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MESTRADO EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA

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Academic year: 2019

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

Lisani Albertini de Souza

Uma análise das imagens estereotipadas da mulher brasileira

na mídia.

MESTRADO EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA

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Uma análise das imagens estereotipadas da mulher brasileira

na mídia.

MESTRADO EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para a obtenção do título de MESTRE em Comunicação e Semiótica (Área de Concentração: Signo e Significação nas Mídias; Linha de pesquisa: Cultura e Ambientes Midiáticos), sob a orientação da Prof a. Doutora - Christine Greiner.

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BANCA EXAMINADORA

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Como retribuir em palavras o que me foi dado em gestos?

Gostaria de iniciar agradecendo à minha orientadora, a quem acima de tudo admiro, sem ela os caminhos seriam árduos e tortuosos, com ela as dores viraram conhecimento, alegria e sabedoria. Christine Greiner não foi apenas uma orientadora dedicada e atenciosa que auxiliou o processo de construção dessa tese de mestrado, mas foi, e ainda é, um exemplo da professora e mestra que um dia pretendo ser para os meus alunos.

Ao Amálio Pinheiro que acompanhou com todo carinho o meu trajeto acadêmico, lendo meus textos, criticando-os, indicando bibliografias e sugerindo novos horizontes.

Ao Fábio Cristo por todo o apoio na criação e elaboração da curadoria de imagens que compõem este trabalho.

Ao Dirceu por me ajudar com as traduções do espanhol e pelas ricas indicações. Às minhas amigas Juliana Formiga e Marcela Belchior pelo apoio e pelos risos depois das densas aulas do mestrado.

Agradeço a todos os demais amigos e professores do mestrado que estimularam, criticaram e instigaram o desenvolvimento desta pesquisa.

Jamais poderia deixar de agradecer aqueles que estiveram ao meu lado em todas as fases da minha vida, os meus pais, que em momento algum soterraram ou negaram meus sonhos. De grão em grão, de sonho em sonho, de lágrima em lágrima ou de riso em riso, ali estavam os dois me levantando, me apoiando ou me tirando o chão quando preciso. Aos meus avós, tios e primos que, quando nada podiam fazer, para ajudar me cobriam de risos e alegrias e em especial à tia Rosa, tio Luiz, Felipe e Isabela pela paciência, pelo apoio e pelo acolhida.

À cúpula feminina Piracicabana por todo o suporte emocional e amizade incondicional.

Ao grupo Angoleiro Sim Sinhô e em especial ao mestre Plínio, por mostrar que o

conhecimento se faz presente nos detalhes do nosso cotidiano e por ensinar, através de seus gestos, a importância da palavra “respeito”.

À angoleira Ioná por me ajudar com as imagens e por colocar um pouco de samba em meus dias.

Ao Gabriel Marques Falcão de Souza, hoje um pequeno de seis anos e a minha grande paixão, por me mostrar com suas perguntas curiosas sobre o sol, sobre as palavras, sobre os animais e as pessoas, que os objetos de pesquisa se encontram nos simples fatos da vida.

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Esta dissertação tem como objetivo analisar o processo de formação do estereótipo da mulher brasileira em mídias diversas, desde o século XVI até hoje. Embora o corpus da pesquisa pareça amplo demais, foram escolhidos alguns recortes

específicos para nortear a hipótese principal de que os estereótipos da mulher brasileira

são memes que emergem de complexas relações culturais, instauradas desde o período da colonização do Brasil e que sobrevivem graças a processos adaptativos que incluem a ação das mídias (impressas, eletrônicas e digitais), mas não se restringem a elas.

Como fundamentação teórica, partimos da noção de corpomídia (Katz e Greiner, 2005), deslocando o tema do âmbito da Sociologia e dos Estudos Feministas para o campo da Comunicação e dos Estudos Evolucionistas. Para tanto, negamos algumas relações simplistas de causalidade em prol de relações sistêmicas geradas em diferentes ambientes midiáticos. Para aprofundar a análise de algumas imagens usamos também obra de Serge Gruzinski (2001), que discute a cultura latino-americana através do conceito de mestiçagem, reconhecendo diferenças civilizatórias em constante interação; e os estudos de Homi Bhabha (2003) e Boaventura de Souza Santos (2008) acerca da mimese cultural e da ambivalência dos processos de tradução de imagens entre culturas.

Como resultado, apresentamos uma curadoria de imagens e suas respectivas análises.

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This dissertation analyzes the process of formation of the stereotype of the Brazilian woman in a variety of media, from the 16th century to the present. Although this research corpus appears to be too broad, a few specific contents were chosen to guide

the main hypothesis that Brazilian female stereotypes are memes that emerge from

complex cultural relationships established since the period of colonization of Brazil, which have survived thanks to adaptive processes that include the action of the media (print, electronic and digital), but are not restricted to them.

As the theoretical foundation, we start from the notion of body-media (Katz & Greiner 2005), shifting the theme from the sphere of Sociology and Feminist Studies to the field of communication and evolutionary studies. To this end, we negate some simplistic causal relationships in favor of systemic relationships generated in different mediatic environments. To deepen the analysis of some images, we also use the work of Serge Gruzinski (2001), who discusses Latin American culture based on the concept of miscegenation, recognizing civilizatory differences in constant interaction, as well as the studies of Homi Bhabha (2003) and Boaventura de Souza Santos (2008) about cultural mimesis and the ambivalence of image translation processes between cultures.

As a result, we present a collection of images and their respective analyses.

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Introdução...9

CAPÍTULO I O processo evolutivo das imagens da mulher brasileira 1.1 Fundamentação Teórica...13

1.2 A construção das imagens...17

1.3 Estereótipo da mulher brasileira como um meme de sucesso...21

1.4 O processo memético e a construção dos símbolos culturais...24

CAPÍTULO II A pré-história das imagens midiáticas da mulher brasileira 2.1 Alguns pressupostos...34

2.2 A tradução dos elementos culturais mestiços...38

2.3 O pensamento hegemônico nas imagens da mulher brasileira...51

2.4 A imagem exótica...67

2.5 A sensualidade e o famoso bumbum...75

Curadoria de imagens...86

Conclusão...87

Bibliografia...89

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INTRODUÇÃO

Se pesquisarmos junto a estrangeiros qual a primeira imagem que lhes vem à mente quando indagados sobre a “mulher brasileira”, obteremos como resultado, na grande maioria das vezes, a imagem da mulata bem torneada, sambista, sensual, com biquíni cavado ou a das índias nuas vivendo em ocas no meio da exótica floresta amazônica.

Em diversos países europeus, o estigma da prostituição assombra, cada vez mais, os passaportes brasileiros. A culpa por essa relação entre a brasileira e a prostituição é atribuída à imagem estereotipada que circula nos diversos contextos mundiais. Os cartões-postais e até mesmo os filmes do turismo oficial agravam a situação. Essa imagem da brasileira tem um grau de reprodução tão elevado que hoje se faz necessária uma estratégia publicitária, incentivada pela Secretaria do Turismo, que a dissocie da imagem do Brasil. Essas iniciativas alteram todo o material publicitário sobre o Brasil que é veiculado no exterior, evitando a presença das imagens do corpo, principalmente do corpo feminino.

Parece unânime a conclusão de que a causa desse fenômeno de difamação da mulher brasileira são as imagens midiáticas em suas diferentes versões.

Mas será a mídia responsável de fato pelos estereótipos da mulher brasileira? Essa pergunta foi o ponto de partida para esta pesquisa.

O tema tem sido discutido e abordado constantemente na própria mídia (impressa, digital e televisiva) e em outros segmentos da sociedade. Este não é um problema que nasce hoje; portanto, não pode ser visto através de uma ótica simplista e determinista de causa e efeito em relação aos meios de comunicação. No entanto, as representações midiáticas não deixam de ter um papel importante na medida em que reforçam alguns estereótipos concebidos desde o Brasil colonial.

