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Luís da Cruz no elogio da Rainha Santa: em defesa de Roma, contra os ventos da Reforma

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Academic year: 2021

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Vir bonus peritissimus aeque.

Estudos de homenagem

a

Arnaldo do Espírito Santo

Maria Cristina Pimentel

Paulo Farmhouse Alberto

(eds.)

Centro de Estudos Clássicos

LISBOA

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Vir bonus peritissimus aeque.

Estudos de homenagem a Arnaldo do Espírito Santo

Edição de:

Maria Cristina Pimentel Paulo Farmhouse Alberto

Revisão: Ana Matafome, Ricardo Nobre e Rui Carlos Fonseca Publicado por:

Centro de Estudos Clássicos da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa Alameda da Universidade 1600-214 Lisboa – Portugal Tel.: (351) 217 920 005 Fax: (351) 217 920 080 E-mail: centro.classicos@fl.ul.pt Website: http://www.fl.ul.pt/cec Paginação e impressão:

Grifos – Artes Gráficas, Lda.

Capa: Paulo Pereira Foto de capa: José Furtado Número de exemplares: 500 Lisboa | 2013

ISBN: 978-972-9376-29-0 Depósito Legal: 366077/13

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em defesa de Roma, contra os ventos da Reforma

Manuel José de Sousa Barbosa

Centro de Estudos Clássicos da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa menamanuel@sapo.pt

Na literatura inclusa nos códices das Rerum scholasticarum do Colégio das Ar-tes 1, merece especial destaque uma série de composições, tanto em prosa como em

poesia, relacionadas com a figura da Rainha Santa Isabel. Nas composições em prosa, o destaque vai inteiramente para os discursos de louvor à padroeira de Coimbra, cuja festa se celebra a 4 de Julho, o dia da sua morte. Esta atenção especial concedida à esposa de D. Dinis tem muito a ver com os esforços, que na altura se desenvolviam, tendentes a elevar à honra dos altares a esposa do rei D. Dinis, cuja beatificação fora já alcançada no reinado de D. Manuel I, em 1516. D. João III, na linha dos seus ante-cessores determinou, em carta enviada em Setembro de 1556 ao reitor do Colégio das Artes, que se assinalasse o dia da festa da Rainha Santa com um discurso solene, nos seguintes termos:

Padre reitor do Colégio das Artes da cidade de Coimbra, eu el-rei vos envio muito saudar. Encommendo-vos que ordeneis que daqui emdeante, em cada hum anno, no dia em que se celebra a festa da Rainha Sancta, nessa cidade, haja uma oração pública nesse Collegio, a qual dirá um dos lentes delle em louvor da dicta rainha sancta (…). 2

1 Desta série de códices, estão devidamente identificados e localizados o tomo I (Biblioteca Nacional

de Portugal [= BN], cod. 3308), os tomos II e V (respectivamente o cod. 993 e o cod. 994, da Biblioteca Ge-ral da Universidade de Cimbra), todos estes ostentando o título Rerum scholasticarum quae a patribus ac fratribus huius Conimbricensis Collegii scriptae sunt. O que será o tomo VI ostenta um título ligeiramente diferente, Thesaurus rerum scholasticarum quae a patribus ac fratribus Conimbricensis Collegii scriptae sunt, e corresponde ao cod. 1963 dos Arquivos Nacionais da Torre do Tombo. Foi descoberto há poucos anos pelo Professor Sebastião Pinho. Cf. Sebastião Tavares de Pinho, “Um códice latino da literatura jesuítica quase desconhecido: cod. 1963 da Livraria dos Manuscritos dos ANTT”, Humanitas, 57, 2005, pp. 351-382.

2 António José Teixeira, Documentos para a história dos Jesuítas em Portugal, Coimbra, 1899,

p. 398.

Maria Cristina Pimentel, Paulo F. Alberto (eds.), Vir bonvs peritissimvs aeqve. Estudos de homenagem a Arnaldo do Espírito Santo, Lisboa, Centro de Estudos Clássicos, 2013, pp. 707-716.

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O primeiro destes discursos surge-nos no ano de 1557, composto e pronunciado por João Pedro Perpinhão, que se encarregaria também da mesma tarefa nos dois anos seguintes. Os tomos I e II das Rerum scholasticarum, na análise que efectuámos ao seu conteúdo, testemunham a regularidade desta prática, em que vemos envolvidos os nomes mais sonantes do humanismo escolar jesuítico e que, apenas esporadicamente, terá sido interrompida. Luís da Cruz, o célebre dramaturgo jesuíta, viu-se incumbido desta tarefa em, pelo menos, duas ocasiões, a saber, nos anos de 1570 e 1576 3.

Proponho-me, nesta ocasião 4, apresentar, no seu valor de documento, por um

lado, e de peça de oratória, por outro, o segundo destes discursos que, tal como o pri-meiro, foi composto na fase mais exuberante do magistério escolar de Luís da Cruz 5.

