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O capital social dos refugiados: bagagem cultural versus políticas públicas DOUTORADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

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Academic year: 2019

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Andrea Maria Calazans Pacheco Pacífico

O capital social dos refugiados: bagagem cultural

versus

políticas públicas

DOUTORADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

(2)

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Andrea Maria Calazans Pacheco Pacífico

O capital social dos refugiados: bagagem cultural

versus

políticas públicas

DOUTORADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

Tese apresentada à Banca Examinadora como exigência parcial para obtenção do título de Doutora em Ciências Sociais – Sociologia, pelo Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, sob orientação da Professora Doutora Lúcia Maria Machado Bógus.

(3)

Banca Examinadora:

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Aos meus pais,

Romildo e Salete Pacífico, pelo apoio incondicional;

Aos meus irmãos,

Romildo André (mano) e Flávio Henrique,

pelas eternas lembranças do convívio de outrora;

Ao Tio

Carlos Henrique Falcão Tavares,

(5)

Agradecimentos

Agradeço a Jesus Cristo, por me inspirar, me guiar e me dar forças nesta caminhada;

Agradeço a minha família, na pessoa de meu rei Felipe, pela amizade e pelo apoio nas ausências em virtude desta pesquisa;

Agradeço a todos os meus mestres, nas pessoas da minha primeira professora, Tia Alda, e da minha orientadora nesta pesquisa, Professora Doutora Lúcia Maria Machado Bógus, a quem devo eterna gratidão, pelas paciência, confiança e crença em meu potencial;

Agradeços aos ex-professores do CEPPAC – UnB, Benício Schmidt, Roberto Cardoso de Oliveira (in memoriam) e Maria das Graças Rua, e aos ex-professores da PUC/SP, Luiz Eduardo Wanderley, Ana Amélia da Silva, Rogério Bastos Arantes e Edgard de Assis Carvalho, que muito me inspiraram na escritura deste trabalho;

Agradeço a todos do Centro de Estudos de Refugiados da Universidade de York, em Toronto, Canadá, nas pessoas da co-orientadora, Professora Doutora Susan McGrath, e da coordenadora, Michele Millard, que me receberam por seis meses, fazendo com que minha estada como acadêmica visitante naquela instituição terminasse coroada de êxito;

Agradeço aos funcionários da PUC/SP, especialmente a Lucimara, secretária da Assessoria de Relações Internacionais e Inter-institucionais, e ao Marcos e a Thalita, secretários da Coordenação da Pós-Graduação stricto sensu em Ciências Sociais;

Agradeço ao governo brasileiro que, por intermédio da CAPES, financiou, por seis meses, a realização da pesquisa de campo em Toronto, Canadá.

Agradeço ao apoio da Irmã Rosita Milesi, que me acompanhou desde o início, aconselhando-me e opinando a respeito da proteção aos refugiados, ao ACNUR-Brasil, ao Centro de Acolhida de Refugiados da CASP, nas pessoas da senhora Cecira Furtim (coordenadora) e dos advogados Roberto Yamato e Liliana Jubilut (ex-advogados do Centro) e aos ex-acadêmicos de Relações Internacionais, Roberto Tebet e Jefferson Estevo, pelo auxílio fornecido durante a realização das entrevistas com os refugiados em São Paulo;

Agradeço a todas as Organizações sem fins lucrativos estabelecidas em Toronto, Canadá, que abriram suas portas para esta pesquisa, especialmente a Casa Matthew, ao Centro para Pessoas que Falam Espanhol e ao Centro de Recepção FCJ;

(6)

FADIMA, por terem confiado em mim, apoiando-me em todos os momentos de meu crescimento profissional como acadêmica desta Instituição de Ensino Superior;

Agradeço, também, aos colegas, aos dirigentes e aos funcionários do UNICEUB e da UNIDF, em Brasília, pelo suporte fornecido e pela política de valorização do profissional que ali imperam;

Agradeço aos amigos Leif e Grace Olsson, pelo apoio na causa dos refugiados e pelo auxílio na formulação de todos os gráficos desta pesquisa, Ângela Britto, Cyntia Sampaio, Daniel Allan Borba, Flávia Nunes, Manuella Mello, Renata Mendonça, Roberto Cavalcante, Aparecida da Silva (Duda), Virgínia Dantas e ao meu irmão Flávio, pelos auxílios fornecidos;

Agradeço a eterna amizade das amigas Ana Rogato, Bianca Andrade, Ellen Alcântara e da “Tia” Regina, por terem me suportado nesta fase fatigante e exitosa, além dos amigos da Comunidade Católica Segue-me, em Maceió, nas pessoas do Samuel e Sandra, cujas orações muito me fortaleceram para alcançar o fim desejado com vitória;

Agradeço, ainda, aos meus alunos e ex-alunos dos Cursos de Direito da FADIMA, em Maceió, Alagoas, e do UNICEUB e UNIDF, em Brasília, pela amizade, pelo apoio e pela comprensão durante estes últimos anos.

(7)

“Todo particular que persegue um homem, seu irmão, apenas por este possuir opinião contrária a sua, é um monstro.”

“Devemos nos perdoar mutuamente nossos erros; a discórida é o grande mal do gênero humano, e a tolerância é o único remédio.”

(8)

Lista de Siglas

ACNUDH – Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos ACNUR – Alto Comissariado das Naçoes Unidas para os Refugiados

AGNU – Assembléia Geral da ONU

AID – Agência para o Desenvolvimento Internacional

ANUSR – Administração das Nações Unidas para o Socorro e Reconstrução CAPES – Coordenação de Aperfeiçaomento de Pessoal de Nível Superior CASP – Cáritas Arquidiocesana de São Paulo

CBSA – Canadian Border Service Agency (Agência de Serviços de Fronteira Canadense)

CCR – Comitê Canadense para os Refugiados

CEPAL – Comissão Econômica para a América Latina

CEPPAC – Centro de Pesquisa e Pós-Graduação em Ciências Sociais Comparadas nas Américas, da Universidade de Brasília

CIC – Centro de Imigração Candense

CICV – Comitê Internacional da Cruz Vermelha CIE – Carteira de Identidade de Estrangeiro

CIGR – Comitê Intergovernamental para os Refugiados CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil CNI – Conselho Nacional de Imigração

CONARE – Comitê Nacional de Refugiados CREDISOL – Crédito solidário

CR/88 – Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 CTPS – Carteira de Trabalho e Previdência Social

CSEM – Centro Scalabriniano de Estudos Migratórios CVC – Cruz Vermelha Canadense

DLIS – Desenvolvimento Local Integrado Sustentado DOU – Diário Oficial da União

DPF – Departamento da Polícia Federal DPR – Divisão de Proteção de Refugiados ETNs – Empresas Transnacionais

FCJ – Fiéis Companheiras de Jesus FMI – Fundo Monetário Internacional

GTCS – Grupo Temático sobre Capital Social

IASFM – Associação Internacional para o Estudo da Migração Forçada IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IDH – Índice de Desenvolvimento Humano IMDH – Instituto Migração e Direitos Humanos IPQ – Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas

IRB – Immigrant and Refugee Border (Tribunal de Proteção aos Imigrantes e Refugiados )

LdN – Liga das Nações

LINC – Language Instruction for Newcomer to Canada (Instrução de Língua para recém-chegados ao Canadá)

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OCASI – Conselho de Ontário de Agências que Servem aos Imigrantes ONG – Organização Não Governamental

OI – Organizações Internacionais

OIM – Organização Internacional para os Migrantes OIR – Organização Internacional para os Refugiados OMC – Organização Mundial do Comércio

OMS – Organização Mundial de Saúde ONU – Organização das Nações Unidas OSFL – Organização Sem Fins Lucrativos OUA – Organização da Unidade Africana

PA – Palestinian Authority (Autoridade Palestina) PARinAC – Parcerias em Ação

PNUMA – Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento QI-MCS – Questionário Integrado para Medir Capital Social RNE – Registro Nacional de Estrangeiro

