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Ingovernabilidade, disfunção e quebra estrutural

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Academic year: 2020

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Ingovemabilidade: disfunção e

quebra estrutural

Omar Guerreiro Orozco

I n tr o d u ç ã o

O desempenho dos Governos tem sido objeto freqüente de reflexão. Muitos dos tratados de política e administração pública se referem às deficiências do Governo. Entretanto, poucas vezes se deu tanta atenção aos déficits governam entais como hoje. Este artigo tem por objetivo examinar a ingovemabilidade como um esboço dos problemas do Governo.

Um Governo pode ser qualificado de deficiente se o seu objetivo principal não é alcançado, ou seja, se suas receitas não fizerem frente aos im perativos públicos. As causas das deficiências podem ser das mais diversas naturezas, e vão desde a vocação para o “congrcssism o” por im perfeição da divisão de poderes que beneficia o Legislativo, até a d ecadência do Estado cm seu conjunto. Envolvem , tam bém , os processos de d eterioração governam ental, que provocam fatos tão dram áticos como as guerras civis e as ditaduras.

Recentemente, contudo, dentro das condições gerais de mudança acelerada que envolvem as sociedades contemporâneas, observa-se um problema crítico de Governo, definido como “ingovemabilidade”. Sob esse aspecto, a ingovemabilidade foi definida como um diagnóstico de invia­ bilidade dos Governos para atingir seus objetivos, mas somente do ponto de vista do papel do Estado frente a suas atuais obrigações. Isso significa que o problema é detectado a partir das responsabilidades mais recentes do Estado, principalmente as relativas ao bem-estar social (tais como saúde, educação e trabalho) e as relativas ao grau de civilidade atingido pelos cidadãos (ampliação do sufrágio c exigência de democratização).

Colocado assim o problema, as condições exam inadas se limitam aos deveres governam entais considerados prcscindíveis c transferíveis para outras opções de satisfação cuja natureza não é pública, como,

kSl» R e v ista do S erv iço P úblico Ano 47 Volume 120 Número 2 M ai-Ago 1996 O m a r G u erreiro O rozco é professor de Teoria da A d m in istra ç ã o P ública d a U n iv ersid ad e N a c io n a l A utônom a do M éxico

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por exemplo, o mercado. Ao mesmo tempo, a análise aplicada tende a se lim itar a um método funcionalista, isto é, a aproxim ações que restringem a ingovem abilidade dentro de desajustes ou inadaptações funcionais nos sistemas políticos.

Farem os aqui um exame, relativamente extenso, do problem a da ingovemabilidade, comparando estas perspectivas disfuncionais e outras mais, que denominamos de propriamente estruturais.

G aetano M osca, no final do século passado, tinha definido o Governo como a direção da máquina adm inistrativa, financeira, ju d i­ cial e militar, ou a influência sobre quem a dirige. Recentemente, porém, K arl D e u tsch c o n c e itu o u o G o v e rn o com b a se n as n o ç õ e s de comunicação e controle, coincidindo com a versão precedente, no sentido de que o Governo consiste na arte da direção e da autodireção. Estas noções entranham , de form a explícita, o conceito de governabilidade, cuja natureza consiste em uma mais-valia, um valor agregado às práticas m e ra m e n te c o n tín u a s de G o v ern o . G o v e rn a b ilid a d e s ig n if ic a , simplesmente, o conjunto dos mecanismos que garantem o desem penho superior da direção e da autodireção da sociedade, isto é, um Governo que não ofereça somente ordem e estabilidade, mas também qualidade de serviço e bem-estar social geral. Em contraposição, ingovemabilidade é a incapacidade de produzir bem-estar devido a um a sensível escassez de ordem e estabilidade; dito de outro modo, a ingovem abilidade não é um resultado indesejável de perda de qualidade superior do Governo, m as, sim, dos fundamentos do Governo em si.

Quanto mais as desordens sociais surgem, no seio da sociedade, e m aio r é o g rau de v io lê n c ia in tro d u z id o n e s ta s d e s o rd e n s , a ingovemabilidade atua como um mecanismo dc destruição das condições de v id a d e s ta so c ie d a d e. A e ssê n c ia da in g o v e m a b ilid a d e é a impossibilidade do regime para dirigir, e portanto, assegurar o fator p o lític o p rim o rd ia l de ordem e de e sta b ilid a d e com o c o n d içõ es necessárias para promover o bem-estar. Assim, a ingovem abilidade não se lim ita à in c a p a c id a d e de o fe re c e r b e m -e s ta r: e s te n d e -s e à impossibilidade de criar condições para a ordem e a estabilidade, sem os quais a convivência social é impossível.

1. I n g o v e m a b i l i d a d e como disfunção

Como vimos, é recente a identificação do termo ingovem abilidade com a incapacidade do Governo cm responder às exigências de bem- estar e, cm geral, a noção transita dentro de esquemas conservadores e sugere a existência de doenças incuráveis e males congênitos, atribuídos

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ao E stad o.1 A ingovem abilidade é concebida de um modo particular, estrito e conjuntural, não como um fenômeno geral, um a vez que sua configuração epistemológica tem seu fundamento na idéia de disfunção. Existem três versões disfuncionais da ingovemabilidade.

A prim eira vê a ingovem abilidade como o resultado de um a s o b re c a rg a de e x ig ê n c ia s s o c ia is, que b lo q u eiam os p ro c e sso s governam entais de resposta do Governo e diminuem a capacidade dos serviços públicos. Governabilidade c ingovemabilidade são identificadas como parte do mesmo processo político, a prim eira como função e a segunda como disfunção.

O segundo enfoque c o n sid era in g o v em a b ilid a d e com o um problem a decorrente da insuficiência de ingressos fiscais provenientes da ativ id ad e m eram ente trib u tá ria do E stado, diante do aum ento constante do gasto público, isto é, o aperto financeiro é um a disfunção do sistem a. Sua base é o abandono da vocação do Estado como Fisco, tendo como objetivo desenvolver as bases econômicas da tributação.

Finalmente, a ingovem abilidade é concebida como o produto da crise de gestão do Governo e da degradação do apoio político dos cidadãos. Constitui um vício na relação entre os insumos e os produtos do sistem a político, derivada da crise de saída como crise de racio­ nalidade e da crise de entrada como crise de legitimidade. A prim eira crise se m anifesta na incapacidade da adm inistração pública em ins­ tru m e n ta liz a r o c o n tro le da eco n om ia e a se g u n d a c o n siste na incapacidade de despertar um nível adequado dc lealdade ao Govcm o. E x iste, cm sum a, um a relação disfuncional entre a econom ia e a adm inistração pública.

