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LEANDRO MATTHEWS CASCON

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

MUSEU NACIONAL

LEANDRO MATTHEWS CASCON

ALIMENTAÇÃO NA FLORESTA TROPICAL:

Um estudo de caso no sítio Hatahara, Amazônia Central, com base em Microvestígios Botânicos

Rio de Janeiro 2010

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Leandro Matthews Cascon

ALIMENTAÇÃO NA FLORESTA TROPICAL:

Um estudo de caso no sítio Hatahara, Amazônia Central, com base em Microvestígios Botânicos

Dissertação de Mestrado submetida ao Mestrado em Arqueologia, Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como requisito necessário à obtenção do grau de Mestre em Arqueologia.

Orientadores: Rita Scheel-Ybert e Eduardo Góes Neves

Rio de Janeiro Agosto de 2010

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Leandro Matthews Cascon

ALIMENTAÇÃO NA FLORESTA TROPICAL:

Um estudo de caso no sítio Hatahara, Amazônia Central, com base em Microvestígios Botânicos

Dissertação de Mestrado submetida ao Mestrado em Arqueologia, Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como requisito necessário à obtenção do grau de Mestre em Arqueologia.

Aprovado em

______________________________ Profª. Dra. Rita Scheel-Ybert,

Museu Nacional

Universidade Federal do Rio de Janeiro

______________________________ Profª. Dra. María del Pilar Babot

Instituto de Arqueología y Museo, Facultad de Ciencias Naturales e IML Universidad Nacional de Tucumán,

______________________________ Profª. Dra. Tânia Andrade Lima

Museu Nacional

Universidade Federal do Rio de Janeiro

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A Charles Percival Matthews, o “Tio Charles”, cujo apetite para aos bons alimentos físicos e

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v

AGRADECIMENTOS

Este trabalho não poderia ter sido realizado sem a ajuda de algumas pessoas, a começar por minhas famílias de Fortaleza, Rio de Janeiro e S ão Paulo. A todos os membros desta grande família, meus sinceros agradecimentos.

Realizar uma pesquisa sobre micro restos de plantas em um sítio arqueológico na Amazônia (ufa!) requer a construção de boas amizades. Agradeço a todos do Projeto Amazônia Central (PAC), cujos membros se espalham por todo o Brasil e fronteira afora, pelos cinco anos de experiência em conjunto. Um agradecimento especial a Eduardo Góes Neves, coordenador do Projeto Amazônia Central, por idealizar uma linha de pesquisa Arqueobotânica dentro do PAC e por toda a confiança depositada ao longo destes anos, assim como pela co-orientação desta dissertação de mestrado.

Agradeço também a todos do Museu Nacional pelos três anos de convívio diário, faça chuva ou faça sol. Um obrigado em especial aos meus colegas e a migos do Laboratório de Paleoecologia Vegetal (LAPAV) pelas incontáveis conversas que informavam e e ntretinham, e a M arcelo de Araújo Carvalho e R ita Scheel-Ybert, coordenadores do LAPAV, pela abertura que possibilitou que este projeto de fato se concretizasse. Um agradecimento especial a Rita Scheel-Ybert pela orientação dentro do Programa de Pós-Graduação em Arqueologia do Museu Nacional.

Agradeço também aos órgãos de financiamento: FAPESP, órgão de financiamento do Projeto Amazônia Central, e C APES, pela bolsa de mestrado. Agradeço também ao Dr. Ulisses Pinheiro pela ajuda na identificação de espículas de esponja.

Os resultados aqui apresentados não poderiam ter sido produzidos sem a ajuda de vários especialistas na análise de microvestígios arqueológicos, e a e las e e les expresso os meus mais sinceros e pr ofundos agradecimentos. Estes são, em ordem

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vi alfabética de primeiro nome: Deborah M. Pearsall, Dolores R. Piperno, Gaspar Morcote-Ríos, Linda Perry, Maria Alejandra Korstanje, Maria del Pilar Babot e Stephen Ray Bozarth. A todos, Norte-Americanos, Colombianos e Argentinos, um ‘muito obrigado’ em português.

Por fim (porém certamente não por último), agradeço à minha companheira de pesquisa acadêmica e de vivência, Caroline Fernandes Caromano, pelo companheirismo ao longo dos anos e principalmente pela paciência necessária por, ao mesmo tempo em que realizava o seu próprio Mestrado, ter sido cúmplice e inestimável conselheira na realização deste estudo.

