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ARTICULANDO O ENSINO DE ZOOLOGIA COM A ETNOZOOLOGIA: ANÁLISE DE UMA PROPOSTA EDUCATIVA COM ESTUDANTES DO ENSINO FUNDAMENTAL

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ARTICULANDO O ENSINO DE ZOOLOGIA COM A ETNOZOOLOGIA: ANÁLISE DE UMA PROPOSTA EDUCATIVA COM ESTUDANTES DO ENSINO

FUNDAMENTAL

Leide Santos Oliveira (Escola Municipal Conselheiro Junqueira Aires) Marcos Lopes de Souza (Departamento de Ciências Biológicas – UESB)

Resumo: Esta pesquisa objetivou analisar uma proposta de ensino de zoologia desenvolvida com base nos saberes etnozoológicos da comunidade local de Itagi-BA em articulação com o conhecimento científico. Para atingir o propósito foi realizada uma intervenção pedagógica durante dois meses com uma turma de estudantes do 7º ano do ensino fundamental em uma escola municipal do referido município. Como constituição de dados utilizou-se de questionários, atividades dos estudantes e os registros de observação.A maioria dos estudantes trouxe saberes populares sobre os animais envolvendo uso terapêutico e crenças. A intervenção contribuiu para que os discentes se interessassem pela zoologia, compreendessem as principais características evolutivas e percebessem a necessidade da conservação da biodiversidade.

Palavras-chaves: ensino de ciências, educação básica, etnobiologia e zoologia.

Introdução

O ensino de ciências naturais na escola fundamentaltem se orientado, historicamente, por tendências educacionais tradicionaispautadas na transferência e acumulação de conhecimentos, na negligência dos saberes prévios dos estudantes e na ausência ou restrição do diálogo e na pouca utilização de estratégias didáticas interativas e participativas. Com isso, as aulas de ciências têm se caracterizado como exaustivas, enfadonhas, excessivamente descritivas ememorísticas, não favorecendoo interesse dos discentes pelo conhecimento científico.

Em se tratando do ensino de zoologia, a abordagem sobre os animais tem clara preferência pelo abstrato, com pouca contextualização e com isso os alunos não constroem conceitos com base naquilo que sabem e não fazem interações entre a zoologia expressa nos materiais didáticos e a fauna local. “O professor deve entender que o aluno traz para a sala de aula seus conhecimentos prévios ou sua cultura prevalente, anterior à aprendizagem escolar,

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como consequência do fato de que ele é um sujeito ativo também fora da escola” (DELIZOICOV; ANGOTTI; PERNAMBUCO, 2002, p.84).

Geralmente, a interação com os animais leva os estudantes a vê-los como alimentos, meios de transporte para fins terapêuticos ou como seres “inúteis” que prejudicam o ser humano e por isso devem ser eliminados. Esse modo como cada estudante vê os animais direciona suas atitudes perante os mesmos ora aprisionando-os, ora eliminando-os e ora acariciando-os, evidenciando uma visão antropocêntrica, na qual o ser humano é visto como superior aos outros animais e estes somente são respeitados quando servem a humanidade. É relevante questionar a ideia do ser humano como o ápice da evolução, sendo um ser vivo como qualquer outro (SANTOS, 2000).

Nesta caracterização, docentes e discente mantém certa distância do assunto interessando-se pouco pela zoologia. O ensino de ciências naturais no ensino fundamental requer um novo olhar permitindo uma mudança de atitudes dos educandos em prol do reconhecimento e da conservação da biodiversidade animal. Além do que, é relevante pensar a zoologia e o seu ensino com base no parentesco evolutivo e na reconstrução de filogenias dos animais com base em uma abordagem comparativa dos grupos a fim de que os discentes entendam que as espécies apresentam relações entre si e que se modificam ao longo do tempo (ARAÚJO-DE-ALMEIDA, 2011; GUIMARÃES, 2004).