Estas orações panegíricas de génese jesuítica, centradas na figura da Rainha Santa, constituem um tipo de oratória epidíctica ainda à espera duma caracterização definitiva. Tal só será possível após leitura atenta de grande parte delas, em ordem a distinguir entre aspectos circunstanciais, relacionados ou com o momento de composi-ção ou com a personalidade de cada autor, e outros que, pela sua constância, se revela-rão certamente mais determinantes no esboço dessa caracterização. Parece-me ser esta uma tarefa cuja realização não se afigura nada fácil, ou melhor, cada vez mais difícil à medida que os anos passam. É que estamos perante textos, na sua grande maioria, ma-nuscritos e de testemunho único, o que nem sempre permite dirimir satisfatoriamente os casos de leitura mais difícil, com recurso à colação, para já não falar da progressiva deterioração do papel, devido à acidez da tinta, o que, em muitos casos, impossibilita de todo uma leitura satisfatória 6.

De toda esta longa série de discursos que avança bastante pelo século XVII 7, este,

de Luís da Cruz, pronunciado 4 de Julho de 1576, é o único, entre os que se encon-tram nos tomos I e II das Rerum scholasticarum, cujo título alude claramente ao seu

3 Cf. Manuel Barbosa, “Humanismo e práticas escolares: um testemunho jesuítico quinhentista

(Lisboa, BN, Cod. 3308)”, Euphrosyne, 23, 1995, pp. 401-421, e Idem, “Humanismo e práticas escolares: um outro testemunho jesuítico quinhentista (Coimbra, BGU [Biblioteca Geral da Universidade], Cod. 993)”, Euphrosyne, 24, 1996, pp. 405-424. Eis o elenco, tendo em conta apenas estes 2 códices, dos anos e dos res-pectivos oradores: 1557, 1558, e 1559: Pedro João Perpinhão; 1560, Gaspar Planus; 1561 (?), Miguel Venegas; 1561 (?), Francisco Gomez; 1564, Gaspar Gonçalves; 1565 (?), Júlio Facio; 1567 Rafael Texeda; 1568, Manuel Góis; 1569, Fernando Navarro; 1570, Luís da Cruz; 1571, Nicolau Pimenta; 1572, Duarte de Sande; 1573, Nicolau Pimenta; 1574, Duarte de Sande; 1576, Luís da Cruz; 1578, Vasco Baptista; 1579, António Correa. Subsistem dúvidas sobre alguns anos, resultantes de lacunas na informação disponibilizada nos códices.

4 A ocasião é de homenagem ao Professor Arnaldo Espírito Santo, meu bom colega e amigo na

Fa-culdade de Letras ao longo de 25 anos, agora que deixou o Departamento de Estudos Clássicos, por via da aposentação. Este trabalho, cuja conclusão lhe dedico, era um dos que permanecia inacabado, à espera do seu momento, que surgiu agora. Ele insere-se no propósito, que me anima já há uns bons anos, de publicar toda a obra de Luís da Cruz.

5 O magistério escolar de Luís da Cruz iniciou-se no Colégio de S. Paulo, em Braga, no ano de 1564,

prosseguindo depois no Colégio das Artes de Coimbra, a partir de 1567 até praticamente à sua morte, em 1604, com uma ou outra interrupção. De notar que no ano do primeiro destes discursos, em 1570, Luís da Cruz compôs a célebre tragédia Sedecias. Em 1572 terá composto a comédia Vita Humana; em 1574, a tragicomédia Iosephus e em 1578 a tragicomédia Manasses.

6 Apenas os três primeiros discursos, de que se encarregou Pedro João Perpinhão, chegaram ao prelo,

editados mais de uma vez, a primeira em Petri Ioannis Perpiniani e Societatis Iesu orationes duodeviginti, Romae, apud Zanettum et Ruffinellum, 1587, pp. 45-143.

7 Ainda surpreendemos um destes discursos já na segunda metade do século XVII, mais

concreta-mente, no ano de 1679, pronunciado por António da Nóbrega, mestre de retórica. Cf. Sebastião Tavares de Pinho, “Um códice latino…”, cit. p. 380. Este discurso pode revestir-se de especial interesse, se

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atender-conteúdo 8. Enquanto os demais nos surgem quase uniformemente intitulados de forma

vaga (In laudem Elisabethae…, De laudibus Diuae Elisabethae), este oferece-nos, no seu título, clara indicação do motivo central do discurso, a saber, o zelo religioso da Rainha Santa: De studio religionis sanctae Elisabethae et de ea tuenda oratio.

