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A TRAIÇÃO EM HAMLET E CALABAR

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Academic year: 2021

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A TRAIÇÃO EM HAMLET E CALABAR

Júlia Bessa (UFF)1

Resumo: O objetivo do presente trabalho é apresentar as analises iniciais da traição em Hamlet

(Shakespeare) e Calabar: O elogio da traição (Chico Buarque e Ruy Guerra). Para além de um exercício de comparação, pretende-se passar por questões importantes para a compreensão de ambas as obras, como trazer à tona as peculiaridades das denúncias existentes nos dois enredos e analisar os respectivos contextos de produção. Tendo em mente que a temática da traição é o elo para aproximar Hamlet de Calabar, cabe dizer que a questão central a ser investigada apresenta-se do seguinte modo: quais seriam as aproximações possíveis entre as peças ao levarmos em conta as maneiras pelas quais as denúncias de traição tomam forma?

Palavras-chave: Traição; Hamlet; Calabar; Shakespeare; Chico Buarque e Ruy Guerra.

O presente trabalho é fruto do projeto de pesquisa Mestrado, desenvolvido no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Estudos de Literatura da Universidade Federal Fluminense. Como a pesquisa encontra-se em estágio inicial, apresento aqui as principais diretrizes que têm norteado o percurso a ser alcançado. A investigação tem como objetivo comparar a temática da traição em Hamlet (1603) de William Shakespeare e em Calabar: O elogio da traição (1973) de Chico Buarque e Ruy Guerra. Para além de um exercício de comparação, pretende-se passar por questões importantes para a compreensão de ambas as obras, como trazer à tona as peculiaridades das denúncias existentes nos dois enredos e analisar os respectivos contextos de produção.

Primeiramente devemos entender de onde surgiu a ideia do trabalho aqui proposto. Esse tem inicio em um dos encontros do grupo de pesquisa Literatura e Dissonâncias, da Universidade Federal Fluminense quando em uma das reuniões o texto a ser debatido seria Hamlet. Após esse encontro, propôs-se pensar sobre uma obra da Literatura Brasileira que pudesse dialogar com a obra Shakespeariana. Uma vez lançado o desafio fomos à busca de algo novo que abordasse a traição, uma vez que esse é o tema central da tragédia. Queria-se, ao máximo, fugir de lugares que, talvez, soariam comuns, até que surgiu Calabar: O elogio da traição e a partir de então, se deu o encontro perfeito.

Na trama de Hamlet temos o personagem principal sendo visitado pelo fantasma do pai que anuncia que teria sido vítima de um assassinato planejado pelo irmão Claudio, atual rei da Dinamarca. O espírito pedia então que seu filho vingasse tal ato. No decorrer da peça vemos um Hamlet atormentado que tenta descobrir se tudo teria acontecido da

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maneira que lhe foi relatado. O jovem encena a morte do pai para o tio, a mãe e Ofélia, a fim de confirmar o ocorrido. Ao ter a confirmação, o príncipe espera o momento ideal para realizar a vingança, porém, durante a espera, ele acaba matando Polônio e indiretamente acaba sendo causador da morte de Ofélia, o que o leva ao duelo de esgrima planejado por seu tio, para que Laertes possa vingar a morte de seu pai e de sua irmã. Tudo não passa de uma grande armadilha para que Hamlet morra sendo envenenado ou pela ponta da espada, ou pelo vinho. Por fim, as coisas tomam proporções inesperadas: Gertrudes toma a bebida adulterada, Hamlet é atingido pela lâmina envenenada, em seguida, após trocarem espadas, ele fere Laertes, o que leva o antagonista a revelar a conspiração planejada pelo rei, fazendo assim com que Hamlet mate Claudio não apenas o golpeando com a arma envenenada, mas também obrigando a ingerir o mesmo vinho que matou Gertrudes. No fim, a tragédia é instaurada levando todas as personagens à morte e a vingança é concretizada.

