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ENGAJAMENTO PELA LUTA ABOLICIONISTA NA INGLATERRA DO SÉCULO XVIII – UMA RESENHA DO LIVRO “JOHN WESLEY E A LUTA ABOLICIONISTA”, DE HELMUT RENDERS

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Academic year: 2021

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Vinicius Couto**

RENDERS, Helmut. John Wesley e a luta abolicionista: com edição bilíngue dos seus Pensamentos sobre a escravidão. São Paulo: ASTE, 2019. 186 p.

H

elmut Renders possui pós-doutorado pelo Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal de Juiz de Fora (2012), doutorado em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo (2006) e doutorado em ministério pelo Wesley Seminary, localizado em Washington, DC (1998), além de diversas outras titulações. Renders é pastor da Igreja Metodista do Brasil de Rugde Ramos, em São Bernardo do Campo-SP, desde o ano de 2009. De nacionalidade alemã, anteriormente ele fora pastor da Igreja Metodista Unida na Alemanha. Além de atuar na área clerical, Renders também é professor associado da Universidade Metodista de São Paulo, atuando tanto na Faculdade de Teologia quanto no Programa de Pós Graduação em Ciências da Religião da Faculdade de Humanidades e Direito. Suas principais experiências em pesquisas se dão na área teológica, nos ramos de Teologia Sistemática e Histórica, nas quais ele atua principalmente nos seguintes temas: teologia sistemática, teologia wesleyana, teologia e cultura, teologia sustentável, iconologia, teoria da imagem e análise de discursos imagéticos.

No Brasil, sem dúvidas, o Dr. Renders é um dos principais pesquisadores sobre vida, obra e teologia de John Wesley. Tanto em sua graduação como nos

doutora-–––––––––––––––––

* Recebido em: 21.09.2019. Aprovado em: 25.10.2019.

** Doutorando em Ciências da Religião (UMESP). Pesquisador do Grupo de Pesquisa RIMA-GO.Bolsista da CAPES. Mestre em Teologia (Faculdade Batista do Paraná). Especialista em Ciências da Religião (Universidade Cândido Mendes). Bacharel em Teologia (Faculdade Nazarena do Brasil). Bacharel em Administração de Empresas (Universidade Cândido Mendes). Professor no Seminário Teológico Nazareno do Brasil. E-mail: prviniciuscouto@ yahoo.com.br.

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dos, ele pesquisou sobre Wesley e o movimento metodista. Ele tem partici-pação como organizador em 12 congressos da semana wesleyana, realizada na FATEO; 33 participações em eventos wesleyanos de diversas naturezas (congressos, simpósios, oficinas, encontros etc); 39 orientações a nível de graduação e pós-graduação sobre wesleyanismo (sem contar metodismo); e mais de 60 textos publicados em livros, capítulos de livros e artigos em por-tuguês, inglês e alemão1. Essas informações são muito importantes para que

possamos perceber a relevância do envolvimento do autor com o campo de pesquisa da obra resenhada.

John Wesley (1703-1791) foi um clérigo anglicano britânico que procurou conciliar a ortodoxia e a ortopraxia, isto é, as doutrinas que sua denominação professava (a fé formal) com a prática requerida de tais crenças (as obras). A Inglaterra de seus dias enfrentava diversas dificuldades sociais e Wesley se propôs a se en-gajar nas questões de seu tempo visando promover transformação social. Deste modo, ele se envolveu na busca de melhores condições para os encarcerados, buscando uma reforma prisional; atuou abertamente contra o sistema escrava-gista; desejava a inclusão dos mais pobres nas paróquias anglicanas2; visitava

hospitais, creches e prisões pensando na restauração do indivíduo; ensinou para seus ouvintes sobre como gerir melhor os recursos financeiros; explicou a res-ponsabilidade ecológica que os cristãos possuem; preocupou-se com questões sanitárias e de saúde pública; e foi um exímio inclusivista das mulheres na li-turgia3 das sociedades metodistas4, dentre tantas outras coisas5. Diante de tanto

envolvimento de Wesley com questões públicas de seu tempo, não é incomum ver autores da tradição wesleyana escrevendo sobre ele numa linha hagiológica. Contudo, não é esse tipo de abordagem que se deve esperar do livro John Wes-ley e a luta abolicionista, do Dr. Renders. Ele mesmo avisa a esse respeito indi-cando que “neste pequeno livro, não apresentamos John Wesley, [...] como um gênio espiritual ou herói solitário, mas como uma pessoa aberta para aprender com outras pessoas, que [...] se encontravam mais às margens das sociedades inglesa e norte-americana” (p. 17).

