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A problemática dos Casamentos Prematuros em Moçambique: Que futuro para as raparigas?

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MINISTÉRIO DA JUSTIÇA

CENTRO DE FORMAÇÃO JURÍDICA E JUDICIÁRIA

IV CONFERÊNCIA NACIONAL SOBRE MULHER E GÉNERO Maputo, 24 e 25 de Abril de 2014

LEMA: Mulheres e Homens juntos na eliminação dos “Casamentos” Prematuros e na promoção do empoderamento das mulheres e raparigas

A problemática dos “Casamentos” Prematuros em

Moçambique: Que futuro para as raparigas?

Vitalina do Carmo Papadakis(juíza desembargadora) Directora do CFJJ

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2 Introdução

A Convenção sobre os Direitos da Criança (CDC) foi promulgada pelas Nações Unidas em 1989 e ratificada por Moçambique através da Resolução nº 19/90, de 23 de Outubro.

A Convenção estabelece os direitos da pessoa humana menor de 18 anos de idade e prevê quatro princípios básicos: direito à vida e ao desenvolvimento; não discriminação contra as crianças; tudo no melhor interesse da criança; e direito a participação.

Moçambique ao ratificar a CDC reconhece a responsabilidade que cabia ao país na formação das novas gerações e que esta norma internacional constituía mais um instrumento que iria contribuir para a defesa dos interesses da criança moçambicana. E, por isso, comprometeu-se a garantir os direitos de todas as crianças, assegurando-lhe um bom início de vida, um crescimento saudável com acesso aos serviços sociais básicos de saúde, educação e abastecimento de água potável, a convivência familiar e comunitária e a participação em questões que lhes dizem respeito.

Este compromisso se reflectiu na Constituição ora em revisão (CRM de 2004), ao prever, no artigo 47º, os direitos da criança à protecção e aos cuidados necessários ao seu bem-estar, ao direito de exprimir livremente a sua opinião nos assuntos que lhe dizem respeito, e a necessidade de as entidades públicas e privadas, em todos os actos relativos às crianças, terem em conta o interesse superior da criança.

É neste contexto que nos propomos a apresentar o tema A problemática dos “Casamentos” Prematuros em Moçambique: Que futuro para as raparigas?, no painel sobre a problemática dos “casamentos” prematuros em Moçambique, no âmbito da IV Conferência Nacional sobre Mulher e Género com o objectivo de contribuir para a prevenção e irradicação dos casamentos de raparigas, e ainda contribuir para a efectivação dos direitos das raparigas, previstos no

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ordenamento jurídico moçambicano e nas normas internacionais de que Moçambique é parte.

Para o efeito, analisamos as normas internas em comparação com as instrumentos internacionais de que Moçambique é parte visando perceber o estágio em que Moçambique se encontra na protecção dos direitos da rapariga.

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4 1. Raparigas de hoje e mulheres de amanhã

Tendo em conta o objectivo desta IV Conferência Nacional sobre Mulher e Género, sob o Lema Mulheres e Homens juntos na eliminação dos “Casamentos” Prematuros e na promoção do empoderamento das mulheres e raparigas, é importante que tenhamos a consciência de que a rapariga de ontem é a mulher de hoje e a de hoje será a mulher de amanhã.

Perante esta realidade, não poderemos continuar a proteger a mulher de hoje senão protegermos também a rapariga de hoje, pois as políticas que têm sido definidas pelo Governo de Moçambique e as normas aprovadas, alinhadas às normas internacionais ratificadas pelo nosso país, e que prevêm a necessidade de proteger cada vez mais a rapariga das situações de discriminação pela sua condição de pessoa do sexo feminino, e das graves violações dos seus direitos como pessoa, nos conduzem a sermos cada vez mais vigilantes e intolerantes perante as situações que põem em causa o esforço que tem sido desenvolvido.