Ademais, o uso do conhecimento etnobiológico não pode ser ignorado. Esses saberes são difundidos oralmente por intermédio das gerações desde a Antiguidade e vêm se expandindo ao longo do tempo; este conhecimento tradicional existe em todas as culturas independentes da etnia e é socializado muito cedo na vida das pessoas. Segundo Alves e Souto (2010, p. 23): “A variedade de interações (passadas e atuais) que as culturas humanas mantêm com os animais é abordada pela perspectiva da Etnozoologia, uma ciência que certamente tem raízes remotas, considerando a relação antiga entre os seres humanos e outros animais”.

Os estudos etnozoológicos têm contribuído para compreender os sistemas de classificação das diferentes culturas; analisar como os animais são retratados em contos, mitos e crenças; discutir as diversas formas de aquisição, elaboração e uso de substâncias extraídas de animais e os seus impactos sobre as várias populações animais (SANTOS-FITA; COSTA NETO, 2007).

De forma geral, percebe-se que o conhecimento etnozoológico é fundamental para o patrimônio cultural da humanidade, não podendo ser desconsiderado nas aulas de ciências.

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deve contribuir não somente para ampliar o universo de conhecimentos do aluno relacionados ao saber científico, mas auxiliar no questionamento e na ampliação dos conhecimentos ditos populares.

Com base nisso, este trabalho objetivou apresentar e analisar uma experiência de ensino de zoologia utilizando-se dos saberes etnozoológicos e realizada com estudantes do ensino fundamental de uma escola municipal em Itagi-BA.

Percurso metodológico

Esta pesquisa está pautada na abordagem qualitativa, na qual, entre outras coisas, a preocupação centra-se nos significados, pensamentos, ideias que os participantes atribuem ao mundo (MINAYO, 2012). A pesquisa foi desenvolvida por meio de uma intervenção com estudantes do 7º ano do ensino fundamental em uma escola municipal da cidade deItagi-BA. É nessa escola que a primeira autorado referente artigo atua como professora desde 1998. O critério utilizado para a escolha da turma foi o fato de que é nesta série que a escola propõe o estudo da zoologia. A classe consta com estudantes de faixa etária entre onze e vinte e três anos, oriundos tanto do campo quanto da cidade.

Para o desenvolvimento da intervenção elaborou-se um plano de unidade. A sequência didática foi realizada durante dez semanas, totalizando trinta horas aulas, cada uma com cinquenta minutos. A intencionalidade da proposta foi contribuir para que os estudantes ampliassem os seus conhecimentos sobre os animais por meio do resgate dos saberes etnozoológicos da comunidade e do diálogo desses com o conhecimento científico.

Na 1ª semana foi apresentada a proposta de trabalho e o roteiro com questões abordando opiniões sobre os animais encontrados no município para que os discentes entrevistassem familiares acima de 50 anos. Alguns realizaram a entrevista com sucesso, outros devolveram o questionário sem responder. Após essa etapa foram recolhidos os resultados da atividade aplicada e feita uma leitura analítica, registrando as ideias encontradas para iniciar a intervenção.

Na 2ª semana foi realizada uma atividade em que os discentes foram divididos em grupos e receberam envelopes contendo figuras dos animais citados pela comunidade para que classificassem conforme os seus próprios critérios a fim de discutir sobre as múltiplas formas de agrupar os animais.

Na 3ª semana aconteceu o momento de socialização, no qual os estudantes apresentaram as classificações e explicaram os métodos utilizados para o agrupamento como

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habitat, tipo de alimentação e morfologia. Feitas as devidas observações com base no conhecimento científico mais atual, os alunos refizeram o trabalho em cartolina.

Dando continuidade a proposta, na 4ª semana os alunos realizaram uma análise escrita dos cartazes que foram confeccionados, tendo como suporte, algumas questões, entre elas: o que todos os animais têm em comum?

Na 5ª semana, a atividade envolveu a prática da leitura, escrita e interpretação textual, tendo como base o texto de Ulisses Tavares intitulado “Bicho Raro e Estranho”.Foi feita uma leitura prévia, discutido o assunto e, em seguida, os discentes trocaram os nomes dos animais, por um animal da região. Finalizou-se com a produção textual orientada pela professora.