O livro está dividido em cinco capítulos e contém um anexo com uma linha do tem-po do abolicionismo britânico em comparação com a vida de John Wesley. O primeiro capítulo da obra aborda “o crescente envolvimento de John Wesley na luta abolicionista” (p. 21). A ideia é mostrar como Wesley recebeu influ-ências familiares a respeito desse posicionamento e como ele se envolveu na luta abolicionista de seu tempo por meio de redes e movimentos específicos, bem como estava a par de questões políticas. Nas palavras do próprio autor, “neste primeiro capítulo, propomos reconstruir a rede de relacionamentos do movimento para entender melhor o fluxo de ideias e conceitos que aparecem, posteriormente, nas obras de John Wesley” (p. 22).

De acordo com o autor, Wesley apenas conheceu o escravagismo de perto em sua viagem missionária para a Geórgia, entre os anos 1735 e 1737, quando viajou para esta colônia inglesa a fim de pregar o evangelho para os índios norte-americanos. Renders apontou para a preocupação do evangelista inglês em relação ao cuidado

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espiritual dos escravos nesse período (p. 23), mas por falta de falas do próprio Wesley, não pôde mostrar sua indignação a respeito da escravidão. Isso, entretanto, não quer dizer que ele já não possuía esse tipo de sentimento, pois ao que parece, o ambiente familiar de Wesley já tinha um posicionamento assim, pois seu pai, Samuel Wesley, escreveu, em 1692, contra o “roubo, tráfico e a posse de escravos” baseado em textos de Richard Baxter.

O fato é que, apenas em 1756, quando Wesley publicou suas Notas explicativas sobre o Novo Testamento, é que ele falou de maneira mais aberta e veemente num texto suas ideias abolicionistas. Ao comentar sobre 1 Timóteo 1.10, em especial ao trecho “roubadores de homens”, Wesley declarou que esses tais são “a maioria dos comerciantes de negros, os procuradores de servos para América” e que são “os piores de todos os ladrões”. Renders comentou a fala de Wesley explicando que por mais que a prática da escravidão fosse “legal” perante a legislação da época, para Wesley, isso “não passava de um empreendimento criminoso” (p. 23). Renders mostra, ainda, que a fala de Wesley possui paralelismos tanto com a obra de Richard Baxter como com a de seu pai (p. 23,24).

Em seguida, Renders demonstra que além dos textos de Baxter e de seu pai, Wesley também teve, mais tarde, contato com textos de progressistas franceses Char-les-Louis de Secondat (ou de Montesquieu), Louis de Jaucourt e Bénézet. O último foi mais importante, porque Wesley leu alguma(s) de sua(s) obra(s) e teve, por meio dela(s) contato com os autores anteriores citados. Em 1772, Wesley trocou cartas com Bénézet. Além dele, outro importante progressista engajado com a causa abolicionista foi o inglês Granville Sharp, com quem Wesley também trocou cartas desde 1772. Essas aproximações geraram uma rede de apoio mútua. Wesley publicou em 1774 seus Pensamentos sobre a Escravidão (1774), com muita interface com algumas obras de Bénézet. Este, lançou esta obra de Wesley na Filadélfia. A partir de 1778 Wesley começa a publicar o periódico Arminian Magazine, um veículo que continha “ampla e contínua presença de textos abolicionistas” (p. 29).

A rede estava iniciada e a década seguinte ainda teve o acréscimo positivo de Thomas Clarkson e William Wilberforce. O primeiro “leu tudo sobre o assunto [abo-licionismo], inclusive, os textos de Bénézet e, provavelmente, de Sharp e de Wesley. Seu texto, de cunho jurídico e premiado pela universidade, foi publi-cado como Um ensaio sobre a escravidão e o comércio da espécie humana, em particular, os africanos (1786)” (p. 30). O segundo teve um importante conta-to com o sacerdote anglicano John Newconta-ton e, “a partir de 1785, [esse encontro levou-o] a uma profunda reorientação de sua vida” no que tange ao abolicio-nismo (p. 30). Desde então, Wilberforce leu diversas obras que discutiam a causa e iniciou uma participação mais ativa na luta em prol do movimento. De fato, a década de 1780 foi muito produtiva nas lutas abolicionistas. Renders ainda

apontou que em 22 de maio de 1787, foi fundada a “Sociedade a favor da abolição do tráfico de escravos composta, inicialmente, por doze membros, oito Quakers e três anglicanos, entre eles, Clarkson e Sharp” (p. 31). Em 1788, “Wesley pregou contra a escravidão, em 1788, na sociedade metodista

