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UM TRÁGICO E DESNECESSÁRIO CONFLITO

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Academic year: 2021

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CAPÍTULO I

UM TRÁGICO

E DESNECESSÁRIO CONFLITO

Está prestes a completar-se um século sobre o início do primeiro conflito mundial – a Grande Guerra, como então foi designado – e o princípio do fim da predominância europeia a nível global. A eclosão de um novo conflito mundial, em 1939, levou a generalidade dos his-toriadores a designar a Grande Guerra de 1914-1918 como 1.ª Guerra Mundial, batizando o mais recente como 2.ª Guerra Mundial. A ver-dade é que a resolução do primeiro conflito foi tão pouco conseguida que é consensual a ideia de que a paz verificada entre 1918 e 1939 não foi mais do que um armistício,1 retomando-se o mesmo conflito até

1945. As duas guerras, de 1914 a 1945, seriam, assim, apenas uma, a Guerra dos Trinta Anos do nosso século, conforme a classificou Charles de Gaulle. E, nessa hipótese, mereceria, ainda mais, a desig-nação de Grande Guerra.

Na sua grandeza e importância na caracterização do século XX, não haverá, provavelmente, outra guerra que a história registe cuja motivação e processo de desencadeamento, associada à absurda con-duta das operações militares, proporcione críticas tão severas sobre a sanidade mental de quem por ela foi responsável, política e militar-mente. Numa das obras mais credenciadas sobre a Grande Guerra, John Keegan inicia mesmo o seu texto com esta significativa anota-ção:

(1) Foi o que considerou o marechal Foch, em 1920, referindo-se ao Tratado de

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«A Primeira Guerra Mundial foi um trágico e desnecessário con-flito. Desnecessário, porque a sucessão de acontecimentos que levaram à sua eclosão podia ter sido travada em qualquer momento das cinco semanas que precederam o início dos com-bates, bastando, para tal, que fosse dada voz à prudência ou ao senso comum; trágico, porque as consequências do primeiro embate roubaram a vida a dez milhões de seres humanos, dilace-raram as vidas de muitos outros milhões, destruíram a cultura benevolente e otimista do Continente Europeu e deixaram, quando os canhões finalmente se calaram, quatro anos depois, um legado de rancor político e ódio racial tão intensos que nenhuma explicação das causas da Segunda Guerra Mundial

pode ser considerada sem referência a estas raízes.»1

Os três Quadros com que iniciámos este estudo, pertencendo ao período inicial da guerra, constituem como que o pano de fundo sobre o qual decorre toda a evocação que aqui vai ser feita: o absurdo das táticas empregues, o choque anímico provocado por uma guerra que não se assemelhava à preparação que as tropas haviam recebido, a ilu-são de uma guerra curta rapidamente transformada numa interminável guerra de trincheiras e a impreparação dos chefes militares para um tipo de guerra que muitos deles não haviam antecipado.

Para além destes aspetos de natureza essencialmente militar, o adjetivo absurdo tem cabimento em muitos outros, que procuraremos recordar através de uma vasta gama de registos e documentos da época.

No campo diplomático, a guerra acabaria por eclodir num momento de clara distensão internacional, quando fora possível, em tempos não muito recuados, superar crises bem piores sem o recurso à confrontação armada. Em 14 de novembro de 1914, já com a guerra em curso, Lloyd George haveria mesmo de afirmar que, «quando rebentou esta guerra, estávamos nas melhores relações com a Alema-nha dos últimos quinze anos. Não havia um só membro do governo que pensasse que a guerra com a Alemanha fosse uma possibilidade nas condições de então.»2

(1) KEEGAN, John, The first world war, p. 3.

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Se, a todas estas considerações, acrescentarmos que algumas das principais figuras políticas europeias envolvidas nos esforços diplo-máticos de julho de 1914 eram notórios adeptos da paz – Asquith, Lloyd George, Edward Grey, Bethmann-Hollweg, Gottlieb von Jagow, Sazonov –, o acumulado de absurdos não podem deixar de dar razão a Jean-Baptiste Duroselle (1917-1994), quando, na última obra que escreveu sobre a Grande Guerra, afirmou que «quanto mais nos aproximamos do século XXI mais a primeira guerra mundial nos parece incompreensível».1

O estudo desse sentimento de incompreensão – no sentido de não ser facilmente entendível o porquê de tantos acontecimentos e perspe-tivas que marcaram os anos anteriores à guerra se terem revelado tão flagrantemente inadequados – constitui, no essencial, o assunto prin-cipal do presente ensaio, excluindo propositadamente a apreciação do posterior desenvolvimento do conflito.

