Scientiarum Historia VII . 2014 . ISSN 2176-1248
MÚSICA NO BARROCO E TEMPERAMENTO
Ângela Maria Mendes Dias
Professora Msc. do Colégio Militar do Rio de Janeiro angeladiascmrj@gmail.com
Regina Dantas
Professora HCTE /UFRJ regina@hcte.ufrj.br
Maria Lúcia Netto Grillo
Professora do Instituto de Física UERJ mluciag@uerj.br
RESUMO: A palavra Barroco, significando pérola ou joia no formato irregular, inicialmente era usada para designar o estilo de arquitetura e arte no século XVII, caracterizado pelo excesso de ornamentos. Mais tarde, o termo é empregado para indicar o período da história da música que vai desde o aparecimento da ópera e do oratório até a morte de Johann Sebastian Bach. Este compositor elevou o princípio barroco do “discurso dos sons” (HARNONCOURT, 1993) à mais alta perfeição. Sua preocupação era o aperfeiçoamento da arte musical existente. Na música de Bach, uma linguagem harmônica completamente nova é forjada. Enquanto a maioria dos compositores de seu tempo se refugiava nas regras, Bach criava novas regras, estabelecendo a afinação com temperamento igual à de hoje.
PALAVRAS-CHAVE: Música no Barroco, Bach, Temperamento, Física e Matemática.
O contexto da época / O estilo Barroco
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inglesa Milton, Samuel Johnson, Swift e Dryden. Na pintura, os grandes nomes foram Rembrandt, Rubens, Van Dyck, El Greco e Velázquez.
A característica do estilo barroco na música, na pintura, escultura e na arquitetura foi a teatralidade, marcados pela grandiosidade e brilho. O barroco nasceu na Itália como consequência da Contra-Reforma, com objetivo de reconquistar a influência da igreja católica. Seus ideais estéticos se espalharam por toda a Europa em quase todas as áreas.
Havia grande interesse pela música profana, pela nobreza e pelas classes mais abastadas. Com isso, ela superava a religiosa em importância e quantidade de produção. Neste período, a música não tem característica nacionalista e nos países europeus ela apresentava características diversas. Um elemento importante que marcou a música barroca foi a implantação de uma dramaturgia sonora, que se notabilizou não apenas através da ópera, como por suas influências na música religiosa, nos oratórios ou nas cantatas.
No início desenvolve-se a música homofônica, uma melodia cantada com acompanhamento de um ou mais instrumentos, embora o contraponto não tenha perdido a importância, como nos mostra a obra de Johann Sebastian Bach, no fim do período. O raciocínio harmônico é vertical, diferente do anterior, que se mostrava horizontal (contrapontístico). Começa-se a usar o cromatismo, através das modulações harmônicas, com as notas intermediárias da escala básica de sete notas. Encontra-se também o uso do baixo cifrado, indicação numérica, que acontece em toda melodia, a partir da qual o executante identifica as harmonias correspondentes. Encontra-se ainda hoje, na música popular, no jazz e no acompanhamento de um canto ou solo instrumental.
Suíte de danças, sonata e a fuga constituem as mais importantes formas do barroco. Ária, arioso e canção solo acompanhada eram as formas vocais do período.
Ópera, oratório e cantata, faziam o uso das ideias do período: declamação dramática (recitativo), coros e orquestra.
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da música barroca. Bach contribuiu mais como autor de música religiosa e instrumental, e Handel mais na área do oratório e da ópera.
No século XVII, época do barroco, houve uma efervescência intelectual oriunda do período renascentista, quando se vinham formulando na Europa vários processos de interpretação da natureza. Afirmaram-se duas maneiras de se conceber a natureza (Dubois 1985:75). Inicialmente, considerando o ponto de vista do homem como microcosmo (antropomórfico) e na outra maneira de mundo, há a imagem de um Deus Criador (parâmetro teomórfico). Assim, entendiam-se as regras naturais que circundavam a constituição das sociedades da época. A concepção mecânica de mundo deve ser lembrada na relação entre harmonia, natureza e ciência. Encontra-se na noção de ordem e razão os suportes para entender a natureza. Isaac Newton soma suas ideias às dos grandes artistas. Significados como “sistema do mundo”, “máquina do universo” ou “conjunto de todas as coisas criadas ou não criadas, corporais ou espirituais” são uma variedade, mas o termo “natureza” mostra complexidade e a definição para ele não era clara.
O barroco na música foi um período da História que compreendeu desde o surgimento da ópera no ocidente até a morte de Bach. A ópera de Orfeo (1607) de Monteverdi teria dado início ao barroco.
