadas devido ao reflexo prático que ensejam31:

a) positivistas: segundo os quais os princípios gerais de direito encerram-se no direito positivo. Seguem tal corrente, considerada minoritária pelo autor: Messineo, De Ruggiero, Coviello, Ripert-Boulanger, Clemente de Diego, Salvat, Busso, Carrió, Cabanellas e Álvarez Gardiol;

b) historicistas: buscam o significado dos princípios num direito pretérito. Compartilham este entendimento: Bianchi, Brugi e Sánchez Román;

c) cientificistas: os princípios gerais de direito são elaborados a partir da ciência jurídica. Nesse sentido: Pachioni e Spota;

d) metapositivistas: o conteúdo dos princípios gerais de direito é obtido fora do direito positivo. Esta corrente é capitaneada por autores envolvidos no jusnaturalismo tradicional, jusnaturalismo racionalista e também em posições

28 VIGO, Rodolfo Luis. Interpretação jurídica – Do modelo juspositivista-legalista do século

XIX às nossas perspectivas. 2.ed. Trad. Susana Elena Dalle Mura. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 131-3.

29 VIGO, Rodolfo Luis. Interpretação jurídica – Do modelo juspositivista-legalista do século

XIX às nossas perspectivas. 2.ed. Trad. Susana Elena Dalle Mura. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 124.

30VIGO, Rodolfo Luis. Interpretação jurídica – Do modelo juspositivista-legalista do século

XIX às nossas perspectivas. 2.ed. Trad. Susana Elena Dalle Mura. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 124.

31VIGO, Rodolfo Luis. Interpretação jurídica – Do modelo juspositivista-legalista do século

(25)

axiológicas, tais como: Del Vecchio, Valverde y Valverde, Rodríguez Arias, Bustamante, Entrena Cuesta, García Maynez, Cutolo, Arauz Castex, Cossio, Torres Lacroce e Orgaz;

e) ecléticos: admitem a existência dos princípios gerais de direito indicados no direito positivo e também fora deste, conciliando as posições positivista e metapositivista. Segundo o autor, trata-se da corrente que reúne o maior número de juristas na atualidade, da qual compartilha, juntamente com Federico de Castro y Bravo, Recaséns Siches, Castán Tobeñas, Legaz y Lacambra, Rivacoba y Rovacoba, Fernández Galiano, Mans Puigarnau, Gardella, Goldschmidt, Reale, Mouchet, Zorraquín Becú, Marienhoff, Boda e Linares.

2.3.7 Luís Roberto Barroso

Entre nós, Luís Roberto Barroso dedicou-se ao estudo dos princípios jurídicos, que em grande parte filia seu pensamento ao dos autores acima mencionados pois admite que os princípios são espécies de normas jurídicas e, ainda, reconhece aos princípios duas funções: uma imediata, de aplicação à determinada relação jurídica, e outra mediata, como critério de interpretação e integração do texto constitucional.32

Para o autor, os princípios representam os valores mais relevantes da ordem jurídica, bem como outros, que a transcendem.

Os grandes princípios de um sistema jurídico são normalmente enumerados em algum texto de direito positivo. Não obstante, e sem pretender enveredar por discussão filosófica acerca do positivismo e jusnaturalismo, tem-se, aqui, como fora de dúvida que esses bem sociais supremos existem fora e acima da letra expressa das normas legais, e nelas não se esgotam, até porque não têm caráter absoluto e se encontram em permanente mutação. [...] Deixando de lado os chamados princípios gerais do direito, que constituem uma discussão à parte, é bem de ver que os próprios princípios de interpretação constitucional tratados neste capítulo, que integram, sem sombra de dúvida, o sistema constitucional positivo, não são, na sua generalidade, objetos de disposição.33

O constitucionalista brasileiro, seguindo as linhas traçadas por Canotilho, também adotou a sistematização dos princípios constitucionais em

29 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. 7.ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 152.

(26)

princípios estruturantes, princípios gerais e especiais, agregando aos ensinamentos já firmados as contribuições expostas a seguir.34

Os princípios fundamentais constituem o núcleo imodificável do sistema, ou seja, barreiras às alterações constitucionais promovidas pelo Poder Constituinte derivado.