A questão da culpabilidade da guerra não constituiu objetivo prin-cipal deste trabalho. No entanto, constam do texto algumas considera-ções pontuais a esse respeito feitas sob a forma de comentários, da iniciativa do autor ou mediante citação de comentários de outros auto-res. De resto, o leitor encontrará no texto abundantes elementos documentais que lhe permitirão fazer um juízo, ainda que incompleto, sobre tal matéria. É preciso reconhecer que as falsidades e violências dos Alemães aquando da invasão da Bélgica, os termos do Tratado de Versalhes e os ecos da 2.ª Guerra Mundial levaram a uma leitura pouco equitativa sobre as origens da Grande Guerra. É com esta advertência que convém dispor o espírito para uma análise indepen-dente dos documentos disponíveis. Sobre estes, importa sublinhar a surpreendente abundância de documentos diplomáticos e militares postos à disposição dos investigadores num curto espaço de tempo após o termo da guerra. Também nesse aspeto – e, aqui, felizmente –, as expectativas foram largamente ultrapassadas.

Para minorarmos, nos dias de hoje, essa dificuldade em com-preender muitas das opiniões e decisões que responsáveis políticos e militares expressaram ou tomaram nos anos que antecederam a Grande Guerra, é indispensável ter em conta que, tal como atual-mente, no contexto da União Europeia, o receio de uma guerra é

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camente nulo, na Europa do final do século XIX e princípios do século XX tudo se passava de maneira substancialmente diferente. Devido ao acumulado de suspeições – mais do que devido a disputas concretas –, gerara-se uma generalizada certeza de que ia haver uma guerra europeia envolvendo as principais potências – França, Alema-nha, Áustria-Hungria, Rússia, Grã-Bretanha e Itália –, só faltando saber quando seria. Esta «certeza» deve ser vista como uma decisiva condicionante de toda a política da época, tanto no plano diplomático como nas medidas de aperfeiçoamento e reforço dos sistemas milita-res. A própria «ideia de guerra», sendo já combatida na Europa por movimentos de índole pacifista, ainda tinha respeitáveis defensores, que nela viam indiscutíveis benefícios. Pouco mais de trinta anos antes do início da Grande Guerra, um intelectual da envergadura de Émile Zola ia mesmo ao ponto de afirmar:

«Não seria o fim da guerra o fim da humanidade? A guerra é a própria vida. Nada existe na natureza, nada se cria, nada se desenvolve ou se multiplica senão através do combate. Temos de destruir e ser destruídos para que o mundo possa viver. Só as nações guerreiras têm prosperado: uma nação morre logo que se desarma. A guerra é a escola da disciplina, do sacrifício e da

coragem.»1

Iniciada a guerra na Europa – e reportando-nos somente ao teatro de operações que ficou conhecido por Frente Ocidental –, às opera-ções móveis, iniciadas no mês de agosto de 1914, seguiu-se, a curto prazo, um impasse estratégico que atiraria milhões de homens para uma interminável guerra de trincheiras. Incapazes de manobrar debaixo de uma intensidade de fogos que não souberam prever, as tro-pas de ambos os lados enterraram-se ao longo de uma autêntica teira da guerra que se estendia, desde o canal da Mancha até à fron-teira suíça, ao longo de cerca de 765 km. Milhões de homens ali per-maneceram, durante quatro longos anos, matando-se ingloriamente como se estivessem num cerco interminável. Esses acontecimentos bélicos foram vistos, pela maioria dos responsáveis, como algo de surpreendente e completamente fora do que era humanamente expec-tável. A generalidade dos generais seriam seguramente os primeiros a

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pugnar pela recusa de tal guerra se imaginassem que ela iria desenvol-ver-se como de facto se desenvolveu.

A história das quatro décadas que antecederam o conflito – muito marcada pela generalizada crença de que essa tal guerra aconteceria mais tarde ou mais cedo – é rica de ensinamentos sobre os sucessos e erros então cometidos, todos eles convergindo para o desastre político, social e militar em que a Grande Guerra se converteu.

É esse percurso político-militar – no qual, sempre que possível, procuraremos realçar as expectativas – que nos propomos evocar e analisar no texto que se segue.

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