Na 6ª semana, os discentes visitaram o Laboratório de Invertebrados da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, campus de Jequié. Nesta aula os discentes observaram os grupos de invertebrados que estavam expostos na bancada. Em seguida, a turma se dirigiu a uma sala para assistir um vídeo sobre a vida dos insetos. Após a visita houve socialização da atividade e os alunos fizeram uma análise escrita sobre diversidade animal.

Na 7ª semana ocorreu uma apresentação em slides abordando algumas características evolutivas dos vertebrados como: respiração, nutrição, adaptação e reprodução. Em seguida, os discentes fizeram um cartaz com características gerais de cada grupo de vertebrados.

Na 8ª semana foram apresentados slides e um vídeo com algumas interações entre os seres humanos e os demais animais. Na 9ª semana os discentes leram e discutiram o texto de Andressa Spata, nomeado “Medicina Tradicional Ameaça Répteis” e publicado na revista Ciência Hoje.

A proposta de intervenção foi concluída na 10ª semana alicerçando-se em histórias contadas pela comunidade nas entrevistas apresentadas pelos alunos (1ª atividade) que foram lidas, analisadas e selecionadas pela professora que buscou novas informações e, em alguns casos específicos, consultou especialistas da UESB com a finalidade de apresentar a classe não só as histórias em si, como levar esclarecimentos que ampliassem a aprendizagem e, consequentemente, os conhecimentos científicos a respeito dos vertebrados.

Para a construção e análise dos dados, baseando-se em Gil (1999) e Flick (2009) foram utilizados questionários, produções escritas dos discentes utilizadas como instrumentos avaliativos para as aulas de ciências e os registros com base nas observações da professora.

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Os resultados construídos neste trabalho serão apresentados e discutidos em dois momentos, o primeiro deles se refere à análise dos questionários das entrevistas feitas com os moradores e a segunda à discussão de algumas atividades desenvolvidas na intervenção.

a) Primeira etapa

No questionário inicial aplicado, pelos estudantes, com vinte e seis moradores da cidade identificaram-se quatro categorias taxonômicas, quais sejam: mamíferos (26 citações); aves (21); répteis (9) e anfíbios (1). Dos animais identificados, constatou-se que mamíferos e aves constituem os grupos mais citados. Os dois animais mais citados foram a paca (Cuniculus paca) e o tatu (Euphractussexcinctus). Estes dois animais silvestres são vistos como fonte de alimento e, portanto, são caçados por muitos dos moradores da localidade em estudo. Outros animais citados são aqueles domesticados como gato e cachorro ou mesmo a galinha e o porco criados para servirem como alimento.

A tabela 1 apresenta uma síntese dos animais mais citados e o número de citações. Segundo Pires, Pinto e Mateus(2010), os mamíferos são mais conhecidos por terem uma relação com a alimentação, uso terapêutico, afetividadeou valoreconômico.

Tabela 1: Relação de animais citados nas entrevistas feitas pelos discentes.

Nome popular Nome científico Número de citações

Paca Cuniculus paca 11

Tatu Dasypussp 10

Cachorro Canis lupusfamiliaris 08

Gato Feliscatusdomesticus 07 Teiú Tupinambissp. 07 Cavalo Equuscaballus 06 Caititu Tayassutajacu 06 Galinha Gallusdomesticus 05 Porco Susscrofadomesticus 05

As opiniões apresentadas nos questionários evidenciam as relações dos moradores com alguns animais. Quando o animal é pensado pela sua “utilização” dita “benéfica” para o humano, eles são vistos como importantes e necessários, porém quando isto não acontece, são marcados negativamente como apontados nos depoimentos a seguir:

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“Não tenho medo, tenho nojo do rato ele fede e transmite doenças, com a gata tenho uma relação de respeito e afetividade, pois é um animal muito inteligente, vai me encontrar na rua, me faz companhia e não faz as necessidades dentro de casa.”

“Medo da surucucu, especialmente da pico-de-jaca que é venenosa e agressiva”.

O pensamento antropocêntrico utilitarista é muito presente em nossa cultura influenciando os nossos olhares sobre os seres vivos. Com esta ideia, a natureza é entendida sob o domínio dos seres humanos e estando a nossa disposição, olhar este que precisa ser relativizado (OLIVEIRA, 1992).