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em Bristol” (p. 32). Wesley se encontrou pessoalmente com Wilberforce em 24 de fevereiro de 1789 e registou em seu diário que ficou muito empolgado com esse encontro; “três meses depois, no dia 12 de maio de 1789, Wil-berforce pronuncia-se pela primeira vez no parlamento contra o tráfico de escravos” (p. 31).

A década de 1790 foi decisiva para John Wesley, pois ele faleceu em 1791. Antes de sua morte, porém, ele ainda chegou a endereçar mais duas cartas a abolicionistas, “uma de 1790, escrita a Henry Moore, e a última, endereçada a Wilberforce, do dia 24 de fevereiro de 1791” (p. 32). Com essas informações, Renders chegou ao término de seu primeiro capítulo e cumpriu o que se comprometeu na introdução do mesmo, isto é, em trazer as informações familiares de Wes-ley, seus primeiros envolvimentos com abolicionistas (o que proporcionou o início de uma rede de apoio mútuo) e a organização política abolicionista inglesa, que Wesley, embora não tenha participado diretamente das questões, apoiou com muito entusiasmo.

Depois desse pano de fundo histórico, o segundo capítulo se propõe a desenvolver uma exploração sobre os conteúdos e relevância das seis cartas que John Wesley enviou a Samuel Hoare, Thomas Clarkson, Granville Sharp, Thomas Funnell, Henry Moore e John Wilberforce. As cartas eram altamente relevantes porque “eram [...] ‘públicas’ [e] dirigidas a pessoas que acabaram de expor seus com-promissos abolicionistas, correndo o risco de se tornarem alvos prediletos de um setor econômico significativo da Inglaterra” (p. 35). De acordo com Ren-ders, as cartas apresentavam um desejo de que a escravidão acabasse imedia-tamente, mas estrategicamente era preciso que isso ocorresse paulatinamen-te, dando prioridade ao transporte e, posteriormenpaulatinamen-te, a instituição (p. 35-36). O capítulo termina com a tradução das respectivas cartas e suas versões origi-nais em inglês, para comparação textual.

O terceiro capítulo explora um pouco do conteúdo mais prolixo de Wesley em relação a seu posicionamento abolicionista: o “Pensamentos sobre a escravidão”, pu-blicado primeiramente em 1774. Primeiramente, Renders analisa a estrutura do tratado de Wesley e apresenta um esquema com as ideias principais (p. 62-64). Em seguida, ele avalia a suposta ausência de argumentação bíblica no texto de Wesley (p. 64-72). Isso seria estranho, uma vez que Wesley se descreveu noutra ocasião como homo unius libri (homem de um livro só). De qualquer maneira, uma preocupação do Sr. Wesley nesse texto se deu em desconstruir argumentos de um colega de ministério e um dos principais líde-res do movimento metodista da época, o Sr. George Whitefield, que inclusive era amigo de Wesley. Renders apresentou as principais argumentações bíbli-cas de Whitefield em relação à escravidão e comentou como Wesley dialogou com tais argumentos e defendeu o oposto a partir de “dois termos centrais e transversais na Bíblia: ‘justiça’ e ‘misericórdia’”, “termos bíblicos chave encontrados tanto na literatura profética e sapiencial como nas Cartas e nos Evangelhos” (p. 67). Em sequência, Renders apresenta as principais fontes a partir das quais Wesley desenvolveu esse conteúdo, a saber, Hargrave, W.

