Propedêutica Bíblica
24 de Abril de 2013 – Verdade na BíbliaORAÇÃO
Ezequiel 33, 30-33
30«E tu, filho de homem, fica sabendo que os filhos do teu povo te
criticam, ao longo das paredes e às portas das casas. Dizem uns aos outros: 'Vinde ouvir a palavra que vem da parte do SENHOR.' 31Depois,
acorrem em multidão a tua casa, sentam-se diante de ti, escutam o que dizes, mas não o põem em prática. Não fazem senão o que lhes agrada e não procuram senão o seu proveito. 32És para eles como um
trovador dotado de bela voz e que toca bem a sua cítara. Ouvem as tuas palavras, mas não as põem em prática. 33Porém, quando tudo isto
se realizar e eis que está já a acontecer reconhecerão que havia um profeta entre eles.»
Cultura e texto Bíblico
Inerrância – consequência da inspiração
É em virtude da inspiração que os Livros da Bíblia são para nós Palavra de Deus: oferecem ao homem a verdade sem erro, que o guia para a salvação histórica e escatológica
A Bíblia é uma unidade. AT e NT juntos, como conjunto unitário (analogia scripturae / semelhante à analogia fidei), permite o entendimento de cada texto no seu sentido autêntico
Verdade na Bíblia
Que a Sagrada Escritura não engane, está
subentendido no próprio Dogma da Inspiração.
Jo 10,35 – A Escritura não pode ser colocada em
dúvida
Lc 24, 44 / Act 1,16 – A Escritura deve cumprir-se
Mt 4,4 (…) “Está escrito” – introduz a escritura
Verdade na Bíblia
Já no judaísmo estavam presentes discordâncias (pelo
menos aparentes) entre os Livros do AT.
A tradição transmitia que que uma das bênçãos que
se receberia com o regresso de Elias seria a
explicação das aparentes discordâncias, por
exemplo, entre Ezequiel e a Torah.
As dificuldades foram patentes no cristianismo
nascente, obrigando a uma comparação entre AT e
NT. A primeira resposta foi ditada pela fé.
Verdade na Bíblia
• Trifão dizia: “Que as Escrituras possam opor-se entre si, é
coisa que não ousarei pensar. E se houvesse algo na
Escritura que assim parecesse, preferiria confessar que não compreendo o que aquilo significa.”
• Santo Ireneu: “Se não podemos encontrar uma solução
para todas as dificuldades que aparecem na Bíblia, seria impiedade querer procurar um Deus diferente do que Ele É!”
• As discordâncias levaram muitos escritores a recorrerem
à interpretação alegórica, como a forma de recuperar a verdade que, de outra forma, pareceria comprometida.
Verdade na Bíblia
•
No que respeita às discordâncias dos sinópticos
e do evangelho de João, Orígenes lembra que “é
necessário precisar que a verdade, no que se
refere a estes factos, está no seu significado
inteligível
•
No que respeita à pretensão da verdade
científica na bíblia, Agostinho disse: «(O Senhor)
queria fazer cristãos, não cientistas» “O Senhor
não quis ensinar nada que fosse inútil para a
Verdade na Bíblia
- S. Tomás de Aquino diz que a verdade na Escritura é questão de direito (não de facto). O dado de fé da verdade da Escritura deve ser objecto de um exame crítico.
-É preciso manter firmemente a “verdade na Escritura” -Quando a Escritura permite várias interpretações, é preciso descartar aquelas que a razão mostra serem inexactas
- A primeira e realmente contestação aconteceu na era moderna, com o caso Galilei. Foi uma discussão – choque sobre a inerrância da Escritura, em confronto com as
Verdade na Bíblia
- Atendamos à posição exegética de Galileu:
-“… Descendo destas coisas ao que nos interessa,
segue-se por necessária consequência que não tendo querido o Espírito Santo ensinar-nos se o céu se move ou se está parado, nem se a sua figura é plana ou em forma de esfera (…) Se o Espírito Santo não quis ensinar-nos semelhantes posições por não corresponderem à sua intenção, acaso poderá haver posição herética que não se refira de maneira alguma à salvação das almas? (…) atenho-me ao que ouvi (Cardeal Barónio), a
intenção do Espírito Santo é ensinar-nos como se vai ao céu , e não como vai o céu.”
Verdade na Bíblia - A questão da inerrância da Bíblia agudiza-se ainda mais no séc. XIX com o progresso das ciências e, em particular, dos avanços da história.
-Às teorias de Darwin, opôs-se o concordismo: aos dias da criação, pretendeu adequar-se um período geológico.