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A extrema familiaridade com o meio biológico, a atenção apaixonada que lhe dedicam, os conhecimentos exatos ligados a ele freqüentemente impressionam os pesquisadores como indicadores de atitudes e preocupações que diferenciam os indígenas de seus visitantes brancos.

Claude Lévi-Strauss O Pensamento Selvagem

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RESUMO

Na pesquisa aqui apresentada, foram obtidos dados diretos sobre os vegetais utilizados como alimento ao longo do processo de formação do sítio arqueológico Hatahara (AM-IR-13), através da análise de assembleias de microvestígios botânicos, principalmente fitólitos e grãos de amido, provenientes de artefatos cerâmicos e líticos e de amostras de solo.

Os resultados destas análises apontam para um quadro de diversidade alimentícia ao longo da ocupação do sítio. Também foi constatada uma multiplicidade no uso dos artefatos cerâmicos analisados, com a presença em conjunto de microvestígios de recursos coletados e manejados, como palmeiras, e cultivados, como o milho (Zea mays) e o cará (Dioscorea sp.).

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ABSTRACT

On the research here presented, direct data was obtained on the use of plants as foodsources throughout the formation process of the Hatahara archaeological site (AM-IR-13) by the analysis of botanical microvestiges, mainly phytoliths and starch grains, extracted from ceramic and lithic artifacts and soil samples.

The result of these analyses point to a scenario of dietary diversity throughout site occupation. It was also noted a multiplicity in the use of ceramic artifacts, with the combined presence of microvestiges of gathered and managed resources, such as palms, and cultivated, such as maize (Z. mays) and yam (Dioscorea sp.).

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PRÓLOGO

A apresentação de um breve histórico da pesquisa realizada pelo autor nos últimos anos não é sempre vista em trabalhos de conclusão, tal como esta dissertação de mestrado. No entanto, para o estudo aqui apresentado ela possui um importante valor, por permitir observar como a formação do pesquisador influenciou de maneira decisiva o desenvolvimento da pesquisa aqui apresentada.

Tal como as plantas abordadas no estudo que é aqui apresentado, este trabalho tem suas raízes fincadas em solos Amazônicos, tendo sido iniciado há cinco anos em Manaus, Estado do Amazonas. Nesta cidade, onde residi ao longo dos anos de 2006 e 2007, iniciei (junto de minha colega de projeto Caroline Fernandes Caromano) esforços para a implementação de uma linha de pesquisa de vestígios botânicos para a Arqueologia da região da Amazônia Central, sob o â mbito do projeto de pesquisa Arqueológica “Projeto Amazônia Central”, coordenado pelo arqueólogo Eduardo Góes Neves, do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo (MAE/USP).

Estes primeiros esforços consistiram em um prolongado estágio no Instituto Nacional de Pesquisas na Amazônia (INPA) sob a co -orientação de Charles Roland Clement, do Departamento de Ciências Agronômicas deste mesmo instituto, e tiveram como

resultado o estabelecimento de problemáticas prioritárias a serem abordadas nas análises de vestígios botânicos assim como a co leta de plantas atuais que serviriam como material de referência nos futuros estudos de vestígios arqueológicos. A constatação no trabalho aqui apresentado de uma grande quantidade de vestígios de Bactris spp., gênero de palmeira que tem entre suas espécies a pupunha (Bactris gasipaes), objeto de admiração e e specialização do Dr. Clement, serve como prova da importância do aprendizado sob a orientação deste pesquisador.

No final do ano de 2007, a implementação de uma linha de pesquisa de vestígios botânicos na Arqueologia da Amazônia Central começava a se tornar real com a realização, por mim e C aroline Fernandes Caromano, de uma análise pioneira de cerâmica arqueológica da Amazônia Central direcionada à r ecuperação e an álise de microvestígios botânicos (dados inéditos) e o nosso treinamento em técnicas de extração e análise de grãos de amido de contextos arqueológicos Amazônicos.

