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A temática da ascensão do visionário e do culto celeste

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Academic year: 2021

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A temática da ascensão

do visionário e do culto celeste

Suely Xavier dos Santos e Luiz Felipe Coimbra Ribeiro1

Resumo

As narrativas de ascensão ao céu e culto celeste são recorrentes no mundo religioso do Antigo Oriente próximo e no Mediterrâ-neo. Este artigo procura analisar alguns textos judaicos e cris-tãos da literatura apocalíptica de ascensão e relatos místicos a partir do segundo século a.C. nestes espaços religiosos.

Pala-vras-chave: ascensão, culto celeste, templo, trono-carruagem,

visionário.

The thematic of Ascension of the Visionary and of

Celes-tial Worship

Abstract

Narratives of ascension to heaven and celestial worship are re-current in the religious world of the Ancient Near East and Mediterranean. This article seeks to analyze some Jewish and Christian apocalyptic literature texts of ascension and mystic reports from the second century a.C. in these religious spaces.

1 O autor e a autora deste artigo são mestrandos em Ciências da Religião, U

MESP, bolsistas CAPES. Endereço Eletrônico: felipe.camus@terra.com.br e suelyxavier2@uol.com.br

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Key words: Ascension, heavenly worship, temple,

throne-carriage, visionary.

1. Narrativas de ascensão do visionário

Nas narrativas de ascensão do visionário, segundo Smith, “al-gumas estórias falam de ascensão em sonhos, outras, em visões en-quanto acordado, outras, de ascensões da alma deixando o corpo, ou antes, ou depois da morte, e ainda outras, de ascensões do corpo tanto nessa vida quanto na ressurreição”2. No Livro dos Vigilantes3 de 1 Enoque, por exemplo, encontra-se a narrativa de ascensão do visionário e descreve a elevação de Enoque por ventos aos céus:

E eis que eu vi as nuvens: E elas estavam me chamando numa visão; e as brumas estavam me chamando; e o curso das estre-las e os relâmpagos estavam me apressando e me fazendo dese-jar; e na visão, os ventos estavam me fazendo levitar e me im-pelindo para o alto no céu. E eu continuei subindo (ao céu) [...] (1 En 14:8).4

A obra judaica com interpolações cristãs Ascensão de Isaías5

descreve a ascensão do visionário em termos de um arrebatamento do espírito, em que o corpo de Isaías permaneceu inerte durante sua viagem pelas hostes celestes. Mas, dentre as narrativas de ascensão

2 SMITH, Morton. Ascent to the Heavens and the Beginnings of Christianity. Studies in the

Cult of Iahweh Volume 2: New Testament, Early Christianity and Magic. Leiden: E. J. Brill,

1996, p. 48.

3 Tida como a mais primitiva das obras que compõem o Enoque Etíope (possivelmente III séc.

a.C.), em razão da descoberta e publicação por J. T. Milik de fragmentos aramaicos dessa obra em Qumran.

4 Todas as citações de 1 Enoque serão uma tradução do inglês para o português da tradução de

ISAAC, E. In: CHARLESWORTH, James. The Old Testament Pseudoepigrapha: Volume 1: Apocalyptic Literature and Testaments. New York: Doubleday, 1983.

5 Os capítulos 1-5 dessa obra compósita recebem o nome de Martírio de Isaías. Foram escritos

originalmente em hebraico, no século II a.C., por um judeu da Palestina do ciclo dos essênios de Qumran, provavelmente na ocasião da perseguição de Antíoco IV Epifanes. Os capítulos 6-11, chamados Visão de Isaías, e que constituem propriamente a ascensão de Isaías, estão escritos em grego do século II d.C., por um judeu cristão ou cristão gnóstico. MACHO, A. Diez. Apócrifos del Antiguo Testamento. Vol. IV. Madrid: Cristiandad, 1984, p. 259.

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do visionário nos apocalipses de ascensão, certamente a mais curiosa e bizarra é a encontrada no Apocalipse de Abraão6, uma obra

exegé-tica apocalípexegé-tica sobre o texto de Gn 14 e 157, de acordo com

Weitzman. Nesta narrativa, Abraão ascende aos céus graças aos sa-crifícios feitos a Deus, e a sua subida às hostes celestes se dá na ga-rupa de uma das aves separadas para o sacrifício, “o anjo me segurou pela mão direita e me colocou sobre a asa direita do pombo. Ele mesmo sentou-se sobre a asa esquerda da rola: nenhum dos dois havia sido imolado nem dividido. Ele me levou até a beira da chama do fogo. Subimos como se estivéssemos transportados pelos ventos até o céu fixado em cima dos firmamentos”.8 (Ap Ab 15:3-5).

