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Coleções Biológicas e Coleções de DNA e sua Aplicação ao Estudo da Biodiversidade. Paulo Andreas Buckup 1.

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Coleções Biológicas e Coleções de DNA e sua Aplicação ao Estudo da Biodiversidade

Paulo Andreas Buckup 1

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Dept. de Vertebrados, Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro. E-mail: buckup@acd.ufrj.br

Introdução

Um pressuposto básico para os programas de conservação da biodiversidade é o conhecimento daquilo que se deseja conservar. O conceito de biodiversidade envolve vários aspectos da diversidade natural, que abrangem desde a variabilidade genética de micro-organismos invisíveis a observação direta até serviços ambientais de grande valor econômico e social, tais como a disponibilidade de mananciais de água para consumo humano e geração de energia. Em todos estes aspectos, no entanto, existe um importante foco na identificação das espécies biológicas como unidades básicas da manutenção da diversidade e serviços associados. Infelizmente, no entanto, a maioria das espécies ainda não é descrita ou não pode ser facilmente identificada devido à falta de conhecimento sobre seus limites morfológicos e geográficos. Neste contexto, a preservação de exemplares e amostras de DNA em grandes coleções biológicas é fundamental para a identificação das espécies e, consequentemente, para o conjunto de esforços destinados a conservação da biodiversidade. Mesmo quando incluídas no interior de áreas protegidas, a valorização das espécies protegidas é dependente da sua representação nas coleções científicas que permitem e validam sua identificação.

A disseminação de técnicas moleculares tem modificado a forma como a biodiversidade é acessada (Fouquet et al. 2007; Vieites et al. 2009), assim como a discussão acerca do limite entre as espécies (James 1999; Köhler et al. 2005). A delimitação de espécies é fundamental em estudos de sistemática, evolução, biogeografia, ecologia e conservação (Wilson 2004). Dados moleculares têm se mostrado promissores no refinamento da prática taxonômica de grupos complexos e têm contribuído para estudos que integram diferentes conjuntos de dados e métodos para lidar com a delimitação de espécies (e.g. Page et al. 2005). O uso de marcadores moleculares é recomendado especialmente em estudos de relações de parentesco de grupos que divergiram recentemente, visto que, frequentemente, para estes grupos, pode haver escassez de caracteres morfológicos informativos a serem analisados (Meyer 1997; Avise 2004).

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No contexto das técnicas moleculares úteis para a identificação de espécies, destaca-se o uso de sequências DNA. Estas sequências podem ser usadas para eficientemente identificar espécies de forma análoga ao uso de códigos de barra na identificação de mercadorias em lojas e depósitos de material. O chamado DNA barcode é um fragmento do gene mitocondrial Citocromo c Oxidase I (COI), denominado região de Folmer, com aproximadamente 650 pares de bases (pb) (Ivanova et al., 2007), que tem grande variabilidade entre espécies de vertebrados, mas é relativamente conservado dentro de cada espécie (Hebert et al., 2003). Por causa desta característica este fragmento foi escolhido como marcador genético no sistema mundial de bioidentificação de animais conhecido como International Barcode of Life (IBOL; http://www.ibol.org). Este marcador genético está sendo amplamente usado por pesquisadores dos mais variados grupos de animais, existindo protocolos e iniciadores (primers) bem estabelecidos e grande quantidade de resultados já disponíveis através do Sistema de Dados do Código de Barras da Vida (Becker et al., 2011; BOLDSYSTEMS, http://www.boldsystems.org/). No Brasil esta iniciativa é representada pela Rede Brasileira de Identificação Molecular da Biodiversidade (http://brbol.org/pt-br).

A grande ampliação do uso de metodologias moleculares no estudo da biodiversidade criou novos desafios e demandas para as coleções biológicas. Estas novas demandas envolvem tanto a agregação de novas metodologias de custódia de material biológico associadas à manutenção do material testemunho (vouchers) utilizado na validação de dados moleculares, como a organização de novos tipos de coleções, como é o caso das coleções de tecidos e coleções de extratos de DNA destinadas a prover o material necessário para os procedimentos de geração de sequências propriamente ditos. Algumas das soluções possíveis para estes novos desafios são apresentadas e discutidas a seguir.