1.1. A sob recarga da demanda como fonte disfuncional de in gov e m a b ilid a d e

Um dos insumos mais poderosos nas transform ações internas no E stado m oderno é o crescim ento da participação dos cidadãos nos negócios públicos e, por conseguinte, da extensão e m ultiplicação da dem anda dc bens e serviços públicos. Devido ao conceito dc sufrágio como divisa política e como alimentador da explosão de civilidade, os governantes têm absorvido esta demanda, que tem sido satisfeita com a am pliação de fatores de satisfação pública, cujos saldos são, por um lado, a espiral econômica inflacionária, e, por outro, paradoxalm ente, a in satisfação das reivindicações dos cidadãos. Esta sobrecarga de demanda é definida como um a relação assim étrica entre o crescim ento do produto nacional, o custo dos serviços públicos e as reivindicações salariais. Uma das conseqüências negativas é a incapacidade implemen- tadora do Governo, isto é, sua inaptidão para alcançar os objetivos

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propostos e, portanto, para responder positivam ente aos com prom issos com os cidadãos.

O utra conseqüência é a perda do consenso dos cidadãos, cujo resultado é a diminuição da disposição à obediência, principalm ente quando as políticas do Governo vão contra os seus interesses. Ambos os saldos estão relacionados, pois a conservação do consenso sobre a p e rd a da e fic iê n c ia a d m in is tra tiv a d e riv a irre m e d ia v e lm e n te na improdutividade e, posteriormente, na redução do consenso c na ruptura da legitimidade. Concluindo: a qualidade do desempenho do G overno é definida pela sua capacidade cm desenvolver eficiência e consenso, através dos serviços que presta.

As soluções p ro p o stas p a ra ev itar a in g o v em a b ilid a d e po r sobrecarga provêm, geralmente, do neoliberalismo e vêm acom panhadas dc uma drástica redução da atividade do Governo e da redução das expectativas por serviços da sociedade, especialm ente do papel do Estado como o salvador cm situações difíceis. Mesmo com os program as antiinflacionários, a terceira solução consiste em sugerir o ingresso dc m ais recursos nos governos. Finalmente, os teóricos da sobrecarga e s b o ç a ra m um a ú ltim a s o lu ç ã o , que c o n s is te cm r e o r g a n iz a r profundam ente o Estado através da sim plificação de suas instituições, para dim inuir a complexidade que dificulta a sua eficiência.

O argum ento central da tese da sobrecarga é a incapacidade organizativa e operacional do Estado em satisfazer um crescim ento dc reivindicações oriundas de um espaço político expandido e diferenciado, provenientes dos cidadãos e das organizações políticas: partidos, grupos dc pressão e meios de comunicação, que desfrutam dc am pla liberdade dc m ovim ento.2 O resultado é uma sobrecarga de exigências, perante as q u ais os governos não têm capacidade de respo sta. D iante desta sobrecarga dc exigências contínuas e crescentes, as obrigações c deveres p ú b lic o s aum entam tan to que sua c a p ac id ad e dc re s p o s ta decai irrefreavelm ente. Da inércia estatal decorrem o inconform ism o e a fru stração dos setores sociais m arginalizados e insatisfeitos, cujas reivindicações o G overno não pode sa tisfazer e, po r conseguinte, aumenta gradativam ente o nível dc ingovem abilidade.

Para retirar o Estado de uma crise dc Governo, outro remédio ncoliberal aconselha o desvio das reivindicações sociais cujas respostas positivas devem ser redimensionadas dentro dos limites das relações dc mercado. Desta forma, espera-se que o nível dc governabilidade aumente, graças à privatização de setores econômicos e sociais controlados pelo Estado, desestatizando uma série dc serviços. Este procedim ento é mais rentável quando se estende aos nichos nos quais repousam as atividades econômicas estratégicas do Estado, extinguindo-se seus monopólios econômicos e ampliando-se os limites do mercado.

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A alteração das exigências sociais deve ter como limites os deveres de bem -estar do Estado, reformando-se o regime de segurança social, no qual se baseiam os program as dc saúde e proteção dc vastos setores da sociedade, assim como os relativos ao trabalho, à assistência social, à habitação e similares. Perante este método drástico, reivindicações sociais são sufocadas antes de nascer e se consegue uma redução substancial de insum os deflacionários das reivindicações que geram a sobrecarga. Entretanto, caso surjam reivindicações que não foram sufocadas desta forma, ou desviadas em direção às relações monetárias, elas devem ser canalizadas para filtros da administração pública para que as avaliem como possíveis insumos acessíveis ao Governo. Em resumo, exigências que ultrapassem estas medidas são, simplesmente, situadas fora do limite da racionalidade governamental e são descartadas.

1.2. O déficit fiscal com o causa disfuncional de in g o v e m a b ilid a d e

De acordo com a versão da ingovem abilidade como um produto n e g a tiv o do d é fic it fisc a l, o E stad o , p a ra g a ra n tir su a p ró p ria reprodução, deve reduzir-se a funções prim ordiais, particularm ente garan tir o acúm ulo de capital e preservar a legitimidade. A chave p ara estas funções é o potencial que o Governo tem para garantir as condições gerais de acum ulação, evitando o benefício de umas classes em prejuízo de outras, reduzindo a taxa dc legitimidade. O Governo não pode ignorar que tais funções são os insumos de sua existência, porque os excedentes da econom ia são a fonte de suas receitas. Esta interpretação baseia-se na experiência norte-am ericana e na evolução orçam entária desse país, toda vez que confunde a crise fiscal do Estado com a crise do Estado como Fisco. Esta última consiste em uma redução drástica das atividades e c o n ô m ic a s da in ic ia tiv a p riv a d a e, c o n seq ü e n tem e n te , cm um esgotam ento das fontes tributárias.

A versão da crise fiscal do Estado, sim ultaneam ente, se sustenta na tese da p ecu liarid ad e dessa crise como pró p ria da atualidade. Realmente, há dois séculos, a crise fiscal é uma condição perm anente da fa z e n d a p ú b lic a dos e sta d o s m o d ern o s, no s e n tid o de q u e, freqüentem ente, a proporção entre receita e despesa é assim étrica. Por este ângulo, a teoria da crise fiscal do Estado é um desvio atual do antigo a rb itrism o , que foi um a resposta à situação deplorável da economia espanhola no século XVII.3 Os a rbitraristas se em penharam em destacar, por diversos meios, o estado deprimente da Real Fazenda. Suas observações, porém, lim itaram -se ao problem a da rcceita, de tal form a que as extrapolações a outros problem as foram circunscritas à área fiscal, assim como o enfoque da ingovem abilidade.

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Iniciou-se, recentemcntc, a elaboração de um a teoria geral da decadência econômica dos Impérios da Antigüidade, cujas explicações se baseiam em problemas fisc a is.A tu a lm e n te , restringir a crise fiscal como inerente ao Estado moderno carccc dc fundam entos, assim como mostram os inúmeros trabalhos elaborados entre os séculos XVI e XVIII, cujo objetivo foi explicar a decadência do Im pério O tom ano como conseqüência do esgotamento das fontes tributárias. Os K anun N am a ou Tratados dos Cânones do Governo, pretendem, durante esta época, analisar a crise fiscal que afundou o Império.