Ao que tudo indica, tais narrativas de ascensão celestes não e-ram entendidas apenas como mera ficção. Tanto que os apoca-lipses de ascensão e a literatura mística judaica da Hekhalot funcionavam, no mínimo, como exemplo ao leitor desejoso de repetir as façanhas dos memoráveis heróis bíblicos (no caso da pseudoepigrafia da apocalíptica) e dos rabis (no caso da Hekha-lot). No que diz respeito à literatura Hekhalot, segundo Him-melfarb9, seus relatos curtos de ascensão celeste podem ser considerados como verdadeiros manuais de instrução de como ascender ao trono de Deus.

Dentre as instruções práticas de como proceder na ascensão encontram-se os nomes dos anjos que guardam as portas dos sete palácios, os quais deveriam ser pronunciados corretamente a cada

6 Datado após o ano 70 d.C. por MACHO, A. Diez. Vol. I. 1984, p. 301 e para os anos que logo

seguiram a destruição do Templo de Jerusalém por MUELLER, James. The Apocalypse of

Abraham and the Destruction of the Second Jewish Temple. In: Society of Biblical

Literatu-re: Seminar Papers, 1982, p. 346.

7 Cf. WEITZMAN, Steven. The Song of Abraham. In: Hebrew Union College Annual, Vol.

LXV, 1994, p. 21.

8 Todas as citações do Apocalipse de Abraão serão feitas a partir da tradução de Hedley

Frede-rick Sparks (Ed.) The Apocriphal Old Testament feita por TILESSE, Caetano. Apócrifos do Antigo Testamento: Volume 1. Revista Bíblica Brasileira, ano 16, Número especial 1-2-3. Fortaleza: Nova Jerusalém, 1999, p. 292.

9 HIMMELFARB, Martha. Heavenly Ascent and the Relationship of the Apocalypses and the

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anjo guarda, os selos que o místico tinha de mostrar a cada um dos guardas e instruções de como proceder nos palácios10.

Nas instruções de como proceder nos palácios, por exemplo, a Hekhalot ensinava o aspirante a viajante a vencer uma série de testes colocados pelas hostes angélicas para provar o valor do místico. Em Hekhalot Rabbati (#258-9; 26:1-2), o rabi ensinava o viajante a só aceitar entrar no palácio celeste depois que os anjos o convidassem uma segunda vez. O místico valoroso não deveria entrar no palácio senão após o segundo convite. O castigo para os místicos tolos que entravam após o primeiro convite era a morte pelos machados empu-nhados pelo anjos. Em Hekhalot Zutrati (#407-09) o rabi ensina a seus alunos como passar num segundo teste. O teste diz respeito ao mármore maravilhoso do sexto palácio celeste que se assemelha a incontáveis gotas de água. Aqui a Hekhalot instruí o místico a não perguntar sobre “aquele mar grandioso” no sexto palácio, pois o viajante valoroso sabia reconhecer o mármore do sexto palácio. O simples refrear da pergunta levaria o místico para diante do trono de Deus11.

Apesar de práticos em seu conteúdo e sua semelhança com a magia, as instruções para ascensão e descida celeste da Hekhalot tinham como propósito a contemplação do trono-carruagem de Deus. Não havia neles o objetivo de divinização do viajante. Segundo Smi-th12, era também corrente no Oriente a crença de que a ascensão

ce-leste transformava o visionário num deus. É assim que em Ezequiel, o trágico poeta, Moisés sobe a um Horebe celeste e se transforma num Cosmocrata.

De semelhança notável com as instruções da Hekhalot para ascensão ao céu e com o objetivo de tornar o viajante num deus, a chamada Liturgia de Mitras dos Papiros Mágicos Gregos (PMG IV 475-829), trata-se de um encantamento com instruções de como subir

10 Ibidem., p. 80. 11 Ibidem., p. 89.

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ao céu e como se portar diante das hostes celestes. No trecho que descreve com detalhes a ascensão lê-se:

Tome ar dos raios, inspirando o ar 3 vezes o máximo que con-seguir, e você verá a si mesmo sendo levantado e ascendendo às alturas, de forma que você parecerá estar flutuando. Você não ouvirá nada vindo de homem ou de qualquer outra criatura vi-va, nem verá nada que pertença às coisas mortais da terra na-quela hora, mas em vez disso você verá todas as coisas imor-tais. Pois naquele dia e hora você verá a ordem divina dos céus.13 (PMG IV 540-545).