2. Os direitos da rapariga na ordem jurídica moçambicana e os casamentos

Reconhecendo a urgência de tudo o que se refere aos direitos da criança, o legislador moçambicano previu no artigo 7 da Lei de Promoçao e Protecção dos Direitos da Criança, que “é dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Estado assegurar à criança, com absoluta prioridade, a efectivação dos direitos à vida, à saúde, à segurança alimentar, à educação, ao desporto, ao lazer, ao trabalho, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária”.

A efectivação desses direitos compreende:

- a primazia de receber protecção e socorro em quaisquer circunstâncias; - precedência de atendimento nos serviços públicos;

- preferência na formulação e na execução de políticas públicas na área social e económica;

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- afectação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a protecção à infância e à juventude.

É de reconhecer os avanços obtidos por Moçambique na promoção dos direitos das mulheres e raparigas, visando o alcance da igualdade de género, com a aprovação das políticas de género, da Lei da Família (Lei nº 10/2004, de 25 de Agosto), da Lei da Promoção e Protecção dos Direitos da Criança ( Lei nº 7/2008, de 9 de Julho), da Lei do Tráfico de pessoas, especialmente mulheres e crianças (Lei nº 6/2008, de 9 de Julho), e da Lei sobre a Violência Doméstica Praticada contra a Mulher (Lei nº 29/2009, de 29 de Setembro).

Porém, tais medidas legislativas não se mostram suficientes para prevenir e reprimir as situações de violação dos direitos da mulher e rapariga, pois terão de ser acompanhadas de outras medidas de promoção e protecção das mulheres e raparigas vítimas de violação dos seus direitos, como a mudança de mentalidade das mulheres e dos homens sobre o papel, os direitos e deveres da mulher e sobre o reconhecimento dos direitos da rapariga e o seu respeito; a intervenção atempada dos serviços sociais sempre que ocorram casos de violação dos direitos das crianças, particularmente, quando é vítima dos seus familiares; a criação de condições para o emprego da mulher que não tenha fontes de rendimento ou esteja impedida pela família ou pela sua condição física ou de saúde de as ter; a criação de casas de abrigo para as vítimas.

3. Casamentos com crianças como violação de um direito humano

Com a aprovação da Lei da Família, em 2004, a idade para o casamento da rapariga subiu de 141 para 18 anos2. Porém, a própria Lei abre espaço para que

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Código Civil, art. 1601º (Impedimentos dirimentes absolutos) – “São impedimentos dirimentes, obstando ao casamento da pessoa a quem respeitam com qualquer outra: a) a idade inferior a dezasseis ou a catorze anos, conforme se trate de indivíduo do sexo masculino ou do sexo feminino;”

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Art. 30, nº 1, al. a) - São impedimentos dirimentes, obstando ao casamento da pessoa a quem respeitam com qualquer outra: a idade inferior a 18 anos.

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pessoas com menos de 18 anos e mais de 16 possam contrair casamento (art. 30, nº 2).

Esta disposição contraria:

A Constituição da República que estabelece que no artigo 18, n º 3 da CRM que “o Estado tem o dever de assegurar a protecção dos direitos da mulher e da criança, conforme estipulados nas Declarações e Convenções Internacionais”;

O Protocolo à Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos

Relativo aos Direitos da Mulher em África3 que estabelece no seu artigo 6, al. b) que os Estados partes garantem adoptar medidas legislativas apropriadas para garantir que a idade mínima de casamento para as mulheres seja de 18 anos;

A Carta Africana dos Direitos e Bem-Estar da Criança4 que estabelece no artigo 21, n. 2 que “o casamento infantil e os esponsais de meninas serão proibidos e serão tomadas acções efectivas, incluindo legislação, para especificar a idade de dezoito anos como a idade mínima para o casamento e para tornar obrigatório o registo de todos os casamentos num notário oficial” e no artigo 2 que criança é todo ser humano com idade inferior a 18 anos de idade (art. 2);

Art. 30, nº 2 - A mulher ou homem com mais de dezasseis anos, a título execepcional, pode contrair casamento, quando ocorram circunstâncias de reconhecido interesse público e familiar e houver consentimento dos pais ou dos legais representantes.