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se apresenta de maneira sutil. Às vezes, as representações da sensualidade são associadas ao pecado e, em outras, a uma qualidade natural das sociedades ditas não civilizadas. Não raramente essas imagens se fundem a mitos e lendas, como a do bom selvagem e do eldorado.

Na sua constituição moderna, o colonial representa, não o legal ou o ilegal, mas antes o sem lei. Uma máxima que então se populariza “para além do equador não há pecados”, ecoa no passo famoso dos Pensamentos de Pascal, escrito em meados do século XVII: “Três graus de latitude alteram toda a jurisprudência e um meridiano determina o que é verdadeiro (...). De meados do século XVI em diante, o debate jurídico e político entre os estados europeus a propósito do novo mundo concentra-se na linha global, isto é na determinação do colonial, não na ordenação interna do colonial. Pelo contrário, o colonial é o estado de natureza onde as instituições da sociedade civil não têm lugar. Hobbes refere-se explicitamente aos “povos selvagens em muitos lugares da América” como exemplares do estado de natureza (1985: 187), e Loke pensa da mesma forma ao escrever em Sobre o Governo Civil: “No princípio todo o mundo foi América.” (1946: 49) (SANTOS, 2008: 6).

Esses traços indiciais são traduzidos e ressignificados a partir das crenças e construções de pensamento do sujeito que as observa e as representa através de

textos culturais1. Essa rede de relações cria imagens mestiças, em mosaico, nas quais

elementos do passado e do presente se encadeiam e se traduzem em uma semiose infinita.

No primeiro capítulo, a Teoria Memética, desenvolvida por Richard Dawkins, nos auxilia a compreender o processo evolutivo dessas imagens. O autor parte da Teoria Evolucionista de Darwin (12/02/1809); porém, além de analisar a evolução genética, observa o processo evolutivo da cultura e demonstra que, assim como os genes, a cultura passa por um processo de seleção análogo ao da seleção natural, através do qual elementos culturais se replicam ao longo dos tempos, carregando informações das gerações passadas. Pode-se dizer que a hipótese central dessa dissertação é a de que a imagem estereotipada de mulher brasileira é um meme de sucesso. O meme é um elemento autorreplicador da cultura transmitido por imitação. Ao replicar-se, o meme

1 Os textos culturais são unidades mínimas da cultura, porém, o mínimo gerador textual não existe

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produz cópias imperfeitas, o que acarreta a produção de fenótipos estendidos também imperfeitos. Esses fenótipos estendidos são a implementação dos memes (esse conceito será explicado no decorrer do primeiro capítulo). A produção de cópias imperfeitas insere as representações das mulheres brasileiras em um processo de tradução infinita. No decorrer dos anos esse meme foi selecionado, gerando replicações de grande sucesso, que se reproduzem em alta velocidade, deflagrando verdades aparentemente incontestáveis. Todo meme de sucesso tem aptidão para se transformar em representações estereotipadas.

Nascer em um país distante do Brasil não implica não ter contato ou acesso aos seus textos culturais. Os caminhos tortuosos da informação criam recortes discursivos da realidade, que transitam entre as sociedades humanas. São justamente essas metáforas da realidade que migram para outras culturas, e reduzem a complexidade cultural em imagens superficiais.

Nesse capítulo inicial iremos relacionar a Teoria Memética à “Teoria dos Signos”, desenvolvida por Charles Sanders Peirce, aos “Processos de Tradução Intersemiótica”, de Julio Plaza, às “Metáforas da Vida Cotidiana”, de Lakoff e Johnson, e à “Mestiçagem” da forma como foi estudada por Serge Gruzinski. Essas relações foram estabelecidas com o objetivo de elucidar os processos de construção das imagens, compreendendo-as dentro de um sistema complexo que envolve representações mentais, construídas através da percepção, até a tradução dessas imagens virtuais em linguagens. Diferentes hábitos e costumes são traduzidos materialmente em representações propagadas através dos tempos. As obras de Homi Bhabha (2003) e de Boaventura de Souza Santos (2008) embasam a discussão acerca da mimese e da ambivalência dos processos de tradução dessas imagens entre culturas.

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culturais presentes nas primeiras imagens das mulheres brasileiras. A Teoria do “Corpomídia”, desenvolvida por Christine Greiner e Helena Katz (2005), identifica o corpo como um corpo ativo e em constante transformação a partir das relações com o meio ambiente.

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CAPÍTULO I

O processo evolutivo das imagens da mulher brasileira

1.1

Fundamentação teórica

A Teoria Memética concebida por Richard Dawkins norteia as análises realizadas

nesta dissertação. Esse pensamento parte da Teoria da Evolução2 darwiniana, criando

uma analogia com a evolução genética. Dawkins se apropria do evolucionismo para pensar o processo de evolução cultural.

Contrariamente aos criacionistas, que atribuíam a um único ser a criação da vida, Darwin propunha que a vida no planeta Terra se desenvolveu através de um processo evolutivo. Processo o qual insere todos os animais modernos em uma cadeia evolutiva, na qual os seres vivos são geneticamente descendentes de um mesmo ancestral que viveu milhares de anos atrás. Todos os seres vivos, sem exceção, teriam herdado seus genes de uma linhagem contínua de antepassados bem sucedidos.

Os genes são copiados e transmitidos de um corpo ao outro com precisão, mas alguns são transmitidos com maior frequência — por definição esses são mais bem sucedidos. Isso é a seleção natural, e essa é a explicação para a maior parte dos fatos interessantes e significativos a respeito da vida (DAWKINS, 2005: 223).

Os requisitos necessários para um gene de sucesso são: maior capacidade de reproduzir-se, adaptar-se e permanecer. Essas três características — adaptação, reprodução e permanência — quando aprimoradas, aumentam a taxa reprodutiva das

2 Nesta pesquisa o conceito acerca o evolucionismo não pode ser visto apenas como uma substituição

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informações genéticas e, portanto, adquirem maior capacidade de serem transmitidas para o futuro. Todos os processos evolutivos possuem um objetivo em comum: perpetuar o seu DNA.

Em toda geração, a seleção natural remove os genes menos bem sucedidos do conjunto de genes, de modo que o reservatório restante de genes vem a ser um subconjunto menos abrangente. O estreitamento não é aleatório na direção da melhoria, definida, em termos darwinianos, como melhoria na aptidão para a sobrevivência e a reprodução. É claro que o leque total para a sobrevivência aumenta novamente em cada geração por meio de novas mutações e outros tipos de variação. Mas ainda assim é verdadeiro afirmar que a seleção natural é um estreitamento a partir de um campo mais amplo de possibilidades, incluindo, na maioria das vezes, aquelas malsucedidas, para um campo mais restrito das alternativas que alcançam o sucesso. Isso é análogo a definição de informação com a qual começamos: informação é o que torna possível o afunilamento desde a incerteza anterior (o leque inicial de possibilidades) até a certeza posterior (a escolha “bem-sucedida” entre as probabilidades prévias). De acordo com essa analogia, a seleção natural é por definição um processo por meio do qual a informação é fornecida ao conjunto de genes da geração seguinte (DAWKINS, 2003: 184).

A seleção natural nada mais é do que um processo pelo qual adquirimos informações provindas dos nossos antepassados. Essas informações auxiliam no processo de sobrevivência, replicação e perpetuação do DNA. Elas provêm do período no qual as gerações anteriores estavam vivas; portanto trazem estratégias de sobrevivência provindas do ambiente existente na época dos nossos ancestrais. No caso de grandes alterações ambientais, essas heranças podem prejudicar a reprodutibilidade ou até mesmo extinguir uma espécie por completo.

A Teoria Memética desenvolvida por Dawkins segue essa visão evolucionista, porém esclarece que a informação a ser analisada não se encontra nos genes e sim

nos memes produzidos pelos seres vivos. “O meme, segundo a definição encontrada

no dicionário Oxford é ‘um elemento auto-replicador da cultura, transmitido por imitação’.” (DAWKINS, op. cit.: 216).