Sobre a extinção de espécies, a maioria dos entrevistados concordou que animais como o coelho, macaco e curió estão desaparecendo. Os entrevistados apontaram a caça predatória como principal causa para o desaparecimento dos animais. Para Alves e colaboradores (2010), a caça de animais silvestres não está associada apenas à nutrição, há um conjunto complexo de fatores socioeconômicos, políticos e institucionais, pois em alguns casos, a caça é vista como esporte, aventura, lazer ou com o objetivo de capturar fêmeas grávidas para domesticação dos filhotes. O desmatamento e as causas naturais também foram citados. De forma geral, os entrevistados perceberam a interferência humana no ecossistema como fator preponderante para o desaparecimento de algumas espécies.

Algumas pessoas entrevistadas relataram histórias associadas com vários animais, em especial, com gatos e serpentes. Um dos relatos foi:

“Um homem estava roçando a manga quando ele bateu a foice e notou que tinha cortado uma cobra mais ou menos no meio e ficou preocupado, mas não conseguiu achar a parte da frente para matar, não achando, desistiu, depois de quatro meses achou o restante da cobra perto da casa de farinha, longe de onde ele estava roçando, a cobra estava seca, só couro e osso, se arrastando, ele matou e queimou”.

As compreensões etnozoológicas são influenciadas pela visão de mundo. Essas atitudes variam desde a predileção à aversão, do fascínio ao desprezo. Conforme Wortmann, Souza e kindel (1997), as reações de repugnância e temor em relação às serpentes foram produzidas não apenas pelas suas aparências tidas como repulsivas, mas, sobretudo por serem vistas como venenosas e causadoras de males aos humanos, inclusive muitas histórias mitológicas de várias culturas associavam às serpentes como prejudiciais, embora outras as vissem como seres sagrados. Diante disso, é relevante que os educadores tragam estas histórias a tona no espaço escolar a fim de desconstruírem compreensões equivocadas como a

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de que as serpentes são sempre agressivas e peçonhentas e mudarem atitudes de extermínio desses animais, o que tem contribuído para diminuição da sua biodiversidade.

No questionário inicial com os moradores também foi perguntado sobre a zooterapia, ou seja, substâncias derivadas de partes corpóreas dos animais, de materiais construídos por eles ou produto de seu metabolismo utilizados para o tratamento e prevenção de doenças que atingem as pessoas (COSTA NETO, 2011). Dos 26 colaboradores, 23 disseram utilizaranimais para a medicina popular e no total foram citadas 12 espécies diferentes. Os usos medicinais dos animais citados estão apresentados na tabela 2.

Tabela 2: Relação dos animais utilizados na medicina popular conforme os moradores.

Taxonomia Nome

popular

Parte utilizada/Doença Número de citações

Bostaurus Boi

Fel (ferimento e rachadura nos pés)

07 Estrume (afastar inseto)

Chifre (dor de barriga) Vaca Urina (coqueluche)

Gallusdomesticus Galinha Banha (gripe e tumor) 03 Dasypussp Tatu Ponta do rabo (dor de

ouvido)

03

Gekkonidae Lagartixa Inteira (sarampo, catapora e garganta)

03

Hylocartis cyanus Beija-flor Ninho com filhotes (asma) 02 Hydrochaeris hydrochaeris Capivara Banha (reumatismo) 02

Tupinambissp. Teiú Banha (dor de ouvido) 02

Dusicyonsp. Raposa Fígado (falta de ar) 02

Crotalus durissus Cascavel Chocalho (asma) 01 Ancistrustriradiatus Cascudo Cuspir dentro da boca do

animal (asma)

01

Caiman sp Jacaré Couro (bronquite) 01

Equusasinus Jumento Ossos da queixada (reumatismo)

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No levantamento de zooterápicos feito por Costa Neto (2011) foi registrado 95 animais sendo que 09 deles foram citados também na pesquisa aqui realizada (boi, galinha, tatu, lagartixa, teiú, raposa, cascavel, jacaré e jumento).