Portanto, é mais correto nos referirmos à crise do Fisco, isto é, do Estado como titular da Fazenda Pública, do que à crise fiscal do Estado, no sentido de referente peculiar da ingovemabilidade do Estado moderno na atualidade. Além disso, a concepção do Estado fiscal, que pode se transform ar em um Estado interventor, reforçaria as instituições gover­ namentais c ofereceria uma opção de receitas financeiras através de meios não-fiscais (produzidas pelas empresas públicas, através da obtenção dc direitos para a exploração do patrimônio público, além dc outras).

1.3. A insuficiência de racionalidade como insumo disfuncional da in g ovem ab ilid ad e

Esta interpretação baseia-sc na teoria da expansão do papel do Estado e na extensão dc sua intervenção na economia, mas enfatiza o intercâm bio dc relações entre os valores e as estruturas, no cam po da participação, das preferências c das expectativas políticas. Entretanto, transcende estas prem issas sob o projeto de um a teoria geral da crise do capitalism o tardio. O ccntro dc seu esquem a é um princípio organi­ zador, cujo primeiro aspecto é a consolidação dc um domínio não-político de classes e o segundo é a ação orientada no mercado, m ais p ara os ju ro s do que para o valor. Este princípio dc organização fundam enta-se na contradição entre o dever do Estado de preservar a propriedade p ri­ vada c a justificativa dc suas funções sociais.

A tendência da não satisfação destas últim as, fundam entais para a integração social, resulta cm uma crise do sistem a social como um todo. A crise m anifesta-se em quatro tendências: a) a incapacidade do sistem a econômico para criar, na medida necessária, suficientes valores consumíveis; b) a inabilidade do sistema adm inistrativo p ara gerar, na medida necessária, opções racionais, c) a impossibilidade do sistem a de legitim ação para gerar, na medida necessária, m otivações gene­ ralizadas e d) a inviabilidade do sistema sócio-cultural para gerar, na medida ccrta, um estímulo para a ação.5

A ingovem abilidade, como efeito da crise do capitalism o tardio, engloba um déficit sensível do rendimento da adm inistração pública. O

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sistem a político alim enta-se mediante o insum o de lealdade das m assas, g e ra n d o um p r o d u to de d ecisõ es a d m in is tra tiv a s e m a n a d a s da a u to rid a d e . A c rise de insum o m an ifesta-se com o um a c rise de legitimidade, enquanto que a crise de produto expressa-se como crise de ra c io n a lid a d e . E sta ú ltim a m an ifesta a in c o m p a tib ilid a d e e descum prim ento do Governo, em relação às exigências do sistem a econômico. A medida que esta crise progride, a desorganização da adm in istração pública e sua decrescente capacidade de serviço se transform am em ingredientes adicionais da crise de legitimidade. A crise de racionalidade é uma conseqüência da crise econômica, devido ao deslocam ento das relações econômicas para a adm inistração pública. A ingovernabilidade, m anifestada no déficit de racionalidade adm inis­ tra tiv a , não é inerente à adm inistração pública, e sim um insum o procedente do sistema econômico e a expressão da sua incapacidade para oferecer-lhe produtos necessários de Governo.

A crise de racionalidade manifesta o substrato de contradições, no qual ja z a economia no capitalism o tardio que, ao mesmo tempo, representa a necessidade da socialização e conserva o im perativo da propriedade privada. A ingovernabilidade reproduz a impossibilidade do Estado para responder aos imperativos que não tem condições de cumprir. Situado entre Caridbis c Escila, o Estado deve representar o papel de capitalista genérico e, ao mesmo tempo, garantir a concorrência dos capitalistas individuais que não podem abandonar a liberdade de investimento. O Estado cm atividade, isto é, a adm inistração pública, se desenvolve dentro do paradoxo de um movimento oscilatório, entre a espera desta atividade e a renúncia à sua realização.

Esta colocação expressa o Governo como supradeterm inado pela economia, e assim acontece de fato, mas é deixado de lado seu caráter de condutor do capitalism o como um todo. Como qualquer form a de produção, as contradições do capitalism o são inerentes a seu modo de vida. A dissidência entre vida pública e privada é inarredável, mas isso pode ser superado mediante a fórm ula proposta por Lorenz von Stein há m ais de um século: a individualidade só pode ser desenvolvida ao m áxim o na m edida em que as relações sociais de com unidade são fortalecidas. Cabe ao Estado preservar c am pliar estas relações da comunidade, garantindo compromissos comuns por meio de sua vontade (C onstituição) e exercendo-os mediante sua atividade (A dm inistração). As contradições não são eliminadas, mas transcendem toda vez que o papel do Governo não se restringe a introduzir racionalidade à economia, pois deve velar pelo conjunto sistêmico e p ara isso exige autonom ia. A política tem uma am pla margem de autonom ia cm relação à economia, baseada nos determinantes econômicos.

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Norbcrto Bobbio considera que, independentemente da fonte de estímulo das interpretações da sobrecarga da crise fiscal e da crise de racionalidade, todas respondem ao fato comum de que os sistem as políticos modernos são influenciados pela expansão da política, pela participação dos cidadãos e pela intervenção do Estado. M esmo que o grau desta expansão não tenha paralelo na H istória, algum as de suas características não são novas. M uitos dos problem as suscitados na história política dos países, tais como as guerras civis, golpes de estado e revoluções, têm suas causas cm crises fiscais, na falta de legitim idade e na insolvência da adm inistração pública. Bobbio enfatiza: “querem os, então, afastar a pretensão, própria de quem não possui um a memória h istó ric a su ficien tem en te am pla, de d e s ta c a r e x c essiv am e n te as p ecu liaridad es da época a tu a l” . C onseqüentem ente, são o u tra s as características que explicam atualmente a ingovernabilidade e entre elas estão as mudanças dentro do Estado e as relações entre os Estados. Além disso, é evidente que os sistemas políticos atuais são mais difíceis de governar que os sistemas políticos anteriores.6

Os conceitos de ingovernabilidade pela sobrecarga, pela crise fis­ cal e pela crise de racionalidade, que vimos anteriormente, correspondem m ais ao que foi definido pelo funcionalism o estru tu ral com o um a disfunção. As funções são as conseqüências observadas que favorecem a adaptação ou o ajuste de um determinado sistema; as disfunções, em c o n trap artid a, são as conseqüências ob servadas que m inim izam a adaptação ou ajuste do sistema.7 A sobrecarga de exigências, mais que um problema geral de Governo, consiste cm um desajuste entre os insumos de demanda e os produtos dc decisão e ação, isto é, em um a falha de implementação dc políticas públicas. A crise fiscal, dc forma semelhante, representa uma desproporção entre o montante do produto ou despesa (gasto público) e a quantidade de receita ou entrada (impostos), isto é, consiste em um problem a “hom eostático” de desequilíbrio entre os arbítrios e a despesa, que provoca uma tendência à desordem fazendária. A crise dc racionalidade, finalm ente, corresponde a um déficit dc articulação entre um subsistem a (economia) e outro (adm inistração pública), que desajusta a integridade do sistema no seu todo.