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ensinou os amigos a construírem a barcaça e, num pequeno intervalo de tempo, todas as crianças da escola estavam confeccionando o brinquedo. Seu pai havia tomado conhecimento dessa barcaça vinte e cinco anos antes, por uma funcionária desse mesmo colégio.

O que importa aqui é que, quando as aulas começaram, eu contagiei meus amigos com essa habilidade, e ela então se espalhou por toda a escola com a velocidade de um sarampo e com a duração epidemiológica também muito semelhante (DAWKINS, 2005: 217).

O exemplo citado mostra como ocorre o processo memético. Este é desencadeado através da imitação, ou seja, as crianças aprendem a fazer a barcaça através da cópia, da observação. Também através da cópia aprendem a sua língua, seu modo de falar, mover e gesticular. A partir dessa transmissão memética via imitação gera-se uma região comum entre integrantes do mesmo núcleo social —

nesse podemos notar um sotaque do corpo e dos discursos culturais. “Essa é a razão

por que existem sotaques regionais e, numa escala de tempo mais longa, diferentes línguas” (Op.cit: 214). No caso da barcaça, a imitação e consequente transmissão do meme se iniciaram há vinte e cinco anos ou mais; afinal, a professora aprendeu a confeccionar a barcaça com outra pessoa, que aprendeu com outra e assim por diante. A barcaça que chegou às mãos de Dawkins e dos outros alunos provavelmente sofreu variações em relação à que desencadeou todo esse processo. Os aspectos materiais, simbólicos e a finalidade (uso) desse objeto podem ter-se transformado ao longo dessas replicações. Para se reproduzir em diferentes ambientes sociais e culturais, o

meme da barcaça passa por processos adaptativos, que deixam em segundo plano as

informações malsucedidas e evidenciam aquelas com potencial reprodutivo mais alto. São justamente essas variações que estruturam o afunilamento das incertezas, das informações. Esse meme com informações selecionadas, já contidas no meme inicial, pode conectar-se com outros memes e com outros sistemas meméticos, de modo a potencializar a sua taxa reprodutiva.

Os memes, selecionados um em relação aos outros, “cooperam” em memeplexos3, apoiando-se mutuamente — apoiando-se no interior do

3 O memeplexo ou complexo mêmico corresponde a um complexo de crenças, no qual um conjunto de

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mesmo memeplexo, mas hostis a memeplexos rivais (DAWKINS, op. Cit.: 225).

Os memes com adaptabilidade e reprodutibilidade eficaz são disseminados rapidamente em diferentes contextos, através da tradução material de seus elementos em fenótipos estendidos. Esta tradução a favor da permanência é infinita. Os memes estão a todo instante lutando pela sobrevivência, ao se depararem com novos ambientes e novas situações que exigem processos adaptativos. Os memes se localizam nesse trânsito tradutório infinito cujo objetivo é permanecer e se reproduzir.

Segundo Dawkins, mesmo diante de todas as mudanças próprias à evolução, podemos notar nos processos meméticos, assim como nos processos genéticos, uma certa taxa de estabilidade. A diferença é que nos processos de transmissão genética a taxa de ruídos é menor do que a existente nos processos culturais. Os genes, ao contrário dos memes, são como impressões digitais, em que estão presentes informações detalhadas, a partir das quais a materialidade (o corpo vivo) será produzida. Já os memes não se configuram como algo representável, como instruções nítidas, para o desencadeamento da produção do fenótipo estendido. Nesse último caso, o próprio fenótipo, e não o meme, é que será imitado e replicado.

Os memes não são elementos concretos e sim um sistema de relações virtuais localizadas nos cérebros humanos (padrões neuronais). São constituídos por redes informativas que estruturam o pensamento, que por sua vez também é virtual. O único meio de notarmos a existência real desses elementos autorreplicadores da cultura é através de seus fenótipos estendidos, ou seja, da tradução de suas informações virtuais em materialidade. As traduções dessas redes virtuais existem abundantemente no nosso cotidiano. Elas se encontram no nosso modo de agir, nas linguagens humanas, nos objetos, entre outros. Portanto, não entramos em contato direto com o meme e sim com o fenótipo estendido que será imitado e replicado.

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Esses fenótipos estendidos dão visibilidade aos processos de tradução sofridos pelos memes. Assim como os genes, os memes são selecionados de maneira a favorecer a sua reprodução. Os mais eficazes são assimilados e propagados com maior intensidade. Portanto, se observarmos a imagem da mulher brasileira como fenótipos estendidos, veremos que essas representações de sucesso tornaram praticamente invisíveis outras formas de representação menos bem-sucedidas (com menor taxa reprodutiva).

Olhar através desses memes de sucesso é um meio de discutirmos as relações de exclusão e o complexo sistema relacional que sustenta as representações da mulher brasileira na presentidade.

1.2

A construção das imagens

O processo de construção das imagens ultrapassa a mera representação sobre aparatos materiais, como papéis, telas, imagens audiovisuais, poemas, gestos ou palavras. Mesmo antes de existirem como representações externas à nossa imaginação, as imagens já são representações internas. Para compreendermos as especificidades dessas imagens não materializadas é importante lembrarmos que os memes não se localizam visivelmente no mundo, mas no trânsito informacional que ocorre nos nossos cérebros.

Cada corpo inserido em ambientes e culturas distintas entra em contato com complexos mêmicos (ou memeplexos) diferenciados. Esses influem diretamente no modo como o sujeito categoriza a realidade, construindo visões de mundo de acordo com a experiência vivida. Somando-se aos memes do presente estão as informações vindas das experiências vividas por nossos antepassados. Esses memes históricos nos invadem e alimentam nosso modo de agir perante o mundo. Esses elementos vindos do passado, como já dissemos anteriormente, são propagados através dos fenótipos estendidos. Há, portanto, uma relação complexa que coloca em conexão diferentes eixos temporais.

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de cidade para cidade, de país para país etc. Essas diferenças não negam a possibilidade de existir algo comum que crie uma similaridade reconhecível entre os indivíduos de um grupo social. Justamente por estarem num mesmo ambiente e serem perpassados por algumas crenças, hábitos e costumes comuns, essa pluralidade por vezes parece perder a força e ser tomada por uma similaridade que organiza discursos sociais nos corpos e nas diversas linguagens humanas.

Quanto ao comum (instaurador do vínculo), é precisamente esse plural manifestado na totalidade das vinculações humanas, que não se deixa definir nem como uma unidade universal abstrata, nem como uma centrifugação de diferenças. Não se trata, portanto, de um mero estar-juntos, entendido como aglomerado físico de individualidades (por exemplo, a comunidade enquanto massa agregaria substancializada), e sim da condição de possibilidade de uma vinculação compreensiva. O comum é a sintonia sensível das singularidades, capaz de produzir uma similitude harmonizadora do diverso. (Sodré, 2006: 69)

Essa diferença informacional e essa similaridade encontrada no diverso possibilitam a construção de visões de mundo e de perceptos diferenciados, como vem sendo discutido por vários semioticistas há mais de um século.