Novas técnicas de fixação e preservação de exemplares. Tradicionalmente os métodos

de fixação de tecidos e preparação de exemplares destinados a incorporação em coleções científicas valoriza a preservação, a longo prazo, das características de interesse para estudos morfológicos. Infelizmente, no entanto, a maioria destes métodos é destrutiva ou inadequada para a conservação das moléculas de DNA. Assim, por exemplo, a maioria dos exemplares de vertebrados são fixados em solução de formalina 10% ou taxidermizados através de uso de métodos e substâncias extremamente nocivos para a preservação de DNA. Este problema pode ser contornado através de duas alternativas distintas para fixação de tecidos no momento da coleta: (1) a coleta de alíquotas de tecidos a serem

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congeladas e/ou fixadas no campo separadamente dos exemplares a serem incorporados como material testemunho nas coleções científicas, e (2) a fixação e conservação de exemplares inteiros em líquidos conservadores (e.g., etanol anidro) apropriados para a preservação das moléculas de DNA, para posterior remoção de alíquotas de tecido. No primeiro caso, é necessário estabelecer protocolos e sistemas de rotulagem que permitam assegurar o vínculo entre as amostras de tecidos e o material que será incorporado à coleção de material testemunho. No segundo caso é preciso lidar com a preservação de exemplares e líquidos e recipientes não convencionais. Nos dois casos, no entanto, é necessário manter a correlação entre os exemplares preservados de forma tradicional e os materiais preservados para estudos moleculares. Frequentemente, os dois tipos de materiais são coletados num único evento de coleta e precisam coexistir fisicamente na mesma coleção científica. O uso de mais de um método de preservação é necessário para permitir a realização de estudos de morfologia baseados em exemplares fixados de forma tradicional e sua associação com os exemplares destinados a estudos moleculares. Estes últimos podem ter suas características morfológicas e de coloração severamente prejudicas, por exemplo, pela desidratação e solubilização de compostos causada pelo uso de etanol anidro.

Necessidade de rotulagem individual. Um dos pressupostos básicos para a geração e uso

de códigos de barra moleculares é a necessidade de existir uma relação unívoca entre a sequência de DNA marcador e a identidade da espécie que ela representa. A integridade desta relação somente pode ser garantida e verificada se o exemplar usado para gerar a sequência identificadora for individualmente rotulado.

Um dos principais motivos para o uso de marcadores moleculares é justamente a dificuldade de se produzir identificações inequívocas com base em estudos morfológicos. Mesmo entre os grupos de vertebrados existe um grande número de espécies crípticas e que simplesmente são podem ser adequadamente identificadas por falta de conhecimento morfológico. Em algumas áreas da Amazônia, por exemplo, o número de espécies de peixes que não podem ser identificadas pode chegar a 30 ou 35 % dos morfótipos presentes numa única localidade. O número de espécies não identificáveis ou sujeitas a erros de identificação pode ser muito maior entre os grupos de invertebrados e pode chegar abranger a imensa maioria em alguns casos. Neste contexto é comum a ocorrência de lotes mistos, isto é, grupos de exemplares que, inadvertidamente, incluem mais de uma espécie.

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Nestes casos é absolutamente imperativo que as sequências de DNA possam ser associadas ao exemplar exato que foi utilizado para a obtenção do tecido que lhe deu origem.

A associação entre sequências identificadoras de DNA e exemplares testemunho é facilmente estabelecida em coleções que tradicionalmente envolvem a catalogação de indivíduos, como é o caso das coleções de mamíferos. Em coleções que tradicionalmente envolvem a catalogação de exemplares em lotes de representantes de uma única espécie, como é o caso das coleções ictiológicas, no entanto, é necessário estabelecer mecanismos que permitam associar as amostras de tecidos aos indivíduos. Isto é necessário porque é muito comum perceber-se, seja através dos resultados moleculares, seja através do reexame morfológico, que os lotes de indivíduos incluem mais de uma espécie.

Para evitar os problemas associados à existência de lotes mistos, recomenda-se a adoção de sistemas de catalogação de tecidos baseados na numeração de indivíduos. Estes sistemas são facilmente implantados em coleções de tecidos (e extratos de DNA) que geralmente são mantidas em criotubos individualmente ordenados, porém representam um desafio significativo para o controle dos exemplares testemunho mantidos fisicamente em lotes. No caso do material testemunho, cria-se uma intersecção e certo grau de duplicidade nos sistemas de catalogação. Felizmente estas dificuldades podem ser contornadas através da adoção de sistemas de sinalização, da adoção de planilhas de triagem e custódia, e protocolos bem estruturados de processamento de material.