Conforme a tabela 2, Bostaurusfoi o animal mais mencionado (07 citações) tendo sido relacionado a cinco recursos terapêuticos. No trabalho de Costa Neto (2011), Bostaurus também foi relatado para os mesmos recursos descritos nesta pesquisa, com exceção do chifre indicado para dor de barriga. Apesar da importância dos conhecimentos etnozoológicos relacionados ao uso medicinal dos animais, é relevante pensar nos benefícios e alguns riscos que podem comprometer a saúde dos usuários.

b) Segunda etapa

Uma das atividades desenvolvidas foi agrupar os animais citados pelos moradores nas entrevistas. Em relação aos critérios prévios utilizados pelos discentes para agrupar e classificar os seres vivos, observou-se algumas tendências. A primeira delas foi o uso decaracterísticas morfo-fisiológicas. Como exemplo, cita-se o agrupamento de alguns animais:

“Bem esse aqui é o grupo dos répteis, eles são compridos e se arrastam”. “Esse aqui é o grupo das aves, são bonitas e bota ovos”.

No trabalho de Ferreira e col. (2008) foi desenvolvida uma atividade de classificação de plantas e animais em turmas de ensino médio de escolas diferentes com base em modelos intuitivos, sendo que um dos principais critérios de agrupamento foi a característica morfológica externa como presença ou ausência de alguma estrutura.

Outra tendência foi agrupar os organismos pela estética. Para exemplificar no agrupamento das aves, os discentes rejeitaram o urubu. O sapo e a tartaruga também foram rejeitados por duas equipes.A atitude utilitarista e antropocêntrica foi um critério adotado na classificação. O sapo foi excluído porque não servia para nada, além de ser nojento e os ratos eram vistos como insetos porque prejudicavam as pessoas. Para Pires, Pinto e Mateus (2010), animais como os sapos despertam nojo devido à umidade do seu tegumento. Lopes, Ferreira e Stevaux (2007) ao desenvolverem um trabalho de classificação com discentes do ensino médio também verificaram que um grupo criou a classe “Nojentinhos” composta por cobra, sapo, sanguessuga e nereis, por serem vistos como asquerosos.

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Alguns felinos e aves foram classificados como animais do rei e, portanto, eram vistos como fortes. Em síntese, concluiu-se que os alunos desconheciam a importância ecológica dos animais e das interações entre as espécies, além de não estabelecerem relações de parentesco evolutivo entre os grupos.

No questionário inicial observou-se que os invertebrados foram pouco citados. Diante disso e baseando-se no pressuposto da relevância de se discutir sobre este grupo, pois,segundo Brusca e Brusca (2007), foram os primeiros animais na escala evolutiva da vida e abrangem o maior número de espéciesde animais descritas (aproximadamente95%), foi proposta uma visita no Laboratório de Zoologia de Invertebrados da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, campus de Jequié-BA. Ressalta-se aqui que apesar de a divisão vertebrados e invertebrados não ser adequada à sistemática filogenética atual, o uso destes termos foi feita mais por tradição histórica.

Nesta aula os discentes observaram alguns representantes dos grupos taxonômicos dos invertebrados e mostraram-se motivados e questionadores. Esta experiência possibilitou um diálogo entre o conhecimento científico e saberes prévios dos educandos. Dentre as várias perguntas feitas pelos discentes durante a visita, destacaram-se:

“Se ela não tem osso o que é isso? É pedra?”(perguntando sobre as esponjas).

“Professora eu nunca vi uma esponja. Como ela é? Ela consegue andar com aquele peso todo”.

“Como é que essa bola de espinho come. Ela não tem cabeça” (questionando sobre o ouriço-do-mar).

Em outra aula,os discentes interpretaram um gráfico relacionado à diversidade dos invertebrados e analisaram a variedade de um grupo taxonômico em relação aos outros. Fundamentando-se nas respostas exemplificadas pelos discentes, notou-se que eles perceberam que os artrópodes são o grupo taxonômico com maior biodiversidade:

“Somando todos os grupos juntos não dá a metade dos artrópodes”.

