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O Ensino de História da África no Brasil e a Formação Docente na Educação Básica: interlocuções e desafios.

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Academic year: 2020

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3 DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA DO COLÉGIO PEDRO II – RIO DE JANEIRO

Editorial

O Ensino de História da África no Brasil e a Formação Docente na Educação Básica: interlocuções e desafios.

Sérgio Costa & Silvana Bandoli Vargas

Como um mosaico em que as partes se somam e continuam a existir por si mesmas, os textos deste número da Revista Encontros, com o dossiê Africanidades e Diálogos Transatlânticos, abordam temas e experiências que podem ser lidos como uma imagem multifacetada de pesquisas e experimentações variadas, mas, também, como um todo referenciado em caminhos possíveis. Os estudos africanos no Brasil contemplam múltiplos olhares e possibilidades de trabalho da docência na educação básica.

O sistema educacional brasileiro é regido pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) 9.394/1996 e, em janeiro de 2003, o texto legal foi alterado com o surgimento da Lei 10.639/2003, que impõe uma busca de novas perspectivas de trabalho, ao tornar obrigatória a temática da cultura africana e afro-brasileira, assim como na Lei posterior, 11.645/08, também a cultura indígena, nas salas de aula de todo o país. Acreditamos que, até então, não existia uma abordagem curricular do tema para os professores que estão na prática cotidiana e, com algumas raras exceções, havia poucas iniciativas de abordagem temática nas escolas e até nas universidades brasileiras. Alguns centros e núcleos de pesquisas já se debruçavam sobre o tema, sobretudo pelo viés da antropologia, mas a iniciativa de focá-lo na escola, a partir da obrigatoriedade nos currículos, fez levantar bandeiras e resistências.

Com efeito, a escola é lócus de discursos e narrativas nem sempre explícitos e palco de disputas de saberes e práticas que a transcendem. Buscar, então, os

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indícios da África na cultura brasileira, através do mapeamento de uma tradição inscrita na cultura e nas narrativas históricas faz-se necessário e urgente. Em um país como o Brasil que, assim como toda América Latina e Caribe, constituiu-se como espetacular instituição de constituiu-sequestro, as fronteiras cambiantes e interditas continuam presentes, estabelecendo o lugar periférico dos herdeiros dessa tradição cultural africana.

Assim, é necessário elaborar uma reflexão crítica acerca da construção de práticas sociais baseadas no respeito à diversidade cultural e racial, em especial no espaço escolar, onde a diferença não é contemplada nos mesmos registros e com a mesma visibilidade. É exatamente na lacuna da cultura escolar, em que a tradição afro-brasileira é interdita, que encontramos a institucionalização da violência, nem sempre visível. Desconstruir essas representações significa pensar e discutir a construção de uma escola que, elaborando o que deve ser ensinado-aprendido, seja capaz de questionar as práticas de violência e fortalecer atitudes e comportamentos que valorizem a diferença, em especial, a étnica e racial.

É importante ressaltar a percepção dos registros culturais e históricos como arquivo de resistência e representação dos grupos étnicos, o que se configura na elaboração de subjetividades, marcadas por deslocamentos, interditos e rasuras, pois, em um contexto de culturas híbridas − entendendo o hibridismo (Canclini, 2003) como culturas que se mesclam mas não se anulam. Pensar o lugar da tradição da cultura africana no Brasil é, por si só, positivar esse legado. Segundo nosso ponto de vista, esse é um dos aspectos relevantes da Lei, na medida em que provoca uma produção cultural que tem como objetivo reconstruir pontes com uma tradição viva, porém silenciada.

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Apontamos, deste modo, que o hibridismo se refere ao processo angustiante de tradução cultural, não a ideia de um sujeito híbrido, formado e que se vê assim. Desta forma, os movimentos entre tradição e tradução são complexos e contraditórios, e a escola é o local apropriado para a construção de tradução das tradições, em especial, quando são as que trazem a marca da interdição ou do completo silenciamento. As tradições da cultura africana, mantidas ou vivenciadas, seja pela memória oralizada, ou pelas práticas cotidianas, emergem em um ambiente de positividade e valorização, sem a expectativa de uma cultura pura ou de um resgate da memória, tendo em vista que memória é construção. Nesse sentido, a presença da África, com a força da Lei (Derrida, 2007), marca o lugar da diferença que não é redutora, na medida que escapa do binarismo do isso ou aquilo (Derrida, 2002). É isso e aquilo ao mesmo tempo. A diáspora africana (Hall, 2003) para a América na duração do tempo que se manteve, com idas e vindas, deixou heranças e marcas que, sob olhares diversos, naturalizou a violência. Mas, acima de tudo, formou tradições que precisam ser traduzidas, mas, para isso, necessitam devidamente ser percebidas como tal. Tradição traduzida de experiências, visão de mundo, resistências e sobrevivências. Afirmamos que esse é o lugar da docência no ambiente escolar, o de positivar heranças e construir alternativas de convivência.