3 Protocolo à Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos Relativo aos Direitos da Mulher em África,

adoptado em Maputo em Julho de 2003, entrou em vigor em Novembro de 2005 e foi ratificado por Moçambique através da Resolução 28/2005, de 13 de Dezembro.

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Carta Africana dos Direitos e Bem-Estar da Criança, adoptado em Adis Abeba, Etiópia, em Julho de 1990, entrou em vigor em Novembro de 1999 e foi ratificado por Moçambique através da Resolução 20/98, de 26 de Maio.

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A Lei nº 7/2008, de 9 de Julho (Lei da Promoção e Protecção dos

Direitos da Criança) segundo a qual “considera-se criança toda a

pessoa menor de dezoito anos de idade”o artigo 3, nº 1;

4. O casamento como união voluntária

Atendendo que a Lei da Família estabelece que “casamento é a união voluntária e singular entre um homem e uma mulher, com o propósito de constituir família, mediante comunhão plena de vida” (art. 7), “a vontade de contrair casamento é

estritamente pessoal em relação a cada um dos nubentes” (art. 43) e “a vontade

de contrair casamento importa aceitação de todos os efeitos legais do

matrimónio, sem prejuízo das legítimas estipulações dos esposos em convenção

antenupcial (art. 42, nº 1), pode-se considerar que o o casamento de pessoa com mais de 16 e menos de 18 anos de idade, não é um casamento de uma mulher ou de um homem, mas sim de uma rapariga ou de um rapaz, fundado não no seu interesse mas no interesse público e familiar com consentimento dos pais ou dos legais representantes, faltando, deste modo, a declaração válida de vontade de um dos nubentes ou de ambos.

Previsões como estas alimentam, de certa forma, a ideia de que há interesses superiores ao interesse da criança, ou seja, uma desvalorização ao Princípio do Superior Interesse da Criança, constitucionalmente consagrado (art 47, nº 3) segundo o qual todas as decisões deverão ser tomadas na perspectiva do favorecimento da criança.

Se o Protocolo à Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos Relativo aos Direitos da Mulher em África, no seu art. 6, al. a)5 estabelece que os Estados partes garantem adoptar medidas legislativas apropriadas para garantir que nenhum casamento seja contraído sem o consentimento pleno e livre de ambas as partes, a legislação nacional não deverá permitir que os casamentos sejam celebrados sem esse requisito.

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Protocolo à Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos Relativo aos Direitos da Mulher em África, art. 6, nº 2 “Os Estados partes garantem adoptar medidas legislativas apropriadas para garantir que nenhum casamento seja contraído sem o consentimento pleno e livre de ambas as partes.”

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Assim, pode-se que concluir que estes casamentos são verdadeiros casamentos precoces ou uniões forçadas sob a protecção da própria Lei.

Para além destes casamentos, a África em geral e Moçambique em particular, se depara com as uniões forçadas, entre raparigas, com menos de 16 anos de idade, e homens, ou pessoa do sexo masculino maior de idade. Esta realidade não se designa por casamento pois não encontra cobertura legal e, consequentemente, estas raparigas não têm quaisquer direitos na constância da união, pois, nem de união de facto se trata, porque um deles não reúne os requisitos para casar validamente (at. 202 da Lei da Família).

Cerca 18% das raparigas vivem em relações equiparadas a casamento antes de atingir os 15 anos de idade. Estas raparigas não se enquadram na previsão do artigo 16.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem que estabelece que:

1. A partir da idade núbil, o homem e a mulher têm o direito de casar e de constituir família, sem restrição alguma de raça, nacionalidade ou religião. Durante o casamento e na altura da sua dissolução, ambos têm direitos iguais.