Rotulagem de material testemunho. A rotulagem de indivíduos é tradicionalmente

encarada como uma dificuldade para coleções científicas organizadas em lotes. A catalogação de indivíduos no mesmo sistema adotado para lotes de múltiplos indivíduos é possível porém geralmente inviável diante dos custos de manutenção de potes, rótulos e espaço físico separados para cada indivíduo. A solução mais adequada nestes casos é afixar números correspondentes às amostras da coleção tecidos nos indivíduos propriamente ditos. Esta técnica é amplamente difundida em laboratórios de citogenética, onde rótulos de tecido, de plástico ou papel vegetal resistente são afixados aos exemplares dissecados por meio de linha de boa qualidade. Este tipo de rótulo pode ser usado em exemplares de maior porte, porém é difícil de prender a exemplares de pequeno porte e pode causar danos físicos ao exemplar. Para exemplares pequenos é possível isolar os indivíduos e seus rótulos em criotubos ou tubos de centrifugação. Também é possível imprimir rótulos de pequeno tamanho e inseri-los em cavidades dos indivíduos (e.g., fenda opercular em peixes, cavidade oral em outros vertebrados). Esta última opção é vantajosa

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no caso de material preservado em etanol absoluto, pois, neste caso, os exemplares ficam mais rígidos, o que ajuda a impedir que a etiqueta se desloque acidentalmente.

Sinalização de material. Convivência de material fixado com diferentes objetivos numa

mesma coleção científica exige cuidados especiais para evitar danos aos tecidos causados pelo contato com substâncias que degradam o DNA. Material destinado a estudos de DNA precisa ser mantido em freezers e, sobretudo, livre de contato com contaminantes que possam destruir o material genético. Esta necessidade é conflitante com a necessidade de manipulação dos exemplares para fins de identificação, catalogação, etiquetagem, etc. Frequentemente o material é manipulado por especialistas visitantes e estudantes que podem não ter familiaridade com os métodos de preservação de DNA. Nestas condições é conveniente usar sistemas de sinalização que permitam facilmente distinguir o material fixado para estudos morfológicos do material fixado para estudos de biodiversdiade molecular. Uma experiência bem sucedida foi adotada na Coleção Ictiológica do Museu Nacional através do uso de fitas coloridas amarradas no gargalo dos potes da coleção, de forma similar a sinalização amplamente utilizada em museus para indicar exemplares de tipos primários e secundários que necessitam de cuidados especiais. No caso da Coleção Ictiológica do Museu Nacional utilizam-se fitas amarelas para indicar lotes de exemplares destinados à remoção de tecidos e fitas verdes para indicar material fixado em etanol anidro que do qual já foi removida uma amostra de tecido. Estes exemplares são mantidos desta forma para distingui-los do material fixado em formalina e mantidos em etanol 70% e podem, eventualmente, ser usados para obter tecido adicional em caso de perda das amostras já extraídas. Uma vez que a identificação de espécies geralmente somente pode ser confirmada em laboratório, é comum dispor-se de mais exemplares fixados em etanol anidro do que a quantidade necessária para inclusão imediata na coleção de tecidos. Nestes casos, os potes são sinalizados com fitas roxas e representam amostras potencialmente incorporáveis na coleção de tecidos. A durabilidade do DNA em exemplares mantidos em temperatura ambiente é limitada, porém sua preservação em etanol representa um potencial de uso de pelo menos um ano, ou mesmo muitos anos no caso de uso de técnicas aprimoradas de recuperação de DNA antigo. No caso da Coleção Ictiológica do Museu Nacional os lotes destinados a estudos moleculares e morfológicos são provisoriamente mantidos lado-a-lado com elásticos de borracha, podendo eventualmente ser reunidos num mesmo pote de vidro como forma de economizar espaço físico.

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Protocolos de triagem e custódia de material. A necessidade de associar amostras de

tecidos com o material testemunho exige cuidados especiais, que normalmente não são necessários em coleções dedicadas exclusivamente a estudos de diversidade morfológica. Baseado em nossa experiência na curadoria de grandes coleções científicas, que envolvem múltiplos projetos e interesses, recomendamos a adoção dos seguintes protocolos mínimos.

1. Adoção de um sistema de numeração de eventos de coleta (“números de campo” ou “field numbers”) que permita identificar de forma inequívoca qualquer evento de coleta de material biológico. Um exemplo de sistema de numeração de campo bem sucedido é método de Codificação de Números de Campo constante na Norma Técnica para Informatização de Coleções Ictiológicas adotada pela Comissão de Informática da Sociedade Brasileira de Ictiologia