(...) as diferenças culturais correspondem às diferenças de culturas sensoriais, isto é, às diferentes formas de cultura dos sentidos. Os limites culturais e a incapacidade dos canais sensoriais, para captar o real durante o tempo todo, são transferidos para as linguagens e códigos como extensões dos sentidos. Cada sentido capta o real de forma diferenciada e as linguagens abstraem ainda mais o real, passando-nos uma noção de realidade sempre abstrata que possibilita que as linguagens adquiram toda uma dimensão concreta na sua realidade sígnica. Não há reflexo ponto-a-ponto entre o real e a representação que dele se faz. E isto tem sua raiz na própria percepção, visto que a incompletude da percepção em relação ao real gera a inevitável incompletude do signo. (PLAZA, 1984: 46)

As primeiras imagens acerca da realidade são traçadas virtualmente em nossas mentes e em nossos corpos; assim realizamos as primeiras edições do real. Essas representações comunicam à mente algo que lhe é exterior. São traduções de objetos vindos da realidade, os quais só podem ser percebidos através de representações que

interpretam o entorno. “Finalmente, o interpretante é outra representação a cujas mãos

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Segundo Charles Sanders Peirce4, o signo5 é a única realidade capaz de transitar e atravessar a fronteira do que chamamos interior e exterior, entre a realidade externa e a consciência. O próprio pensamento é um processo de tradução organizado por signos. O pensamento é virtual.

O pensamento, para ser externalizado e comunicado, precisa ser materializado num fenótipo estendido, passando novamente por um processo de seleção e de tradução. Todas as “escolhas” envolvem, incidem e transformam a leitura da representação — desde a seleção dos recortes do real, até a dos materiais que os concretizam enquanto linguagem. O material impresso, escrito, verbalizado (...) não são as representações finais do objeto da realidade que fora traduzido, mas sim faíscas que estimulam a construção de novas imagens virtuais que irão invadir outros sujeitos e as transformarão ou não em outras representações materiais e, assim, infinitamente. São esses complexos sistemas de relações que constituem os signos (e os memes) e não a representação isolada em si mesma.

O homem para sobreviver, começa a transmutar o mundo em signos, em palavras e imagens, tomando posicionamentos e delineando as fronteiras da realidade em nosso entendimento. Ao representar o homem esquematiza o real e materializa o seu pensamento em signos os quais são pensados por outros signos em série infinita, pois o próprio “homem é signo”. Essa atividade de cristalização em signos (a partir de possibilidades e sentimentos), em formas significativas e simbólicas é o que caracteriza a comunicação social e humana. Contudo, as relações do real (que é signo) e a linguagem que também é real tecem uma tessitura ou malha fina de conexões. O real é uma espécie de conjunto polifônico de mensagens parciais que realizam um contraponto, determinando a inteligibilidade maior ou menor do sinal de conjunto.

4 Peirce desenvolveu um pensamento extremamente complexo que pode ser aplicado aos mais diversos

campos do conhecimento. Entre todos esses campos existe, segundo Santaella, uma espécie de espinha dorsal para a qual todas as suas investigações convergiram, a semiótica. “O que Peirce pretendia desenvolver pressupunha uma teoria geral de todos os tipos e aspectos dos signos (...) Tendo em vista o objeto da teoria, para Peirce, os próprios seres humanos são signos. Toda nossa vida e pensamentos são signos. No entanto ele foi ainda mais longe: qualquer outra coisa que qualquer coisa possa ser, ela também é signo. Para aquém do limiar logocêntrico e mesmo do limiar antropocêntrico, a generalidade do conceito de semiose vai até o ponto da afirmação de que ‘o universo inteiro está permeado de signos, se é que não seja composto exclusivamente de signos.” (SANTAELLA e WINFRIED, 2004:158-159)

5 Lúcia Santaella em seu livro “O que é Semiótica”, escrito para a coleção “Primeiros Passos”, traz uma

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Perceber já é selecionar e categorizar o real, extrair informações que interessam em um momento determinado para algum propósito. Muito mais do que o real, o que nossos sentidos captam é o choque das forças físicas com os receptores sensoriais. (PLAZA, op. cit.: 46)

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1.3

Estereótipo da mulher brasileira como um meme de sucesso

O que poderia justificar esse uso desenfreado da imagem da mulher brasileira, que sobrevive e se adapta a diferentes sistemas culturais, tornando-se um símbolo sexual reconhecido internacionalmente?

Diariamente entramos em contato com os efeitos provocados por essa representação, seja através de modos de exclusão que evidenciam características negativas que representam a mulher de modo inferior, ou através do reconhecimento das qualidades que esta diferença cultural proporciona à população e à cultura brasileira. É notória a criatividade e a sensualidade que permeiam os textos culturais latino-americanos, uma vez que possuímos uma cultura que se desdobra em infinitos mosaicos.

Estes são lugares não ortogonais lentos (mas de grande rapidez combinatória). A não ortogonalidade não se mostra apenas na aparência externa de formas não ortogonais (seios, frutas, nádegas, dunas, etc.), mas na textura em retícula dos materiais e signos (vozes, letras, pedras, metais, luzes, vegetais, etc.) situados no interior dos processos de tradução nas fronteiras dos inúmeros textos e séries culturais, que com suas práticas e saberes diversos, foram aportando e sendo assimilados no laboratório externo e a céu aberto do continente. Daí decorre a necessidade de investigar as relações combinatórias entre textos e séries culturais (PINHEIRO, 2009: 14).

A crença e a propagação de imagens que representam a brasileira — que muitas vezes possui um grau de reprodutibilidade e adaptabilidade tão forte ao ponto de se configurar como um estereótipo cultural — não podem ser vistas apenas através de uma ótica simplista e determinista de causa e efeito em relação à mídia, porém essa tem um papel fundamental na medida em que reforça e propaga algumas representações existentes desde o período colonial.

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um processo tradutório no qual o olhar do “outro” gera representações criativas acerca das características físicas, da gestualidade, dos hábitos e dos costumes culturais.

Como foi mencionado anteriormente, esta pesquisa observa a imagem da mulher brasileira como um meme que se encontra em processo evolutivo ininterrupto. Desde o período colonial, os costumes e as linguagens das mulheres vindas de diferentes civilizações, em constante fricção, se mestiçaram, gerando representações da mulher que evidenciam este trançar e ressignificar cultural.

Os ‘descobertos’ assim respondem ao ‘descobridor’ incluindo-o na urdidura nativa (...). As diferenças civilizatórias se aglutinam e se aproximam em cadeia articulada nas texturas materiais: qualquer pedaço de madeira ou pedra, se bem montados, sempre puderam receber e conter sistemas migrantes e imigrantes de qualquer parte do mundo. Não se trata aqui de velocidade cumulativa, mas de pregnância, aderência de listas díspares e códigos múltiplos. Não se trata apenas de acúmulo externo de informação enciclopédica, mas interconexão interna e movediça dos materiais e linguagens. Daí que as noções de descontinuidade, inacabamento e não ortogonalidade estejam na base da constituição mental e empírica (ainda esperando investigação) do continente (PINHEIRO, op. cit.: 10 -11).

Esses imbricamentos entre diferentes traços culturais têm norteado o processo de construção da imagem das mulheres brasileiras. Essa imagem, nascida de forma plural e mosaicada, foi sendo selecionada ao longo dos anos, ativando consequentemente a reprodutibilidade. As representações encontradas na mídia contemporânea são apenas a ponta de um iceberg e, para observá-las, é preciso considerar os mosaicos relacionais.

A informação vinda dos ancestrais do passado pode ser considerada um manual para sobreviver no presente. Precisamos apenas de uma pequena licença poética para afirmar que a informação introduzida nos genomas modernos pela seleção natural é na realidade informação sobre os ambientes do passado em que os ancestrais sobreviveram. E esse pensamento não é emocionante? Somos arquivos digitais do plioceno africano, até dos mares devonianos; repositórios ambulantes da sabedoria dos antigos dias. Pode-se passar uma vida inteira lendo nessa antiga biblioteca e morrer sem ainda estar saciado pelas maravilhas que contém. (DAWKINS, 2003: 185)

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processo de ressignificação e seleção, essas representações adquiriram maior grau de estabilidade, aumentando a sua taxa reprodutiva.