A sobrecarga de reivindicações sociais, o déficit fiscal e a crise de racionalidade são problemas cuja raiz deve ser procurada na gestão política e adm inistrativa; são problemas dc Governo cm particular, e não problem as do Governo em geral, cujas causas podem ser atribuídas a deficiências na implementação de políticas. O mesmo fato pode ter implicações funcionais e disfuncionais, devendo ser avaliado o saldo líquido do conjunto de conseqüências, especialm ente na utilização da análise funcional para orientar a elaboração e a im plem entação de políticas públicas. Neste sentido, a sobrecarga, o déficit fiscal e a

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insuficiência de racionalidade constituem incom patibilidades entre os ingredientes funcionais e os elementos disfuncionais, cujo remanescente é a ineficiência funcional do Governo, que não é capaz de responder às reivindicações sociais, nem gerar recursos fiscais suficientes e nem oferecer insumos de gestão à economia. A solução deve ser a reform a do Governo, como já aconteceu em uma infinidade dc casos na história rem ota c presente, para favorecer os ajustes funcionais.

2. I n g o v e m a b i l i d a d e por

ca u s as e s t r u t u r a i s

As perspectivas disfuncionais da ingovem abilidade pecam pela sim plificação. A essência da ingovem abilidade deve ser procurada em suas próprias bases, ou seja, na sua estrutura e no seu desempenho. Como proposto por M ontesquieu, devemos entender a estrutura e o p rin c íp io do Governo para poder entender sua essência.

A estru tu ra significa o número de depositários da soberania, “é o que o f a z s e r ”. O princípio refere-se às paixões hum anas “é o que o f a z tra b a lh a r ”. 8 Se um G overno deixa dc ser e de tra b a lh a r dc um a determ inada form a e é e se com porta de um a form a diferente, deixou de ser o que era e de fazer o que fazia. O problem a, entretanto, não se lim ita a um a m era m udança de form a e, sim, à qualidade im plícita nessa m utação, pois M ontesquieu introduz um fator determ inante, que estim ula a m udança, m as que pode estar ou não presente nela, e que, no nosso caso, é determ inante: a corrupção da estru tu ra e princípio do G overno.

Este fato r é fundam ental, já que explica a ingovem abilidade a tr a v é s de c a u s a s e s tr u tu r a is p o rq u e , q u a n d o um G o v e rn o é transform ado pela perversão de sua natureza e seu princípio, degenerou- se co m o G o v e rn o em si. D esta form a, tra ta n d o -s e de reg im es democráticos degradados pela corrupção de sua natureza e seu princípio, governam m enos e o fazem de form a deficiente, transform ando-se potencialmente em indesejáveis ditaduras. Para os regimes democráticos, a ingovem abilidade pode ser suscitada por degeneração sem elhante e deixar de oferecer ordem e estabilidade, com perdas proporcionais dc liberdade civil p ara os cidadãos.

A ingovem abilidade, deste ponto de vista, significa a degeneração do G overno e, conscqücntcm cnte, sua transform ação em um regime d ife re n te , d e g ra d a d o p ela p e rv e rsão de su a e s tru tu ra . Uma vez transfigurada por degeneração, sua estrutura modifica-se, pois deixou de ser o que cra para se transform ar cm algo diferente. A m udança na

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estrutura por ingovernabilidade começa tam bém pela corrupção do seu princípio. Aqui nos encontramos diante de um problem a de rendimento; o Governo é inapto para responder aos apelos sociais através de suas funções, morais e políticas. Não se trata de deficiências específicas, mas sim de uma degradação generalizada de sua atividade em suas diversas modalidades.

O problem a central da ingovernabilidade por causas estruturais é que provoca uma dualidade de efeitos perigosos para a sociedade. Um destes efeitos é direto e imediato e se caracteriza pelo fracasso da ordem e da estabilidade e uma sensível dim inuição do regime jurídico. O outro efeito, indireto e mediato, é a evolução até um Governo apoiado em bases políticas diferentes, cujo sinal freqüente, pela degeneração que envolve, é a falta de legitimidade.

Sob esta conotação, ingovernabilidade é a perversão da própria natureza do Governo, c não significa simplesmente uma mudança de forma de Governo, e sim um transtorno geral do Estado. Segundo Thomas Hobbes, seria o trajeto de Leviathan até Behemoth, isto é, de uma ordem estatal a uma situação carente de estatização, caracterizada pelo estado de natureza.

Por outro lado, o princípio de Governo, como o que o faz atuar, con stitui um a habilidade hum ana que se pode a d q u irir e de cujo desenvolvimento depende, de muitas m aneiras, a existência da com u­ nidade social. Jcan-Jacques Rousscau afirmava que o Estado assegurava a liberdade e o desfrute dos bens terrenos, mas que nem o pacto social e nem o Estado, que dele deriva, são eternos, porque, da m esm a form a que o corpo humano, o corpo político “começa a m orrer desde o seu nascimento, trazendo consigo os germens da sua destruição”.9 A robustez e a saúde do Estado podem ser desenvolvidas e fortificadas e, em con­ traste com o corpo humano, a vida do corpo político pode ser prolongada através de um Governo adequado. Segundo Rousseau, “a constituição hum ana é obra da natureza, mas o organismo do Estado é obra da a rte ” . G overnar é uma habilidade humana, o Governo é uma arte do cidadão e do político, adquirida através da aprendizagem e cuja ignorância pode levar à ingovernabilidade.

A ingovernabilidade por motivos estruturais pode se m anifestar, entre outras hipóteses, de três formas: por decadência política, por autoclausura dos processos de direção e por explosão de complexidade.

A ingovernabilidade por decadência política é o resultado da impos­ sibilidade de capitalizar os processos que são promovidos pelos Governos modernos como base da organização do Estado, e constitui um efeito de insumos de participação política e cultura cívica. O problem a da ingo- vemabilidade reside na inabilidade dos regimes em absorver tipos mutantes de organizações e reivindicações políticas inerentes à modernização.

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Por sua vez, a ingovernabilidade por autoclausura dos processos de direção da sociedade, é uma seqüela da autoclausura dos sistem as políticos, no sentido de sua falta de aptidão política de aprendizagem . Os canais dc comunicação e controle são bloqueados c o Governo perde a capacidade dc se autoconhecer, e a capacidade de autodeterm inação e aptidão p ara atuar.