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xi Neste mesmo ano, com o objetivo de ampliar o enfoque do estudo de vestígios botânicos no Projeto Amazônia Central, foi decidido que cada um de nós se especializaria na análise de uma classe de vestígios botânicos, com minha já-mencionada colega abordando o estudo de macrovestígios botânicos e eu abordando os microvestígios botânicos, especificamente fitólitos e grãos de amido.

Ao final do ano de 2008 tive contato com uma linha de pesquisa, aplicada a contextos arqueológicos do Noroeste Argentino, que busca a interpretação de fitólitos e de grãos de amido em conjunto com outros microvestígios botânicos, como oxalatos de cálcio, e não-botânicos, como diatomáceas. O potencial da análise múltipla de microvestígios em recuperar uma grande quantidade de informação se mostrou uma interessante via a s er trilhada para a an álise dos artefatos pretendida para o sítio Hatahara e, ao longo do ano de 2009, pude aprender em estágios as metodologias de extração e an álise de múltiplos microvestígios aplicadas nas pesquisas argentinas, depois adaptando estas técnicas para contextos arqueológicos da Amazônia (CASCON, 2009).

No ano de 2009 pude constatar e difundir o potencial da abordagem múltipla de microvestígios em diversos contextos, quando fui co-orientador de uma iniciação científica direcionada à análise de fitólitos do Cretáceo da Ilha James Ross, na Antártica (SILVA, CARVALHO & CASCON 2009) e pesquisador colaborador na análise de múltiplos microvestígios de cachimbos provenientes de sítios históricos do Recôncavo da Guanabara (SANTANA et al., 2009).

Agora, apresento os primeiros resultados desta linha de pesquisa para contextos arqueológicos da Amazônia Central. Este trabalho, portanto, é r esultado de um longo processo de aprendizado que, felizmente, está apenas começando.

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SUMÁRIO

AGRADECIMENTOS v RESUMO viii ABSTRACT ix PRÓLOGO x LISTA DE FIGURAS xv

LISTA DE TABELAS xvi

LISTA DE QUADROS xvii

INTRODUÇÃO 17

OBJETIVOS 20

JUSTIFICATIVA 21

1. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 22

1.1 - Parte I: Alimentação na Floresta Tropical, Terras-Pretas-de-Índio e Microvestígios Botânicos: uma introdução à problemática 22

1.1.1 - Domesticação e Agricultura 24

1.1.2 - Algumas perspectivas arqueológicas sobre a pr odução de alimentos, demografia e sedentarismo na Amazônia 25

1.1.3 - Fatores postulados para o início da produção de alimentos na Amazônia 28

1.1.4 - Evidências arqueológicas do início da exploração de plantas na Amazônia 32

1.1.5 - Produção de alimentos, terras pretas de índio e os grandes sítios Amazônicos 33

1.1.6 - A discussão sobre a alimentação na floresta amazônica 35

1.2 - Parte 2: Arqueobotânica 37

1.2.1 - A análise de vestígios botânicos na arqueologia 37

1.2.2 - Grãos de amido 39

1.2.2.1 - Grãos de amido: um breve histórico 41

1.2.2.2 - Grãos de amido na arqueologia: distorções também são informações 45

1.2.3 - Fitólitos 49

1.2.3.1 - Fitólitos: um breve histórico 49

1.2.3.2 - Fitólitos na arqueologia: informações que resistem ao tempo 54

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xiii 1.2.3.4 - Análises de fitólitos e gr ãos de amido em contextos arqueológicos da

Amazônia 57

1.2.3.5 - Desafios para a an álise de fitólitos e gr ãos de amido em contextos arqueológicos 61

2. MATERIAIS E MÉTODOS 64

2.1 - Parte I: Aplicação da Arqueobotânica nos estudos da Amazônia Central e sua relação com a diversidade vegetal: a importância das coleções da referência 64

2.1.1 Porque fazer coleções de referência? 64

2.1.2 - Como fazer coleções de referência 69

2.1.2.1 - Montagem da coleção de referência de fitólitos 69

2.1.2.2 - Montagem da coleção de referência de grãos de amido 70

2.1.2.3 - Observação das amostras de referência 71

2.2 - Parte II: O Sítio 73

2.2.1 - Caracterização 73

2.2.2 - A escavação 82

2.2.3 - As unidades de escavação e a co leta de material para análise de microvestígios botânicos 84