(http://www.museunacional.ufrj.br/vertebrados/vertebra/Norma.1.1.htm). Um sistema deste tipo evita a ocorrência de duplicidade de números usados por diferentes pesquisadores ou por erro de controle em numerações sequenciadas. 2. O uso de fichas de campo padronizadas que devem necessariamente ser

preenchidas no momento da coleta. Além dos dados de procedência usuais (localidade, data, nomes dos coletores, georeferenciamento obtido por GPS, etc.) esta ficha deve conter as anotações relativas à identificação das amostras de tecidos dissecados no momento da coleta. Estas fichas devem ser arquivadas nas instituições responsáveis pela curadoria das amostras e, em nenhuma hiótde devem ser tratadas como registros pessoais, sob pena de se perder o vínculo entre as amostras e os dados de campo, e, consequentemente, a validade das sequências identificadoras eventualmente obtidas nos estudos moleculares. 3. O uso de fichas de triagem de material coletado que permitam associar as

amostras com códigos identificadores independentes da identificação taxonômica, que frequentemente é subjetiva e sujeita a alterações. Estes códigos identificadores podem ser facilmente gerados através da combinação do código do evento de coleta com um número sequencial correspondente ao morfótipo reconhecido no momento da triagem do material recebido do campo. A principal vantagem deste sistema é a rotulagem de amostras de forma independente da identificação das espécies. Este número permite assegurar a coneção lógica entre amostras de tecidos e material testemunho mesmo nos

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casos em que o material ainda não foi identificado ou nos casos em que a identificação taxonômica é alterada posteriormente por um especialista. Este sistema de numeração de lotes também permite associar as amostras fixadas para estudos morfológicos com as amostras fixadas para estudos moleculares. Um modelo de planilha de triagem é apresentado na Figura 1. Este tipo de planilha também é muito conveniente na medida que facilita e torna mais eficiente a catalogação do material na coleção científica, mantendo organizados os vínculos entre amostras e destas com os dados de campo.

Figura 1. Modelo de planilha de triagem de material ictiológico em uso no Museu

Nacional. A planilha vincula os diferentes tipos de amostras aos dados de localidade associados a um Número de Campo. Cada lote de exemplares de mesma espécie é identificado pela combinação do número de campo com um número sequencial (SEQ). As quantidades de exemplares destinados a estudos morfológicos e molecualres são registrados nas colunas “Formol” e “Etoh”. A existência de alíquotas de tecido obtidas em campo a partir de exemplares destinados a estudos morfológicos é registrada na coluna “Tec.”. No momento da catalogação do material testemunho, os números de registro na Coleção Ictiológica são anotados na coluna MNRJ. A existência de informações sobre a existência de exemplares inteiros ou de tecidos nas colunas “Etoh” e “Tec.” remetem à Planilha de Pré-processamento de Material Genético (Fig. 2).

No caso de coleções biológicas em que o material é organizado em lotes de indivíduos, é necessário utilizar uma planilha adicional em que são registrados os dados pertinentes às amostras de tecidos. Este tipo de planilha permite registrar os dados relativos às amostras de tecidos destinadas a estudos moleculares (tipo de tecido preservado, identificação taxonômica, tipo de líquido preservativo, etc.), e deve permitir, sobretudo, o estabelecimento dos vínculos entre os dados da ficha de campo, os dados de catálogo do material testemunho, e a relação entre os códigos de identificação das amostras no campo e no laboratório e os números de registro na coleção de tecidos. Esta planilha também é

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usada diretamente na catalogação do material na base de dados institucional da coleção de tecidos. A Figura 2 apresenta um exemplo de planilha de preparação de dados de amostras de tecidos em uso no Museu Nacional.

Figura 2. Modelo de Planilha de Pré-processamento de Material Genético em uso na

Coleção Ictiológica do Museu Nacional. A combinação do Número de Campo com” -> “combinação do número de campo (anotado no campo superior) com o número do lote (coluna 1) permite vincular as amostras de tecido ao lote que contém o exemplar testemunho. As colunas 7 e 8 são usadas para registras os números de catálogo, respectivamente, da Coleção de Tecidos de Peixes e da Coleção Ictiológica.

Informatização de dados. No final do Século 20 o uso de bases de dados eletrônicos para

o armazenamento das informações sobre o material registrado em coleções biológicas tornou-se amplamente difundido, existindo atualmente muitos sistemas de gerenciamento de dados de coleções. A integração de coleções tradicionais com coleções de tecidos e a geração de sequências identificadoras, no entanto, representa desafios adicionais que nem sempre são adequadamente atendidos através dos sistemas tradicionais de curadoria de coleções. A triagem, organização processamento do material destinado a estudos moleculares pode se desenvolver em ritmos e formas diferentes daqueles adotados para o processamento tradicional. Além disto, o registro e catalogação de diferentes tipos de materiais pode envolver coleções e software distintos, especialmente nos casos em o registro do material para estudo morfológico é realizado em lotes, o que é incompatível com tratamento das amostras para estudo molecular que são tratadas de forma individualizada. Por fim, a disponibilização dos resultados nas bases de dados internacionais como GeneBank e o BoldSystems, exige o registro e controle de