Já o enredo de Calabar se apropria de um episódio histórico ocorrido durante o período colonial brasileiro, em que Domingos Fernandes Calabar teria traído a Coroa Portuguesa ao se aliar aos holandeses durante a invasão holandesa em Pernambuco. O personagem principal teria agido de tal maneira por considerar a aproximação com Holanda mais promissora para a gente do Brasil, do que a vinculação aos portugueses. A traição é explicitada desde o início da obra e Calabar é enforcado com trechos do mesmo discurso que foi proferido no enforcamento de Tiradentes. A partir de então, ocorre o desenrolar de vários episódios como, por exemplo, a “traição” de Bárbara ao se relacionar amorosamente com Souto. Por fim a peça deixa entrever que a morte de Calabar foi em vão.

Uma vez que foram decididos os textos ficou evidente o elo existente através da temática de ambas as obras. A partir desse momento tentou-se entender como essas traições ocorriam e se desdobravam, quais eram os pontos de confluência e de distanciamento e, sobretudo, se seria relevante discutir o contexto histórico no qual cada uma se insere. Dito isso, olhou-se primeiramente ao título das obras e notou-se a importância do “elogio da traição”, pois se percebe ao primeiro olhar como a “traição” passa por uma inversão de valores ao ser “elogiada”, assim, ela ganha uma conotação positiva que está para além de seu uso no senso comum, como diria Ruy Guerra:

Inclusive, quando a gente põe um Elogio da Traição é tirado do Erasmo de Rotherdam O Elogio da Loucura, que é justamente uma

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inversão de valores, quando o cara faz um elogio da loucura. Aí, a loucura, como valor positivo, numa época que se dá assim como um estigma. (BUARQUE & GUERRA, 1973, p. 6)

Esta inversão é importante na medida em que ela dará o tom de um dos nossos objetivos principais, a saber: investigar e estabelecer o estatuto da traição nas duas peças em questão.

Deste modo, tendo em mente que a temática da traição é o elo que encontramos para aproximar Hamlet de Calabar, cabe então dizer que a questão central a ser investigada apresenta-se do seguinte modo: como as denúncias são trazidas à cena por seus autores? Dito de modo mais específico: quais seriam as aproximações possíveis entre as peças ao levarmos em conta as maneiras pelas quais as denúncias de traição tomam forma?

Na tentativa de responder tal questão partiremos da hipótese de que, em ambas as peças, as acusações proferidas pelas vozes femininas acontecem, majoritariamente, de maneira latente, enquanto as acusações proferidas pelas vozes masculinas se dão de forma mais explícita, mais evidente para o leitor. Isto é, eis um ponto crucial que se pretende sublinhar: as denúncias de traição se desenrolam a partir de um jogo de velamento e desvelamento.

A escolha de apresentar e atentar para essas vozes femininas parte da questão que tanto na obra shakespeariana quanto na obra de Chico e Ruy Guerra só existem duas personagens femininas – em Hamlet: Ofélia e Gertrudes e em Calabar: Bárbara e Anna de Amsterdam. Curiosamente nota-se que dentre essas personagens temos Gertrudes, que de certa forma poderia fazer um duplo com Bárbara, uma vez que ela era casada com o rei traído pelo irmão e posteriormente casa-se com o traidor (seu cunhado Claudio), enquanto Bárbara era casada com aquele que era visto como traidor (Calabar), mas que também foi traído, e posteriormente se envolve com aquele que traiu Calabar ao denunciá-lo (Souto). Além deste edenunciá-lo entre Gertrudes e Bárbara, Ofélia e Anna também podem ser aproximadas, pois são as personagens com vozes a serem vistas a margem da sociedade: seja por ser uma voz de loucura (no caso de Ofélia) seja por ser a voz de uma prostituta (no caso de Anna).

A título de explicação, cabe dizer que a apresentação da traição a partir de um jogo de velamento e desvelamento não se limita às denúncias das vozes femininas.