Revelou-se precária e vã pelo contínuo desenvolvimento dos sistemas científicos.
-No campo da Ciência histórica, o problema era ainda mais sério. Com os progressos da arqueologia e o estudo das línguas orientais e das literaturas extra-bíblicas, o
conhecimento do Antigo Oriente Médio parecia contestar o valor histórico da Bíblia
Verdade na Bíblia
- Respostas da Exegese Católica:
-Limitar o âmbito da Sagrada Escritura. Newman, por exemplo, julgava que a inspiração não se estendia ao material de pouca importância (meramente
anedótico, sem relação com a matéria de fé e de moral
-Em 1902, outra teoria é elaborada na revista Études: o Pe. Prat fala da teoria das Citações Implícitas,
segundo a qual os autores sagrados, ao mencionarem narrações de outros sem dizerem expressamente a proveniência, não se tornariam fiadores delas
Verdade na Bíblia
A Pontifícia Comissão Bíblica deita esta teoria por terra: admitindo que existam citações implícitas na Bíblia, pressupõe-se que o autor as faça suas pelo facto de não citar as fontes
A resposta que mais atenção teve foi a do Mons. Maurice D’Hulst (em 1893): “Uma coisa é revelar, outra é inspirar. A revelação é um ensinamento divino que só pode referir-se à verdade. A inspiração é uma acção motora que leva o escritor sacro a escrever, guia-o, impele-o e vigia-o. A inspiração garante o escrito de todo o erro em matéria de fé e de moral. Mas não além disso. A inspiração teria os mesmos limites da infalibilidade da Igreja”
Verdade na Bíblia
A Igreja, quando exerce (nos Concílios) a
autoridade de interpretar infalivelmente
a Escritura, aplica-a (ou a supõe aplicada)
às coisas de fé e de moral, mas não as
aplica às outras. É pouco provável que
Deus tenha feito a Bíblia infalível em
alguns assuntos, acerca dos quais não
teria pretendido sê-lo
Verdade na Bíblia
Esta teoria parecia resolver a questão… mas fez uma
distinção artificial e acabou por prejudicar a
universalidade da inspiração.
“Uma distinção entre doutrina religiosa e coisas
profanas na Bíblia, pressupõe uma concepção
intelectualista da revelação, como se Deus apenas
tivesse revelado e comunicado doutrinas.
Por outro lado, a limitação da inerrância apenas às
coisas religiosas, implicaria que muitas coisas na
Bíblia fossem profanas…
Como entender a inspiração dos autores para estes
escreverem coisas profanas?
Verdade na Bíblia
- Encíclica Providentissimus Deus (Leão XIII)
contradisse a solução de D’Hulst: “É totalmente
ilícito, ou restringir a inspiração a algumas partes
da Sagrada Escritura, ou pensar que o autor
sagrado tenha errado. Não se pode tolerar que,
para se desfazer das objecções que nos são feitas,
restrinjamos o âmbito da inspiração a algumas
partes apenas. Por sua essência, a inspiração
divina exclui todo o erro
Verdade na Bíblia
As encíclicas Spiritus Paraclitus (Bento XV),
Pascendi (Pio X) e Divino Afflante Spiritu
(Pio XII) reforçam este pronunciamento.
Todavia, podemos reconhecer que, na
posição de D’Hulst havia uma intuição justa:
é necessário (de alguma forma) interpretar
a verdade Bíblica sob o aspecto religioso,
como dirá o Concílio Vaticano II (DV, nº 11).
Verdade na Bíblia
Outras respostas inadequadas apareceram depois da
Providentissimus Deus:
Teoria da Verdade Relativa e da falibilidade parcial
(admitiam-se erros na Bíblia para as coisas científicas e históricas.)- A. Loisy
Teoria das aparências históricas
(estendia-se às secções narrativas históricas da Bíblia o que se pode e o que se deve dizer das coisas científicas: o teólogo, ao não descrever a essência íntima do fenómeno científico, mas apenas a sua aparência sensível, expõe não os factos objectivamente, mas como são
Verdade na Bíblia
• Embora fossem notáveis esforços de precisão, a verdade
é que abriam espaços a equívocos: Não há paridade entre fenómenos da natureza e acontecimentos históricos no âmbito da história da salvação. Que tipo de história seria “segundo as aparências”? Que semelhança pode haver entre as coisas naturais e a história, quando as coisas físicas se referem a tudo o que aparece sensivelmente (deve concordar com o fenómeno); pelo contrário, a principal lei da história é esta: a necessidade de que o escrito concorde com as coisas acontecidas.