Finalm ente, a ingovernabilidade por explosão dc com plexidade tem o efeito duplo de aum entar a escala organizativa do G overno e m ultiplicar suas unidades básicas. A ingovernabilidade m anifesta-se na brecha existente entre o crescimento organizativo do Governo, por efeito da expansão dos seus deveres e a incapacidade de inovação acelerada na form ação de recursos gerenciais c gestão interna.

C a u s a s da decad ênc ia política

A decadência política constitui uma das formas mais dram áticas da in g o v e rn a b ilid a d e p o r c a u sa s e s tr u tu r a is . E o re s u lta d o da transform ação dc regimes democráticos cm governos autoritários, como um efeito da in ca p a c id a d e dc c a p ita liz a r a m o d ern ização . E sta modernização da sociedade c, portanto, de suas organizações e funções, está determ inada por sua propensão a mudanças, porque “as tendências para as m udanças são inerentes a todas as sociedades hum anas, na medida cm que estas enfrentam problemas essenciais, para os quais não existe um a solução global perm anente” .10

O êxito de um a sociedade em sobreviver e perpetuar-se durante a m odernização consiste na sua aptidão em absorver a mudança continua. Essa capacidade apóia-se na criação e no desenvolvimento de instituições p o líticas solventes, para introduzir doses crescentes de novidade. E ntretanto, tal solvência baseia-se na disposição da sociedade cm promover sua diferenciação interna c tais capacidades e aptidões somente podem ser desenvolvidas através da modernização, vista como um tipo de m udança específica, obtida através do crescim ento integral.

Um dos m aiores incentivos da m odernização é o processo de m obilidade social, como um ingrediente prim ordial da m udança cm si, e que com preende um a variedade de m anifestações ex p ressas por m udanças de residência, ocupação, estabelecimento social, associações, papéis c desempenhos sociais, experiências, expectativas e lem branças, hábitos e necessidades, assim como incentivos para novos papéis e no­ vas imagens de identidade pessoal. Estas mudanças tendem a influenciar e tran sfo rm ar o com portam ento político, mas não necessariam ente conduzir à m odernização como uma mudança progressiva.

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“A m obilização social pode, então, ser definida como o processo no qual g ran d es ag lu tin a ç õ e s de an tig o s co m p ro m isso s so c ia is, econômicos e psicológicos se desgastam ou se rompem e as pessoas ficam disponíveis para assum ir novos padrões de com portam ento” ." Ela tem um impacto decisivo no Governo, porque atinge cam adas mais amplas da sociedade. Quantitativamente, o aumento dem ográfico incide diretam ente na transform ação das instituições e práticas p o líticas; qualitativam ente, na ordem das necessidades hum anas envolvidas no processo político. Conseqüentemente, um a sociedade pode ser capaz, ou incapaz, de criar as instituições adequadas para absorv er estas mudanças ou se transform ar em uma vítima da mobilização social, como acontece com aquelas que não conseguiram ad aptar as instituições políticas ocidentais como base de seus Governos. A m obilização social é um a fonte freqüente de ingovemabilidade, como seqüela da decadência política, porque libera “paixões hum anas” que facilm ente tiram a sociedade dos eixos.

O conceito de grau de governo tem sido formulado para aquilatar o nível dc g o v ern abilid ade, porém determ ina tam bém o nível de ingovemabilidade, pois existem países cuja política reflete consenso geral, comunidade, legitimidade, organização, eficácia e estabilidade enquanto outros carcccm de tais elementos. A ingovemabilidade pode ser medida pelo subdesenvolvimento das instituições políticas com falta de solidez, flexibilidade e coerência, dentro das quais não foi possível desenvolver uma burocracia cfícicnte, partidos organizados c uma elevada participação popular nos assuntos públicos, assim como o controle sobre os m ilitares, uma importante intervenção na economia e procedimentos eficazes para garantir a continuidade e contcr o conflito político.12

Os fo co s do su b d e se n v o lv im e n to p o lític o , com e v id e n te decadência política, proliferam na A m érica Latina, Á sia e Á frica, em bora não sejam exclusivos destas regiões. Estes focos m ostram a ingovem abilidade como uma deterioração acentuada da autoridade, da eficiência c da legitimidade dos Governos, incapazes de dar sentido ao interesse público. A decadência política é uma expressão da assim etria entre a aceleração do processo de m obilização social e a lentidão no desenvolvimento das instituições políticas, para apoiar as m udanças econôm icas c sociais. A m odernização não foi acom panhada pelo desenvolvimento das instituições adaptadas a ela, mas por m ecanism os estran h o s aos procedim entos políticos de civilidade, tais com o o “pretorianism o” desenvolvido por meio de golpes de Estado, guerra civil e movimentos dc protesto de massas.

Em re su m o , os G o v e rn o s não o fe re c e ra m le g itim id a d e , organização e eficácia, nem ordem e estabilidade, porque lhes faltou a

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“a rte ” necessária para prolongar a vida civil; c o grau de Governo é o mais baixo porque não produziu nem bem -estar, nem o mínimo de convivência social, apenas ingovernabilidade.

Uma explicação para as causas da decadência política atualmente é a existência de G overnos incapazes de enfrentar condições sem precedentes, marcadas pela mudança acelerada, pelas turbulências e pela incerteza. As características destas condições são a continuidade da mudança, sua elevada taxa de aceleração e a transform ação constante do panorama econômico e político internacional, que está sendo transformado no que se entende por um planeta convertido em “aldeia global”. Estas condições constituem um estímulo para novas oportunidades e opções de crescimento econômico, desenvolvimento político e aumento da civilidade, pela supressão de fronteiras econômicas e mesmo nacionais e abertura de m ercados entre os países, cujo caráter é a com unidade.13 E sta circunstância, entretanto, reforça as interdependências entre os países do planeta c bloqueia a eficácia dos cálculos e das estimativas que eram feitas a médio e longo prazo e que, agora, necessariamente só podem ser realizadas a curto prazo. Estes fatores degradaram o potencial de desempenho da administração pública, nos seus esquemas organizativos e funcionais tradicionais, produzindo rendimentos decrescentes, que incentivam a ingovernabilidade. N a decadência política de alguns países, a precariedade institucional da administração pública é um dos mais fatídicos indícios da ingovernabilidade.

A a u t o c l a u s u r a dos processos de

co m u n ic aç ão e controle

A decadência política pode estar acom panhada pelos efeitos paralelos de autoclausura dos processos de com unicação e controle g ov ernam entais. Esta au to clau su ra costum a sign ificar um a típ ic a expressão de deficiências de aprendizagem política, isto é, de capacidade pedagógica sobre a arte do Governo. O comportam ento de um Governo pode se diferenciar, em term os positivos, como um a seqüência de decisões que se realimenta de informação por si mesm a.14 Esta seqüência implica, como resultado benéfico, um procedimento de correção em relação ao objetivo e uma crescente capacitação para evitar erros, como conseqüência de sua capacidade cm aprender os processos decisórios.