2.2.3.1 - Unidade de escavação N1345 W1260 84

2.2.3.2 - Unidade de escavação N1309 W1298 88

2.2.4 - A escolha dos vestígios arqueológicos 92

2.3 – Parte III: a extração e a observação 96

2.3.1 - Os artefatos: metodologia de extração de microvestígios 96

2.3.2 - A observação microscópica 103

3. RESULTADOS 108

3.1 - A identificação de fitólitos e de grãos de amido 108

4. DISCUSSÃO 125

4.1 Plantas observadas na assembléia de microvestígios 127

4.1.1 As Palmeiras 127

4.1.2 Milho 130

4.1.3 Cyperus sp. 131

4.1.4 Cará (Dioscorea sp.) e Biri (Canna edulis) 132

4.1.5 Outras plantas presentes na assembléia de microvestígios 133

4.2 Informações além da determinação taxonômica: repensando forma e função 134

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xiv 4.3 A densamento demográfico e modos de subsistência vistos a partir dos

microvestígios botânicos 143

5. CONCLUSÃO 153

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 155

Apêndice 1 - Tabela de tipos de microvestígios ‘úteis’ identificados 168

Apêndice 2 - Tabela geral de microvestígios observados 172

Apêndice 3 182

Pranchas de microvestígios presentes nas amostras analisadas 182

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Mapa da área de Pesquisa do Projeto Amazônia Central, com destaque para o sítio Hatahara. Fonte: Machado, 2005. 73 Figura 2 - Vista do Rio Solimões a partir do alto do terraço onde o sítio Hatahara está implantado. Aspectos do perfil do terraço. Vista do Rio Solimões a partir da plantação de mamões existente sobre o sítio (Foto: Val Moraes). 74 Figura 3 - Datações radiocarbônicas calibradas do sítio Hatahara. 75 Figura 4 - Trincheira aberta em montículo (Foto: Eduardo Neves) 75 Figura 5 - Urnas identificadas no sítio Hatahara em área com profunda camada de Terra Preta (Foto: Val Moraes). 79

Figura 6 - Sepultamento direto evidenciado na base do montículo I (Foto: Val Moraes). 80

Figura 7 - Topografia do Sítio Hatahara (Foto: Val Moraes). 83 Figura 8 - Área de escavação de N1345 W1260 (Foto: Val Moraes). 85 Figura 9 - Reconstituição topográfica do sítio Hatahara com destaque para as duas áreas de escavação abordadas neste estudo. Em azul, N1345 W 12260; em vermelho, N1309 W1298. Criado por Lucas Garcindo. 86 Figura 10 - Aspectos da escavação do Montículo III (Foto: Val Moraes). 89 Figura 11 - Datas calibradas do montículo 1 (lilás) e do montículo 2 (laranja) . Extraído de Arroyo-Kalin, 2006, p.19. 93 Figura 12- Escovação do artefato para retirada do sedimento aderido à superfície 99 Figura 13 - Método de contagem de microvestígios alternado aplicado à observação das lâminas. 105 Figura 14 - Espículas de esponja na lâmina proveniente da ultrasonificação do artefato 25206 (magnificação 400X). 126 Figura 15 - Fitólitos do fruto de Bactris dahlgreniana (amostra 124 da Coleção de Referência de Microvestígios da Amazônia Central). 140 Figura 16 - Fitólitos do caule de Bactris gasipaes (amostra n.136 da Coleção de Referência de Microvestígios da Amazônia Central) – magnificação 400X. 141