Assim como na Hekhalot, a Liturgia de Mitras descreve a as-censão celeste como uma jornada cheia de perigos, na qual o viajante precisaria entoar uma série de encantamentos a fim de se ver livre do ataque de deuses raivosos.

E você verá os deuses encarando propositadamente você e cor-rendo na sua direção. Então de pronto leve o seu dedo direito à boca e diga: “Silêncio! Silêncio! Silêncio! Símbolo do vivo e incorruptível deus! Guarde-me, Silêncio, NECHTHEIR THANMELOU!” Então faça um longo som de assobio e depois um som de estouro, e diga: “PROPROPHEGGE MORIOS PROPHYR PROPHEGGE NEMETHIRE ARPSENTEN PI-TETMI MEOY ENARTH PHYRKECHO PSYRIDARIO T-YRE PHILBA”. Então você verá os deuses olhando graciosa-mente para você e não mais correndo na sua direção, mas em vez disso eles estarão entretidos com seus próprios afazeres.14 (PMG IV 555-565).

A transformação do viajante em ser divino (imortal) parece ser o objetivo principal da ascensão celeste descrita no encantamento da Liturgia de Mitras.

Dessa forma, observa-se que a descrição da viagem do visio-nário como uma jornada cheia de riscos não aparece na apocalíptica

13 Todas as citações feitas da Liturgia de Mitras serão feitas, a partir da tradução para o

portu-guês, da tradução de BETZ, Hans D. The Greek Magical Papyri in Translation. Chicago: The University of Chicago Press, 1986, p. 48-49.

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como ocorre na literatura Hekhalot e em PMG IV 645-50. Neste caso, os únicos apocalipses de ascensão que fazem uso dessa temáti-ca são o Apotemáti-calipse de Abraão e o Apotemáti-calipse de Sofonias. No pri-meiro, a temática da jornada perigosa não se encontra devidamente desenvolvida e se faz presente no conselho de Azazel a Abraão para que este desça das alturas de onde se encontra. Já em Sofonias, a temática se acha de forma bem definida na descrição da viagem ao Hades e do perigo de anjos ameaçadores com rosto de pantera que se achegam ao visionário. Ao que tudo indica, os anjos só não atacaram o visionário por causa de sua retidão e virtude, tema também muito recorrente na literatura Hekhalot.

2. Descrição da esfera celeste

como templo e culto celestial

A imagem do céu como templo, a presença de um culto celeste com direito a sacerdotes angélicos, hinos e até sacrifícios é muito recorrente nos apocalipses de ascensão judaicos e cristãos. Sua gêne-se gêne-se deu ainda cedo na história do cânon da Bíblia Hebraica, no livro de Ezequiel, a visão do trono-carruagem em Ez 1 e 10, por meio da qual ele contempla de fato a Glória de Iahweh deixando o templo, é o início de uma nova modalidade literária que divorcia a divindade de moradas terrenas fixas, segundo Martha Himmelfarb,

A visão de Ezequiel do trono-carruagem marca o início de uma tendência a desassociar a morada celeste de Deus do templo em Jerusalém. Um século e meio antes de Ezequiel, o profeta Isaías viu sua visão de Deus sentado em seu trono, cercado por hostes celestes, no Templo de Jerusalém. (...) Se para Isaías, em mea-dos do século VIII, o templo era o lugar natural para se encon-trar Deus, no início do século VI Ezequiel chegara ao entendi-mento de que o templo estava tão corrompido que já não mais servia como lugar ideal para a morada da Glória de Deus.15

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A troca do templo de Jerusalém pelo trono-carruagem em E-zequiel como lugar de repouso da Glória de Deus inicia um novo paradigma para as demais descrições de templos celestes nos apoca-lipses de ascensão judaicos e cristãos. Pois é a partir daí que o trono de Deus, representado pelos querubins da arca da aliança, transfor-ma-se em um trono móvel que vai ascender aos céus para um templo construído não por mãos humanas.