Essa imagem foi assimilada, explorada e propagada dentro de diferentes memeplexos. O meme da “brasileira” interage com diferentes sistemas meméticos, alimentando pensamentos diversos, como o pensamento colonial, o católico, o midiático, entre outros. Esta replicação imagética organiza-se como um processo de tradução não linear que metamorfoseia e transforma as imagens iniciais geradas a partir da interpretação dos hábitos, traços e costumes das mulheres brasileiras do período colonial. Ao longo destas replicações, o meme acaba por se transformar gradualmente em um estereótipo com alto grau de reprodutibilidade.

Como mencionamos anteriormente, as primeiras representações da brasileira surgem durante o Brasil colonial, como uma tentativa de se compreenderem as diferenças culturais — um olhar sobre o outro e não como imagens racionalmente impostas à sociedade. A alta taxa de replicação de algumas imagens, com o passar dos anos, ameniza a diferença encontrada nas representações através da propagação de uma grande quantidade de fenótipos estendidos que correspondem a um modo específico de apreender a realidade.

O processo evolutivo possibilita a formação de imagens detentoras de discursos homogeneizadores que carregam decodificações aparentemente unívocas e caminham na contramão dos elementos plurais observados na realidade das mulheres brasileiras. Porém, esses, inevitavelmente, conectam-se a discursos silenciados e com eles criam novas mediações. Ao observarmos com rigor e cuidado as imagens provindas do período colonial, poderemos notar diversas formas de pensamento existentes sobre o solo da colônia.

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1.4

O processo memético e a construção dos símbolos culturais

O símbolo, segundo Charles Sanders Peirce, constitui um dos três tipos de signos existentes. Os signos de caráter simbólico representam objetos provindos da realidade que traçam em sua materialidade paralelos com o real, mas não se confundem com ele. Ressaltam algumas especificidades do objeto representado, porém possuem características próprias. Os signos não são entidades monolíticas, fechadas em si mesmas, são incompletos e para potencializar o seu poder comunicativo estabelecem relações com outros signos.

a única verdade do símbolo é completar-se num outro símbolo, o interpretante, “a cujas mãos passa o facho da verdade”. É inerente a todas as imagens simbólicas a incapacidade de expressar o objeto em sua totalidade, podendo apenas indicá-lo, cabendo ao intérprete descobri-lo por experiência colateral (PLAZA, 1984: 20).

Os memes estereotipados da brasileira constroem-se justamente através desse encadeamento de signos. É importante observar-se que a imagem estritamente visual é apenas um dos diversos tipos de fenótipos estendidos produzidos através dos

processos meméticos. “Imagem não é, portanto, só visual, mas também sonora e até

muscular, como dizia o famoso Albert Einstein, que chamava de ‘imagem muscular’ aos padrões da resolução mental de problemas.” (GREINER, 2005: 72).

Quando utilizamos o termo “imagem” nos referimos, portanto, a uma imagem que extrapola a visualidade, sendo melhor compreendida uma construção imagética que se produz a partir do trânsito de informações entre o dentro e o fora do corpo.

Segundo Damásio, as imagens são construídas quando se mobiliza objetos (pessoas, coisas, lugares etc), de fora do cérebro para dentro e também quando reconstruímos objetos a partir da memória e da imaginação, ou seja, de dentro para fora (GREINER, op. cit.: 72).

(25)

compreensão desses processos tradutórios. Ao discorrer sobre a obra do etólogo Marc Hauser (1996: 2001), Greiner evidencia que todos os seres vivos realizam processos de categorização para sobreviver, porém “há espécies que têm as suas categorias fixadas desde o nascimento e sofrerão pequenas modificações com a experiência. Para outras, o processo de categorização emerge da experiência, modificando sempre as

representações” (op. cit.: 74). O ser humano entraria neste conjunto de seres vivos cujas

representações modificam-se constantemente através da experiência.

As primeiras mediações que desencadearam o processo de construção referente à representação da mulher brasileira ainda não possuíam estruturas simbólicas delineadas. Produzir imagens e linguagens é uma ação natural do ser humano. É através desse processo que nos relacionamos com os objetos do mundo e os sistematizamos, de forma consciente ou inconsciente, como uma maneira de compreender o entorno e de produzir conhecimento. Não se trata apenas de uma discussão sobre como o corpo funciona, mas das implicações políticas da tradução cultural.

O outro é citado, mencionado, emoldurado, iluminado, encaixado na estratégia de imagem/contra-imagem de um esclarecimento serial. A narrativa e a política cultural da diferença tornam-se o círculo fechado da interpretação. O outro perde seu poder de significar, de negar, de iniciar seu desejo histórico, de estabelecer seu próprio discurso institucional e oposicional (BHABHA, 2007: 59).

Algumas das imagens produzidas pela interação entre informações dessa rede de relações culturais adquirem taxas de sobrevivência ao serem propagadas e assimiladas. Ao passar por esse processo de assimilação e transmissão, as imagens inevitavelmente se transformam, muitas vezes distanciando-se das codificações que representavam no inicio desse processo. Essas imagens ao serem constantemente repetidas adquirem um alto grau de reprodutibilidade e estabilidade, como já

observamos anteriormente. “Contrariamente à memória eletrônica, a memória cerebral

é imprecisa, mas possui, em contrapartida, a capacidade de generalização.”

(GREINER, 2005: 41).

(26)

dos antepassados desta tríade racial. As heranças meméticas são expressadas nos costumes, nas crenças e nas gestualidades que integram o complexo cultural de cada um desses sistemas. Essa diversidade em fricção gerou outras configurações mêmicas. A imagem da mulher brasileira surge, inicialmente, como um sistema predominantemente difuso. Porém, entre os complexos mêmicos encontramos memes com alta taxa de permanência, que no decorrer dos séculos foram selecionados e adaptados. Esse fator possibilitou novos trânsitos por diversos memeplexos, estabelecendo, assim, relações de cooperação com outros memes.

O princípio inicial que atraiu a atenção a respeito da mulher que vivia no Brasil e que gerou as primeiras imagens a seu respeito foi a tentativa de compreender uma cultura “estranha”. Viviam no solo brasileiro descendentes e imigrantes de diferentes sistemas culturais. Esses possuíam escritos em seu corpo e em seus objetos culturais valores sociais provindos da sua sociedade originária. Esses valores também se caracterizam como construções simbólicas; portanto, são incompletos e encontram-se

encadeados em um processo de semiose6 que proporciona a mestiçagem dos valores

sociais de diferentes culturas em um único corpo.

Os diferentes memeplexos encontrados no Brasil possibilitaram a formação de uma região permeada por costumes, hábitos, traços (...) que delineiam as características da mulher brasileira.

Antes de o Brasil ser invadido pelos europeus não existia uma imagem, representação, da cultura e da mulher brasileira. Essa vai-se desenvolvendo junto com o processo de descobrimento, colonização e construção da nossa cultura. Se, como afirma a Teoria do Corpomídia, o significado do corpo se constrói a partir desse trânsito entre o corpo e o ambiente, e se o ambiente e a cultura brasileira estão em um processo de tradução infinita, então o corpo e as imagens que o representam também se encontram nesse processo de tradução.

6 A semiose é um processo interpretativo infinito. Neste traduzimos um pensamento em outro

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O encontro com esses valores sociais escritos no corpo são vestígios, ícones7, que invadem a consciência e são instantaneamente transmutados em imagens. Assim, a representação se inicia como um caráter icônico e não como um símbolo racionalmente construído.

Algumas dessas imagens iniciais adquirem maior taxa de representação e intensificam o poder de seus discursos políticos e sociais. Um exemplo pode ser observado no caso da igreja católica que, para alimentar a dualidade entre o corpo selvagem (sexualizado) e o corpo domesticado (civilizado), insere em seu discurso a imagem da mulher brasileira. Essa representação passa a ser um exemplo negado pela Igreja, uma referência do pecado, em uma tentativa de convencer os fiéis a alterarem seus costumes e hábitos, domesticando suas atitudes, para assim corresponderem a um ideal social. Essa imagem também foi assimilada pelo memeplexo da cultura capitalista e passou a ser vista como um símbolo do Brasil, uma referência que atrai os turistas, assim como o samba, o futebol e a capoeira, até se transformar em um objeto de desejo sexual conhecido em todo o mundo. Não temos como objetivo nesta dissertação construir uma linha do tempo, nem esgotar as relações traçadas por esses memes. Pretendemos evidenciar alguns processos tradutórios sofridos ao longo dos anos, de modo a demonstrar que os fenótipos estendidos iniciais surgiram como traduções das interconexões presentes nas linguagens, na gestualidade, no pensamento, nos hábitos e nos costumes das mulheres brasileiras.