SDR – Síndrome de Dependência dos Refugiados

SEBRAE – Serviço Brasileiro de Apoio à Micro e Pequena Empresa

SEDH/PR – Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República SENAC – Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial

SENAI – Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SESC – Serviço Social do Comércio

SESI – Serviço Social da Indústria

SIAO – Somali International Aid Organisation (Organização de Auxílio Internacional Somali)

SGEB – Sub-Secretaria-Geral das Comunidades Brasileiras no Exterior SUS – Sistema Único de Saúde

UNESCO – United Nations Education, Science and Culture Organisation (Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura)

UNHCR - United Nations High Commissioner for Refugees (Alto Comissariado das Naçoes Unidas para os Refugiados)

UNICEF – Fundo das Nações Unidas para a Infância

UNITA – União Nacional para a Independência Total de Angola

UNRWA – United Nations Relief and Work Agency (Agência da ONU para Auxílio e Emprego)

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Lista de Figuras

1. Procedimento para solicitação de refúgio no Brasil... 77

2. Procedimento para solicitação de refúgio quando da chegada ao Canadá... 105 3. Procedimento de audiências para solicitantes de refúgio no Canadá... 107

4. Relação entre as competências dos órgão de refúgio no Canadá.... 108

5. Demonstração de capital social por James Coleman... 132

6. Demonstração de relações sociais abertas e fechadas por James Coleman... 134

7. Demonstração de ganhos e perdas nas transações mediadas por capital social por Alejandro Portes... 137

8. As diferentes visões de Capital Social por Nan Lin... 147

9. Demonstração de capital social por Nan Lin... 153

10.Localização do ser, na rede, em busca de capital social denso – Figura A... 169

11. Localização do ser, na rede, em busca de capital social tênue – Figura B... 169

Lista de Gráficos 1. Total de migrantes forçados por perseguição no mundo... 33

2. Nacionalidades dos refugiados no Brasil... 70

3. Solicitações de refúgio (in) deferidas pelo CONARE... 71

4. Nacionalidade dos refugiados reassentados, em 2007 no Brasil... 90

5. Nacionalidades dos Refugiados entrevistados em São Paulo... 198

6. Nacionalidades dos Refugiados entrevistados em Toronto... 198

Lista de Tabelas 1. Total de migrantes forçados por perseguição no mundo... 32

2. Total de migrantes forçados por perseguição no mundo sob a proteção da UNRWA... 55

3. Solicitações de refúgio (in) deferidas pelo CONARE... 71

4. Atendimento de solicitantes e de refugiados na CASP em 2007.... 71

5. Diferenças entre Asilo e Refúgio... 74

6. Reassentamento de refugiados no Brasil, em 2007, por nacionalidade e por local de reassentamento... 88

7. Reassentamento de refugiados no Brasil, entre 2002 e 2007, por nacionalidade ... 89

8. Nacionalidade dos refugiados reassentados, em 2007 no Brasil... 89

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Resumo

PACÍFICO, Andrea Maria Calazans Pacheco O capital social dos refugiados: bagagem cultural versus políticas públicas.

Esta tese resulta de um exaustivo trabalho de pesquisa acerca da importância da inserção do estudo do capital social na temática dos refugiados, aglutinando o papel da bagagem cultural trazida por estes indivíduos do país de origem com as políticas públicas adotadas lo local de acolhimento. Em seguida, há uma investigação teórica do capital social, constructo utilizado, também, como ferramenta de políticas públicas. Sua importância reside nas relações que se formam entre locais e estrangeiros, mais precisamente entre refugiados e comunidade local, devido à irreversibilidade do fenômeno migratório, especialmente das migrações forçadas, que atualmente é parte da Agenda Internacional. Assim, há necessidade de melhor preparar a comunidade e o governo acolhedores para recebê-los, pois a integração entre os três poderá unir forças que enfraquecerão problemas conjunturais já enraizados no cerne da sociedade, como a falta de confiança na própria comunidade e nas instituições públicas, que culminam na ausência de participação cívica, de cooperação e de apoio ao desenvolvimento da sociedade acolhedora e dos próprios refugiados. Ab initio, trabalha-se o eixo refugiados, definido, juridicamente, no início da guerra fria, com causas e fins políticos, e baseado na sociedade então vigente. Assim é que urge adequá-lo ao novo sistema internacional.

A posteriori, a pesquisa avalia as políticas direcionadas para estes indivíduos, no Brasil

e no Canadá, não sem antes caracterizar estas sociedades, qualificadas a partir dos mitos

de sociedade cordial (a brasileira) e de multiculturalismo (a canadense), mostrando que,

em se tratando de refugiados, estes mitos se evaporam na teoria, não alcançando a prática, como desejado. A originalidade desta pesquisa consiste em avaliar o capital social dos refugiados em São Paulo e em Toronto, o papel das redes de apoio aos mesmos, a integração deles nestas cidades, o sentir-se e ser visto como cidadão no novo lar e, enfim, a importância da bagagem cultural que eles trazem do país de origem e a influência das políticas públicas adotadas para eles nestas duas cidades. A comparação, comum em estudos migratórios, e a transdisciplinaridade são as abordagens utilizadas, pois não há ciência, singularmente, que solucione a problemática dos refugiados.

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Abstract

PACÍFICO, Andrea Maria Calazans Pacheco The social capital of refugees: cultural background versus public policy.

This thesis is a result of an exhausted research about the importance of inserting social capital studies within the refugee issues, by joining the role of the cultural background they bring with them from the country of origin with the public policies adopted by the host place. Secondly, a theoretical investigation on social capital, a construct also used as a public policy tool, was prepared. Its importance is within the relationships produced between locals and foreigners, precisely between refugees and the local community, due to the irreversible migratory phenomena, especially due to the forced migration, as part of the new International Agenda. Thus, it is necessary to get ready the host community and the government to host them, as the integration among them could join efforts to weaken situational problems already rooted in the society, as lack of trust in the community and in the public institutions, which lead to the lack of civic participation, of cooperation and of support to host society and to refugees development. Ab initio, this work deals with the refugee’s juridical definition, created by the beginning of the cold war, under political causes and aims, and based on that society, being necessary changes to adjust it to the new international system, which is characterized by human rights organizations strength. A posteriori, there is an evaluation on policies targeted on these people, in Brazil and in Canada, after characterizing these societies, qualified by the myths of tender society (the Brazilian one) and multiculturalism (the Canadian one), although, when dealing with refugees, these myths stay in theory, not reaching the practice, as wished. The originality of this research is the evaluation of the social capital produced by refugees in São Paulo and in Toronto, the role of some supporting networks and their integration as well as whether or not the refugees feel themselves as citizens and whether or not they are seen like that by the host society. At the end of the day, the importance of the cultural background the refugees bring from the country of origin and the influence of the public policy adopted within both cities were examined. Comparison, which is common in migration studies, and transdisciplinarity were the approaches chosen, as there is no single science which is able to solve the refugee dilemma.