1. As alusões à contemporaneidade

Dêmos realce, antes de mais, aos aspectos do discurso que o singularizam num espaço e num tempo próprios. Antes de mais, deparamos com um conjunto de infor-mações que ilustram bem o difícil momento por que então passava a nação portuguesa, atormentada por várias calamidades públicas. Uma das ideias-chave que mais se impõe é, precisamente, a de tempestade, não apenas no sentido real, como o do episódio da nossa história trágico-marítima colocado na abertura do discurso (§§1-2), mas também no sentido figurado, alusivo às convulsões decorrentes do cisma religioso que sacudia então profundamente a vida de várias nações europeias. No caso de Portugal, o ano de 1575 tinha sido negro. Ficamos a saber que nesse ano fora Luís da Cruz o indicado para pronunciar o habitual discurso solene em honra da Rainha, o que acabaria por não acontecer devido ao forte surto de peste que, tendo assolado grande parte do país, terá obrigado ao fecho do Colégio das Artes e da Universidade 9. A par com a peste,

contribuía igualmente na altura para um clima de medo e frustração a crescente inse-gurança nos mares, com sucessivos ataques de piratas às costas portuguesas, enfraque-cendo com os seus assaltos um reino cada vez mais incapaz de defender-se e de levar por diante iniciativas já lançadas 10.

Outro traço de contemporaneidade que atravessa todo o discurso e motiva, de resto, a estruturação do seu conteúdo tem a ver com o clima de lutas religiosas que então dilacerava a Europa, com o tristemente célebre episódio da matança de S. Bar-tolomeu em França ainda bem fresco na memória de todos 11. A intransigência que na

altura ocuparia os espíritos dum e doutro lado da barricada está bem patente aqui nas referências pouco abonatórias feitas a Lutero e a Calvino. O primeiro é-nos apresentado como “um monstro horrível, nutrido com o leite da insolência e, no fim, abrasado pelas

mos a que foi no ano de 1678 que se deu a trasladação do túmulo da Rainha Santa para Santa Clara-a-Nova. Cf. Francisco Pato de Macedo, “O mosteiro velho de Santa Clara”, Monumentos, 18, Março, 2003, p. 21.

8 Texto manuscrito em Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, cod. 993, fls. 177r-181v. As

referências que a ele surgem no decurso deste artigo remetem para a edição que dele fizemos, após leitura e transcrição do manuscrito, e poderá consultar-se, na íntegra, na página electrónica do Centro de Estudos Clássicos (disponível em http://www.fl.ul.pt/cec-recursos-e-instrumenta/cec-luis-da-cruz-digital).

9 O texto fala-nos de “aproximadamente sessenta mil pessoas sepultadas no ano anterior” (“sexaginta

fere millia hominum desideratos, quae superior humauit annus” – §6). O fecho do Colégio das Artes e da Universidade, como o sugere o texto (“Academiam ipsam huius regni florem dilabi, inexpertam iuuentutem obstupuisse metu, hanc ipsam urbem deseri tempore laudationis meae.” – §3), terá sido uma das medidas extraordinárias a que as autoridades recorriam em momentos de grave perigo para a saúde pública. Veja-se o capítulo “A defesa sanitária” in História de Portugal, Dir. José Mattoso, Lisboa, Círculo de Leitores, 1993, terceiro volume, pp. 222-230.

10 Ainda estaria bem vivo na memória de todos, como o comprova o §6 deste discurso, o ataque de

corsários franceses à cidade do Funchal, no ano de 1566.

11 Este massacre de protestantes, ocorrido no ano de 1572, foi profusamente festejado nos meios

católicos. A literatura escolar dos Jesuítas fornece abundantes exemplos disso, sobretudo nas composições poéticas.

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tochas da concupiscência” 12. É ainda implacavelmente descrito como um bêbado,

“fre-quentador nocturno de tabernas e retretes” 13. Calvino, por seu lado, é referido como a

“epidemia de Genebra”, “o sepulcro da Gália”, “a epidemia da Gália que tudo infecta com o mortífero veneno da sua língua” 14. Não falta também a referência a dois vultos

femininos da Reforma, a saber, as rainhas de Navarra e da Bretanha “que, transtorna-das pelos livros e pelos sermões dos ímpios, encheram boa parte da Europa com os seus malefícios e toda a Europa com a desonra total do seu nome” 15.

2. A construção oratória (ou a inuentio do elogio)

Terá sido, pois, com base nesta ideia de turbulência dos tempos (a peste na Lu-sitânia, os piratas nos seus mares, o cisma religioso gerando desavenças na Europa inteira) que Luís da Cruz estabeleceu o tema do presente discurso, seleccionando um conjunto de tópicos e apresentando-os segundo uma ordenação e um estilo que melhor servissem os seus propósitos. A ideia central é a de que, para fazer face a estes tempos de forte tormenta e alcançar a segurança da estabilidade, há que incrementar o zelo da religião (studium religionis) de que a Rainha Santa é um verdadeiro exemplo. O sentido da argumentatio surge exposto no que podemos considerar a partitio do discurso, a saber, o fim do §5:

Este discurso será sobre o zelo religioso de Isabel. Após mostrar que, tendo-se ele mantido intacto, mantiveram-se estáveis o poder e a autoridade, mas tendo en-fraquecido a vontade nesse zelo, eles começaram a desmoronar-se e acabaram de-pois por tombar quando os ímpios o desprezaram, compreendereis que se destroi e desmorona o estado em que, rejeitada a piedade e a justiça, reina a violência e a crueldade do crime 16

Após um exórdio em que a benevolência dos ouvintes é concitada com um símile que compara a situação calamitosa da nação lusitana à cena dum naufrágio, o orador tece um conjunto de considerações tendentes a justificar o tema do discurso acima re-ferido. As desgraças por que passa a Lusitânia deverão ser vistas como uma punição da

12 “…teterrimum illud ostentum lacte insolentiae nutritum, impudicitia demum taedis ardentem

Luterum…” – §18.