A mídia habitualmente é considerada formadora de todos os estereótipos, mas ela é apenas mais um sistema ao qual esta representação se vincula de maneira a potencializar-se, fornecendo relações de cooperação e de disseminação de seus fenótipos estendidos. Podemos dizer que a mídia, assim como os discursos

7 O ícone é uma das categorias sígnicas desenvolvidas por Charles Sanders Peirce. Os signos icônicos

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moralizadores, não criou o meme que corresponde ao estereótipo da mulher brasileira, mas forneceu estratégias de adaptabilidade que se estabilizaram através dos tempos.

Os memes, assim como os genes, são selecionados em relação a outros que se encontram no conjunto de memes. O resultado é que gangues de memes mutuamente compatíveis — complexos de memes co-adaptados ou memeplexos — coabitam nos cérebros individuais. Isso não ocorre porque a seleção os escolheu como um grupo, mas porque cada membro separado do grupo tende a ser favorecido quando o seu ambiente é circunstancialmente dominado pelos outros. Um argumento muito semelhante pode ser defendido em relação a seleção genética. Cada gene num conjunto de genes constitui parte do cenário ambiental no qual os outros genes são selecionados, de maneira que não é de surpreender que a seleção natural favoreça genes que “cooperam” em memeplexos, embora não seja de modo algum os únicos (DAWKINS, 2003: 225).

Ao longo desses fenótipos estendidos — em fotografias, cartões-postais, capas de revista, obras de arte etc — o meme referente à mulher brasileira transformou-se gradualmente em um estereótipo com alta taxa de reprodutibilidade. Ao analisar esses memes, precisamos observar com olhos cuidadosos os encadeamentos que se escondem sob essas imagens, para assim compreender os processos de tradução envolvidos. Esse é um modo de rememorar o passado histórico e não apenas as verdades superficiais.

Esse processo evolutivo seleciona a tal ponto as imagens da cultura que possibilita a transformação dessas em memes com altíssima taxa de reprodução, os estereótipos. Esses, que em sua constituição já possuem um alto grau de reprodutibilidade, se propagam mais velozmente com o auxílio dos veículos midiáticos. Não temos controle a respeito de seu processo evolutivo; porém, podemos escolher a maneira como os observamos e como utilizamos as representações em nosso cotidiano.

Por razões absolutamente darwinianas, a evolução nos legou um cérebro que se avolumou até o ponto de se tornar capaz de compreender a sua própria origem, de deplorar as suas implicações morais e agir contra elas (DAWKINS, op. cit.: 29).

(29)

Nesse viés, a mente e o corpo quebram a dualidade cartesiana, alimentando-se mutuamente.

Os conceitos que governam nosso pensamento não são meras questões de intelecto. Eles governam também a nossa atividade cotidiana até nos detalhes mais triviais. Eles estruturam o que percebemos, a maneira como nos comportamos no mundo e o modo como nos relacionamos com outras pessoas. Tal sistema conceptual desempenha, portanto, um papel central na definição da nossa realidade cotidiana. Se estivermos certos, ao sugerir que esse sistema conceptual é em grande parte metafórico, então o modo como pensamos, o que experienciamos e o que fazemos todos os dias são uma questão de metáforas (45-46).

O sentido atribuído ao termo “metáfora” utilizado por Lakoff e Johnson rompe a visão tradicional que a observa como um simples recurso poético ou como um “ornamento retórico” (LAKOFF e JOHNSON, 2002). Os autores de “Metáforas da Vida Cotidiana” nos mostram que as metáforas fazem parte de uma construção extraordinária que sobrepassa a limitação linguística das palavras. “Nós descobrimos, ao contrário, que a metáfora está infiltrada na vida cotidiana, não somente na linguagem, mas também no pensamento e na ação” (op. cit.: 45). Essas construções metafóricas são vistas por esses autores como um importante instrumento dos aparatos cognitivos humanos. Elas representam um dos elementos essenciais para a compreensão do mundo, da nossa cultura e de nós mesmos. É tão importante como se

“fosse um dos cinco sentidos, como ver, ou tocar, ou ouvir, o que quer dizer que nós percebemos e experienciamos uma boa parte do mundo por meio de metáforas. A metáfora é parte tão importante da nossa vida como o toque, tão preciosa quanto”

(Op.cit: 33). Essas, assim como os memes, emergem a partir das interações do indivíduo com o mundo e não podem ser vistas como criações de mentes individuais. Essas construções se fazem numa mediação infinita dos indivíduos com o seu entorno.

O conhecimento da realidade, tenha sua origem na percepção, na linguagem ou na memória, precisa ir além da informação dada. Ele emerge da interação dessa informação com o contexto no qual ela se apresenta e com o conhecimento preexistente do conhecedor (LAKOFF e JOHNSON, op. cit.: 13)

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da realidade. Alterando-se um único elemento desse processo, altera-se a significação do real.

É nesse fluxo ininterrupto entre o corpo e o mundo, que as metáforas, inclusive aquelas que se referem à imagem da mulher brasileira, se constroem. Homi Bhabha nomeia este local móvel onde transitam as informações como terceiro espaço.

É o terceiro espaço que, embora em si irrepresentável, constitui as condições discursivas da enunciação que garantem que o significado e os símbolos da cultura não tenham unidade, fixidez primordial e que até os mesmos signos possam ser apropriados, traduzidos, re-historicizados e lidos de outro modo (BHABHA, 1998: 67-68).

As abordagens de temas que envolvem os estereótipos são sempre polêmicas, devido aos preconceitos que engendram não só através dos sentidos atribuídos por palavras e imagens, mas pelo próprio conceito existente na sociedade a respeito da palavra estereótipo. Até mesmo o termo “estereótipo” é uma construção estereotipada de si mesma. Podemos notar esse fato nas descrições inseridas a seguir. Elas foram retiradas de três fontes distintas. A primeira vem do Dicionário Etimológico Nova Fronteira; a segunda, do Dicionário Aurélio, e a terceira fonte é a enciclopédia eletrônica Wikipédia.

1) Estéreo/tipo

Estéreo sm. medida de volume para lenha, equivalente a um metro cúbico estere 1881 Do fr. Stère, deriv. do gr. Stereós ‘sólido, firme’. O voc. ocorre na formação de inúmeros derivados (...) do fr. stéréotype stereoTIP.AR -ty - 1873 estereoTIPIA (CUNHA, 1999: 330)

tipo sm.orig. modelo, exemplar, símbolo’. (Tip.) ‘letra de forma, de imprimir’ XVII. Do lat. typus – i, deriv. do grego týpos. (Op.cit.: 771)

2) Estereoptipado adj. 1. Que se estereotipou. 2. Que não varia; fixo,

inalterável. (FERREIRA, 1993: 231)

Estereotipar v.t. 1.Imprimir por estereotipia. 2. Tornar fixo, inalterável. (Op.cit.: 231)

Estereotipia sf. Tip. Processo pelo qual se duplica uma composição tipográfica, transformando-a em forma compacta, mediante modelagem de uma matriz. (Op.cit.: 231)

3) Estereótipo é a imagem preconcebida de determinada pessoa, coisa ou

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intolerância religiosa. É muito mais aceito quando manifestado desta forma, possuindo salvo-conduto e presunção de inocência para atingir seu objetivo.” (Wikipédia, acesso dia 13/04/2009 às 16:00 horas).