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Danos e modificações vistos em grãos de amido devido a diversos métodos de processamento de alimentos (BABOT, 2007, p:108, traduzido pelo autor). 47 Tabela 2- Amostras da coleção de referência de microvestígios botânicos da Amazônia Central em construção. 67 Tabela 3 - Tipos de microvestígios de plantas úteis e demais indicadores de preparo de alimentos identificadas na amostra PN 23848. 110 Tabela 4 - Tipos de microvestígios de plantas úteis e demais indicadores de preparo de alimentos identificadas na amostra PN 23845. 112 Tabela 5 - Tipos de microvestígios de plantas úteis e demais indicadores de preparo de alimentos identificadas na amostra PN 23828. 114 Tabela 6 - Tipos de microvestígios de plantas úteis e demais indicadores de preparo de alimentos identificadas na amostra PN 25225. 115 Tabela 7 - Tipos de microvestígios de plantas úteis e demais indicadores de preparo de alimentos identificadas na amostra PN 25225 - sedimento. 117 Tabela 8 - Tipos de microvestígios de plantas úteis e demais indicadores de preparo de alimentos identificadas na amostra PN 25213. 118 Tabela 9 - Tipos de microvestígios de plantas úteis e demais indicadores de preparo de alimentos identificadas na amostra PN 25211. 119 Tabela 10 - Tipos de microvestígios de plantas úteis e demais indicadores de preparo de alimentos identificadas na amostra PN 25211 - Laterita. 121 Tabela 11 - Tipos de microvestígios de plantas úteis e demais indicadores de preparo de alimentos identificadas na amostra PN 25206. 122 Tabela 12 - Tipos de microvestígios de plantas úteis e demais indicadores de preparo de alimentos identificadas na amostra PN 25204. 123

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1- Síntese das variáveis ou atributos quali-quantitativos considerados para a caracterização dos conjuntos de grãos de amido em amostras de referência (BABOT, 2007: 106). 42 Quadro 2 - Descrição da técnica de extração de fitólitos por incineração 70 Quadro 3 - Descrição da técnica de extração de grãos de amido de plantas atuais para observação sob microscopia 71 Quadro 4 - Descrição sucinta da escavação de N1345 W1260 87 Quadro 5 - Descrição sucinta das camadas arqueológicas de N1345 W1260 88 Quadro 6 - Descrição sucinta da escavação de N1309 W1298 89

Quadro 7 - Descrição das camadas identificadas após a escavação de N1309 W1298 91

Quadro 8 - Descrição das amostras selecionadas para análise de microvestígios botânicos 94

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INTRODUÇÃO

Dentre os inúmeros temas discutidos pela arqueologia amazônica pré-colombiana, os possíveis modos de exploração de plantas como alimento por grupos da região é um dos mais tradicionalmente abordados por pesquisadores, constituindo um tema de fundamental importância em tentativas de síntese arqueológica para a Amazônia (LATHRAP, 1970; MEGGERS, 1971; ROOSEVELT, 1980).

Em contraste com a discussão de alto nível teórico ao qual foi submetido, o debate sobre a alimentação na Amazônia pré-colombiana sofre de uma grande ausência de vestígios arqueológicos que possam ser diretamente atribuídos ao uso de determinadas plantas. O uso destas plantas como alimento é tradicionalmente inferido através do estabelecimento de correlações entre formas de artefatos cerâmicos e líticos e determinadas funções de processamento e armazenamento de alimentos, baseadas em analogias etnográficas (BROCHADO, 1977; LATHRAP, 1977; MEGGERS & EVANS, 1983) ou na documentação histórica (ROOSEVELT, 1980).

Há pelo menos três décadas discutem-se as dificuldades da análise de vestígios diretos de plantas no ambiente amazônico, assim como a importância de que tais pesquisas sejam desenvolvidas para poderem servir como mais uma fonte de informação para ser dialogada com abordagens como a análise tipológica de artefatos. Alguns exemplos são o trabalho de Deboer (1975) sobre a utilização de assadores e lascas de raladores arqueológicos como correlatos do uso de mandioca no passado Amazônico e a obra seminal de José Proença Brochado, “Alimentação na Floresta Tropical”.

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18 encontrados em contextos arqueológicos, dadas as condições ambientais nos trópicos, inadequadas à sua preservação. Visando contornar este problema, o autor propõe e realiza um estudo morfológico de evidências cerâmicas, buscando correlacionar forma e função. O trabalho aqui apresentado inspira-se na reflexão deste autor, e busca em sua abordagem dialogar dados provenientes da análise tipológica com a observação de vestígios botânicos microscópicos em seu estudo sobre a exploração de recursos vegetais alimentícios em um sítio arqueológico Amazônico.

Nas últimas décadas, o estudo de vestígios botânicos em contextos arqueológicos tem avançado mundialmente. A melhoria de técnicas de análise de uma ampla gama de vestígios botânicos macroscópicos e microscópicos tem possibilitado estudos sobre o uso de recursos vegetais na alimentação em contextos arqueológicos diversos, inclusive na Amazônia, considerada com fraco potencial de preservação, fornecendo importantes informações para o diálogo com as abordagens tradicionais já consagradas.