13 “…ille transfuga perditus ac nefarius Vitembergae, euigilans e popinis, atque lustris…” – §18 14 “…illa Geneuae lues, Caluinus bustum Galliae…” – §44 ; “ …illam Galliae luem, ueneno linguae

mortifero omnia inficientem…” – §45.

15 “…non illa Nauarrae, non Britaniae Regina similis quae dementatae libris et contionibus

Impio-rum bonam Europae partem maleficiis, omni sui nominis dedecore impleuerunt.” – §44. Quanto à rainha da Bretanha, não temos dúvida de que se trata de Isabel I, a filha de Henrique VIII e de Ana Bolena; quanto à rainha de Navarra, a nossa certeza não é tanta. Inclinamo-nos para Margarida de Valois (1553-1599), filha de Catarina dei Médici e que chegou a estar pensada para D. Sebastião, mas que acabaria por casar com Henrique IV de Navarra, depois rei de França. Também poderá tratar-se, embora a meu ver com menos probabilidade, de Margarida de Angoulême (1492-1549), que casou com Henrique II de Granada e que se pode considerar como uma mulher humanista, pela sua dedicação às letras, aspecto este referido por Luís da Cruz.

16 “haec erit oratio de religione Elisabethae, qua incolumi ubi docuero regna, et imperia stetisse, at

in eius studium refrigerata uoluntate praecipitari coepisse, tunc demum concidisse, cum eandem impii neglexerunt, intelligetis eam Remp[ublicam] conuelli, labefactarique, in qua pietate ac iustitia repulsa, uis et scelerum importunitas dominatur.” – §5.

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impiedade e da injustiça e não como um mero resultado da inconstância das realidades humanas (“inconstantia rerum humanarum” – §8), sujeitas a uma degradação natural.

A figura da rainha é introduzida no discurso apenas no §11 e começa logo por uma alusão à sua santidade (§14). Isabel já se encontra junto de Deus, já lhe foi comuni-cado o poder de julgar e, tal como a rainha de Sabá que, em Mt 12, condena a cegueira dos Judeus que não souberam discernir em Cristo o Messias, também Isabel exorta os Portugueses a imitarem a sua vida como forma de assim adorarem a Deus com mais zelo. Nesta fase do discurso, que classificaríamos de argumentatio, salta à vista a regularidade de certos procedimentos: o recurso à Bíblia, designadamente ao Antigo Testamento, para enquadrar as várias secções da argumentatio; a reafirmação de Cristo como o fim último para que aponta a imitação da vida da Rainha; a evocação de figuras veneráveis da tradição da Igreja; a menção, de sentido antitético, de figuras e ideias do campo protestante e, por fim, a reafirmação do primado de Pedro. É notório, pois, que este elogio da Rainha Santa, tal como se nos apresenta, está centrado essencialmente em dois objectivos que correm paralelos no discurso: por um lado, reclamar para Isabel a prerrogativa da canonização; por outro, reafirmar os ideais da Contra-Reforma 17.

Como referimos, Luís da Cruz fez questão de apoiar as várias secções desta ar-gumentatio elogiosa da Rainha Santa em outros tantos passos bíblicos que alimentam o desenvolvimento discursivo e conferem autoridade às ideias aí expressas. Ao serviço desta auctoritas estão igualmente as referências a figuras veneráveis da tradição da Igreja com intuitos comparativos (comparatio a simili), sugerindo a inclusão da esposa de D. Dinis nesse cortejo de heróis e heroínas cristãs que dão pelo nome de santos. Igualmente com intuitos comparativos, mas neste caso a contrario, deverão tomar-se as referências a figuras da reforma protestante que aqui surgem, a espaços, com a clara função de melhor vincar a solidez dos pontos de vista católicos.

3. Isabel de Aragão: uma vida de santidade

Luís da Cruz inicia a exaltação da santidade de Isabel recorrendo à figura bíblica da Rainha de Sabá que, segundo Rs 10,1-10, empreendeu longa viagem para comprovar presencialmente o celebrado esplendor da corte de Salomão e da sua sabedoria. Baseado em Mt 12,42, Luís da Cruz coloca na boca da “Rainha do Austro” um discurso conde-nando a cegueira e a dureza de coração do povo judeu, incapaz de reconhecer e aceitar quem é superior a Salomão, ou seja, Cristo (§13). A este discurso associa o orador o dis-curso de Isabel, já na condição de quem, por uma vida de heroicidade cristã, alcançou a prerrogativa de viver junto de Cristo, revestida do poder de julgar e pronunciar a sua sentença sobre os demais (§14). É nessa condição que a Rainha dirige as suas palavras à Lusitânia e, em especial, à sua querida Coimbra:

Chamo-te, ó Lusitânia – dirá ela – e especialmente a ti, minha querida Coimbra, a quem confiei minhas cinzas. Eu vivi de tal modo com o favor divino que Ele não poderia ficar descontente comigo. Ainda durante o meu tempo de vida fui ajuda para todos; já morta e sepultada, a quem não fui útil? Que peste, que destruição eu não afastei? A imitação da minha pessoa ocupou muito poucos, o esquecimento muitos, sem dúvida, embora celebrassem todos os anos a minha festa. Com efeito, qualquer que tenha sido a comemoração da minha vida e dos meus costumes, ela

17 Destes dois objectivos, o segundo é muito mais visível, mas o primeiro não deixa de estar menos

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desvaneceu-se quando vós, por meu intermédio, em nada adorastes com mais zelo Deus Pai, autor do bem, fonte perene da verdadeira felicidade. 18

Esta entrada forte em cena da Rainha, colocada a discursar, pelo recurso à figura da fantasia, num esplendorosíssimo lugar no céu, pretende ser fonte de pathos (“per-cebo que vos comoveis com este discurso” 19) e abre caminho, a partir do §17, à narratio

do teor de vida cristã de Isabel de Aragão.

Esta vida cristã é apresentada aqui como resultado da atitude de quem, ao longo de toda a sua vida, nem por um instante deixou de ter os olhos postos na verdadeira fé celeste, nunca a perdendo de vista, à semelhança dos filhos de Abraão, como vemos narrado em Ex. 13, 21-22, sempre atentos à nuvem de fogo que os conduzia para a Terra Prometida. A esta atitude de Isabel contrapõe-se a dos ímpios que, “com a sua agudeza mental enfraquecida, dizem teimosamente que em vez daquela chama celeste contem-plam outra diferente” 20. Ao contrário dos sequazes de Lutero e Calvino, seduzidos

pelas tochas da concupiscência, a rainha, desde a mais tenra idade, deixou-se imbuir de forte religiosidade. Alguns dos aspectos dessa religiosidade surgem enumerados no §20, numa acumulação de interrogações retóricas. São eles a fuga às diversões, a intensa de-voção ao culto, a preocupação pela sorte das almas do Purgatório e o recurso frequente ao sacramento da confissão. Indo, porém, além da mera enumeração, o orador entende dar realce, com um breve comentário, a alguns outros aspectos, a saber: o combate ao vício da gula mediante a prática do jejum; o culto dos santos, mediante a edificação de templos; as peregrinações a Santiago de Compostela e, finalmente, a sua morte santa.

Embora nos encontremos aqui perante tópicos que podemos ver desenvolvidos habitualmente na hagiografia tradicional, não é difícil adivinhar, no desenvolvimento de cada um deles, motivações especiais que levaram Luís da Cruz a realçar estes aspec-tos da religiosidade da Rainha Santa.

Antes de mais, assinale-se, por ser bem notória, a preocupação com as ideias do mundo protestante. Logo no início da secção consagrada à acção da Rainha em prol do culto dos santos, o orador avança previamente com um pedido:

Conduzidos pela rainha, defendei esta parte da nossa religião que o Setentrião ataca furiosamente com uma loucura insanável. 21

Após verberar a gula e exaltar os méritos do jejum, não apenas na esfera espi-ritual, mas também na corporal, é lançado um desafio cujos destinatários facilmente se adivinha serem os seguidores de Lutero, pois a imagem deste, denegrida na altura, pouco caridosamente, pelas hostes católicas, era a de beberrão e comilão:

18 “Te Lusitania appello, dicet, et te maxime mea Conimbrica, cui cineres meos commisi. Ego ita

uixi diuino beneficio, ut mei se non posset paenitere. Mortalis adhuc opitulata sum omnibus, soluta uero corpore, ac sepulta quibus non profui, quam precando pestem, quod exitium, non auerti? Paucos tenuit imitatio mei, obliuio sane multos, tametsi anniuersariis feriis colebar. Illa enim quaecumque fuit uitae meae et morum commemoratio abiit in uentos, quando nihilo diligentius per me illum parentem Deum, autorem bonorum, fontem perennem uerae laudis coluistis.” – §15.

19 “Intelligo uos hac oratione commoueri,…” – §16.

20 “…et hebetata mentis acie aliam atque aliam pro illa caelesti flamma se aiunt pertinaciter intueri.”

– §17.