Nestas citações evidencia-se uma leitura superficial do “estereótipo” como sendo uma representação dada a priori que tenta classificar pessoas, situações e grupos sociais dentro de uma visão unívoca e fixa, atribuindo aos sujeitos imagens identitárias com características sólidas e imutáveis. Tais definições mostram que o processo de decodificação dos estereótipos está propenso a gerar leituras preconceituosas e de caráter excludente da realidade, observando-o como uma construção maléfica que aprisiona os complexos culturais. Isso ocorre porque o estereótipo vem carregado de discursos imponentes com alta taxa de estabilidade, passando para o público uma sensação de verdades universais e estáticas.

Os estereótipos culturais possuem um alto grau de fixidez e carregam características que facilitam a decodificação de sentidos que privilegiam a leitura de “verdades absolutas”. No entanto, ao alterarmos a maneira como nos relacionamos e os modos como observamos esses recortes da cultura, iremos redescobrir o passado histórico e as construções de pensamento contidas nessas imagens. Ao inserirmos os estereótipos nos encadeamentos móveis de pensamentos e em um passado histórico vivo (em constante transformação), notaremos quão importantes e representativos eles são para os estudos da cultura e da comunicação.

(32)

portanto, às representações uma herança cultural e informacional que não pode ser ignorada.

Diferentes sujeitos, ao traduzirem a realidade, podem construir leituras distintas dos estereótipos de um mesmo objeto, quebrando assim a ideia de verdade única. Um dado importante a respeito dessas imagens estereotipadas é que elas de fato não são um sistema fechado, mas sim um sistema aberto em processo de transformação constante. Ao contrário das definições encontradas em dicionários e enciclopédias, as imagens estereotipadas mostram-se como protocategorizações instáveis e passíveis de mudanças — a partir da alteração do posicionamento do espectador ou da inserção desse em outros tempos e lugares —, podendo ser lidas de modo contraditório e/ou

equivocado(BHABHA, 2007). A visão que repensa o conceito do estereótipo e o insere

em uma rede móvel, atravessado por informações, também pode ser estudada a partir das teorias de Homi Bhabha.

Proponho que, de forma bem preliminar, o estereótipo é um modo de representação complexo, ambivalente e contraditório, ansioso na mesma proporção em que é afirmativo, exigindo não apenas que ampliemos nossos objetivos críticos e políticos mas que mudemos o próprio objeto de análise (BHABHA, 2007: 110).

Esse autor desloca a cultura dos discursos que tentam enquadrá-la numa região identitária. A partir da enunciação da diferença cultural, Bhabha reintroduz as imagens culturais e o próprio sistema cultural em um local móvel que rompe com as exigências culturalistas de impor aos processos culturais um modelo estável a ser seguido.

O conceito da diferença cultural concentra-se no problema da ambivalência da autoridade cultural: a tentativa de dominar em nome de uma supremacia cultural que é ela mesma produzida apenas no momento da diferenciação. E é a própria autoridade da cultura como conhecimento da verdade referencial que está em questão no conceito e no momento da enunciação. O processo enunciativo introduz uma quebra no presente performativo da identificação cultural, uma quebra entre a exigência culturalista tradicional de um modelo, uma tradição, uma comunidade, um sistema estável de referência, e a negação necessária da certeza na articulação de novas exigências, significados e estratégias culturais no presente político como prática de dominação. (BHABHA, op. cit.: 64)

(33)

estereótipos etc. Ao olhar as imagens culturais com maior profundidade, ou seja, ao desestabilizar esse poderoso discurso que os estereótipos trazem em sua superfície, dissolveremos as barreiras dos discursos hegemônicos e compreenderemos os processos de articulação que colocam em movimento a engrenagem da mestiçagem cultural. Assim, daremos espaço para a enunciação da diferença. Essa expansão do presente é proposta pelas novas ciências.

As novas ciências, que se desenvolveram dramaticamente a partir de meados do século vinte, são anti-reducionistas. Em vez do simples, o complexo; em vez da reversibilidade, a irreversibilidade; em vez do tempo linear, os tempos não lineares; em vez da continuidade, a descontinuidade; em vez da realidade constituída ou criada, os processos de criação e as qualidades emergentes; em vez da ordem a desordem; em vez da certeza, a incerteza; em vez do equilíbrio, a instabilidade e as ramificações (“branching”); em vez do determinismo e dos sistemas lineares, o caos e o caos determinista e a teoria das catástrofes; em vez da prioridade da investigação da relação causa e efeito, a prioridade da investigação dos meios para atingir os objectivos; em vez da separação sujeito objecto, o objecto que é sujeito; em vez da separação entre observador e observado, o observador na observação; em vez da separação entre o pensar e o agir, a interactividade entre ambos no processo de investigação (SANTOS, 2006: 141).

(34)

CAPÍTULO II

A pré-história das imagens midiáticas da mulher brasileira

2.1

Alguns pressupostos

Quanto mais as condições são perturbadas, mais ocorrem oscilações entre estados distintos, provocando a dispersão dos elementos do sistema, que ficam oscilando em busca de novas configurações. Os movimentos do sistema flutuam entre a regularidade absoluta e a irregularidade absoluta, mantendo uma margem importante de imprevisibilidade.

Nessa perspectiva, as misturas e mestiçagens perdem o aspecto de uma desordem passageira e tornam-se uma dinâmica fundamental (GRUZINSKI, 2001: 59).

O desencadeamento das primeiras imagens acerca da mulher brasileira ocorre a partir de “momentos ou processos produzidos na articulação de diferenças culturais”

(BHABHA, 2007). O encontro e a mestiçagem8 entre as culturas dos colonizadores, dos

povos negros e dos povos indígenas possibilitaram um maior contato com o estranho, com a diferença; ou seja, com a informação. O olhar sobre o outro e a consequente tradução das diferenças culturais em imagens foram os estopins que possibilitaram a

formação das primeiras representaçõesmetafóricas da mulher brasileira.

A mestiçagem entre os elementos culturais e fenotípicos dos povos indígenas, europeus e africanos tecia a trama complexa da nossa sociedade. Esse encontro entre elementos culturais diferenciados possibilitou o trançar de costumes e hábitos.

Poemas e balagandãs incrustam os diversos conhecimentos e práticas aqui arribados. Fabricando objetos e textos mestiços à revelia da presença ou herança institucional. Os “descobertos” assim respondem ao “descobridor” incluindo-o na urdidura nativa (...) A aceleração dos contágios entre séries culturais (poéticas, arquitetônicas, paisagísticas, mobiliárias, culinárias, etc.) e mediáticas (rádio, jornal, televisão, cinema) redesenhou e redistribuiu em vaivém formas (linhas, traços, grafias, vozes) porosas não-ortogonais, não proporcionais e assimétricas, aquém da razão dual, habilitadas às traduções interfronteiriças. Caem por terra os binarismos entre centro e periferia, matriz e variante, espírito a matéria, visto que o acento não se coloca mais em totalizações unitárias, mas nos encadeamentos (sintaxe) do bordado ou mosaico. (PINHEIRO, 2009: 10)

8 Para se aprofundar nos conceitos acerca da mestiçagem entre culturas ler “O pensamento mestiço” de

(35)

As imagens da mulher brasileira surgem como tradução do entorno; portanto, assimilam e traduzem elementos mestiços. Assim, as representações da mulher também carregam as configurações mestiças encontradas na cultura brasileira, quebrando a visão de uma imagem unívoca e estável da brasileira.

Essa interpenetração, assimilação e tradução de segmentos culturais acarretou e ainda acarreta a construção de novas articulações culturais, nas quais o diferente para ser compreendido pela percepção do “outro” é traduzido, incorporado e ressignificado, atribuindo novos valores e sentidos aos objetos e às representações. A diferença é assimilada e propagada culturalmente de modo a transformar as interpretações da realidade.