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Sumário

Dedicatória... IV Agradecimentos... V Epígrafe... VII Lista de siglas ... VIII Listas de figuras, gráficos e tabelas... X Resumo e palavras-chaves... XI Abstract and key-word... XII

Introdução... 1

Parte I: Os refugiados... 12

1. Aspectos histórico-jurídicos... 16

2. Aspectos sócio-econômicos e políticos... 23

3. A comunidade internacional... 37

3.1.A OIR... 38

3.2.O ACNUR... 45

3.3.A UNRWA e os palestinos... 54

3.4.A África e as Américas... 59

4. Os refugiados no Brasil... 62

4.1.Formação e caracterização da sociedade cordial... 62

4.2.A proteção e os direitos... 72

4.3.As soluções duráveis... 85

5. Os refugiados no Canadá... 94

5.1.A sociedade multicultural canadense... 94

5.2.A proteção e os direitos... 104

6. Os sistemas Brasileiro e Canadense em comparação... 115

Parte II: O capital social... 120

7. Aporte conceitual... 127

8. Formas teórico-práticas... 164

9. Aporte operacional... 173

10.Objetivos gerais e sssenciais... 179

Parte III: O capital social dos refugiados em São Paulo e em Toronto... 196

11.O perfil dos efugiados em comparação... 206

12.O capital social dos refugiados em comparação... 220

13.As redes de apoio aos refugiados... 235

14.A integração dos refugiados: o ser-cidadão... 256

15.A interferência da bagagem cultural na integração... 275

16.A interferência das políticas públicas na integração... 286

17.O capital social dos refugiados: bagagem cultural e políticas públicas... 308

Conclusão... 318

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Anexos

A. Convenção de Genebra sobre Refugiados de 1951 e Decreto de

Recepção no Brasil... 344

B. Protocolo Adicional à Convenção de Genebra sobre Refugiados de 1967 e Decreto de Recepção no Brasil... 362

C. Lista dos Países que mais Enviam e mais Recebem Refugiados... 366

D. Países membros da Convenção de 1951 e do Protocolo de 1967... 369

E. Declaração de Cartagena de 1984... 373

F. Relatório do CONARE... 378

G. Lei Ordinária Federal do Brasil sobre Refugiados, n° 9474, de 22 de Julho de 1997... 380

H. Acórdãos do Supremo Tribunal Federal em decisões que envolvem refugiados... 388

I. Acórdãos do Superior Tribunal de Justiça em decisões que envolvem refugiados... 396

J. Matéria Jornalística sobre Refugiados Reassentados no Brasil... 397

K. Relatório do Conselho Canadense de Refugiados... 399

L. Organizações sem Fins Lucrativos que lidam com refugiados em Toronto... 402

Apêndices A. Entrevista realizada com a então advogada da CASP, Dra. Liliana Jubilut, por correio eletrônico... 409

B. Entrevista realizada com as Dras. Cezira Furtim e Liliana Jubilut, coordenadora e advogada do Centro de Acolhida para Refugiados da CASP... 410

C. Modelo do questionário utilizado para entrevistar os refugiados... 413

D. Respostas compiladas das entrevistas realizadas em São Paulo e em Toronto... 416

E. Gráficos com os resultados das entrevistas realizadas aos refugiados... 426

F. Entrevista ao Dr. Francisco Lotufo, psiquiatra do Programa de Refugiados do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da USP... 460

G. Entrevistas realizadas com as OSFL em Toronto... 461

(15)

Introdução

Esta tese resulta de um exaustivo trabalho de pesquisa acerca da importância da inserção do estudo do capital social na temática dos refugiados, especialmente dos acolhidos em São Paulo, Brasil, e em Toronto, Canadá, aglutinando o papel da bagagem cultural trazida por eles do país de origem com as políticas públicas adotadas no local de acolhimento.

Sua importância reside nas relações que se formam entre locais e estrangeiros, mais precisamente entre refugiados e comunidade local, devido à irreversibilidade do fenômeno migratório, especialmente das migrações forçadas, que atualmente faz parte da Agenda Internacional de forma unânime. Assim, há uma imperiosa necessidade de melhor preparar a comunidade e o governo acolhedores para recebê-los, pois a integração entre os três poderá unir forças que enfraquecerão problemas conjunturais já enraizados no cerne da sociedade, como a falta de confiança na própria comunidade e nas instituições públicas, que culminam na ausência de participação cívica, de cooperação, voluntária ou não, e de apoio ao desenvolvimento da sociedade acolhedora e dos próprios refugiados.

Ab initio, trabalhou-se o eixo refugiados e a relevância desta temática,

iniciando-se por realizar um levantamento da evolução do termo, nas dimensões históricas, jurídicas, sociais, econômicas e políticas, o que originou uma definição, com causas e fins políticos, criada no início da guerra fria e baseando-se na ordem jurídico-social vigente naquele momento. Assim é que urge modificá-lo, adequando-o ao novo sistema internacional, em que as organizações internacionais intergovernamentais passam a se fortalecer, especialmente quando se trata de direitos humanos (dimensão social), apesar das crises nas áreas jurídicas e econômicas, por exemplo.

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sistema criado para a proteção dos palestinos que foram expulsos da terra natal após a criação do Estado de Israel, em 1948.

Em seguida, ainda acerca dos refugiados, a pesquisa avaliou as políticas direcionadas para estes indivíduos, no Brasil e no Canadá, não sem antes caracterizar cada uma destas sociedades, qualificadas a partir dos mitos de sociedade cordial (a brasileira) e de multiculturalismo (a canadense), mostrando que, em se tratando de refugiados, estes mitos se evaporam na teoria, não alcançando a prática, como desejado.

O panorama da realidade dos refugiados, nestes dois países, foi traçado, igualmente, analisando-se a ordem jurídica vigente e as políticas públicas implementadas para solucionar, em definitivo, a situação daqueles indivíduos no país, ou integrando-os ao local de acolhimento ou reassentando-os em um terceiro país ou, ainda, repatriando-os (retorno ao país de origem). A primeira das alternativas é a mais útil e viável, sendo o foco das principais políticas públicas, em níveis nacionais, aplicadas aos refugiados. Para tanto, importa facilitar a formação de relações sociais entre os refugiados e entre estes e a sociedade local, no sentido de facilitar-lhes a inserção e, consequëntemente, a formação de capital social.

O segundo eixo da pesquisa foi, pelo exposto, um exame minucioso sobre o capital social, como uma ferramenta imprescindível para as políticas públicas, quaisquer que sejam elas e quaisquer que sejam seus alvos. Destarte, após uma avaliação histórica do termo, unindo os mais diversos pensamentos sobre o tema, foram identificadas as diversas formas de capital social e os mais variados modos de operacioná-lo, sem haver a pretensão de exaustividade na temática, afinal o objeto principal da pesquisa são os refugiados.

Após traçar os objetivos gerais e essenciais do capital social, encerrou-se a pesquisa acerca deste constructo, assinalando-se algumas pesquisas que identificaram a importância da relação entre capital social e migração e, outrossim, capital social e refugiados residentes em campos. Foram encontradas raras pesquisas acerca do capital social dos refugiados urbanos, algumas das quais no Canadá, o que não significa que não existam outras mais.

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entrevistados, sendo 33 em São Paulo e 30 em Toronto, o papel das redes de apoio aos mesmos (organizações sem fins lucrativos, governo, iniciativa privada, sociedade acolhedora e os próprios compatriotas), a integração deles nestas cidades, o sentir-se, e ser visto, como cidadão no novo lar e, enfim, a importância da bagagem cultural que eles trazem consigo dos países de origem e a influência das políticas públicas adotadas nestas duas cidades em relação aos refugiados.

Quanto aos refugiados entrevistados, estes foram divididos em três grupos, a saber: os latino-americanos e caribenhos de língua espanhola, os africanos de língua portuguesa e os árabes-muçulmanos, com o intuito de identificar os diversos tipos de conflitos por que passaram e passavam e a bagagem cultural trazida do local de origem.

Quanto ao capital social, as entrevistas, divididas em 7 partes, com cerca de 30 minutos cada, buscaram avaliar o perfil do refugiados, desde sua chegada em São Paulo ou em Toronto, a formação de grupos e redes no novo lar, além das relações de confiança e solidariedade, de ação coletiva e cooperação, de informação e comunicação, de coesão e inclusão social e de capacitação e ação política

In fini, com base nos resultados das entrevistas e na avaliação teórica acerca de

refugiados, de capital social, de cultura e de políticas públicas, concluiu-se que, primeiramente, sim, os refugiados possuem direitos promovidos, protegidos, defendidos e garantidos nas ordens jurídicas vigentes, em São Paulo e em Toronto, algumas vezes até mais do que outros tipos de migrantes, embora tais direitos, assim como várias das políticas públicas adotadas não alcancem, com freqüência, o universo e a realidade destes indivíduos, ou por não se ajustarem às características culturais deles ou por não haver implementação adequada por parte do ente público.