21 “Regina duce, hanc partem religionis tueamini, quam Septentrio insanabili quadam amentia

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Irrompam então, como se viessem duma taberna, alguns empanturrados de comida e exalando embriaguez, em ajuntamentos de outros da mesma laia, condenem os frequentes jejuns, desculpem a impiedade, com o falso medo do enfraquecimento da saúde e de doenças que talvez ninguém terá. 22

Igualmente o grande destaque dado à solene procissão eucarística para levar o viático à rainha moribunda poderá ser entendido como um eco da resposta católica dada no Concílio de Trento às posições dos reformadores protestantes neste domínio. Essa resposta estará na origem do incremento da piedade eucarística que então se veri-ficou e que se viria a traduzir num dos fenómenos mais característicos da religiosidade barroca 23.

Mas a par desta preocupação, muito evidente, de contestação aos pontos de vista dos reformadores, outros destinatários parecem ter estado na mira do orador. Nas considerações tecidas sobre os malefícios da gula, a propósito da bondade do jejum, transparece uma nítida preocupação com o estilo de vida que reinaria então na corte. São curiosos os ecos, neste discurso, das ideias que correriam aí a respeito do jejum, ideias que o orador pretende aqui contrariar. O passo seguinte é bem ilustrativo disso:

...é falso o temor da corte, que se deixa persuadir não pela virtude do amor mas pela moleza de vida, companheira da imoralidade, de que nas mulheres a ima-gem se degrada com os jejuns, enquanto nos homens as forças ficam enfraquecidas com a abstinência. A rainha mostrou, mesmo quando se mantinha calada, que tais ideias feitas eram falsas e que, ainda que parecessem verdadeiras, deveria manter-se mesmo assim a prática do jejum, pois para as damas que estão ociosas na corte é muito útil que a beleza se corrompa, e para os robustos sicários que as suas forças diminuam, para que nem aquelas sejam consideradas simulacros de vaidade, nem estes, fora de si, percam a cabeça, incapazes de conter a sua fúria. 24

Nesta resenha de aspectos da vida de Santa Isabel é bem visível o efeito amplifi-cante dado pelo recurso à comparação. O orador evoca exemplos de figuras da história da Igreja a que a rainha portuguesa se pode equiparar: a Santa Helena, na construção de templos; a Santa Paula 25, visitadora dos lugares santos, a propósito das

peregrina-ções a Santiago de Compostela; a eremitas como Paulo e a outros santos como Basílio, Atanásio e Jerónimo, na forma como morreu.

22 “Erumpant igitur tanquam ex popina farti quidam et crapulam exhalantes in conciliis sui

simi-lium, damnent crebra ieiunia excusent impietatem, metu inani ualetudinis infirmae, ac morborum qui nulli fortassis erunt.” – §24.

23 Ver, a este respeito, o capítulo “Nova vitalidade da Igreja: missão mundial. Conversões.

Confor-mação barroca do mundo” in Nova História da Igreja. III: Reforma e Contra-Reforma”, dir. L.-J. Rogier et al., Vozes, Petrópolis, 1971, pp. 288-289.

24 “…et uanum imprimis esse timorem aulae cui persuasit non uirtutis amor, sed mollities

impu-dicitiae comes in feminis speciem deformari ieiuniis, in uiris uero uires abstinentia debilitari. Quae falso concepta regina docuit, etiam cum tacebat, et, quamuis uera uiderentur, retinendam tamen esse ieiunandi disciplinam, cum feminis otiantibus in aula sit perutile formam corrumpi, et lacertosis sicariis robur im-minui ne illae spectra uanitatis habeantur, isti uero amentes insaniant sui impatientes ardoris.” – §23.

25 Santa Paula, uma das filhas espirituais de S. Jerónimo, oriunda duma família da nobreza romana

que remontaria aos Cipiões e aos Gracos, dirigiu um mosteiro em Jerusalém. Cf. Nova História da Igreja, cit., vol. I, pp. 286 e 303.

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4. Os milagres: um fruto da verdadeira fé

Traçado o retrato duma vida de santidade, Luís da Cruz passa a um novo capí-tulo: os milagres da Rainha, interpretados desde logo como um resultado da fé:

Essa fé, incendiada pelas tochas da caridade, transforma em autores de milagres aqueles em que se instala muito profundamente. 26

Da mesma forma que só alguns aspetos da vida cristã ultrapassaram o nível da mera enumeração com o privilégio dum comentário, também aqui a audiência começa por tomar conhecimento duma série de milagres sumariamente enumerados, a que se seguem alguns, selecionados para objeto de breve narração. A mera enumeração de milagres ocupa todo o parágrafo 32, onde oferece especial relevo a repetição anafórica (nove vezes) do advérbio hinc (“Daí que…”), sugerindo bem a origem dos milagres como produto da fé.