Os princípios gerais são importantes especificações dos princípios estruturantes, e ensejam a tutela imediata das situações jurídicas que contemplam.

Os princípios especiais, por ele também denominados de

setoriais, representam um conjunto específico de normas relacionado a determinado tema, como se dá com o princípio da anterioridade em matéria tributária.

2.3.8 Paulo Bonavides

Paulo Bonavides, seguindo também a vertente pós-positivista, considera a normatividade essencial à caracterização dos princípios, e critica as teorias que a ela não fazem referência.35

O autor deu destaque ao aspecto material dos princípios e sua preeminência no sistema jurídico, considerando-os normas-chave deste:

Daqui já se caminha para o passo final da incursão teórica: a demonstração do reconhecimento da superioridade e hegemonia dos princípios na pirâmide normativa; supremacia que não é unicamente formal, mas sobretudo material, e apenas possível na medida em que os princípios são compreendidos e equiparados e até mesmo confundidos com os valores, sendo, na ordem constitucional dos ordenamentos jurídicos, a expressão mais alta da normatividade que fundamenta a organização do poder.

As regras vigem, os princípios valem; o valor que neles se insere se exprime em graus distintos. Os princípios, enquanto valores fundamentais, governam a Constituição, o regímen, a ordem jurídica. Não são apenas a lei, mas o Direito em toda a sua extensão, substancialidade, plenitude e abrangência.36

2.3.9 Humberto Ávila

34 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. 7.ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 155-6.

35 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 28.ed. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 266.

(27)

Ainda entre nós, outro autor dedicado ao exame dos princípios jurídicos no cenário pós-positivista, porém apresentando críticas às teorias de Dworkin e Alexy, é Humberto Ávila, que desde logo em sua obra destaca a relevância de seu estudo, por servirem de fundamento à aplicação da Constituição Federal.37

O autor parte seu estudo do seguinte questionamento: será que todas as normas jurídicas possuem característica de regras ou princípios?38

Também sugere que determinados dispositivos são obtidos a partir da análise de outros, e traz como exemplo o princípio da segurança jurídica, retirado da noção conjunta dos princípios constitucionais da legalidade, irretroatividade e anterioridade.39

Assim, na visão do autor, um determinado dispositivo não contém ou não é um princípio ou regra, conclusão que somente será alcançada após o término do processo interpretativo, que abriga conexões valorativas que não estão incorporadas ao texto normativo.

[...] o último passo não é dado pelo dispositivo nem pelo significado preliminar da norma, mas pela decisão interpretativa, como será adiante aprofundado [...] mesmo que determinado dispositivo tenha sido formulado de modo hipotético pelo Poder Legislativo, isso não significa que não possa ser havido pelo intérprete como um princípio [...] Essa relação deve ser, nos limites textuais e contextuais, coerentemente construída pelo próprio intérprete. Por isso, não é correto afirmar que um dispositivo constitucional contém ou é um princípio ou uma regra [...] Enfim, o qualificativo de princípio ou de regra depende do uso argumentativo, e não da estrutura hipotética.40

Além das conexões valorativas, o autor ressalta como essencial ao processo interpretativo da busca do significado dos princípios a problemática envolvendo os casos concretos, e não necessariamente apenas casos difíceis, como esposado por Dworkin:

No caso dos princípios, o elemento descritivo cede lugar ao elemento finalístico, devendo o aplicador, em razão disso, argumentar de modo a fundamentar uma avaliação de correlação entre os efeitos da conduta a

37 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios – da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 8.ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 23.

38 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios – da definição à aplicação dos princípios

jurídicos. 8.ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 26.

39 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios – da definição à aplicação dos princípios

jurídicos. 8.ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 31.