Tanto Himmelfarb quanto Nickelsburg defendem uma imagem do céu como templo para o Livro dos Vigilantes. De acordo com Martha Himmelfarb, vários elementos sacerdotais da visão de Eno-que apontam para a imagem do templo celeste. Em primeiro lugar, vê-se na própria missão de Enoque de interceder pelos Vigilantes caídos (1 En 12 e 13) um elemento sacerdotal. Enoque é, no livro dos Vigilantes, um tipo de sacerdote que intercede por esses seres angéli-cos caídos.16 Há inclusive quem leia na proibição divina dos

Vigilan-tes em ter relações com as filhas dos homens um eco às acusações de casamento ilícito dos sacerdotes do segundo templo com mulheres estrangeiras, como nos tempos de Esdras e Neemias.17 Essa

interpre-tação é bem plausível, ainda mais quando se compara a reprimenda do Livro dos Vigilantes com textos nos quais a corrupção do sacer-dócio por meio do casamento com estrangeiras é descrita (como nos Salmos de Salomão 2:11-13 [13-15]; 8:9-13 [9-14] e no Documento de Damasco, col. 4, linhas 12-19)18.

Para o Livro dos Vigilantes, portanto, os Vigilantes são tam-bém sacerdotes. Em 1 En 15:2-3, uma crítica de Deus aos Vigilantes caídos porque estes enviaram Enoque para interceder por eles susten-ta essa hipótese: “E diga aos Vigilantes do céu pelos quais você foi enviado para interceder: ‘cabe a vós interceder pelos homens, e não os homens por vossa parte’”. Na figura de sacerdotes, cabia aos Vigi-lantes o papel da intercessão. Por isso, até mesmo a corrupção do

16 HIMMELFARB, Martha. 1993, p. 25. 17 Ibidem., p.21.

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templo terrestre é refletida no templo celeste de 1 Enoque 14.19 A

visão de Enoque do edifício celeste aponta também para a imagem do templo de Jerusalém.20

Se no Livro dos Vigilantes a temática do culto celeste já se en-contra bastante desenvolvida, em 2 Enoque21 tal temática empresta

do Livro dos Vigilantes e dá um passo adiante. É interessante notar, por exemplo, como o Enoque Eslavo transforma a viagem do visio-nário, que se deu por apenas um céu22 no Livro dos Vigilantes, numa

jornada por sete céus em que elementos da viagem ao fim da terra (1En 17-36) são re-trabalhados para se encaixarem no esquema de sete planos celestes. Entretanto, em 2 Enoque, nem todos os céus são descritos segundo um templo.

Dentre os sete céus, é no sexto e no sétimo que se observa mais explicitamente o tema do templo. No sétimo céu é onde se en-contra o trono de Deus. A Enoque é permitido primeiro contemplar Deus à distância; ele vê um trono, querubins e louvor, todas elas imagens cúlticas.

[...] a noite, nem deixando durante o dia, permanecendo diante da face do Senhor, [...] realizando a sua vontade — com todos os exércitos de querubins em volta de seu trono, nunca o dei-xando, e outros com seis asas cobrindo o seu trono, cantando diante da face do Senhor” (2En 21:1).

O uso da expressão “a noite, nem deixando durante o dia” faz alusão ao serviço dos sacerdotes comuns no templo de Jerusalém.

Contudo é a temática da transformação do viajante celestial em anjo que mais explicita o céu como templo em 2 Enoque. A me-tamorfose pela qual passa Enoque trata-se na verdade não de mera transmutação em ser angélico, mas a investidura do sacerdócio. Após

19 Ibidem., p. 22. 20 Ibidem., p. 14.

21 A datação de 2 Enoque é tida como anterior à destruição do Templo, em 70 d.C, no séc I.

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uma segunda prostração de Enoque em razão do pavor que lhe aco-mete, pavor por estar contemplando a Deus, o Senhor ordena a Mi-guel que o levante e o coloque diante da sua face. Daí então segue sua investidura sacerdotal, quando novas vestes lhe são dadas (vestes sacerdotais) e óleo lhe é derramado: “e o Senhor disse a Miguel: ‘Tome a Enoque, e tire dele as vestes terrestres. E unge a ele com o óleo delicioso, e vista-o com as vestes de glória” (2En 22:6,7). Vale destacar que o resplendor do óleo é muito próximo do brilho glorioso do Templo de Herodes, descrito por Flávio Josefo em Guerra dos Judeus 5:222-2323, “e a aparência daquele óleo era maior que a maior

das luzes, sua unção como doce orvalho, e sua fragrância, como mir-ra; e seu brilho era como o do sol” (2En 22:9).