A música de Bach
Com Bach, o barroco atingiu o seu ápice na música.
Johann Sebastian Bach não era apenas um músico culto no que se refere a sua música, mas também letrado em outros tipos de música. O que o interessava, completamente e mesmo compulsivamente, era a técnica.
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Aos 18 anos teve seu primeiro cargo de organista, e já era músico da corte de Weimar.
Excelente mestre, não tolerava a indiferença e a negligência. Apresentava temperamento difícil e obstinado. Bach acreditava na ordem em todas as coisas: casa, arte e país. Trabalhava seriamente com quem gostava de música e carecia de paciência com aqueles que não se dedicavam. Criou um método para os principiantes do cravo, que incluía exercícios de dedilhação. Casou com a prima em 1707 e teve quatro filhos. Após a morte de Maria Bárbara, casou-se com Ana Madalena e viveu com ela trinta anos. Tiveram treze filhos, que foram também seus alunos, sendo que os dois mais velhos, Friedemann e Emanuel, tiveram carreiras brilhantes.
Sua mais elevada música sempre se inspirou no pensamento da morte, apesar de muito religioso. Admirava Handel, mas nunca o conheceu pessoalmente, apesar de terem nascido na Saxônia e no mesmo ano, porque Bach fugia do mundo e só viajava no outono para experimentar novos órgãos, enquanto Handel viajava muito e ganhava muito dinheiro.
Bach compôs muitas músicas para cordas, prelúdios e fugas para cravo. Fazem parte de seu repertório as músicas de órgão e de câmara, cantata de igreja, missa em latim, concertos para violinos, suítes e outras obras para cravo, música sacra e suas mais notáveis obras, as Paixões segundo São Matheus e São João, foram escritas na Quaresma.
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Temperado para ilustrar o que poderia ser feito com esse tipo de afinação e servir de exercícios para o aprimoramento de seus alunos. Morreu em 28 de julho de 1750, cego, vítima de duas cirurgias de catarata feitas por um médico charlatão. Não terminou A Arte da Fuga, um verdadeiro “quebra-cabeças” de manipulação de vozes, que possui um tema final baseado nas notas Si bemol, Lá, Dó e Si natural, notas representadas na língua alemã pelas letras B, A, C, H. Essa obra ficou incompleta em consequência de sua morte, alias, por ele prevista, já que era um exímio numerólogo (MEDAGLIA, 2008, p.79).
Recentemente, muito tem sido escrito sobre o simbolismo musical de Bach. Schweitzer insistia que é impossível interpretar o trabalho de Bach se o significado do motivo é desconhecido.
Física, Matemática e Música no Barroco
O temperamento igual, segundo Menezes (2004, p.263), já vinha sendo discutido há muitos anos e foi reconhecido como uma necessidade - conforme trabalho histórico e teórico desenvolvido em 1636/1637 sobre afinação e temperamento, de Mersenne que obteve a primeira medida correta da velocidade do som - e apresentado inicialmente no Cravo Bem Temperado de Bach, que usa muitas modulações, inadmissíveis sem o temperamento igual. A escala igualmente temperada é a escala mais utilizada no ocidente até hoje, apesar dos pequenos batimentos, devidos à superposição de ondas de frequências muito próximas. Isaac Newton, através de cálculos teóricos, chegou a um valor para a velocidade do som, após experimentos do jesuíta Marin Mersenne e dos discípulos de Galileu: Giovanni Borrelli e Vicenzo Viviani. Robert Boyle também contribuiu para este valor de
Newton, aproximado ao real. A escala representa uma sequência de notas, e a escala natural dos sons é
aquela que respeita a relação entre as frequências ditadas pela série harmônica. Cada som que ouvimos se propaga através de um grupo de ondas sonoras (a fundamental e os harmônicos). A série harmônica é composta por todas estas frequências. Cada frequência fn é um modo de vibração, e todos os modos são
múltiplos inteiros da frequência fundamental. Analisando a tabela 1 podemos citar como exemplo a série harmônica do Dó1. (GRILLO, 2013, p.55)
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usada no piano. Os intervalos entre as notas são chamados 2ª, 3ª, 4ª, etc. Conforme o número de notas envolvidas: entre o Dó e o Ré, temos uma 2ª, da mesma forma entre o Fá e o Sol ou Si e Dó, ou seja, são notas sucessivas. A 3ª é o intervalo que envolve três notas: entre o Dó e o Mi ou entre o Fá e o Lá (ou seja, dó-ré-mi ou fá-sol-lá). A classificação maior ou menor vem do número de semitons envolvidos em cada intervalo, onde semitom é o menor intervalo entre as notas do piano ou entre as notas emitidas, no violão, apertando-se a corda em casas sucessivas: dó-dó#, mi-fá ou lá#-si. Observando-se a figura 1 verifica-se que a 2ª maior possui dois semitons (um tom), e a 2ª menor, apenas um semitom. A 3ª maior possui quatro semitons ou dois tons, como entre o Dó e o Mi ou entre o Mi e o Sol#. (GRILLO, 2013, p.57)
Figura 1: Alguns intervalos: 2ª maior, 3ª maior, 4ª justa, 5ª justa, 6ª maior e 7ª maior
Observando-se a tabela 1 pode-se calcular a razão entre as frequências na escala natural. Para a 2ª maior: intervalo entre Dó4 e Ré4, de frequências 8f e 9f a
razão é 9f/8f ou:
F(2ª maior acima) = (9/8)f da nota anterior
Dessa forma, obtêm-se as razões para os outros intervalos e chega-se nas razões para a escala diatônica maior natural (tabela 2).