Em contrapartida, sob condições negativas, a inabilidade em aprender e a tendência à autoclausura freqüentemente se manifestam como a perda do poder ou a quebra de recursos, que enfraquecem o Governo diante dos obstáculos colocados pelos problemas sociais. M anifesta-se

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também como a redução de ingresso de informação ou a quebra da eficácia dos canais de informação provenientes da sociedade, e da capacidade de criar outros, de forma alternativa, assim como a perda de capacidade da condução ou perda do controle sobre a própria ação do G overno e, portanto, da aptidão para m odificá-la com a velocidade e precisão suficientes. A perda da aptidão p ara o restabelecim ento da ação do Governo e o desprezo pela habilidade de externar sua ação perante os problemas sociais constituem sintomas de ingovernabilidade por clausura das capacidades de aprendizagem política e, na m ais acessível das linguagens políticas, significa a perda da autonomia.

A a u to c lau su ra dos processos de condução e co n tro le seria equivalente à perda das faculdades para “indicar necessidades”, que John Stuart Mill atribuía aos Parlamentos, no sentido em que constituem “ um lu g ar onde se re a liz a um a d isc u ssã o de to d as as o p in iõ e s relacionadas com grandes ou pequenos assuntos públicos” .15

Em tal situação, é possível que um Governo nem sequer seja capaz de obter um desempenho minimamente incrementai. Ingovernabilidade significa a perda do conhecimento do caudaloso comportamento passado, com um d é fic it a g reg ad o de p ro g ra m aç ã o fu tu ra . Um G o v ern o “desm em oriado” pode estar condenado a repetir a história, e não como um dram a mas sim como uma comédia, tal como M arx advertiu no prefácio do D ezoito Brum ário de Luis Bonaparte.

A ingovernabilidade implica perda dc capacidade dc reorganização interna parcial c dc aprendizagem de novos padrões limitados de conduta, cuja rigidez e redução da capacidade de aprender, assim como a perda da cap acid ade dc rcordenação am pla, im p o ssib ilita a reform a do Governo perante um contexto nacional e internacional dinâm ico. Uma das teses mais desafiadoras, e de maior controvérsia, do propósito da Revolução Francesa, m ostra que a decomposição da m onarquia deveu- se a su a incapacidade dc reform ar-se sob o projeto m unicipal do C ontrolador Geral de Finanças, o célebre Turgot.16 A auto clausu ra do G o v e rn o p ode le v a r a m a n ife sta ç õ e s p a to ló g ic a s , ta is co m o a autom utilação, a autodestruição e a autodifam ação, como aconteceu com os program as de privatização de organismos públicos, perdas do poder político e campanhas antiburocráticas, como as em punhadas como bandeiras pelo ncoliberalismo.

F a t o r de “ Explosão da comp lexid ade”

Uma das principais características da sociedade m oderna é a interdependência e a íntima articulação dos países efetuadas através da interlocução de organizações com relações cada vez m ais estreitas.

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Estam os vivendo a segunda fase da Revolução O rganizativa iniciada há quatro décadas, que se caracteriza, apesar do resistente indivi­ du alism o apreg o ad o , pela dependência crescente das p esso as em relação a estas organizações. Estes são pedaços dc vidas que, ju n to s, integram toda a existência dos indivíduos e das sociedades. Ao mesmo tem po, a quo ta de inovação tecnológica acclcrou -se e x tra o rd in a ­ riam ente. Como explicou Bernardo Kliksberg, hoje cm dia existem m ais engenheiros, tecnólogos c sábios criando do que em todas as épocas precedentes. Os progressos abrangem todas as áreas do avanço cien tífico e tecnológico: m icroeletrônica, biotecnologia, ro b ó tica, genética, inform ática, telem ática c gerência pública. As organizações sociais, que não compreendem nem com partilham as novas noções de m u d an ça, estão se torn an d o, irrem ediavelm ente, incom petentes e a tra s a d a s .17

Todos estes progressos provocaram uma gam a dc m utações nos assuntos humanos, derivada no que definimos hoje como uma “explosão de com plexidade”, sem precedentes na história. Agora, os Governos enfrentam problem as que se entrelaçam com grande velocidade, sob relações m últiplas e m utáveis, e confrontam âmbitos m arcados pelo desconhecim ento e pela incerteza constantes. Eles dcscmpenham-sc cm lapsos nos quais a cscala do tempo é mínima e cada vez mais estreita devido à acclcração dos acontecimentos, que alteram a dimensão do tem po, fazendo com que o futuro se torne presente de im ediato e, rapidam ente, o presente se transform e cm H istória. Em tais circuns­ tâncias, o passado perde a eficácia para traçar linhas im ediatas de ação o rg an izad ora, os m étodos genealógicos não são m uito úteis como instrum entos de gestão e direção governam ental. A program ação c o planejam ento, básicos no desempenho de incremento governam ental, que se originou com fundamento cm aproxim ações sucessivas, perdeu suas antigas bases de projeção genealógica c seu efeito positivo em prol da governabilidade.18

A form a tradicional dc adm inistração pública por acréscim o dc experiência, perante o Direito A dm inistrativo vigente, é necessária, porém insuficiente. As leis dos M inistérios e Secretarias dc Estado, seus regulam entos internos e seus manuais de organização, assim como os g u ia s de p ro ce d im e n to s e os in stru tiv o s , que m odelam e s sa experiência, funcionam como padrões prescritos através dos quais flui a atividade dc Governo, cujo prospccto confiável é atuar com base na experiência. Isto invoca o mencionado comportam ento de incremento governam ental, útil para ações em épocas de paz de longa duração, dc calm a social que reclam a por insumos dc mudanças por renovação. Simplesmente, o Governo é sinônimo de ordem pública c nada mais.

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P ro v a v e lm e n te , a m elh o r fo rm a de o b s e rv a r o e fe ito da c o m p le x id a d e no G ov erno m od ern o é a tra v é s do P rin c íp io da Com plexidade da Ação Conjunta. Tal como foi observado, existe um a re la ç ã o in v ersa entre o núm ero de tra n s a ç õ e s n e c e s s á ria s p a ra im plem entar uma decisão e a possibilidade de produzir um efeito, qualquer que seja.19 Conseqüentemente, mesmo que a probabilidade de obter um resultado cm cada fase seja elevada, o saldo acum ulado do núm ero total de transações pode resu ltar em pouco êxito. N estas transações, devem ser considerados os atrasos, desvios e dissipações do efeito das políticas, por parte dos adm inistradores. A m edida que predom inem as v isu alizaçõ es form ais da o rg an iz aç ã o , o g rau de com plexidade será increm entado, com plicando os m ecanism os de im plantação. Q uanto maior a rigidez da hierarquia da organização adm inistrativa, e maior exigência de controles c instâncias de decisões para garantir os cumprimentos, mais propícias serão as condições para favorecer os desvios e atrasos no processo de im plantação, m aior a necessidade da tutela dos subordinados c menor a capacidade destes p ara resolver problemas.