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informações inerentes ao processamento laboratorial das amostras, tais como as informações sobre os primers utilizados e segmentos de gene amplificados. Estas informações são produzidas nos laboratórios moleculares independentemente da curadoria das coleções tradicionais. Atualmente, a disseminação de múltiplos marcadores genéticos em estudos de biodiversidade torna cada vez mais frequente a manutenção de coleções de extratos de DNA genômicos que são repetidamente utilizados. Em alguns caso é necessário identificar separadamente o produto de diferentes procedimentos de extração de DNA genômico. Assim pode ser conveniente o estabelecimento de uma coleção de extratos com um sistema de numeração próprio do laboratório, independente dos sistemas de curadoria das coleções de origem dos tecidos.

A integração de todas estas etapas pode ser demasiadamente complexa para ser feita através de uma base de dados centralizada, e envolve questões de segurança de dados que requerem acesso diferenciado entre diferentes usuários das coleções. A possibilidade de estabelecimento de redes colaborativas através de redes locais de computadores ou mesmo da Internet (através de métodos de computação em nuvem) permite particionar o acesso às bases de dados entre as diferentes etapas da cadeia de custódia de amostras (Figura 3). Assim as bases de dados de catalogação de material testemunho e de amostras de tecidos podem ser mantidas por técnicos e administradores de coleção. As planilhas de controle de processamento de tecidos podem ser mantidas de forma independente na nuvem computacional pelos técnicos responsáveis pela dissecção de tecidos e organização física das amostras, sem necessidade acesso às bases de dados mais críticas. Da mesma forma, os dados relativos aos extratos de DNA podem ser mantidos de forma independente pelos técnicos do laboratório molecular, os dados sobre as reações de amplificação de PCR e sequenciamento dos produtos destas reações podem ser administrados pelo pessoal envolvido na produção das sequências identificadoras propriamente ditas. Por sua vez, a integração de diferentes conjuntos de dados pode ser feita através de sistemas de base de dados relacionais, os quais permitem vincular diferentes tabelas (no sentido computacional do termo) de forma proporcionar uma visão integrada das informações de todos os processos que interligam a coleta do material biológico à efetiva produção, publicação e uso das sequências identificadoras DNA.

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Figura 3. Diagrama esquemático ilustrando a integração de diferentes coleções científicas,

processos e bases de dados envolvendo a geração de sequências identificadoras de DNA (DNA barcodes) de vertebrados no Museu Nacional.

A integração dos dados dos diferentes tipos de amostras e processos naturalmente somente é possível quando são adotados sistemas de registro de informação e protocolos de custódia que assegurem o uso de números de registros padronizados em todas as etapas da geração das sequências identificadoras.

Conclusão

A utilização de sequências identificadoras de DNA tem se mostrado uma eficiente ferramenta em estudos sobre biodiversidade. Destacam-se como exemplos bem sucedidos os estudos de ictiofaunas de bacias inteiras (Pereira et al., 2011; Carvalho et al., 2011). A eficiência do uso de DNA barcode na identificação de espécies de peixes pode chegar a 99,2%, mesmo em áreas megadiversas com a Região Neotropical (Pereira et al., 2013). A validade do uso das sequências identificadoras, no entanto, é fundamentalmente dependente da sua correta associação com os exemplares testemunhos utilizados para sua geração. O depósito do material testemunho em coleções científicas e a adoção de novos métodos de curadoria visando assegurar a perenidade e disponibilidade da associação entre as amostras, as bases de dados de coleções científicas e as sequências moleculares impõem-se com novas demandas a serem enfrentadas pelos curadores de coleções

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biológicas. Os aspectos de organização física e informacional discutidos acima devem ser considerados no atendimento destas novas demandas.

Agradecimentos

As atividades de pesquisa do autor são apoiadas pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq (proc. 307610/2013-6, 562308/2010-5, 564940/2010-0, 476822/2012-2) e Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro - FAPERJ (Proc. 111.404/2012). O autor agradece a hospitalidade da Associação de Amigos do Museu de Biologia Mello Leitão – SAMBIO, e de Luisa M. Sarmento Soares e Ronaldo F. Martins-Pinheiro em Santa Teresa. Marcelo Weksler, Daniel F. Almeida e William Bryann Jennings contribuíram significativamente para a organização do Laboratório de Pesquisa em Biodiversidade Molecular do Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro, cujo funcionamento serviu de base para as ideias aqui apresentadas.

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