Nos milagres em vida da Rainha, o privilégio da narração vai exclusivamente para o caso da interrupção da famosa batalha que opunha D. Dinis a seu filho, o futuro D. Afonso IV 27. A narração, em tom épico, como o pedia o assunto, termina de forma

apoteótica para a Rainha, apresentada na figura duma valente mulher montada numa mula, no meio de dois exércitos de homens sobre cavalos:

Na verdade, quando de todo o lado choviam dardos e, à vista do sangue, os exér-citos haviam entrado em frémito, eis que nessa altura a Rainha, munida do escudo da fé, penetra nas linhas cerradas dos combatentes e, como uma virago, mais de-sembaraçada em cima duma mula do que os homens sobre os cavalos, com poucas palavras mas dignas de tal santidade e de tal gravidade, extrai dos corações a fúria e a loucura, arranca das mãos as armas. 28

Quanto aos milagres depois de morta (§§42-43), eles são mais sugeridos do que propriamente enumerados ou descritos. Num discurso vivo e variado, fortemente emo-tivo, onde se destacam, em alternância, as figuras da interrogação e da apóstrofe, o au-ditório é informado, por um lado, do clima de consternação geral, nas pessoas e na na-tureza, pela morte da Rainha, por outro, dos inúmeros milagres que então sucederam. É neste contexto que surge a alusão ao seu famoso túmulo. Este túmulo, a cujo toque se associava a ocorrência dum milagre, surge aqui como um verdadeiro catalisador da devoção popular à Rainha defunta 29. A menção que dele é feita abre caminho ao que

26 “…illa caritatis incensa facibus, eos in quibus altius insedit, efficit miraculorum patratores.” – §35. 27 Este acontecimento, que alimentou as crónicas tornando-se quase uma lenda, remonta à guerra

civil que assolou o reino de Portugal entre 1315 e 1325, originada no descontentamento do príncipe D. Afonso com o seu pai, por causa das regalias que este concedia aos seus filhos bastardos. Este episódio da interrupção do recontro iminente entre os dois exércitos ocorreu em 1323, perto de Lisboa. Cf. História de Portugal, cit. Vol. II, p. 483.

28 “Nam cum undique tela uolitarent et <uiso> sanguine, utrinque acies exhorruissent, ecce ibi

Re-gina fidei munita clypeo ingreditur cuneos armatorum, et expeditior mula Virago, quam uiri equis paucis uerbis, sed ea sanctitate, ea grauitate dignis furorem et insaniam ex animis euellit, arma de manibus extorquet.” – §40.

29 A grande veneração de que este túmulo era alvo tinha a ver, certamente, com a sua história. Antes

de mais, com o facto de ter sido concebido e encomendado pela própria rainha a Mestre Pero e de, durante a sua construção, ter sido por ela supervisionado; depois, porque era um objecto de contemplação, portador duma mensagem de vida cristã, feita esculpir em pedra, com figuras e símbolos sugeridos pela Rainha.

(11)

podemos considerar a última parte do discurso, tecnicamente designada de peroração, onde o orador vai lançar o seu apelo, final e decisivo, à prática da verdadeira religião. A estruturação desta secção diz bem da intenção que move todo o discurso: defesa intran-sigente da Igreja Católica Romana como a detentora da verdadeira religião e, ao invés, a condenação inequívoca de todos quantos se encontram em ruptura com Roma, a saber, não apenas as emergentes igrejas protestantes, mas igualmente os ortodoxos do oriente.

Este argumento muito forte (“argumento firmissimo” – §46), como o designa Luís da Cruz, centra-se na afirmação e defesa do primado de Roma, velha questão doutrinária que, desde bem cedo, abriu uma cisão na Igreja Cristã, entre Roma e Cons-tantinopla. Como já atrás sugerimos, o ponto de partida é o sepulcro da Rainha Santa. Este, “erguido para as alturas pelo cajado da Rainha” 30, surge aqui como um memorial

cuja contemplação inspirará os crentes para a verdadeira religião, aquela que foi pra-ticada pela Rainha e que frutificou em obras e milagres. Essa religião é a mesma dos Padres da Igreja, vivida sob a autoridade do Pontífice Romano. Função equiparável desempenhava, no Antigo Testamento (Jos. 4), o monumento das doze pedras, uma por cada tribo de Israel, erguido em Guilgal, a oriente de Jericó, em ordem a evocar para a posteridade a passagem a seco do rio Jordão pelo povo hebreu, a caminho da Terra Prometida sob o comando de Josué.

Após esta incursão ao Antigo Testamento, evocando um monumento em torno do qual se uniam as doze tribos, ou seja, todo o povo de Israel, o orador faz regressar o seu discurso à atualidade, com a nítida intenção de apelar à unidade de toda a Igreja, o novo Israel, que deverá reunir-se igualmente em torno dos monumentos da verdadeira religião:

Não podeis ignorar que os monumentos da religião estão no mundo onde está agora aquela sede firme e perpétua, ‘Vbi lapis, ubi Petra’, que nenhuns abalos, nenhumas tempestades, nenhuns empreendimentos dos ímpios arrancarão. 31

Irrompe de novo no discurso, nos parágrafos 51-52, a figura da apóstrofe inter-pelativa, desta vez dirigida à cidade de Constantinopla, a sede rival de Roma, e aos Gregos, povo de passado glorioso. A argumentação é primária, apresentando a situação de triste servidão aí reinante, derivada da sujeição ao domínio turco, como uma con-sequência do esmorecimento e da perda da verdadeira religião. O que vemos afirmado na conclusão do discurso é bem ilustrativo disto mesmo:

Parece-me com efeito compreender que esta tempestade duma servidão tão dura-doura se abateu com muita violência sobre estas regiões porque, esquecidas dos

Cf. Maria Helena da Cruz Coelho, “Esboço sobre a vida e obra da rainha Santa Isabel” Monumentos, 18, Março, 2003, pp. 25-33. Acrescente-se ainda que este túmulo, como o demonstraram os trabalhos de intervenção arqueológica em Santa Clara-a-Velha, motivou a construção duma capela funerária, de modo a preservar das cheias esta obra de arte, esculpida em pedra de Ançã. Cf. Francisco Pato de Macedo, “O mosteiro …”, cit., pp. 17-23.