(18)

As cidades1 de São Paulo, no Brasil, e de Toronto, no Canadá, foram as escolhidas para serem o universo de pesquisa, ou seja, nelas os refugiados foram entrevistados e o capital social por eles produzido foi avaliado, por serem as duas maiores cidades de países economicamente opostos, o primeiro de Terceiro Mundo e o segundo Industrializado, embora localizadas no mesmo continente, além de serem as cidades, em cada um dos países, a receberem a grande maioria dos refugiados ali presentes.

Portanto, o objeto/problema levantado na pesquisa culminou em dados conclusivos, a saber:

1. há, sim, integração dos refugiados, em maior ou menor grau, nas mais diversas dimensões;

2. esta integração, sim, resulta na produção e na acumulação de capital social, embora apenas de algumas de suas formas;

3. o capital social produzido e acumulado resulta de políticas públicas adotadas no local de acolhimento, desde que tais políticas sejam criadas e implementadas levando em consideração a bagagem cultural que os refugiados trazem consigo do local de origem e as dificuldades de adaptação do mesmo, devido às péssimas condições físicas e psíquicas que caracterizam o refugiado como ser humano e como cidadão, lato sensu, nos momentos antes, durante e após a fuga.

Espera-se, com esta pesquisa, que os governos, a sociedade civil, organizada ou não, e a iniciativa privada passem a ver os refugiados “com outros olhos”, utilizando-se dos mesmos, positivamente, para melhoria da qualidade de vida e do bem-estar de cada um, com fundamento de que estes últimos são também seres humanos, com as mesmas possibilidades de crescimento, desenvolvimento e aperfeiçoamento constantes em

1

Cidade, para Weber (1999, 408-25), pode ser definida por várias formas. Sociologicamente, seria “um

povoado, isto é, um assentamento com casas contíguas, as quais representam um conjunto tão extenso que

falta o conhecimento pessoal mútuo dos habitantes, específico da associação de vizinhos.”

Economicamente, seria “um povoado cujos habitantes, em sua grande maioria, não vivem do produto da agricultura, mas sim da indústria ou do comércio.” No sentido político-admnistrativo seria “uma localidade que não teria direito a esta denominação do ponto de vista econômico.” Politicamente, cidade era “um estamento especial de cidadãos, como portador destes privilégios (uma fortificação, um mercado,

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quaisquer das comunidades em que se encontrem inseridos, bastando, para isso, que lhes sejam dadas condições necessárias para o alcance da meta basilar de quaisquer indivíduos, qual seja, sentir-se e ser tratado como cidadão no seu lar, além de ser visto como parte do todo, da totalidade, do mesmo planeta, da mesma humanidade. É este o objetivo da abordagem transdisciplinar, utilizada na presente pesquisa, pois, ser um refugiado é temática complexa, inserida neste mundo super-capitalista complexo, com problemas complexos e demandando soluções complexas, cujo marco inicial pode ser a Academia, conforme as metas estabelecidas pela UNESCO (apud Nicolescu, 1997).

A utilização da transdisciplinaridade no estudo dos refugiados se justifica em razão das constantes mudanças por que passa o mundo, assim como os refugiados. Ademais, se os problemas permanecem, as soluções precisam ser mais flexíveis e mais focadas. O dilema dos refugiados já é endêmico e crítico na história humana, exigindo novas metodologias e novos métodos de análise.

A proposta desta tese, ao usar esta abordagem, integrando disciplinas e ciências, é alcançar uma paz mais durável no mundo, ao invés de soluções pontuais, paliativas e de curto prazo. Afinal, ninguém deseja deixar sua terra natal e ser permanentemente assentado em outro local, a menos que não haja chance de vida pacífica e segura no local de origem.

A transdisciplinaridade, palavra usada, pela primeira vez, por Piaget, em 1970, adotada pela Declaração de Veneza, de 1986, aprovada na Carta da Transdiciplinaridade, em 1994, com apenas 15 artigos, na Declaração de Zurique, em 2000, e na Mensagem de Vila Velha, em 2005, recusa sistemas fechados de pensamento e reconhece a necessidade de novos métodos educacionais a partir de um intercâmbio dinâmico entre as ciências exatas, humanas, filosóficas e artísticas, além da tradição e das experiências, com o intuito de contribuir para eliminar tensões que ameaçam a vida no planeta, levando em consideração todas as dimensões do ser humano, a saber: corpo, espírito e psique, conforme afirma Nicolescu (1997 e 2005).

(20)

temática dos refugiados, como o Centro de Estudos de Refugiados (CRS) da Universidade de York, em Toronto, Canadá, que visa, interdisciplinarmente, disseminar pesquisas úteis, ao analisar resultados sob diferentes visões e perspectivas, capacitando, assim, os governos, a criar e implementar novas políticas e normas.

Os professores2 do CRS são de diferentes áreas, como: Antropologia, Artes, Ciência Política, Economia, Engenharia, Geografia, História, Meio Ambiente, Psicologia, Psiquiatria etc. Entretanto, as pesquisas são compartilhadas e cada um coloca sua área de conhecimento em prol dos refugiados, de forma interdisciplinar, ou seja, todos os campos se relacionam, de alguma forma, com a temática, necessitando-se do conhecimento de cada um no resultado final da pesquisa.

No Brasil, não existem cursos permanentes sobre refugiados, assim como esta disciplina não é ofertada, de forma obrigatória, nos cursos de graduação em universidades brasileiras, além da falta (ou não permissão de publicação) de dados oficiais. Poucos professores em cursos de Direito ou de Relações Internacionais inserem seu conteúdo nas disciplinas de Direito Internacional e/ou Direitos Humanos. Ademais, apesar do Plano Nacional de Educação já ter se manifestado a favor da interdisciplinaridade nas escolas, as universidades ainda se fecham a esta prática.

Importa mencionar que estudos comparativos são comuns em pesquisa sobre migração, tanto é que foi realizado, também, para os fins desta tese. Mas, Crutchfield (1978, 93) aponta que “os estudos comparativos das experiências com diversos grupos étnicos são descritivos e analíticos, não normativos.” E, os refugiados, nos campos ou urbanos, estão em meio a diferentes pessoas, talvez até com as mesmas características e necessidades, mas afetados, diversamente, por certas situações sociais, podendo, então, responder diferentemente àquelas necessidades e se comportarem diferentemente nas formas de alcançar suas metas. O uso da interdisciplinaridade e, no futuro, da transdisciplinaridade, pode auxiliar a solucionar a problemática dos refugiados.

Já que a palavra disciplina se refere a um aspecto particular do aprendizado, sua perspectiva é mono, singular, podendo produzir interpretações e avaliações distorcidas, como afirma Crutchfield (1978, 93). A intenção da interdisplinaridade e da

2

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transdisciplinaridade é evitar distorções da realidade, erros, ilusões e paradigmas cegos, que pode ocorrer ao se visualisar apenas um aspecto da temática em estudo. Quanto aos refugiados, nenhuma disciplina, singularmente, possui condições de, adequadamente, explicar todos os componentes do estudo. Por mais profundo que seja, o conhecimento em uma única disciplina não é suficiente para que formuladores de políticas e acadêmicos tomem decisões adequadas sobre as questões complexas surgidas do seio das realidades dos refugiados.

Claro que a disciplinaridade precisa ser a base, afinal todas as pesquisas resultam de disciplinas individualizadas. Mas, a interdisciplinaridade, segundo Kockelmans (1979, 9), “é uma tentativa de reorganizar e integrar o conhecimento ao longo de linhas que não estejam definidas pelas disciplinas presentes.” O dilema dos refugiados continua em constante mudança, aumentando a cada dia e requerendo novas teorias e paradigmas, pois, “diferentes circunstâncias exigem diferentes atitudes.”