Tendo em vista o potencial da análise de vestígios botânicos para as discussões vigentes sobre alimentação na floresta tropical amazônica, este trabalho visou desenvolver um estudo de microvestígios direcionado a esta problemática, realizado no sítio Hatahara (AM-IR-13), localizado na confluência entre os rios Negro e Solimões,na Amazônia Central.

Os sítios do Holoceno Tardio desta região são em grande parte caracterizados pela abundância em material cerâmico e pela presença freqüente de construções monticulares e de

terras pretas de índio (TPI): solos de coloração negra cuja gênese é atribuída a atividades

antrópicas (NEVES, 2006). Considera-se que a época de formação inicial das TPI na região central da Amazônia foi um momento de profundas mudanças sociais, como a intensificação de padrões sedentários de assentamento e o aumento demográfico, possivelmente em conjunto com uma maior utilização de estratégias agrícolas para subsistência (NEVES, 2006).

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19 Na pesquisa de mestrado aqui apresentada, dados diretos da utilização de vegetais como alimento durante o processo de formação do sítio Hatahara foram obtidos através da análise de assembleias de microvestígios botânicos, especialmente fitólitos e grãos de amido, provenientes de artefatos cerâmicos e líticos e de amostras de solo, coletados em contextos tanto anteriores quanto posteriores à formação de terra preta.

Este trabalhobusca contribuir para a discussão sobre a formação de TPI e sua possível correlação com mudanças no modo de exploração de recursos vegetais para alimentação, através da análise de microvestígios botânicos do sítio Hatahara.

A primeira parte deste trabalho apresenta as bases teóricas que nortearão este estudo. Tal embasamento teórico é feito tanto a partir da tradição de pesquisa da Arqueologia Amazônica como também da área de atuação do fazer arqueológico que lida com o estudo das relações entre pessoas e plantas, passando por questões específicas referentes à análise de microvestígios botânicos. A segunda parte apresenta o contexto abordado, assim como os métodos de coleta e análise do material analisado. A terceira parte apresenta os resultados destas análises, enquanto que na quarta parte estes dados serão discutidos tendo em vista o diálogo com as problemáticas vigentes sobre as relações entre seres humanos e plantas no passado Amazônico. Por último, será apresentada uma breve conclusão deste estudo.

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OBJETIVOS

O presente estudo objetiva recolher dados diretos sobre relações entre povos da Amazônia pré-colombiana e o mundo vegetal, especificamente sobre o uso plantas como fonte alimentícia pelos antigos habitantes do que é hoje o sítio Hatahara(Am-Ir-13), localizado no município de Iranduba, estado do Amazonas. Como meio de obtenção destes dados diretos, o estudo proposto utilizará a análise quantitativa e qualitativa de microvestígios botânicos, como fitólitos e grãos de amido, e de outros microvestígios correlacionáveis ao preparo de alimentos, como diatomáceas.

Estas análises têm como segundo objetivo o diálogo destas informações com trabalhos sobre a alimentação pré-colonial na Amazônia obtidos através de outras abordagens, como a análise de artefatos cerâmicos. Este estudo tem ainda como terceiro objetivo verificar a existência de possíveis mudanças na dieta em diversos momentos de ocupação do sítio, buscando correlacionar os dados obtidos a partir da análise de microvestígios com outros fenômenos observados para o sítio Hatahara, como o processo de formação de solos antrópicos e indícios de adensamento demográfico no histórico de ocupação do sítio.

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JUSTIFICATIVA

A discussão teórica acerca da existência de grandes populações no passado pré-colonial da Amazônia é um dos temas mais queridos e polêmicos na arqueologia da região, com a produção de perspectivas antagônicas (LATHRAP, 1970; MEGGERS, 1971; ROOSEVELT, 1980).

Nos últimos anos, o argumento que a Amazônia foi densamente povoada antes do contanto europeu tem sido revigorado através do aumento de pesquisas sistemáticas na região (NEVES, 2006). Tal investimento tem resultado na constatação de contextos arqueológicos indicativos da existência de grandes e longas ocupações, tanto em locais próximos como distantes dos grandes rios amazônicos. Algumas destas evidências são as extensas dimensões destes sítios arqueológicos, a alta densidade de vestígios arqueológicos e a presença de solos antropizados, denominados de terras-pretas-de-índio (NEVES, 2006).