40 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios – da definição à aplicação dos princípios

(28)

ser adotada e a realização gradual do estado de coisas exigido. Como não se trata de demonstração de correspondência, o ônus argumentativo é estável, não havendo casos fáceis e casos difíceis. E, como não há descrição do conteúdo do comportamento, a interpretação do conteúdo normativo dos princípios depende, com maior intensidade, do exame problemático. Com efeito, os princípios da motivação dos atos administrativos e da moralidade da administração não podem ser construídos sem o exame de casos em que foram aplicados ou em que deveriam ter sido aplicados, mas deixaram de ser. Daí a maior necessidade da análise de casos paradigmáticos para a investigação do conteúdo normativo dos princípios: é preciso investigar casos cuja solução, porque baseada em valores passíveis de generalização, possa servir de paradigma para outros casos similares, como será adiante analisado.41 (grifo nosso)

De acordo com o autor, portanto, princípios podem ser definidos da seguinte maneira:

[...] normas imediatamente finalísticas, primariamente prospectivas e com pretensão de complementaridade e de parcialidade, para cuja aplicação se demanda uma avaliação da correlação entre o estado de coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta havida como necessária à sua promoção42.

Desse modo, as normas dirigem-se a comportamentos humanos e os princípios, em especial, estabelecem determinado fim, pois não descrevem objeto em sentido amplo (sujeitos, condutas, matérias, fontes, efeitos jurídicos, conteúdos), mas, em vez disso, um exame de correlação entre o estado de coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta havida como necessária à sua promoção.43

Humberto Ávila também aborda interessante aspecto, em relação aos sobreprincípios, que exercem função interpretativa:

Na verdade, a função que os sobreprincípios exercem distintivamente é a função rearticuladora, já que eles permitem a interação entre os vários elementos que compõem o estado ideal de coisas a ser buscado. Por exemplo, o sobreprincípio do devido processo legal permite o relacionamento entre os subprincípios da ampla defesa e do contraditório com as regras de citação, de intimação, do juiz natural e da apresentação de provas, de tal sorte que cada elemento, pela relação que passa a ter com os demais em razão do sobreprincípio, recebe um significado novo, diverso daquele que teria caso fosse interpretado isoladamente44.

41 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios – da definição à aplicação dos princípios

jurídicos. 8.ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 74-5.

42 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios – da definição à aplicação dos princípios

jurídicos. 8.ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 78.

43 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios – da definição à aplicação dos princípios

jurídicos. 8.ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 83.

(29)

Os sobreprincípios, segundo o autor, sobrepõem-se axiologicamente em relação às demais normas, muito embora estejam no mesmo nível delas. Situação diferente ocorre com os postulados, tidos pelo autor como metanormas ou normas de segundo grau, por estarem em outro nível e serem destinados à compreensão em geral do Direito – postulados hermenêuticos - ou estabelecerem uma diretriz metódica, uma orientação relativamente à aplicação das demais normas – postulados aplicativos.45

Na visão do autor, os postulados hermenêuticos são necessários para a compreensão interna e abstrata do ordenamento jurídico.46 Destaca como

um dos mais importantes o postulado da unidade do ordenamento jurídico, que exige do intérprete que relacione a parte e o todo. Outro postulado hermenêutico, decorrente do postulado da unidade, é o da coerência, que exige do intérprete que relacione as normas do ordenamento entre si. E por fim, para compreender o ordenamento como uma estrutura escalonada existe o postulado da hierarquia, do qual emerge o critério da interpretação conforme à Constituição.47

Já os postulados aplicativos são assim denominados pelo autor pois oferecem a estrutura de aplicação de outras normas, princípios e regras, tais como os postulados da proporcionalidade, razoabilidade e proibição de excesso.48

2.4 As respostas do positivismo

As críticas ao positivismo acima analisadas, bem como as teorias formuladas acerca de princípios, foram alvo de resposta por parte de autores positivistas, entre os quais destacaremos Hart e Carrió.

2.4.1 Herbert L.A. Hart

45 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios – da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 8.ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 121-2.

46 É interessante aqui frisar que o significado de postulado hermenêutico na visão do autor coincide com o que Canotilho entende por princípio hermenêutico que exerce função retórico-argumentativa e não se identifica como norma de conduta, conforme já abordado.

47 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios – da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 8.ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 123-4.