Cabe, aqui, buscar em Menezes & Santos (2002) a diferença entre multidisciplinaridade e pluridisciplinaridade. A primeira se refere à união de várias disciplinas tradicionalmente distintas de forma a mantê-las separadas, mesmo que associadas, como na relação entre Engenharia e Direito, ao se estudar as condições de habitação onde os refugiados residem e os seus direitos de habitação. Ou seja, cada disciplina contribui com informações que pertencem ao seu próprio campo de conhecimento, sem considerar a integração entre elas. Por sua vez, a pluridisciplinaridade é vista como a justaposição de disciplinas geralmente situadas no mesmo nível hierárquico e agregadas de forma que as relações existentes entre elas sejam claras, como a Sociologia e a Ciência Política, Ciências Sociais que estudam os refugiados, embora cada qual dentro de seu próprio campo de estudo.

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trabalho, sentindo-se úteis e contribuindo economicamente para a sociedade e como a sociedade acolhedora vê os refugiados no sentido de “força de trabalho”).

Com os complexos problemas do mundo atual, a falta de integração entre as disciplinas não produzem efeitos positivos na transferência de conhecimento, o que fez surgir a interdisciplinaridade, definida por Scott (1979) como “a união de várias disciplinas tradicionalmente distintas de forma a criar um único produto: um curso, um artigo ou mesmo um currículo”, representando uma tentativa de reorganizar e integrar conhecimento, além das linhas já traçadas pelas disciplinas presentes, sem pressupor apenas fusão de conhecimento, mas também profundo conhecimento de cada participante a fim de alcançar a construção do todo.

Nas pesquisas com os refugiados, seria, por exemplo, ao se estudar uma pintura feita por um refugiado, relacionar Artes (explicando as técnicas utilizadas), Psicologia (interpretando os desenhos para descobrir os distúrbios), Geografia (buscando entender o ambiente e a paisagem pintados), Medicina (estudando a saúde mental a partir da Psiquiatria e da Psicologia), História (relacionando o período histórico de quando a pintura foi feita) etc.

O aprendizado seria mais estruturado e rico, caso os conceitos fossem mais organizados ao longo de unidades globais do conhecimento, com estruturas conceituais e metodológicas compartilhadas por várias disciplinas. O futuro da interdisciplinaridade poderá ser a transdisciplinaridade, no que se refere à cooperação entre as disciplinas, de forma a impedir a separação entre elas. Seria o nascimento de uma “macrodisciplina”, nas palavras de Girardelli (s.d.), sem hierarquia entre elas e resultante da disciplinaridade, ou seja, seria, para Menezes e Santos (2002) um “princípio teórico em busca de comunicação entre as disciplinas, tratando, efetivamente, um tema comum (transversal), ou seja, na transdisciplinaridade não há fronteiras entre as disciplinas.”

Voutira & Dona (2007, 165)3 apontam que “o estudo dos refugiados é

multidisciplinar na sua abordagem”, pois “contém e representa diferentes disciplinas

que emprestam e redefinem suas ferramentas teóricas para o estudo dos refugiados, embora pesquisadores individuais em suas próprias áreas desenvolvam uma linguagem específica para conversar, criativamente, entre si e com outros atores.” De acordo com

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estas autoras, a partir da evolução e da consolidação deste campo de estudo, ambas “interdisciplinaridade e multidisciplinaridade passaram a funcionar como uma estrutura metodológica que uniu acadêmicos de diferentes disciplinas sob o mesmo teto, ao introduzir a complexidade dos assuntos envolvendo ‘refugiados’.” Entretanto, a Academia precisa ir mais longe, pois estes tipos de pesquisa e abordagens não têm sido suficientes para solucionar o dilema dos refugiados.

Historiadores, psicólogos, geógrafos, sociólogos, advogados, economistas, engenheiros, médicos, psiquiatras, cientistas políticos, internacionalistas, ambientalistas, antropologistas, artistas e muitos outros estão engajados na problemática do refúgio, através da inter e da multidisciplinaridade. Mas, a crise continua, os refugiados permanecem em todos os locais, vidas se perdem, o sofrimento aumenta, políticas de fronteira restritivas aumentam em vários países, muros são reconstruídos entre países e acadêmicos e pesquisadores ainda não compreenderam a intenção da UNESCO (apud Nicolescu 1997 e 2005) em defender a transdisciplinaridade, como um novo caminho para melhorar a vida e o bem-estar de cada um dos refugiados.

Voutira & Dona (2007, 168) apontam as dificuldades existentes nas pesquisas com refugiados, como “preocupações aumentadas com a segurança, mobilidade e temporalidade”. Certamente, falta de acesso aos dados, há os refugiados “no limbo” e as burocracias estatais criam dificuldades para os pesquisadores detectarem dados e encontrarem soluções, mantendo o problema e seu sujeito, de certa forma, invisível, precisando, então, ser repensado, reconceitualizado e reorganizado em novas configurações e alianças entre disciplinas, especialmente no tocante à nova abordagem transdisciplinar.

Morin (2001, 34) assinala que “a hiper-especialização nos impede de ver o global (fragmentado por ela) e o essencial (dissolvido por ela). E impede-nos de tratar, corretamente, problemas específicos que não surgem nem são considerados totalmente “fora de contexto”,” como é o caso dos refugiados. Para ele, a hiper-especialização não permite a integração na problemática global ou uma concepção completa do objeto do qual ele considera apenas um aspecto ou uma parte.”

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assim que a Declaração de Locarno (apud Nicolescu 1997 e 2005) aponta que o conhecimento transdisciplinar

implica uma abertura multidimensional necessária da universidade em direção à sociedade civil, a outros locais de produção do novo conhecimento (instituições privadas e laboratórios, sociedades industriais, ONGs etc), ao ciber-espaço-tempo, ao objetivo da universalidade e à redefinição de valores capazes de governar sua própria existência,

pois “a emergência de uma nova cultura capaz de contribuir para a eliminação de tensões que ameaçam a vida do nosso planeta será impossível sem um novo tipo de educação que leve em consideração todas as dimensões do ser humano,” uma estrutura conceitual dentro da qual a problemática dos refugiados cabe perfeitamente.4

Em suma, esta tese se caracteriza como transdisciplinar, pois foram analisadas e discutidas diversas ciências, de forma transversal e em conjunto, para buscar soluções para o dilema da integração dos refugiados (que precisam ser considerados, simultaneamente, pelas mais variadas ciências) nos locais de acolhimento, a saber: a evolução histórica da problemática e a análise da história do país (História); as normas relativas aos refugiados (Direito); a caracterização do mundo atual e o papel das organizações internacionais (Relações Internacionais); os problemas e os distúrbios psicológicos dos refugiados, além da necessidade de tratamentos adequados (Medicina – Psiquiatria e Psicologia); as políticas públicas adotadas (Ciência Política); a bagagem cultural dos refugiados e as dificuldades de integração (Antropologia); a questão do fenômeno migratório e o papel da sociedade acolhedora dos refugiados e a relação entre ambos (Sociologia); o capital social (ferramenta utilizada por diversas ciências), a inserção do refugiado no mercado de trabalho e sua contribuição com a economia local (Economia); análise dos dados (Matemática e Estatística); a integração dos refugiados no novo ambiente e os processo de ajuste a ele relacionados (Geografia); os programas e/ou atividades para redução de estresse, depressão e melhoria de auto-estima (Artes); aprendizado da língua como forma de inserção no e de identificação com o novo lar, entendendo comportamentos pelo uso da língua (Lingüística); o papel da religião, pois muitos dos grupos aos quais os refugiados entrevistados pertenciam são religiosos, funcionando como facilitador de suas inserções no novo lar (Estudos Religiosos); etc.

4

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Este exemplo é de alto valor, podendo ser utilizado como ferramenta para defender a pesquisa transdisciplinar no dilema dos refugiados. A crise continua e os refugiados não mais precisam ser “entendidos”. Isto já vem sendo feito de forma eficaz por acadêmicos e pesquisadores em todo o mundo. O que eles precisam é de soluções, de mudanças nas atitudes, de ação, de novos modelos de comportamento em relação a eles, de serem vistos como um todo, integrados, interpretados e contemplados sob “um sistema que, com sucesso, simultaneamente, satisfaça suas necessidades físicas, mentais e psíquicas, enquanto, ao mesmo tempo, tenha a capacidade de reduzir os custos de ter que tratar todas as diferentes doenças e distúrbios” (Nicolescu, 2005). Este sistema já existe, é a transdisciplinaridade.