Como evidenciar as fronteiras entre o real e a sua ressignificação? Como olhar o passado histórico dessa imagem sem realizar novos processos de exclusão?

Para compreender essas imagens do presente, iremos buscar informações no passado, revolvendo a história do Brasil e fazendo emergir um trânsito de situações, costumes e imagens que possivelmente dialogam e integram esse mosaico evolutivo das representações da mulher brasileira.

Nascer em ambientes e contextos distintos implica a construção de textos culturais com características diversas. Essas diferenças acarretam modos diferenciados de se vestir, agir, alimentar, movimentar, dançar, pensar; ou seja, de construir linguagem.

As “diferenças” culturais são constituídas pela maneira como cada cultura e cada cidadão compreende e representa o mundo. As linguagens são configuradas por uma rede complexa de sistemas sígnicos em movimento, que evidenciam e exibem recortes metafóricos da realidade.

Lakoff e Johnson mostram que compreendemos o mundo por meio de metáforas, pois muitos conceitos básicos, como tempo, quantidade, estado, ação etc, além de conceitos emocionais como, amor e raiva, são compreendidos metaforicamente. Isso vem mostrar o importante papel que a metáfora tem na compreensão do mundo, da cultura e de nós mesmos. (LAKOFF e JOHNSON, 2002: 22)

(36)

ocorrerem deslizamentos movediços interculturais. As imagens das mulheres do Brasil — ao contrário do que prega a concepção do senso comum que acredita na existência de UMA representação estereotipada da mulher brasileira — formam-se através de um mosaico móvel e mestiço, composto por um entrelaçar de tecidos culturais que estão a todo momento sendo interpenetrados e ressignificados por novas informações.

Mas o que predomina na natureza e no nosso ambiente é a nuvem, forma desesperadamente complexa, imprecisa, mutável, flutuante, sempre em movimento. As mestiçagens se encaixam nessa ordem de realidade (GRUZINSKI, 2001: 60).

As primeiras construções imagéticas emergem durante o processo de colonização. Porém estas não são estruturas finalizadas e sim faíscas que incendeiam processos abertos com possibilidade de transformação e ressignificação infinitas, de acordo com o sistema de valores de quem categoriza o entorno e de quem entra em contato com as categorizações já estabelecidas.

O encontro e o convívio social das diferentes culturas que vieram para o Brasil possibilitaram, e ainda possibilitam, processos de mestiçagem cultural. Nesses, hábitos e crenças se interpenetram propiciando o trânsito de informações culturais. Os

costumes africanos mestiçavam-se com a cultura europeia, indígena, e com todos os

outros sistemas culturais presentes na colônia. Esse fluxo informacional ocorre sem cessar desde o início da raça humana até os dias de hoje. Essas trocas culturais estão presentes no nosso cotidiano. Podemos percebê-las nos momentos mais simples e

rotineiros de nossas vidas.A culinária brasileira é um ótimo exemplo: nela encontramos

elementos vindos da culinária europeia, indígena e africana servindo como base para o desenvolvimento de pratos tradicionalmente brasileiros. No interior paulista e na própria capital, encontramos restaurantes que servem o peixe assado na folha de bananeira, alimento tradicional dos povos indígenas. Na alimentação baiana são evidentes os traços de herança africana. Na região sul do Brasil encontramos vestígios da culinária alemã etc9. Ao observarmos os pratos da culinária brasileira com maior profundidade iremos nos surpreender com a variedade de vestígios culturais encontrados em um único prato de comida servido em uma simples casa brasileira.

9 Sobre a mestiçagem cultural na culinária brasileira ler “Açúcar: Em torno da etnografia, da história, e da

(37)

Tomamos como ponto inicial para a pesquisa das imagens o ano de 1500. A Terra de Santa Cruz, território que futuramente seria chamado de Brasil, passa a ser assumidamente um território de colonização portuguesa.

A escolha da referência temporal é apenas um agente facilitador que determinará um período inicial para a seleção das imagens. Sabemos que impor um nome a um território não marca o início de uma nova era ou civilização, mas estabelece um recorte e se configura como um exercício de autoridade. As mestiçagens e encontros culturais já vinham ocorrendo antes mesmo da chegada europeia. Sabe-se que existiam centenas de tribos vivendo nesse território, com costumes e hábitos muito diferentes entre si10. O ano de 1500 é apenas um marco de partida. A partir dessa data iremos selecionar os materiais que irão compor esta pesquisa. Mesmo reconhecendo ser um período longo, tentaremos desbravar essa proposta selecionando imagens e procurando as tramas que possibilitaram a formação do estereótipo da mulher brasileira.

Para compreendermos com maior profundidade os processos que encadeiam a construção dessa imagem, iremos selecionar e discorrer sobre algumas características mais evidentes que a compõe. Essas, apesar de serem apresentadas separadamente, não excluem a possibilidade de coexistirem na mesma representação. As características selecionadas são: mestiçagem, exotismo, discursos hegemônicos e a gestualidade.

10 Para ter acesso a informações mais detalhadas acerca das tribos e dos costumes indígenas ler:

(38)

2.2

A tradução dos elementos culturais mestiços

A partir do olhar da mestiçagem, observaremos alguns elementos e processos que compõem a construção do povo brasileiro e que aparecem, traduzidos metaforicamente, nas imagens da mulher brasileira. O conceito da mestiçagem cultural evidencia as porosidades que possibilitam um ir e vir dos elementos culturais presentes na tão falada tríade racial. Essa tríade, como já mencionamos, elege três povos — portugueses, africanos e índios — que migraram para o território brasileiro como os formadores da nossa sociedade e da nossa cultura.

A mestiçagem não é um fator exclusivo da colonização brasileira. Os próprios colonizadores que passaram ou viveram no Brasil já eram mestiços. Sabemos que não foram apenas esses três povos que formaram a população brasileira. As mestiçagens ocorrem infinitamente; não possuem um início ou um fim. São constituídas por um

trançar constante e infindo que impede a estagnação e o congelamento cultural. Essa

enxurrada de elementos culturais transforma os memes, os sujeitos e o entorno. Compreender o meme a partir do pensamento da mestiçagem é quebrar uma aparente configuração estática das representações, inserindo-as em um mosaico móvel, invadido por informações que desestabilizam os sistemas culturais. É importante lembrarmos que mesmo os memes de grau adaptativo degenerado, que se encontram em segundo plano ou excluídos de determinado sistema memético, dispersam seus vestígios e deixam rastros na realidade. Esses, mesmo que invisíveis, se fazem presentes na memória cultural e dialogam com o presente. São potencialidades prestes a eclodir quando o ambiente for favorável.

(39)

Durante o período colonial aumentaram os encontros culturais através da intensificação da migração de diferentes culturas para o Brasil. Foi esse ambiente que suscitou a formação das primeiras imagens das mulheres que viviam no Brasil. Essas imagens iniciais surgem como uma pluralidade representacional mestiça que ainda não possuía um estereótipo dominante, mas sim algumas representações com alta taxa de reprodução e adaptabilidade.

Título: Market woman and water carrier Autor: Lady Maria Callcott , 1785-1812

No século XV, com a chegada dos primeiros viajantes e colonizadores, inicia-se o processo de configuração da sociedade brasileira. Essa estava se estruturando, se

mestiçando e ainda não possuía traços culturais delineados.Não temos a pretensão de

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Título: Costumes de Bahia Autor: Rugendas, 1835

As terras do Brasil no século XVI localizavam-se no centro da rota comercial entre Ocidente e Oriente, “Desde a chegada dos portugueses às terras brasileiras, por um desvio de rota a Calicute, a nova colônia ficou plenamente inscrita no grande périplo lusitano que circunscreveu Oriente e Ocidente.”11 (ALFONSO-GOLDFARB,1993: 123).

Referências

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