N a m edida em que um G ov ern o m u ltip liq u e a s u n id a d e s organizativas da adm inistração pública, sem um plano de crescim ento devidamente balizado c as referidas unidades sejam regidas de form a hierárquica c rígida, o regime tenderá à sua desnaturalização. Logo se fo rm a rá um regim e estatal a lte rn a tiv o , m arcado p or p riv ilé g io s, imunidades e jurisdições, isto é, um Governo próprio com interesses clientelistas cada vez mais independentes; logo se extinguirá qualquer noção razoável de alcance de controle c unidade de com ando, c o Governo terá deixado de reger o próprio Governo.

C o n s e q ü e n te m e n te , as c a p a c id a d e s de d e s e n v o lv im e n to adm inistrativo devem ser orientadas para produzir governabilidade, através de program as de ação flexíveis e adaptativos, que atuem por inovação, na medida em que o horizonte de desempenho se caracterize p e la c o m p le x id a d e , in c e rte z a , c o n tin g ê n c ia s e ris c o s , além da complexidade e da propensão à autoclausura, como ingredientes da ingovernabilidade, principalmente da ingovernabilidade por irritação social, desestabilização e violência.20

Sob estas condições, a categoria de Governo j á não se reduz à noção de uma mera organização formal, mas consiste em um processo ativo de m obilização de leis e recursos financeiros, por m eio dos servidores públicos, com a finalidade, entre outras, de elaborar políticas públicas. Entretanto, nas sociedades contem porâneas, a m agnitude do G o v ern o é um fa to r de in g o v ern a b ilid a d e , no se n tid o de que a m ultiplicação das suas organizações pode impedir os processos de comunicação e produzir paralisação interna.

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Os governantes devem aprender a lidar com a m agnitude do Governo, como um fator inerente ao Estado moderno que pode se dirigir. “ O G overno é grande em si m esm o”, devido às reivindicações da sociedade; é grande, também, por seu impacto na sociedade; é grande pelo m ontante de seus recursos. E sta dim ensão é um produto do progresso das sociedades civilizadas do Ocidente. As diferenças de Governo, entre as nações, baseiam-se na escala de sua grandeza, pois ela é inerente à vida social e as causas que a provocaram parecem irreversíveis.

Por outro lado, o problema do Governo não reside na m agnitude cm si, m as sim no efeito que pode causar em termos de qualidade de serv iços21 e, conseqüentem ente, como cau sa de ingovernabilidade. H istoricam ente, o crescim ento do Governo representa um triunfo do Estado moderno no Ocidente. Deve-se destacar que este crescim ento aconteceu em menos dc um século, a partir da segunda metade do século XIX no conceito tradicional dc Governo dedicado à ordem pública e à defesa. Os ingredientes desse crescimento foram a transform ação da sociedade agrária cm sociedade industrial, o apoio popular aos Governos dem ocráticos e a evolução dos regimes representativos. G randeza governam ental e democracia têm caminhado lado a lado.

As causas diretas e imediatas da magnitude do Governo são os bens públicos fornecidos à sociedade, principalmente educação, saúde e segurança social, cujo montante, cm grande escala, pode superar a capacidade dc gestão governamental, produzindo deficiência. Estes bens podem se transform ar cm ingredientes passivos de ingovernabilidade, sem um a gerência pública adequada. Neste sentido, um Governo pode ser criticado como um mau Governo, não por ser grande, pois esta é uma dc suas características, a grandeza faz parte da sua natureza, mas não é a única. A im portância da magnitude do Governo reside nas con seq ü ên cias p o líticas que produz, p rincipalm ente as de ordem qualitativa, como o grau de eficiência e o consenso político, cuja redução é fonte ativa de ingovernabilidade.

Freqüentemente se confundem a magnitude e o crescim ento, que devem ser diferenciados porque a grandeza não é uma característica inevitável do Governo. Ela está determinada pelo crescim ento; e este lhe outorga seu grau c alcancc, e explica as proporções adequadas para favorecer a gestão interna ou as que podem favorecer a ingoverna­ bilidade. Em boa parte, a grandeza representa o processo de crescimento, tal como se observa nos países ocidentais, cuja taxa dc crescim ento mais elevada caracteriza a dimensão de seus Governos a partir da década de 30. A g ra n d e z a não é um elem ento e stá tic o , e stá su je ita ao crescim ento, de form a que, a partir da década de 80, a taxa de

cresci-l<si>

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mento é menor por ter ocorrido uma m udança na proporção da m agni­ tude do G overno. Em todo caso, a grandeza do G overno e stá em proporção direta aos seus deveres para com a sociedade.

O crescim ento, como insumo da magnitude do Governo, pode ser causa passiva de ingovem abilidade, se a m agnitude organizativa do Governo não for acompanhada por um projeto adequado de reform a contínua do regime político, configurado por m edidas tais com o o aprim o ram en to dos p rocessos decisórios na cú p u la dos sistem as dem ocráticos, fortalecim ento das carreiras adm inistrativas do serviço civil e program as dc form ação de recursos gerenciais para o setor público, reforma da articulação das empresas públicas com o setor cen­ tral c m elhoria de seu desempenho, assim como a im plem entação de program as dc descentralização. Desta forma, podem-se restabelecer as relações entre o Governo e os cidadãos, constituir program as sociais m aciços que incrcmentcm a qualidade dc desempenho da gerência so ­ cial c m elhorar a elaboração dc políticas públicas.22

Notas

1 B o b b i o , Norberto. “G ovcm abilidad” . D iccionário de P olítica. Siglo XXI Editores, pp. 192-199.

2 O ffe, Claus. “ Ingovem abilidad” . Revista M exicana de Sociologia, núm ero espe­ cial. 1981. pp. 1847-1865.

3 M anuel C olineiro, uin destacado cien tista social do século XIX, critico u os arbitraristas, dos quais diz o seguinte: “os arbitraristas ou projetistas, algum as vezes significavam fazendeiros e outras inventores de traçados e quim eras para au x ilia r o rei com o prejuízo do seu reino.” Biblioteca de los Econom istas Espaiioles de los siglos XVI, XVII e XVIII. México, Escuela N acional de Econom ia/ UNAM. s.d. (Edição fac-símile), pp. 38-42.

4 C i p o l l a , C.M. La D ecadencia Econômica de los Impérios. M adrid: A lianza E dito­

rial. 1970.

5 H a b e r m a s , Jilrgen. Problemas de Legitimación en el C apitalism o Tardio. Buenos

Aires: Amorrortu Editores. 1975. pp. 49-116.