(30)

Hart, no pós-escrito de sua obra O conceito de direito, em resposta às críticas promovidas por Dworkin afirmou que:

Mas embora os meus exemplos principais dos critérios fornecidos pela regra de reconhecimento sejam questões daquilo a que Dworkin tem chamado pedigree, dizendo respeito apenas ao modo como as leis são adoptadas ou criadas por instituições jurídicas, e não ao seu conteúdo, eu expressamente afirmo os dois seguintes pontos neste livro e no meu artigo anterior intitulado Positivism and the Separation of Law anda Morals, que em muitos sistemas de direito, tal como nos Estados Unidos, os critérios últimos de validade jurídica podiam incorporar explicitamente, para além de pedigree, princípios de justiça ou valores morais substantivos, e estes podem integrar o conteúdo de restrições jurídico-constitucionais.49

Para o autor, portanto, a inclusão dos princípios como parte do Direito não enseja o abandono da teoria da regra de reconhecimento.

2.4.2 Genaro Carrió

Genaro Carrió, por sua vez, tratou de diversos entendimentos possíveis atribuídos à expressão princípio com o fim de comprovar que a concepção positivista do direito não se afasta do reconhecimento dos princípios como espécie de normas jurídicas.

Segundo o autor, um princípio jurídico pode se apresentar de acordo com um dos seguintes entendimentos: (i) característica central ou núcleo básico; (ii) guia, orientação ou indicação geral; (iii) fonte geradora, causa ou origem; (iv) finalidade, objetivo ou propósito; (v) premissa, axioma, ponto de partida ou evidência teórica; (vi) verdade ética inquestionável ou evidência prática; (vii) máxima decorrente do prestígio da tradição.50

Assim, o autor procura mostrar as várias concepções atribuíveis à expressão princípio para em seguida restringir quais delas não se opõem à concepção positivista. Também afirma que os usos conferidos à expressão podem se sobrepor, e que a separação foi feita para obter clareza sistemática.51

49 HART, Herbert L.A., O conceito de direito. 4.ed. Trad. Armindo Ribeiro Mendes. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2005, p 309.

50 CARRIÓ, Genaro. Principios jurídicos y positivismo jurídico, Buenos Aires: Abeledo – Perrot, 1970, p. 33.

(31)

O autor também propõe-se a analisar o que se entende por positivismo jurídico para somente então verificar quais dos usos atribuídos à expressão princípio são com ele compatíveis.52

Novamente, vários sentidos são apontados. Senão vejamos. No primeiro sentido, mais amplo e menos preciso, o positivismo limitar-se-ia a negar o jusnaturalismo. Num segundo sentido, exclui o jusnaturalismo e toda referência a entidades metafísicas. Ambos, contudo, representam um sentido negativo, ou seja, referem-se ao positivismo considerando o que com ele não se identifica.

Circunscrito o âmbito de abrangência do positivismo, o autor delimita agora quais acepções da expressão princípio são com ele compatíveis. Na primeira, os princípios seriam pautas de segundo nível, que indicam como devem ser complementadas as regras de primeiro grau. Na segunda, os princípios seriam os propósitos, objetivos e metas de uma regra ou conjunto de regras do sistema, certas exigências de justiça e moral positivas.

Os princípios, segundo o autor, também constituem regras em sentido amplo, conforme modelo de Hart. Assim, não existiria diferença lógica entre regras e princípios.

O modelo de regras de Hart, portanto, severamente criticado por Dworkin, também abarcaria os princípios. A regra de reconhecimento serve para identificar tanto regras como princípios, e os que não satisfazem seus requisitos não fazem parte do sistema de direito positivo, muito embora por vezes sejam chamados de princípios jurídicos apenas por a ele se referirem.53

2.5 Nossa abordagem – conceito e características

Cada autor, a seu modo, desenvolveu sua teoria sobre princípio jurídico, a ele atribuindo determinadas funções, as quais, a nosso ver, não são excludentes, mas revelam-se mais ou menos adequadas a depender da premissa que se adote e da finalidade que se persiga ao utilizá-las.

52 CARRIÓ, Genaro. Principios jurídicos y positivismo jurídico, Buenos Aires: Abeledo – Perrot, 1970, p. 39 - 45.

(32)

A partir da análise feita acima, extrairemos agora os elementos que consideramos peças-chave para a abordagem aqui pretendida e formaremos nosso próprio conceito de princípio, que não se enquadra exclusivamente em uma só teoria.