30 “…cum apud uos illud sepulchrum habeatis in sublime raptum baculo Elisabethae.” – §48. Este

cajado seria sem dúvida o que lhe foi oferecido pelo Bispo de Santiago de Compostela, aquando da famosa peregrinação feita pela rainha aos sessenta e quatro anos de idade, objecto de especial referência neste discurso. Cf. Maria Helena da Cruz Coelho, op. cit., p. 28.

31 “Religionis monumenta esse in orbe ignorare non potestis, nunc ubi est illa sedes firma atque

perpetua: ubi lapis, ubi Petra, quam nulli motus, nullae procellae, nullae impiorum molitiones conuellent.” – §50.

(12)

tempos em que obedeciam à doutrina dos santíssimos padres e porque dominavam mais do que temiam as armas dos bárbaros, inicialmente começaram a não se preo-cupar, depois a negligenciar, por fim a repudiar, e, com estes passos, como sucede, náufragas com a perda da fé, para castigo dos seus pecados, despojadas de poderes e da liberdade, ficam sujeitas a tiranos crudelíssimos. 32

4. Conclusão

Apresentado o conteúdo argumentativo desta oração panegírica à Rainha Santa, valeria bem a pena proceder a uma análise pormenorizada do seu aparato retórico, designadamente no aspecto da elocutio, de que já deixámos, aliás, algumas indicações, mas tal ficará para outra ocasião. Diremos apenas, para concluir, que, em nosso en-tender, Luís da Cruz alcançou os objectivos a que faz referência no §11, nos seguintes termos:

Prestai atenção, por favor, e, após acabar o meu discurso, julgai com toda a liber-dade se elogiei a Rainha, se vos servi, na vossa digniliber-dade e bem-estar, e se velei por esta reputação do mundo das letras, ou então se me dispersei de forma desajeitada. 33

Contra a ideia de dispersão, diremos que a assistência foi brindada com um dis-curso coeso, onde se sente continuamente presente e atuante a memória dos objectivos traçados. Destes, o que mais contribuirá para a solidez da articulação discursiva será precisamente o que ficou por explicitar, a saber, a defesa da Igreja Católica Romana, acabada de sair do Concílio de Trento com um programa teológico e pastoral, tanto de afirmação na sociedade como, indirectamente, de combate ao avanço da reforma protestante. O elogio da Rainha, como vimos, vinca bem certos pontos sensíveis da ortodoxia romana: a questão da verdadeira fé que frutifica em obras (§17), no que poderemos entrever uma alusão ao polémico tema da justificação pela fé; os milagres apresentados como um produto da verdadeira fé (§35); o culto dos santos, cujo sentido é conduzir para uma mais autêntica adoração de Deus (§15); a Bíblia encarada como um todo, onde o Novo Testamento dá pleno cumprimento ao Antigo (passim), e, por fim, a unidade da Igreja de Cristo que tem na sede de Roma o seu monumento visível (§51).

Orientado, no seu conteúdo e respectiva distributio, para dar especial ênfase a es-tes pontos dogmáticos, este elogio da Rainha Santa não descura igualmente o objetivo de satisfazer o mundo das letras (a respublica literaria). Para tal, Luís da Cruz soube investir, ao nível da elocutio, numa série de figuras, designadamente nas de repetição e de interpelação, que, numa alternância bem administrada, conferem a esta oração pa-negírica razoável vivacidade, suficiente para afastar no auditório o tédio e a dispersão.

32 “Videor enim intelligere istam procellam diutissimae seruitutis in has regiones incubuisse

uehe-mentius quod oblitae eorum temporum, quibus doctrinae sanctissimorum patrum obtemperabant, ideoque dominabantur potius quam barbarorum arma timebant, primo non curare coeperunt, deinde negligere, postremo repudiare, atque his gradibus, ut fit, amissa fide naufragae, in poenam eorum scelerum exutae imperiis, et libertate crudelissimis seruiunt tyrannis.” – §53.

33 “Adeste quaeso animis, et a me cum fuerit peroratum liberrime iudicate Reginamne laudauerim,

uobis seruierim, dignitati ac saluti, et huic Reipubl[icae] literariae existimationi consuluerim, an inepte me effuderim.” – §11.

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De amicitia loquamur . . . 5

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