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Bla-ckstone e G. Sharp (p. 72-78). Anteriormente, Renders já havia sinalizado que essa análise é importante porque se trata de um “discurso jurídico escrito para argumentar a favor da mudança de uma legislação discriminatória e racista em vigor” (p. 62). Finalmente, Renders analisa o que chamou de “a linguagem do coração e as fragilidades do discurso jurídico” (p. 78-82). Linguagem do co-ração era um tipo de “gênero literário da sensibilidade em alta na sua época”, cujo “sentido principal do uso desse gênero era construir um envolvimento pessoal para com um tema ou uma ação” (p. 78). Depois de ler as análises de Renders sobre o tratado de Wesley, fica o desejo de ler o texto original. Por isso, a obra termina no capítulo quatro com uma tradução dos “Pensamentos sobre a escravidão” (p. 90-157), precedida com uma introdução ao texto de Wesley (p. 87-89).

O livro “John Wesley e a luta abolicionista” é um material muito importante para quem está envolvido com pesquisas e estudos sobre a vida, obra e pensa-mentos desse clérigo anglicano. Além da originalidade do tema, pois não temos nenhum outro livro que se dispôs a averiguar exaustivamente esse as-sunto na vida de Wesley em português, o livro se distingue por não realizar uma leitura romântica (hagiológica) do Sr. Wesley. Ao invés disso, Renders apresentou sua importância no tema, mas demonstrou como ele apoiou um movimento muito maior, não tendo sido o protagonista, mas um religioso e intelectual do século XVIII que apoiou a causa abolicionista com bastante entusiasmo. O livro, apesar de discutir um ícone religioso do anglicanismo e do metodismo, é altamente indicado para qualquer outra tradição religiosa e transcende a questão teológica e científica da religião, tendo relevância para a comunidade das humanidades, em geral. Isso é verdade porque embora o tema “escravidão” pareça estar superado, existem ainda muitas manifesta-ções na atualidade desse assunto em novas roupagens, como racismo, injus-tiça social, péssimas condições trabalhistas etc.

Notas

1 Essas informações podem ser verificadas no lattes do autor: http://lattes.cnpq. br/9348720483251408.

2 Muitos bancos eram comprados neste pelos ricos neste tempo, de modo que os pobres sofriam exclusão da liturgia anglicana, podendo assistir às reuniões cúlticas do lado de fora e, mais raramente, no fundo da paróquia. Para mais informações cf. Nystron (2002, p. 29); Soloway (2007, p. 444).

3 Liturgia é uma palavra bíblica que significa serviço sagrado. Neste sentido, as mulheres saíram de uma condição de expectadoras para obreiras que não apenas desempenhavam serviços de bastidores (e.g. limpeza, oração), mas passaram a contribuir de maneira mais direta para o discipulado.

4 As sociedades metodistas eram pequenos grupos se reuniam várias vezes por semana com o intuito de estudar a Bíblia, visitar hospitais, creches, prisões e para participar do sacramento da Ceia do Senhor (eucaristia). Wesley foi pioneiro em permitir que mulheres ensinassem

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nesses grupos e que exercessem liderança sobre outras mulheres. Esses grupos metodistas surgiram em 1729 na Universidade de Oxford, onde Wesley estudou. Ele e seus amigos ganharam esse apelido (metodistas) em função da forte disciplina com que praticavam seus métodos de visita e de estudos bíblicos.

5 Para conhecer melhor John Wesley, ler as biografias de Heitzenrater (1996); Lelièvre (1997); Crutcher (2015); Collins (1999, 2003).

Referências

COLLINS, K. J. A Real Christian: the life of John Wesley. Nashville: Abingdon Press, 1999.

COLLINS, K. J. John Wesley: A Theological Journey. Nashville: Abingdon Press, 2003.

CRUTCHER, T. J. John Wesley: his life and thought. Kansas City: Beacon Hill Press, 2015.

HEITZENRATER, R. P. Wesley e o povo chamado metodista. São Bernardo do Campo/ Rio de Janeiro: Editeo/Bennet, 1996.

LELIÈVRE, M. João Wesley: sua vida e obra. São Paulo: Vida, 1997.

NYSTRON, C. The Wesleys: amazing love. Downers Grove: InterVarsity Press, 2002.

RENDERS, H. John Wesley e a luta abolicionista: com edição bilíngue dos seus Pensamentos sobre a escravidão. São Paulo: ASTE, 2019. 186 p. SOLOWAY, R. A. Prelates and People: ecclesiastical social thought in England, 1783-1852. London: Routledge, 2007.

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