Seguindo a doutrina de Dworkin, por exemplo, o princípio da coesão dinâmica poderia ser amoldado como padrão extrajurídico indicativo da decisão a ser tomada, com exclusão de todas as demais correntes existentes. Isso por não ser o princípio da coesão expresso no ordenamento jurídico e ainda considerando a interdisciplinaridade que envolve a temática urbanística, a justificar o emprego de valor extrajurídico como razão de decidir.

Entendemos, entretanto, que os princípios são espécies de normas jurídicas e que, portanto, não encerram valores extrajurídicos, mas sim valores extraídos do sistema jurídico no qual se inserem, em especial da Constituição Federal.

Pretendemos aqui, conforme declaramos anteriormente, verificar o conteúdo jurídico da coesão dinâmica e de que forma ele contribuiu para a identificação do Direito Urbanístico, este reconhecido enquanto um conjunto de normas ordenadas sistematicamente.

Desse modo, cumpre desde logo consignar que não aceitamos que princípios sejam padrões extrajurídicos. São normas jurídicas, ainda que implícitas, mas que têm origem no sistema jurídico-normativo. É difícil imaginar, pois, um princípio que não esteja albergado pelo nosso ordenamento jurídico.

Outrossim, entendemos que se tomarmos os princípios como

standards extrajurídicos, ao contrário do afirmado por Dworkin, haveria contribuição para o aumento da discricionariedade do julgador, o que por ele é criticado na teoria de Hart.

Nesse mesmo sentido, destacamos o posicionamento de Rodolfo Luis Vigo:

(33)

inédito na novela jurídica, com faculdades até para invalidar leis, na esperança de descobrir uma resposta correta.54

Feita a ressalva acima, temos que os princípios, ao contrário das regras, possuem fluidez maior a ser preenchida com base em intepretação do aplicador do direito, decorrente da carga valorativa que apresentam, cujo destaque foi dado pelas teorias pós-positivistas, mas que devem se referir, repisamos, a valores internalizados pelo ordenamento jurídico.

Com isso, compartilhamos o raciocínio do Professor Márcio Cammarosano, que ao tratar do princípio da moralidade administrativa, afirma que esta não corresponde a valores extraídos unicamente da moral comum, mas sim juridicizados pelo ordenamento jurídico.

Procurando depurar o conceito de moralidade administrativa, sustentamos que não está referida direta e imediatamente à moral comum, individual ou social não institucionalizada, nem a este ou aquele ideal de justiça consubstanciado nas convicções pessoais de quem quer que seja, ou numa suposta justiça universal. Está referida sim a valores que informam o direito positivo, como a lealdade, boa-fé, veracidade, honestidade.55

Consideramos ainda, em relação às teorias abordadas, extremamente relevante o padrão de sistematização oferecido pelos autores e, assim, daremos destaque apenas àquelas que definiram princípios como (i) normas jurídicas de conteúdo prescritivo e (ii) normas jurídicas de conteúdo estruturante. Senão vejamos.

É possível imaginar que referidas teorias identificaram, cada qual, facetas da expressão princípio jurídico, que assumirão posição preponderante em relação às demais de acordo com a premissa adotada e o propósito perseguido, conforme já afirmamos no início desta seção.

Assim, o estudo direcionado a verificar se determinados comportamentos estão de acordo com a ordem jurídica vigente deve considerar como teoria preponderante aquela que identifica os princípios enquanto normas jurídicas de conteúdo prescritivo.

Por sua vez, a análise que tiver por objetivo a identificação das normas que compõem certo sistema jurídico e sinalizar para a especificação de

54 VIGO, Rodolfo Luis. Interpretação jurídica – Do modelo juspositivista-legalista do século

XIX às nossas perspectivas. 2.ed. Trad. Susana Elena Dalle Mura. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 77.

55 CAMMAROSANO, Márcio. O princípio constitucional da moralidade e o exercício da função

(34)

determinada ciência jurídica, deve adotar como acepção de princípio mais adequada aquela que o concebe enquanto norma estruturante, orientadora das demais normas do sistema.