Durante a intervenção também foi discutido sobre as características compartilhadas pelos táxons dos vertebrados. Posteriormente, solicitou-se que os estudantes se reunissem em grupo e que cada um elaborasse um cartaz com três características de um dos táxons de vertebrados. O resultado está expresso na tabela abaixo:

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Tabela 3: Características dos táxons de vertebrados citados pelos discentes.

Táxon Características

Peixes Corpo alongado, geralmente recoberto por escamas e presença de nadadeiras. Anfíbios Temperatura varia de acordo com o ambiente, pele nua e ovo mole.

Répteis Pele seca e impermeável, sexos separados, fecundação interna e temperatura varia de acordo com o ambiente.

Aves Corpo coberto por penas, possuem bico e ovos.

Mamíferos Presença de glândulas mamárias, corpo coberto por pelos e temperatura do corpo.

Conforme Pough, Janis e Heiser (2008), em relação aos peixes, o grupo relatou que as escamas estão presentes na maioria dos peixes, porém usar a ideia de corpo alongado é muito vaga para caracterizá-los e ressalta-se que nem todos os peixes têm nadadeiras.A equipe que caracterizou os anfíbios mencionou que são animais de pele nua, porémo termo científico mais adequado é a pele úmida e permeável, já os ovos dos anfíbiossão desprovidos de casca e com camadas gelatinosas o que leva os estudantes a caracterizá-los como moles. Sobre a temperatura corpórea, o termo mais utilizado é ectotérmico correspondendo aos animais queregulam a temperatura do corpo a partir de fontes externas de calor.

Sobre os répteis, estes têm a pele seca e impermeável, sãoectotérmicos, os sexos nem sempre são separados e a fecundação é interna.O grupo que caracterizou as aves trouxe ideias aceitas cientificamente. Quanto aos mamíferos, o grupo não mencionou que são animais endotérmicos, ou seja, controlam a temperatura corpórea embora citassem a presença de pelos e de glândulas mamárias, características estas coerentes com a visão científica.

Em outro momento foi trabalhado o texto “Medicina tradicional ameaça répteis” com o intuito de discutir a utilização da matéria-prima proveniente de répteis para uso medicinal e religioso por comunidades tradicionais no Brasil e no mundo e os riscos do uso indiscriminado por meio da biopirataria associado à destruição do habitat dessas espécies. Com a leitura e discussão do texto, os estudantes fizeram perguntas sobre a biopirataria e o uso de pílulas com material extraído de cascavel, além de perceberem que algumas espécies podem ser extintas caso nãos sejam modificadas essas ações antrópicas.Isto foi extremamente relevante, pois conforme apontado por Costa-Neto (2011), o uso de medicamentos produzidos à base de animais pode comprometer a biodiversidade, pois, algumas vezes, tanto usuários quanto comercializadores de zooterápicos desconhecem que determinados animais estão ameaçados de extinção como é o caso de jacarés e tartarugas-marinhas citados pelo autor.

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A última atividade da intervenção foi apresentar aos estudantes as histórias sobre alguns animais obtidos no levantamento etnozoológico feito com a comunidade. Foram discutidos os depoimentos dos moradores e questionadas muitas ideias equivocadas sobre os animais que podem favorecero extermínio de algumas espécies.

Considerações Finais

Constatou-se que os discentes interagem com os recursos faunísticos destacando-se o uso como fonte alimentar e para fins terapêuticos.No decorrer da investigação, a maioria dos objetivos propostos foi alcançada. Buscou-se por meio de uma abordagem questionadora aproximar as necessidades educativas dos interesses dos discentes, confrontando a ciência e os conhecimentos prévios, mas sem o propósito de reiterar o conhecimento científico como verdadeiro em contraposição ao conhecimento tradicional.

Em suma, concluiu-se que os estudantes compreenderam, em linhas gerais, as formas de classificação e organização dos animais com base na sistemática filogenética e perceberam a relevância de revisitar os seus saberes com o intuito de construírem atitudes consonantes com a conservação da biodiversidade animal, não desconsiderando os saberes tradicionais.

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