2. O casamento não pode ser celebrado sem o livre e pleno consentimento dos futuros esposos.

A Assembleia Geral das Nações Unidas declarou, na resolução 843 (IX), de 17 de Dezembro de 1954, que determinados costumes, leis e práticas ancestrais relativas ao casamento e à família são incompatíveis com os princípios consagrados na Carta das Nações Unidas e na Declaração Universal dos Direitos do Homem.

A este cenário, nada abonatório para Moçambique, se associa a falta de cobertura legal, no âmbito penal, para proteger a rapariga em situação de relação

equiparada ao casamento e a consequente gravidez prococe que aumenta a taxa

de morte materna, casos de fístola obstétrica e índices de contaminação pelo HIV, por não poder negociar relações sexuais segura, o abandono escolar, o aumento da violência doméstica e da pobreza entre a população feminina.

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de ofensas corporais quando praticadas pelo ascendente, adoptante, padrasto ou madrasta (art. 365º - Ofensas corporais qualificadas pela pessoa do ofendido);

de maus tratos ou de sobrecarga quando praticados pelos pais, naturais ou adoptivos, padrasto, madrasta, tutor ou aquele que tenha a seu cuidado, guarda, ou caiba a responsabilidade da sua direcção ou educação, considerados como sendo os maus tratos físicos, a falta de prestação de cuidados ou assistência à saúde ou se o empregar para o exercício de actividades perigosas ou o sobrecarregue fisicamente, de forma a ofender a sua saúde (artigo 367º - maus tratos ou sobrecarga de menores e incapazes);

da excitação, favorecimento ou facilitação à prostituição ou

corrupção quando praticada pelo ascendente, padrasto ou madrasta,

pai ou mãe adoptivo (art. 405º – Lenocínio);

da violência sexual quando seja praticada contra menor de 12 anos (art. 394º – violação de menor de doze anos) ou quando a criança, maior de 12 anos, não “consinta” a prática da relação sexual (art. 393º - violação).

A mesma legislação não oferece qualquer protecção a criança maior de 12 anos e menor de 18 quando seja forçada a viver com um homem numa relação equiparada ao casamento ou quando a mesma engravida antes dos 18 anos.

5. Porque razão sujeitam as raparigas aos “casamentos”?

As relações equiparadas ao casamento entre raparigas e adultos têm como base questões culturais e relações de poder entre homens e mulheres, adultos e crianças, onde as raparigas não gozam dos mesmo direitos que os rapazes e que o seu papel de mulher começa a ser desempenhado quando é entregue a um homem como sua “esposa”, logo que atinge a puberdade, ou seja, logo depois que aparece a primeira menstruação. Culturalmente, a rapariga nessa fase se torna uma mulher.

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10 6. Conclusão

Diante desta realidade e através de políticas e respectivas estratégias de implementação, de planos nacionais de acção, planos de redução da pobreza, o PES, planos estratégicos do sector da educação e da cultura, legislação penal e civil, deverão ser previstos mecanismos de promoção e protecção dos direitos da criança.

A implementação destes instrumentos deverá implicar o envolvimento do sector da saúde, educação, acção social, justiça e sociedade civil e a realização de campanhas de sensibilização sobre os direitos das raparigas, junto das comunidades, dos familiares das mesmas e das escolas.

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11 Referências

1. Constituição da República de 2004

2. Lei da Família – Lei nº 10/2004, de 25 de Agosto

3. Lei da Promoção e Protecção dos Direitso da Criança – Lei nº 7/2008, de 9 de Julho

4. Código Penal 5. Código Civil

6. Convenção sobre os Direitos da Criança

7. Carta Africana dos Direitos e Bem-Estar da Criança

8. NHANTUMBO, Sónia; Divage, José; e Marrengula, Miguel (2000), Casamentos prematuros em Moçambique: Contextos, tendências e realidades

9. OSÓRIO, Conceição e Tamele, Josefina (2013), O “Casamento” prematuro, WLSA Moçambique, Maputo

Referências

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