Dessa forma, o mesmo princípio pode vir a assumir acepções diversas, conforme a realidade que se inserir, as quais, contudo, não se revelam contraditórias.

Por tal razão é que entendemos que certas teorias sobre princípios não se contrapõem, mas apenas partem de pressupostos distintos, tomados de acordo com a finalidade a ser alcançada.

A partir daí, temos que princípio é norma jurídica, de conteúdo prescritivo, ainda que não expressa no ordenamento, mas que dele decorra e que possa servir de instrumento norteador à compreensão das demais normas do sistema jurídico.

Todavia, para os autores que, a exemplo de Dworkin, sustentam que o positivismo admite como Direito apenas as regras expressas de um sistema, que passaram por um processo político, o que no Brasil se identifica com a produção legislativa, os princípios não são normas jurídicas.

É oportuno ressaltar, conforme afirmado por Dworkin, a pertinência de sua teoria aos sistemas jurídicos que vigoram nos Estados Unidos e Grã-Bretanha56, cunhados na commom law, bem como a proposta de uma

teoria concretista do direito, decorrente das proposições que são extraídas dos julgamentos.

No sistema jurídico brasileiro, por seu turno, que seguiu o modelo de sistema jurídico europeu continental e hoje conta com uma Constituição analítica, com mais de 200 (duzentos) dispositivos que contêm normas jurídicas prescritivas de direitos e deveres, ou ainda que estruturam e legitimam o processo decisório para a produção das leis e normas jurídicas infraconstitucionais, que por sua vez também prescrevem comportamentos e sanções, é difícil imaginar, como já afirmamos, situação fática que, posta à decisão judicial, não se subsuma a nenhuma norma jurídica expressa no ordenamento ou que dele decorra, por ser implícita, e que imponha a invocação de critérios extrajurídicos, como os padrões morais, por exemplo.

(35)

É importante mencionar que o Direito brasileiro estabelece inclusive mecanismos para solução de conflitos, diante da aparente incompletude do sistema, no art. 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Decreto-lei n. 4.657/42).57 Desse modo, critérios à primeira vista extrajurídicos,

são integrados ao sistema e passam, portanto, a constituir razões jurídicas de decisão.

Não são critérios extrajurídicos utilizados livremente pelo julgador, e sim porque o sistema jurídico os reconhece e permite sua aplicação. Daí porque decorrem do sistema e não da apreciação subjetiva do julgador.

Assim, a teoria desenvolvida por Dworkin não se amolda com perfeição ao Direito brasileiro, em que uma imensa gama de regras e princípios encontra-se positivada, e os princípios que não estão positivados, são extraídos do sistema e por ele são reconhecidos como normas jurídicas, e não apenas como valores referíveis à Moral comum, por exemplo.

Realmente, as teorias positivistas não cuidaram de analisar os princípios, distinguindo-os das regras como espécies normativas, mas voltaram sua atenção ao gênero normas, o que não significa que, por tal razão, aqueles pertençam à categoria diversa destas.

Atribuir a um princípio a natureza de norma jurídica, portanto, não contradiz o que é sustentado pela doutrina positivista.

Eentre os positivistas que reconhecem princípios como normas jurídicas, podemos citar Norberto Bobbio, que faz tal afirmação ao tratar dos princípios gerais:

Os princípios gerais são apenas, ao meu ver, normas fundamentais ou generalíssimas do sistema, as normas mais gerais. A palavra princípio leva a engano, tanto que é velha a questão entre os juristas se os princípios gerais são normas. Para mim não há dúvida: os princípios gerais são normas como todas as outras. E esta é também a tese sustentada por Crisafulli. Para sustentar que os princípios gerais são normas, os argumentos são dois, e ambos válidos: antes de mais nada, se são normas aquelas das quais os princípios gerais são extraídos, através de um procedimento de generalização sucessiva, não se vê por que não devam ser normas também eles: se abstraio da espécie animal obtenho sempre animais, e não flores ou estrelas. Em segundo lugar, a função para qual são extraídos e empregados é a mesma cumprida por todas as normas, isto é, a função de regular um caso. E com que finalidade são extraídos em caso de lacuna? Para regular um comportamento não-regulamentado: mas então servem ao mesmo

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