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Pretende-se atentar para este jogo também tendo em mente que nas duas peças o personagem traído, além de tomar conhecimento da traição de forma indireta, carrega em seu horizonte a possibilidade dele mesmo realizar uma traição. Este jogo de nuanças entre quem é o traído e quem é o traidor entrelaça os dois enredos, de forma que a fala de Ruy Guerra proferida em uma entrevista sobre o Calabar encaixa-se perfeitamente na dinâmica e no enredo de Hamlet: “Como é que um personagem é um traidor e outro não é, se ele trai o primeiro? Como é que a mulher que ama um traidor passa a detestar o outro e passa a amar o traidor? E como é que o outro traidor é mais traidor, talvez, que o primeiro?” (BUARQUE & GUERRA, 1973, p.8)

O ponto que evidencia tal conformidade é que, com o desenrolar da peça de Shakespeare, o espectador desenvolve uma empatia pela personagem principal e anseia que Hamlet empreenda um ato traidor para redimir a traição precedente. Logo, em Hamlet, da mesma forma como se vê em Calabar, também há um “elogio da traição”. Entende-se que este “elogio”, além de unir as duas peças, é parte constitutiva da sua temática central.

De modo mais específico, sobre a temática central das obras, cabe elencar algumas observações. Tanto uma quanto a outra peça aborda a traição nos vários âmbitos que tal ação permite interpretações. Ou seja, denunciam a deslealdade em todas as suas camadas, seja ela a coroa que governa o país cenário de cada enredo ou entre amigos, irmãos e casais. É a partir dessa temática central que se pode então questionar e notar alguns pontos do que é ser traidor ou ser traído.

No caso da obra de Shakespeare questiona-se: até que ponto a vingança de Hamlet não é também uma forma de traição? Trair o traidor pode ser lido apenas como vingança? Trair por que foi traído anula o status de traição? Já no que diz respeito a Calabar, nota-se uma questão social por trás da traição, como é apontado por Botton: “Calabar foi considerado traidor, não porque lutou contra os portugueses, mas sim porque ousou ir contra a elite que estava no poder” (BOTTON, F., 2012, p. 109). Logo, questiona-se: até que ponto ter ideias contrárias “a elite que está no poder” é traição e não apenas a expressão de uma opinião contrária? Tratando-se da época na qual a obra em questão foi escrita em plena ditadura civil militar brasileira instaurada com o golpe de 1964, nota-se também que essa é uma das formas encontradas pelos autores para atingirem aqueles que estavam no poder, uma vez que todos os que não concordavam com o regime ditatorial

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eram vistos como traidores da pátria. Além disso, sabe-se, através da fala de Chico na obra de Regina Zappa escrita sobre a vida do artista, que parte da intenção ao se representar Calabar era o fato da possibilidade de um duplo histórico entre o personagem principal e a imagem do capitão militar que se juntou a guerrilha armada – Lamarca.

Logo, é certo que a traição e o elogio da traição apresentam-se como o núcleo das duas peças. A questão central de nossa análise é compreender como as duas obras representam e se relacionam com a temática da traição. Partindo desse tema, percebemos que as peças entrelaçam-se também a partir de seus personagens, de suas denúncias. Em suma, resta dizer que partiremos da temática da traição e, a partir dela, evidenciaremos diversos outros elos entre Hamlet e Calabar.

Bibliografia:

BATISTA, Thiani Januário. Amor, traição e violência na dramaturgia brasileira. Leonor de Mendonça e Calabar: o elogio da traição. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, 2011. [Dissertação de Mestrado em Literatura Brasileira]

BOTTON, Fernanda Verdasca. Calem-se bárbaras: as traições discutidas em calabar de Chico Buarque e Ruy Guerra. In: Miscelânea, Assis, v. 12, p.105-122, jul.-dez. 2012.

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BUARQUE, Chico; GUERRA, Ruy. Calabar: O elogio da traição. São Paulo: Círculo do Livro, 1975.

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GREENBLATT, Stephen. Como Shakespeare se tornou Shakespeare. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.

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HELIODORA, Barbara. Caminhos do teatro ocidental. São Paulo: Perspectiva, 2013.

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