Há uma urgência em unir temas sobre os refugiados, como acesso ao mercado de trabalho, habitação, cuidados com saúde, educação, direitos, relações sociais, políticas públicas, necessidades humanas etc. em um único ser humano, que existe como uma criatura complexa dentro de uma sociedade complexa. Apenas após aceitar o estudo dos refugiados desta forma, algumas soluções poderão ser identificadas pela Academia, de forma a apoiar a sociedade civil, o governo e as ONGs, em suas atividades, fornecendo melhores políticas e serviços públicos, que resultem no desenvolvimento econômico, social, cultural e político, tanto do refugiado quanto do local de acolhimento.

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Parte I

Os refugiados

“[…] Vinde, [...] porque [...] era peregrino e me acolhestes [...].” (Mateus, 25, 34-35).

Todos devem ter o direito e a liberdade de migrar, mas de forma voluntária e não forçosamente. Entretanto, o ser humano tem sido obrigado a fugir, a sair de sua casa, em busca de proteção, como conseqüência de todos os tipos de perseguição, conflitos armados e violência (Milesi & Leão, 2001, 69).

Scalabrini (in Piacenza, 1988 apud Milesi, 2006, 1) afirmava “liberdade de migrar, sim, mas não de fazer migrar”. As pessoas lutam por liberdade, por justiça, por dignidade e por direitos, mas de forma muito mais teórica do que prática. Na teoria, é muito bonito fazer discursos inflamados, escrever poemas e também pesquisas acadêmicas. Alcançando a prática, ínfima é a quantidade de pessoas que verdadeiramente lutam pelos seres humanos que perderam absolutamente tudo, inclusive a identidade, o passado e, provavelmente, o futuro, e que foram forçadas a sair do lugar de origem para proteger o único bem que restou, qual seja, a vida. É sobre tais pessoas, os refugiados, que esta tese visa.

Para Chimni (2000, 1), a definição de refugiado no Direito Internacional é de importância crítica, pois pode significar a diferença entre a vida e a morte para um indivíduo que busca asilo. Esta definição é resultado de momentos históricos e políticos. Inclusive, as realidades fazem a diferença quando países como Brasil e Canadá buscam definir juridicamente o refúgio, seguindo a definição outrora determinada pela comunidade internacional5, via Liga das Nações (LdN), a priori, ou via Organização das Nações Unidas (ONU), a posteriori, mas adaptando-as às suas condições políticas, sociais, econômicas e culturais.

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Esta parte inicial da tese visa a identificar a criação e a utilização do instituto do refúgio pela comunidade internacional, bem como pelo Brasil e pelo Canadá, países que foram objeto de estudo desta.

A definição legal de refugiados, conforme o artigo 1°, § 1° da Convenção de Genebra de 1951, alterada pelo Protocolo adicional de 1967, reza sê-lo qualquer pessoa que possua temor bem fundado6 de perseguição7 por motivos de raça8, religião9, nacionalidade10, grupo social11 ou opiniões políticas12 e se encontra fora do país de sua nacionalidade e, no caso do apátrida, fora do país onde possuía residência habitual, e que não pode ou, em virtude desse temor, não quer se valer da proteção desse país. Embora a perseguição por motivo de gênero esteja juridicamente excluída da concessão de refúgio, na prática ela tem sido concedida, já que a grande maioria do contingente de refugiados são mulheres e crianças, muitas delas vítimas de violência sexual.

6 Enquanto o Manual do ACNUR (Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados) sobre os procedimentos e critérios para determinar a concessão de refugiados (1979, §§ 37, 38, 40 e 42) recomenda o uso dos critérios objetivo e subjetivo na determinação do “temor bem fundado” , Hathaway (apud Chimni, 2000, 3) defende o uso do critério objetivo, rezando que a determinação da concessão de

refúgio pouco pode fazer sobre o estado mental do indivíduo em questão. [...] Qualquer determinação [da condição jurídica de refugiado] é, acima de tudo, uma interpretação e, onde haja agências governamentais inseridas na temática, profundamente influencidas por políticas estatais. Ver Convenção de 1951 e Protocolo Adicional de 1967, na íntegra, nos Anexos A e B.

7 Embora a Convenção de 1951 não defina o termo perseguição, Hathaway (1991, 105) a define como a sustentada ou sistêmica violação dos direitos humanos básicos, demonstrando a perda da proteção estatal.

8 O parágrafo 68 do Manual do ACNUR a define no sentido mais amplo para incluir todos os grupos étnicos que sejam considerados como raças, além de grupos sociais específicos de descendência comum que formam minorias dentro de uma população maior.

9 O parágrafo 72 do mesmo Manual declara que perseguição por motivos religiosos pode assumir várias formas, e.g. proibição de ser membro de uma comunidade religiosa, de realizar trabalho religioso na esfera privada ou pública, de instrução religiosa ou sérias medidas de discriminação impostas nas pessoas por causa delas praticarem suas religões ou pertencerem a uma comunidade religosa em particular.

10 O parágrafo 74 do mesmo instrumento normativo declara que o termo nacionalidade nesse contexto não deve ser entendido apenas como cidadania. Ele também se refere a ser membro de um grupo étnico ou linguístico e pode, ocasionalmente, ser confundido com o termo raça. Perseguição por motivos de nacionalidade pode consistir de atitudes diversas e medidas dirigidas contra uma minoria nacional (étnica ou linguística) e, em certas circunstâncias, no fato de pertencer a certa minoria poder ser o bastante para levantar o temor bem fundado de perseguição.

11 O parágrafo 77 afirma que grupo social em particular se resume em pessoas de passado, hábitos ou

status social similares. Uma solicitação por medo de perseguição, nesse caso, pode freqüentemente se

confundir com o medo por questões de raça, religião ou nacionalidade.

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O mesmo instrumento jurídico exclui, em seu artigo 1°, § 6°, da concessão de refúgio os que cometeram crimes contra a paz, crimes de guerra, crimes contra a humanidade, crimes graves de direito comum fora do país de refúgio antes de serem nele admitidos como refugiados e os culpados de atos contrários aos fins e aos princípios da ONU. Ainda, o § 4° exclui da proteção aqueles já protegidos ou assistidos por outro órgão da ONU que não seja o ACNUR.

Ademais, o § 3° do mesmo artigo declara cessar a condição de refúgio quando o refugiado volta a se valer da proteção do país de nacionalidade; se havendo perdido a nacionalidade, recupera-a voluntariamente; se adquiriu nova nacionalidade, gozando de proteção integral no novo país de nacionalidade; se houve repatriação voluntária ao país outrora abandonado por temor de peserguição; e, por fim, ao cessarem as condições que ensejaram o refúgio.

Em princípio, vale salientar que a discussão atual, inclusive tendo sido o ponto focal da Conferência da Asssociação Internacional para o Estudo da Migração Forçada (IASFM), em janeiro de 2008, no Cairo, tem sido a relação entre refugiado e migrante forçado.

Para Chimni (2008, mimeo), proveniente da nova escola acadêmica que busca aproximar o Terceiro Mundo do Direito Internacional, tais diferenças são resultantes da falta de relações profundas entre as instituições, especialmente entre o Norte e o Sul, o que o leva a se posicionar contra a inclusão do estudo dos refugiados dentro do estudo da migração forçada, já que aquele possui uma identidade distinta deste. Conforme declara este acadêmico indiano, o estudo das migrações forçadas é proveniente da história do colonialismo, necessitando-se modificar a agenda para o novo humanitarianismo que seja parte da política e da realidade global atual, qual seja a de restringir e de fechar fronteiras aos não-nacionais, como advogam, por exemplo, os novos governos nacionalistas europeus.

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chegaram aos meios acadêmicos, caracterizado pela criação dos Centros de Estudos de Refugiados nas universidades de Oxford (Inglaterra) e de York (Canadá). Nessa última fase, os focos passaram a ser tráfico e contrabando de pessoas, além de situações de pós-conflitos.