A escola deve propiciar um contato prazeroso com a descoberta e a criatividade, construtoras de subjetividades alicerçadas pela ancestralidade marcada pela historicidade. De tal forma, a cultura vivenciada na escola pode revelar, ou encobrir, o pensamento de um determinado povo, suas angústias, seus sofrimentos, suas derrotas, suas vitórias. O trabalho da docência, em um

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movimento de escavação, elabora uma hermenêutica que busca as dobras do texto, para ver além dele, ou seja, a cultura que o produziu.

Com efeito, a escolha do que deve ser lembrado e do que deve ser esquecido na tradição cultural de um povo também remonta a um determinado mundo construído a partir de parâmetros possíveis de questionamentos. Pensar, então, a exclusão de determinado grupo social deve ser inerente à prática docente, uma vez que implica escolhas.

Com o artigo “ Os portugueses e a construção da identidade do Outro africano durante a formação do Mundo Atlântico”, Martha Couto Neves expõe a cartografia e os documentos construídos pelos portugueses na constituição do Império Transatlântico, em que o contato com o Outro molda a percepção de si e a construção de identidades contrastivas. Vendo-se no Outro, constroem-se a si mesmos, em uma arqueologia do olhar.

Cristiane Azeredo de Oliveira e Rachel Romano dos Santos, no artigo “ Uma discussão historiográfica sobre a escravidão negra no Brasil à partir da narrativa de Pai João”, em uma leitura “em abismo”, dialogam com a obra da historiadora Martha Abreu na análise histórica dos registros literários do personagem “ Pai João”. A reflexão a respeito do texto da historiadora permite às autoras analisar a abordagem historiográfica a partir dos anos 1980, período em que a a percepção das resistências dos escravizados negros conflui para uma afirmação destes como sujeitos históricos, ainda que em contexto de extrema violência sistêmica.

Na sequência, Vanessa Gomes da Rocha, com o artigo “ O negro, o barão, a República e o Museu”, apresenta uma outra perspectiva do Museu da República, em que o olhar apurado busca a ausência e a falta. O silenciamento ecoa e

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mostra o apagamento dos negros na história republicana. A autora segue o fio das imagens e demonstra como a iconografia pode ser lida como testemunho da falta e, também, da construção de uma nação que se afirma na iniquidade da exclusão.

Em “Cultura e mitologia Yorubá em sala de aula”, Lucas Obalera de Deus, evidencia os aspectos da cultura yorubá que devem ser trabalhados em sala de aula, ressaltando a perspectiva da potencialidade transgressora e insurgente dos conhecimentos da tradição africana. Contra a violência da dominação, o autor propõe uma leitura baseada na epistemologia alternativa da ancestralidade. Angola e Moçambique são objeto de análise no trabalho de Adjovanes Thadeu de Almeida e Wagner Marques Pereira: “ África lusófona, educação e autonomia: uma discussão sobre Angola e Moçambique”. As escolhas políticas são evidenciadas com o objetivo de compreender as trajetórias possíveis das ex-colônias portuguesas em África. Com um eixo teórico bem definido, os autores demonstram a importância da educação na construção da autodeterminação e da superação da herança colonial.

Em um trabalho coletivo, os professores Claudia A. Affonso, José Paulo Teixeira, Luiz Fernando C. Limia, Pedro Krause e Silvana Bandoli Vargas relatam a experiência dos alunos do Programa de Iniciação científica do Colégio Pedro II, iniciada no Museu da República no Rio de Janeiro. A atividade desdobrou-se em uma viagem a Lisboa, com a ventura de descobrir similitudes e diferenças entre os museus e palácios cariocas e portugueses.

Finalizando, apresentamos a resenha da obra “ O samba serpenteia com os Escravos da Mauá: uma nova perspectiva sobre o porto do Rio de Janeiro”, de Carolina Peres Couto, elaborada por Rafael Lima de Souza. A cidade do Rio de

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Janeiro imaginada como local de sociabilidades e de construção social de projetos, às vezes destruidores, outras vezes libertadores, é também a mistura de samba, resistências, “ pedras pisadas do cais” e análise antropológica. Ler a resenha faz desejar a obra, e o talento do resenhista seduz tanto quanto a cidade.

Os textos aqui apresentados se constituem no seu conjunto como desbravadores dos significados da memória, tantas vezes reconstruída quantas forem necessárias, na afirmação de um futuro mais igualitário e de um presente com mais esperança. Com efeito, os passados reescritos trazem em si os sentidos do que é necessário lembrar e do que podemos esquecer. Boa leitura!

Referências

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