Verdade na Bíblia
•
A Encíclica Divino Afflante Spiritu abre um
novo caminho de compreensão: recorda que
os escritores expunham os factos com uma
técnica expositiva e linguística diferente da
nossa: “trata-se de modos nativos e usuais
de dizer ou narrar, que usavam nas suas
conversas e troca de ideias.” Isto é,
reconhece-se a legitimidade dos géneros
literários, e convidam-se os exegetas a uma
correcta compreensão destes
Verdade na Bíblia
•
Ler DV 11
•
Será importante percorrer o itinerário da
formação do texto para melhor o entender
•
O esquema pré-conciliar era negativo. O
vocabulário usado gira em torno de “erro e
inerrância”. O termo Verdade aparecia 3
vezes, sem relação com a revelação e a
salvação
Verdade na Bíblia
•
Verdade era apenas conformidade com a
realidade objectiva que o autor sagrado quis
narrar por escrito.
•
O esquema I afirma que a Inspiração exclui
necessariamente todo o erro em qualquer coisa
religiosa ou profana. Cita a Providentissimus Deus
e a Divino Afflante Spiritu, que afirmam que a
Verdade na Bíblia
•
O esquema II não foi discutido (foi distribuído e
pediram-se observações por escrito).
•
Preocupa-se sobretudo com a interpretação da
Sagrada Escritura; o termo verdade adquire
conteúdo teológico (Verdade que Deus quis
comunicar).
•
Deixou de se dizer: “não tem erro”, para se afirmar:
“ensina sem erro a Verdade” – é o Livro de Deus não
porque isenta de erros, mas porque ensina sem erro
a verdade de Deus
Verdade na Bíblia
Espontaneamente surge a questão: Que
Verdade ensina a Bíblia?
O esquema IV dá uma resposta: o tema do cap
11 passa a ser o facto da Inspiração e da
Verdade (enquanto verdade salvífica).
Na discussão do esquema III, solicitou-se que
se especificasse (lealmente) que verdades a
Bíblia nos quis ensinar. Sublinhou-se que, em
termos de história natural, a Bíblia tem um
“deficit a veritate”
Verdade na Bíblia
• Se, por um lado, as descobertas do Oriente confirmavam a
credibilidade do AT, por outro, ofereceram um resultado que não seria contradito pelo progresso das ciências.
• Mc 2,26, lido em paralelo com 1Sm 21, 5ss. Mt 27,9 cita Zc
11,12, e não Jeremias; Dn 1,1 (assédio de Jerusalém) aconteceu não no terceiro ano de Joaquim, mas 3 anos mais tarde.
• No que se refere à veste exterior, manifesta-se a condescensio Verbi Divini, de que fala a DV 13. a sua
falibilidade não questiona a Verdade da Bíblia.
• A escolha da expressão veritatem salutarem
compreendem-se os factos que estão relacionados com a história da salvação.
Verdade na Bíblia
•
Assim, a verdade salvífica contida na Escritura é o
desenvolvimento da história da salvação, e portanto
refere-se não só às palavras e às doutrinas, mas
também aos factos.
•
Este termo vinha já de Trento; mas era novidade
aplicá-lo ao problema da inerrância bíblica.
•
No entanto, muitos julgaram que se oporia à
providentissimus Deus, dando largas a que se
resumisse a verdade a questões da Fé e da moral. A
14 de Outubro de 1965, escreveram a Paulo VI
alertando que a introdução desse conceito
restringiria inerrância na Bíblia
Verdade na Bíblia
•
A comissão, mesmo tendo esclarecido que a
fórmula não queria introduzir nenhuma
limitação, renunciou a ela. Optou por uma
equivalente: “por isso mesmo se deve
acreditar que os livros da Escritura ensinam
com certeza, fielmente e sem erro a verdade
que Deus, para nossa salvação, quis que
fosse consignada nas sagradas Letras”
Verdade na Bíblia
• O Concílio assumiu uma atitude positiva quanto a este
problema. Não nos abeiramos da Escritura simplesmente porque ela não erra, mas porque nos transmite a “Palavra da Salvação”.
• Inspiração e inerrância devem ser entendidas em primeiro
lugar à luz da vontade de Deus 2 Tim 3, 16-17
• A formulação anterior prestava-se a equívocos. A nova
formulação não permite uma interpretação errada. Não há limite à inspiração, mas indica a sua especificação formal. Assim devem-se resolver as dificuldades das suas inexactidões geográficas e cronológicas. O Concílio dá doutrina; não constrói uma teoria.