Destarte, mudanças de comportamento na comunidade internacional passaram a ser necessárias, inclusive devido à diminuição oficial dos números de refugiados, por causa das restrições nas políticas nacionalistas, como acima dito, contrariando a realidade. Ademais, após 2001, continua Chimni, em suas palavras, na conferência de abertura da IASFM (2008) - , inicia-se a discussão em recolocar o estudo dos refugiados inseridos no da migração forçada, até pelo nexo existente entre refúgio e asilo e pela grande quantidade de deslocados internos existentes já neste século XXI. Para ele, o estudo dos refugiados deve modificar seu foco de dar auxílio material e levar mais em consideração a situação das crianças, do auxílio psicossocial, da integração na sociedade receptora e da repatriação involuntária, que têm sido deixados à mercê do conhecimento produzido pelos detentores do poder (políticas estatais), quando, pelo contrário, deveriam utilizar-se os conhecimentos produzidos por ONG, pela Academia, por Centros de Pesquisa e, também, em conjunto, pelos governos.

E acrescenta que é o uso do poder político-estatal, caracterizado pelo domínio global, que posiciona o estudo dos refugiados em apenas mais uma categoria dentro do estudo da Migração Forçada. Portanto, o primeiro está em crise de representação, embora não haja sérios conflitos entre ambos, mas precisa encontrar seu próprio papel dentro do segundo, com medidas restritivas, idéias políticas e políticas metodológicas.

Apesar de refugiado ser uma definição legal controlada por organizações internacionais (OI), esta definição ainda consegue proteger refugiados. Todavia, por exemplo, vários Estados asiáticos e do Oriente Médio não são membros da Convenção Internacional dos Refugiados de 1951 (Convenção de 1951), embora concedam mais proteção e direitos do que outros Estados não membros da Convenção, como a Jordânia.

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Capítulo I

Aspectos histórico-jurídicos

O refugeísmo não é algo novo, pelo menos no sentido literal da palavra, ou seja,

de alguém que forçadamente deixa sua terra natal em busca de melhores condições de vida ou por qualquer outra razão pela qual o indivíduo não seja responsável, seja ela perseguição, desordem pública, guerra civil, fome, desastres naturais ou degradação ambiental.

A Bíblia relembra a história da Sagrada Família (José, Maria e o Menino Jesus), que se viu obrigada a deixar sua terra e se refugiar no Egito para escapar de Herodes (Mateus, 2, 13 e 14).

No sentido jurídico do termo, ou seja, como instituto jurídico de Direito Internacional, o refúgio surgiu no seio da Liga das Nações (LdN), em 1921, como um problema genuíno pouco antes, durante e logo após a Primeira Guerra Mundial, quando os exércitos inimigos avançavam, enviando uma quantidade grande de pessoas para além de suas fronteiras nacionais, notadamente européias (Hakovita, 1991, 21).

Andrade (1996, 20-1) assinala os refugiados que fugiram do Império Russo e Otomano, dirigindo-se à Europa Central e à do Oeste e à Ásia, no período imediatamente anterior a Guerra de 1914-1918. Com o fim da Guerra, as dificuldades políticas, econômicas e sociais agravaram a situação dos refugiados. Ademais, como resultado da implementação do Princípio da Soberania, os refugiados eram vistos como estrangeiros capazes de afetar negativamente a vida local. Embora não houvesse um mandato jurídico sob a LdN para a proteção dos direitos dos refugiados, a Liga nunca negou responsabilidade para protegê-los de forma permanente.

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Andrade (1996) ainda aponta que a ajuda aos refugiados russos, nos anos 1920 e 1921, era feita pela Cruz Vermelha, auxiliada por outras ONGs. Mas ficava difícil de continuar o trabalho em virtude da falta de apoio institucional, logístico e financeiro da Comunidade Internacional, qual seja, da LdN. Ipso facto, a Liga nomeia o norueguês Dr. Nansen como Alto Comissário para os Refugiados Russos em 01-11-1921, com os poderes de definir a situação jurídica dos refugiados, organizar sua repatriação ou reassentamento para os vários países que anuíssem recebê-los, providenciar trabalho e realizar atividades de socorro e assistência, auxiliado por sociedades filantrópicas.

O prestígio, a versatilidade e a autoridade do Dr. Nansen, estadista e cientista, foram o bastante para a criação e aceitação do Passaporte Nansen, como ficou conhecida a primeira “cédula identitária” dos refugiados russos. Mas não somente os Russos foram protegidos pelo mandato do Dr. Nansen, também os armênios, os turcos, os assírios, os assírios-caldeus e assimilados estiveram sob o mandato do Alto Comissariado para Refugiados da Liga das Nações, como afirma Andrade (1996, 62).

A Crise econômica de 1929 e o Governo Nazista adotado a partir de 1933 causam o aparecimento de mais refugiados, não apenas como problema de caridade, mas principalmente como resultado de questões políticas, econômicas, sociais e culturais. Loescher (1993, 12) assinala que a proteção e a assistência aos refugiados no mundo ainda dependem da generosidade, mas o problema dos refugiados é essencialmente político.

O Escritório Nansen para os Refugiados, criado sob os auspícios da LdN, deu continuidade aos trabalhos do Dr. Nansen, que acreditava que em dez anos o problema dos refugiados estaria resolvido, bastando, para isso, que fosse criado um organismo com estatuto definitivo e que fosse adotado um planejamento adequado para tal (Andrade, 1996, 72). Entretanto, não se contou com as surpresas da sociedade internacional: a depressão econômica, o declínio da influência moral da LdN, a forte pressão da URSS e o fluxo de refugiados provenientes da Alemanha, que impediram o Escritório de fazer seu trabalho a contento.

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outras situações, da situação jurídica dos refugiados, de suas condições de trabalho, do bem-estar e da assistência, da educação e do regime fiscal (apud Andrade, 1996, 75).

De suma importância foram as cláusulas que protegeram todo tipo de refugiado, que incorporaram as definições anteriores, que permitiram as modificações ou ampliações (trazendo críticas, devido ao componente político que sempre acompanha o assunto refugiados) e que defenderam o princípio do non refoulement (proibindo o Estado acolhedor de devolver o refugiado ao Estado de perseguição). Ademais, quando as perseguições, além de políticas, passaram a ser raciais, foi criado o Alto Comissariado para Refugiados Provenientes da Alemanha e sua Convenção em 1938, comprometida por apenas três Estados.

O segundo período se resume aos anos de 1938 a 1952, quando se abandona a qualificação coletiva de refugiado, fornecida no período anterior e se passa para a perspectiva individualista. Nesse momento histórico, para ser reconhecido como refugiado, não importava a origem ou a participação em certo grupo político, étnico, racial ou religioso, mas sim, as convicções pessoais do refugiado, influenciando sobremaneira a última fase, ou seja, o período contemporâneo da proteção dos refugiados, conforme afirma Andrade (1996, 26-7).

Em 1938, a LdN extingue os órgãos já existentes de proteção aos refugiados, criando e regulamentando, o Alto Comissariado da Liga das Nações para os Refugiados, para, entre outros direitos, prover proteção política e jurídica aos refugiados, monitorar a entrada em vigor e a aplicação do estatuto jurídico dos refugiados (das convenções de 1933 e de 1938), facilitar a coordenação da assistência humanitária e auxiliar os governos e as ONGs a promover a emigração e o assentamento permanente.

Após várias conferências, resoluções, discussões e órgãos constituídos, surge a Organização Internacional para os Refugiados (OIR), substituindo todos os organismos anteriormente criados e resultante de intenções mais políticas do que humanitárias (Andrade, 1996, 151), especialmente no concernente à definição de refugiados, já que a definição atual é proveniente desta época.

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as competências da OIR foram transferidas para os Estados onde havia refugiados em seus territórios e para outras organizações. Os países, onde os refugiados se encontravam, não se mostravam muito ansiosos em assumir a responsabilidade que lhes recaía em razão de seu posicionamento geográfico, a qual, sustentavam eles, era da comunidade internacional.