6 B o b b i o , N orberto, op. cit. p. 193.

7 M e r t o n , R obert. Teoria y E stru ctu ra s Sociales. M éxico: Fondo de C u ltu ra

Econômica. 1972. p. 61.

8 M o n t e s q u i e u (baron de la Brède, Carlos de Secondat). D el E spiritu de Ias Leyes.

México: Editorial Porrúa. 1980. pp. 15-75.

9 R o u s s e a u , Jean-Jacques. E l Contrato Social. México: Editorial Porrúa. 1979. p.48.

I0 E i s e n s t a d t , S. N. Ensayos sobre el Cambio Social y la M oderitización. M adrid: E ditorial Tecnos. 1970. p.44. Ver especificam ente o capítulo IV “ C risis de la

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M o dem ización” . Do mesmo autor, M o d em iza c iô n : M ovim ientos de P rotesta y Cambio Social. Buenos Aires: Amorrortu Editores. 1968. Ver particularm ente o c a p ítu lo “ La D esorganización Social, la T ransform ación y Ia P ro te sta en la M odem ización” .

" D e u t s c h , Karl. “Social M obilization and Political Developm ent”. Am erican Po- litica l Science Review. Foi.55, número 3. 1961. pp. 493-514.

12 H u n t i n g t o n , Samuel. E l Orden Político en Ias Sociedades en Cambio. BuenosAires:

Editorial Paidós. 1972. pp. 13-91.

IJ K u k s b e r g , Bernardo. “Cómo será la Gerencia Pública en la D écada de 90?” D ocum ento apresentado no encontro de Especialistas para o Desenvolvim ento de P olíticas e C ritérios Técnicos para a M odernização C urricular da Form ação de G erentes Públicos Ibero-americanos, Santafé de Bogotá, Colômbia. O utubro 9-11,

1991.

14 D e u t s c h , K arl. Los N ervios dei G obiem o. Buenos Aires: Editorial Paidós. 1969.

pp. 125-126 e 139-146.

15 M ill, John Stuart. Consideraciones sobre el G obiem o Representativo. México: H errero Hermanos. 1958. p 99.

16 G a r c í a d e E n t e r r í a , E d u a rd o . R e v o lu c ió n F ra n c e sa y A d m in is tr a c ió n Contem porânea. M adrid: Taurus. 1981. Cap. 11.

17 K u k s b e r g , B ernardo, op. cit. Os parágrafos seguintes estão baseados no mesmo autor.

18 L i n d b l o m , C harles. “ Policy A nalysis”. The Am erican E conom ic Review, n.3, Jun.1958. pp. 299-312; “ The Science o f M uddling Through” . Public A dm inistra- tion Review , volume XIX, n.2. Spring, 1959. pp. 79-88; “StilI M uddling now yet Through” . P ublic A dm inistration Review, volume XXXIX. 1979. p p .317-336; El P roceso de E laboración de P o lítica s Públicas. M adrid, Instituto N acional de A dm inistración Pública. 1991.

19 P r e s s m a n , JefTrey and Aaron Wildawsky. Implementation. Berkley: U niversity Press. 1979. Cap. 5.

20 C ontra a versão increm entai de Lindblom , que considera inclinada ao conserva­ dorism o, Yehezkel Dror sugere o “M odelo Normativo O ptim o” que se traduz no conceito de inovação. “ M uddling Through: Science or inertia” . Public A dm inistra­ tion Review. Volume XXIV, n.3. September, 1964. pp. 154-157.

21 R o s e , Richard. U nderstanding Big Government. London: Sage Publications. 1964.

pp. 1 -28; “ D isaggregating the Concept Government. L e w i s , C harles (E dit.) Why G ovem m ents Grow: M easuring Public Size. London: Sage Publications. 1983. pp. 157-176.

22 K u k s b e r g , Bernardo. Cómo Transformar el Estado? México: Fondo de C ultura

Econôm ica. 1989. pp. 91-100

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Resum o Resum en A b s tra c t

In g o v ern ab ilid ad e , disfunção e q u e b ra e s tru tu ra l O mar Guerreiro Orozco

O autor m anifesta reservas em relação aos conceitos de ingovernabilidade inform ados pelo paradigm a funcionalista, os quais associam este fenôm eno à sobrecarga de dem andas sociais resultante da expansão da participação política, à crise fiscal, gerada pela desproporção entre o montante do gasto público e a receita tributária, e á crise dc racionalidade, que corresponde à desarticulação entre os subsistem as econômico e adm inistrativo. Para Orozco, há que se procurar as “causas e stru tu rais” da ingovernabilidade, relacionadas à essência e aos princípios que fornecem as bases do governo. Este tipo de ingovernabilidade pode se m anifestar de três form as: por decadência p o lític a , por a u to c la u su ra dos p ro ce sso s de comunicação e controle, e por explosão da com plexidade.

In g o b e m a b ilid a d , disfuncioncs y q u e b ra n to e s tru c tu r a l O mar Guerreiro Orozco

El au to r m anifiesta cautelas en relació n a los conceptos de in g o b e m a b ilid a d defendidos por el paradigm a funcionalista, los cuales asocian e ste fenôm eno a la sobrecarga de dem andas sociales resultante de la expansión de la particip ació n política, a la crisis fiscal, generada por la desproporción en tre la m onta de gastos púb lico s e ingresos trib u tá rio s, y a la crisis de rac io n alid ad , que co rresp o n d e a la desarticulaciôn entre los subsistem as econômico y adm inistrativo. Para Orozco, hay que buscarse las “causas estru c tu rale s” de la in g o b em ab ilid ad , rela cio n a d as a la esencia y a los prin cíp io s que propician las b ases dei gobierno. E ste tip o de in g o b e m ab ilid a d puede m anifestarse de tres formas: por d ecadencia p o lítica , por a u to -c ierre de los procesos de com unicación y control, y por ex p lo sió n de la com plejidad.

U n governability, m isfunction and s tr u c tu ra l breakdow n Omar G uerreiro Orozco

The author is cautious about the concepts o f ungovernability, based in the functionalistic paradigm, which relate this phenom enon to an overload o f social dem ands resulting from the expansión o f political participation, the fiscal crisis brought about by the imbalance between public expenditures and tax collection, and the rationality crisis, which corresponds to the breaking down o f the economi- cal and adm inistrative subsystems. According to Orozco, one m ust search for the “ structural causes” o f ungovernability, related to the essential issues and prin ci­ pies, which fomi the basis o f a govemment. This kind o f ungovernability may ap- pcar in three different ways: political decline, the self-locking o f com m unication and control processes, and the uncontrollable spreading out o f complexity.

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Artigo publicado na Revista do CLAD - Reforma y D em ocracia, n° 3, pp 68-88, em janeiro de 1995. Traduzido por Carolina Andrade, com autorização dos editores.

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