A escala maior natural tem origem direta da série harmônica, e o intervalo entre a 1ª nota e a 3ª é uma terça maior. Na escala menor, esse intervalo é uma terça menor, ou seja, na escala de Dó maior a 3ª nota é o Mi, e na escala de Dó menor, será o Mi (lê-se mi bemol), mais baixo que o Mi, em frequência de um semitom.
Para a divisão dos sons em 12 notas da cultura ocidental, essa escala gera certo desconforto, pois as razões r entre as frequências das notas são diferentes. Para corrigir essa pequena diferença foi criada a escala temperada, onde se divide o intervalo de uma oitava em 12 partes iguais (as razões entre as frequências de notas sucessivas são as mesmas).
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Dizer “intervalos iguais” significa que a razão entre as frequências é a mesma. Exemplo: de Dó3 a Dó4.
Dó, Dó#, Ré, Ré#, Mi, Fá, Fá#, Sol, Sol#, Lá, Lá#, Si, Dó (escala cromática de Dó), essas notas correspondem às frequências de f1 a f13. Se as razões entre as
frequências sucessivas são iguais, temos uma progressão geométrica. A progressão geométrica é gerada pela expressão
an = a1 xn-1 (eq. 1)
A escala temperada forma uma progressão geométrica quanto à frequência. Através da fórmula do termo geral são geradas cada uma das razões para os intervalos da escala diatônica maior temperada, como na tabela 3, que são diferentes das razões da escala natural.
Observa-se então que as escalas temperada e natural são ligeiramente diferentes. Por isso, quando os instrumentistas afinam seus instrumentos de cordas pela escala natural, podem gerar batimentos, já que a escala temperada gera sons que não fazem parte das séries harmônicas. (GRILLO, 2013, p.58)
Tabelas
Nota Frequência
Intervalo em relação à nota anterior
Dó1 f
Dó2 2f 8ª justa
Sol2 3f 5ª justa
Dó3 4f 4ª justa
Mi3 5f 3ª maior
Sol3 6f 3ª menor
Sib3 7f 3ª menor
Dó4 8f 2ª maior
Ré4 9f 2ª maior
Mi4 10f 2ª maior
Fá#4 11f 2ª maior
Sol4 12f 2ª menor
Lab4 13f 2ª menor
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Intervalo Razão r
2ª maior 9/8 = 1,125 3ª maior 5/4 = 1,25
4ª justa 4/3 = 1,333 5ª justa 3/2 = 1,5 6ª maior 5/3 = 1,666 7ª maior 15/8 = 1,875
8ª justa 2
Tabela 2: Intervalos entre as notas da escala diatônica maior natural e as razões entre as frequências
Intervalo Razão (xn-1)
2ª maior 1,124
3ª maior 1,2599
4ª justa 1,3348
5ª justa 1,4983
6ª maior 1,6817
7ª maior 1,8877
8ª justa 2
Tabela 3: Intervalos da escala diatônica maior temperada
REFERÊNCIAS
DUBOIS, C.G. L’Imaginaire de La Renaissance, Paris: PUF, 1985.
GRILLO, M.L., PEREZ, L.R., A Física Música, Rio de Janeiro, 2013.
HARNONCOURT, N. O Diálogo Musical, Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro, 1993.
MEDAGLIA, J. Música Maestro: do canto gregoriano ao sintetizador, Editora Globo, São Paulo, 2008.
MENEZES, F., A Acústica Musical em Palavras e Sons, Ateliê Editorial, 2004.
RONAN, C. A, A história Ilustrada da Ciência da Universidade de Cambridge, v. 3, São Paulo: Ed. Jorge Zahar, 1997.