Verdade na Bíblia
•
Objecto formal da Revelação e da verdade Bíblica:
– A revelação histórica da Bíblia tem conteúdos que
também são objecto da filosofia, da história e das ciências exactas. Não se deve partir deles isoladamente, mas do como e quanto o objecto formal da inspiração (a razão da salvação) se realiza neles.
– Inspiração e verdade aplicam-se a toda a escritura: a
segunda em diferentes graus, dependendo da maneira como se realiza o objecto formal da Escritura inspirada
Verdade na Bíblia
•
No âmbito da metafísica: não pretende ser um
sistema coerente como Aristóteles ou Platão.
Deste ponto de vista técnico, a Bíblia nada
ensina. Em contrapartida, traz a afirmação
explícita ou difusa de realidades ou valores que
regem a metafísica: a unicidade de Deus vivo, a
criação, a antropologia sem dualismos…
Verdade na Bíblia
•
No âmbito das ciências naturais: as ideias
podem mudar, a ciência deve evoluir, sem que a
mensagem bíblica venha a sofrer com isso. O
Biblista e o teólogo devem vigiar para que não se
emprestem à Bíblia afirmações que ela não faz…
•
A ideia de criação deixa intacta a questão de
como Deus cria, que partes confia às causas
segundas…
Verdade na Bíblia
• No âmbito da História envolvem-se muitos aspectos, tais
como o da variedade dos géneros literários. É importante não confundir “História exacta” com “História verdadeira”. O ensinamento dos livros sagrados não pode ignorar a história, porque a revelação não se refere a verdades abstractas (espiritualidade desencarnada), mas a um facto: a realização da salvação por meio de Cristo: ponto de chegada de uma longa preparação histórica, e ponto de partida para uma nova etapa no desígnio salvífico
Verdade na Bíblia
• Géneros Literários e verdade na Bíblia: é necessário
identificar e fazer correcto uso dos géneros literários para chegarmos às autênticas afirmações bíblicas e à sua verdade. O seu carácter específico é o nexo íntimo entre forma literária e conteúdo que se quer exprimir e comunicar. Esta questão fora já identificada na Divino
Afflante Spiritu. O nº 12 DV faz disso um imperativo
precioso. O Livro de Jonas, por exemplo: dá ideia de ser um relato histórico da vida daquele homem. O peixe poderá ser um carácter imaginário e miraculoso (insere-se no contexto de mitos de ingestão, muito difundidos…)
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• Progresso da Revelação e verdade das afirmações
bíblicas: a Bíblia é o Livro do Povo de Deus, instrumento da sua divina educação. O mistério da salvação é revelado na história e através da história (cresce com o tempo). Deus conduz os homens gradualmente (Heb 1, 1-2). A este propósito, ler DV 15
• Do ponto de vista dogmático, nenhum texto do AT
apresenta uma doutrina completa sobre qualquer ponto da fé. É necessário relê-los todos a partir de Cristo, projectando neles a Sua luz, para entender o seu alcance exacto (por exemplo, o messianismo régio…)
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• Do ponto de vista moral, é a mesma coisa. A Lei da
perfeição veio até nós com Jesus. Inclusivamente, a Escritura comportava imperfeições por causa da dureza do nosso coração (Mt 5, 17-19).
• Pontos de maior dificuldade: herem (ordem de matar e
destruir tudo e todos nas terras conquistadas), A
matança no monte Carmelo por obra de Elias, Vingança e Salmos imprecatórios.
• A Lei de Talião (Ex 21, 23-24) tende a limitar os excessos
Verdade na Bíblia
• Nos salmos imprecatórios, invoca-se a vingança divina
(tem-se um sentido agudíssimo da justiça de Deus; a verdadeira solução está no NT)
• A verdade de cada texto está na globalidade de toda a
mensagem do AT e do NT. É o princípio da Analogiae
Scripturae, consagrado na DV 12. Hugo de S. Vitor dizia
que a Escritura é um só Livro, e este único Livro é o próprio Cristo.
Verdade na Bíblia
• A verdade de cada texto do AT não tem carácter
definitivo, mas é aberta e complementar, em relação a todo o conjunto dos livros do AT no Cânone: “O todo
compreende e conserva também o particular”. Sem o NT, estão incompletos, sem a total dimensão da sua verdade.
• Mas deve ficar claro o valor perene do AT. Também o NT
carece do AT para ser perfeitamente claro.
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