Esta experiência da OIR deixa claro que o espírito humanitário de proteção, de promoção e de auxílio aos refugiados existe, embora em menor extensão do que a politização do problema, ainda existente na atual comunidade internacional.

A OIR resultou no atual Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados – ACNUR, que visa colocar em vigor a Convenção de Viena sobre o Estatuto dos Refugiados de 1951, cujo objetivo inicial foi o de definir juridicamente o termo refugiado, de forma ampla e universal, individual e coletiva. De acordo com a Convenção de 1951, artigo 1º,

refugiado é qualquer pessoa que por medo bem fundado de perseguição por razões de raça, religião, nacionalidade, pertencimento a um grupo social em particular ou opinião política, está fora de seu país de nacionalidade e está incapaz, ou devido a tal temor, não pode se valer da proteção de tal país; ou que não tendo nacionalidade e estando fora do país de sua residência habitual, está incapaz, ou devido a tal temor, não pode voltar a tal país.

O Plano institucional-jurídico da definição de refugiado veio a se concretizar, finalmente, com a Convenção de 1951, aperfeiçoada pelo Protocolo Adicional de 1967, que removeu a cláusula que limitava o direito de ser refugiado àqueles que fugiram de seus países como resultado da Grande Guerra de 1939-1945 (Pacífico, 1999, 8).

A própria Convenção de 1951 c/c Protocolo de 1967 vincula os indivíduos que ficam sob a sua proteção jurídica: um refugiado deve ter ultrapassado as fronteiras de seu país de origem ou de residência habitual, legal ou ilegalmente (diferentemente do deslocado interno, que não ultrapassou as fronteiras); ser um civil; nunca ser um migrante econômico ou um criminoso fugindo da pena; pode possuir mais de uma nacionalidade; deve sempre ser protegido do refoulement; pode ter esta condição aplicada individual ou coletivamente.

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Ademais, a própria Convenção e o Protocolo definiram as formas de cessação, perda e exclusão da condição de refúgio, que neste momento não serão tratadas.

Um problema a ser tratado pormenorizadamente é a questão dos Palestinos, que ficaram excluídos da condição de refúgio, em virtude da ONU ter criado um órgão específico para protegê-los, qual seja, o UNRWA (United Nations Relief and Work Agency). De acordo com os organismos internacionais de proteção aos refugiados (e o Brasil bem recepcionou tal cláusula), sujeitos à Convenção de 1951, fica excluído da condição de refúgio, entre outros, “todo aquele que já estiver sob a proteção de outro órgão da ONU que não seja o ACNUR”. Dessa forma, os palestinos não são considerados refugiados, no sentido jurídico do termo, o que traz enormes preocupações a eles, à comunidade internacional e aos países de acolhimento dos refugiados. A Convenção dos Apátridas de 1954/1960 trata da proteção deles, pois, em virtude da criação do Estado de Israel, os palestinos foram deixados à mercê da política internacional, no sentido de receberem proteção jurídica.

Na África, a Convenção da Unidade Africana amplia a definição de refugiados com o intuito de incluir pessoas fugindo de seus países de origem devido às agressões externas, ocupação ou eventos seriamente perturbadores da ordem pública em uma parte ou em todo o país de origem ou de nacionalidade.

Nas Américas, a Declaração de Cartagena de 1984 recepcionou o Direito Internacional dos Refugiados, ampliando a definição, quando inclui entre os refugiados aqueles que deixaram seus países de origem por causa da guerra, da violação massiva de direitos humanos ou de causas similares que perturbem gravemente a ordem pública.

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segurança e controle migratório que possam causar xenofobia e intolerância; reafirma o princípio do non refoulement como jus cogens13 etc.

Enfim, tal documento busca proteger os refugiados, instando os Estados, a sociedade civil, a iniciativa privada e todos os militantes da área a promoverem ações práticas, com o dever ético de trabalharem em conjunto, em prol dos refugiados, o que resultará em uma sociedade melhor, mais humana, mais livre, mais justa para todos, refugiados ou não. Parece-nos, enfim, que a proposta da formação de uma sociedade em rede, no dizer de Castells (1999), seria a solução viável para o problema dos refugiados.

Nesta temática, Castells (1999, 287-363) afirma que a sociedade da informação em que vivemos tem provocado esses fluxos migratórios, não somente, mas também, de refugiados. Para ele, é a falência do Estado-nação, independente de ser o Estado Liberal ou o Estado do Bem-Estar Social, em cumprir com seu papel de proteção ao cidadão que tem provocado o fluxo de migrantes. Por isso, ele acredita que apenas a sociedade

em rede solucionará o problema das relações entre Estado e cidadãos. Na visão desse

estudioso, a sociedade em rede seria aquela onde o Estado, a iniciativa privada, os indivíduos, as ONGs, o terceiro setor, enfim, todos estariam unidos na intenção de cumprir um mesmo objetivo, qual seja o bem comum.

Já o sociólogo inglês Giddens (1991), na mesma linha de Castells, chama tal sociedade de sociedade de risco, na qual os seres humanos possuem a necessidade de acreditar no que ele chama de sistemas abstratos, como o dinheiro, e sistemas peritos, como advogados, contadores, arquitetos etc., causando um maior estresse e mais risco para a população. Para Giddens, nas sociedades pré-modernas, como os mundos árabe e chinês, havia confiança nas pessoas locais, o que se extinguiu com a modernidade, a saber, o estilo de vida que surgiu na Europa do século XVII. Para ele, entretanto, a separação da Igreja e do Estado provocou o desenvolvimento da modernidade e impediu o nascimento da sociedade de informação nas sociedades pré-modernas.

13 Citando Rezek (2005, 115-7), jus cogens é o direito imperativo, ou melhor, é “o conjunto de normas

que, no plano do direito das gentes, impõem-se objetivamente aos Estados, a exemplo das normas de ordem pública que em todo sistema de direito interno limita a liberdade contratual das pessoas.” Ademais, a própria Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados celebrados entre Estados, em vigor desde 1980, afirma, no seu artigo 53, que qualquer tratado que conflite com uma norma de jus cogens, será nulo,

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Enfim, esta sociedade de risco com um Estado em crise e fraco, ou seja, vulnerável ideologicamente e sem atingir o objetivo para o qual nasceu, provocou o surgimento dos movimentos sociais, por meio dos quais os cidadãos iniciaram suas buscas por uma vida mais segura e estável (Castells, 1999, 287-363 e 93-6). Assim é que Chimni advoga em prol de políticas de proteção, assistência e integração aos refugiados que sejam provenientes do apoio conjunto de ONGs, da Academia, de centros de pesquisa e dos governos.

Apesar de toda a luta pela defesa, promoção e proteção dos direitos dos refugiados, Castles (2003, 14) chega a afirmar que os refugiados oficialmente reconhecidos como tal estão em melhores condições de vida e bem-estar que outros migrantes forçados, tais como os deslocados internos, os solicitantes de asilo, os deslocados por desastres ambientais ou por grandes projetos de desenvolvimento, os deslocados por conflitos internos, os traficados e os contrabandeados.

Para Castles, os refugiados possuem um status legal claro e se valem da proteção de uma instituição poderosa, qual seja, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados – ACNUR, diferentemente do que advoga Hathaway (1997, 79), que afirma acreditar que “é errado caracterizar a definição como um padrão elitista. Meu ponto de vista é que a Convenção de Refugiados continua com um valor ético significativo, [...] pelo menos enquanto continuar a ser parte da prática estatal.”

No Brasil, o regime jurídico dos refugiados somente foi adotado em 22 julho de 1997, quando da publicação da Lei Ordinária Federal Nº 9474, que criou inclusive o Comitê Nacional dos Refugiados (CONARE), que será objeto de análise, embora o Brasil já recebesse refugiados há algum tempo, inclusive por meio de acordos entre o governo federal e o ACNUR, sempre com o apoio institucional da Cáritas Arquidiocesana, uma organização internacional criada no seio da Igreja Católica e por ela mantida, como se verá.

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