O que segue à unção é então a maior evidência de que o leitor está diante da investidura sacerdotal de Enoque. O herói é transfor-mado num anjo/sacerdote. “Eu olhei para mim mesmo e havia me tornado como um dos Gloriosos, e não havia diferença alguma” (2En 22:10).

A temática de culto celeste da mesma forma se faz presente em todo o Apocalipse de Abraão, tanto na parte narrativa (caps. 1-8) quanto no apocalipse em si (caps. 9-32). Na seção narrativa, o moti-vo da destruição da família de Abraão e de sua descoberta do verda-deiro Deus está no sacrifício aos ídolos. No apocalipse é também o sacrifício que torna possível a viagem celeste de Abraão. Na ascen-são, tanto de Abraão quanto do anjo, o guia que os acompanha se dá por meio das aves sacrificadas a Iahweh, sacrifício esse inspirado em Gn 15. Abraão sobe aos céus nas asas da pomba (Ap Ab 15). O culto está, portanto, bem presente no relato da ascensão de Abraão.

No Apocalipse de Sofonias podemos encontrar também ele-mentos que indicam uma caracterização do céu como Templo. Per-cebe-se uma certa identificação do visionário anônimo de Sofonias

22 COLLINS, Adela Yarbro. Cosmology and Eschatology in Jewish and Christian

Apocalypti-cism. Leiden: E. J. Brill, 1996, p. 25.

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com o ofício do sacerdote, quando este intercede pelas almas que eram castigadas: “E eu vi todas as almas dos homens que estavam sofrendo o castigo. Então gritei para o Senhor todo-poderoso: Tu que habitas com os santos; tem compaixão daqueles que sofrem esse castigo”24 (Ap Sf [1-9] Akmim 1:6). Também caracteriza a imagem

do céu como Templo a transformação pela qual passa o visionário em ser angelical e sua participação na liturgia celeste:

Cantavam louvores na minha frente, milheiros de milheiros e miríades de miríades de anjos. Eu também vesti um traje de an-jo. Via todos esses anjos orando; e eu também fiquei orando com eles. Conhecia sua linguagem que falavam comigo”25 (Ap Sf 3:3,4).

Outro elemento que encontramos nessa literatura são os hinos celestes. A presença de hinos e cânticos no céu é mais um indício de que o templo serviu de modelo ao imaginário das esferas celestiais nos apocalipses de ascensão judaicos e cristãos. Assim como os hi-nos acompanhavam o sacrifício na liturgia do Segundo Templo, tam-bém era constante a presença de cânticos entoados por anjos ou pelo próprio visionário nos apocalipses de ascensão.26

No entanto, apesar de freqüentes as menções ao entoar de hi-nos pelas hostes angélicas e da participação humana hi-nos cânticos, a exposição do conteúdo desses hinos é rara27 na literatura

apocalípti-ca. Assim, há a idéia de que os hinos angélicos têm a função de pos-sibilitar a subida do visionário aos céus para a contemplação do culto celeste.

24 TILESSE, Caetano, 2000, p. 224. 25 Ibidem., p. 228. 26 HIMMELFARB, Martha. 1993, p. 35-6. 27 WEITZMAN, Steven. 1994, p. 23.

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Considerações finais

Após o exposto, observa-se que os místicos desse período pro-curavam no êxtase uma forma de transcender a esfera terrena, nesse sentido ocorre um misticismo em que, segundo Nogueira, há a possi-bilidade, ao que parece, de um “gnosticismo judaico”, a saber, “trata-se de um misticismo judaico que, a partir do referencial simbólico da visão do trono-carruagem de Ezequiel 1, reinterpreta a Escritura e está presente, tanto na origem do cristianismo primitivo, assim como nas mais antigas tradições rabínicas”28.

Assim, o estudo destes textos possibilita, então, a compreen-são do período de uma efervescente literatura da tradição rabínica e apocalíptica num momento em que o êxtase, individual e quem sabe comunitário, talvez fosse o momento de enlevação desta esfera para outra, a fim de superar os constantes conflitos existentes nas comu-nidades judaicas, a partir do segundo século a.C., e cristãs, a partir do primeiro século d.C.

28 NOGUEIRA, P. A. S. Culto Extático no Hino de Auto-Exaltação (4Q471, 4Q427, 4Q491c):

Implicações para a compreensão de um fenômeno cristão primitivo. Revista Estudos de

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