O estudo proposto compartilha da hipótese que a época de formação inicial das terras pretas na região central da Amazônia foi um momento de profundas mudanças sociais, como o adensamento demográfico e a intensificação de comportamentos sedentários (HECKENBERGER, PETERSEN & NEVES, 1999), sendo a possível intensificação de modos específicos de produção de alimentos uma das características apontadas para o momento de formação de terras-pretas (NEVES, 2006).

Estudos acerca da alimentação de povos amazônicos pré-colombianos são tradicionalmente realizados através do uso da analogia etnográfica (BROCHADO, 1977; MEGGERS & EVANS, 1983). Porém, a correlação entre o passado e o presente Amazônico possui suas limitações, dada a magnitude de devastação demográfica e desestabilidade cultural que ocorreu tanto durante quanto depois do contato europeu (PERRY, 2005).

Como meio de abordar a questão da alimentação na Amazônia pré-colonial, fornecendo outro conjunto de dados para serem dialogados com a analogia etnográfica, o presente estudo utiliza a observação de microvestígios extraídos de artefatos correlacionados ao uso de plantas como alimentos no passado Amazônico.

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1. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

1.1 - Parte I: Alimentação na Floresta Tropical, Terras-Pretas-de-Índio e

Microvestígios Botânicos: uma introdução à problemática

A área de confluência dos rios Negro e Solimões é atualmente um dos locais mais bem conhecidos pela arqueologia da Amazônia. Desde 1995, inúmeras pesquisas têm permitido uma série de avanços no entendimento da cronologia regional, bem como da estrutura, funcionamento e processos de mudança das sociedades que habitaram a região desde o início do Holoceno até o início da colonização portuguesa (NEVES, 2006). Estas pesquisas têm apontado para um padrão emergente no quadro da arqueologia Amazônica: o fato de que a ocupação pré-colonial da Amazônia Central não foi um processo contínuo, mas sim marcado por hiatos ou intervalos cujo significado ainda não é claro (LIMA, NEVES & PETERSEN, 2006; NEVES, 2005; NEVES et al., 2003; NEVES & PETERSEN, 2006).

Com a exceção da região do Alto Rio Madeira, um grande hiato no Holoceno médio separa dois grandes momentos de ocupação na Amazônia (NEVES, 2005). Sítios mais antigos, do começo do Holoceno, são caracterizados por uma indústria de artefatos líticos lascados, com poucos artefatos líticos polidos e quase nenhum material cerâmico, enquanto que sítios do Holoceno Tardio, mais numerosos, são caracterizados por uma abundância em material cerâmico e pela presença de construções monticulares e grandes concentrações de

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23 feições1

1

O termo genérico ‘feição’, da forma como utilizado ao longo deste trabalho, se refere a marcas intrusivas presentes no solo, caracterizadas por sedimentos de coloração escura e diferenciados do solo que as circundam. Podem apresentar carvões, fragmentos ósseos e artefatos cerâmicos e líticos.

, com poucos artefatos líticos polidos. Os sítios do Holoceno Tardio também frequentemente apresentam terra-preta-de-índio, solos de coloração escura com gênese resultante de atividades humanas.

Desde a segunda metade do século XIX, nos primeiro estudos arqueológicos na Amazônia, diversas hipóteses foram propostas para interpretar a existência de grandes sítios datados do Holoceno Tardio. Devido à presença de altas densidades de artefatos, trabalhos de terra (como montículos) e terras-pretas, tais sítios são considerados evidências da existência de grandes populações na Amazônia. Na primeira metade do século XX estes sítios já tinham sido interpretados de formas completamente antagônicas, desde uma ótica difusionista que atribuía tais vestígios à imigração de povos não indígenas, proposta por Ladislau Netto na segunda metade do século XIX (NETTO, 1885), até hipóteses de origens autóctones (NIMUENDAJÚ, 2004).

A interpretação destes contextos, como as possíveis formas de organização sociopolítica presentes nestes, tradicionalmente baseia-se em, entre outros fatores, hipóteses sobresistemas de produção de alimentosno passado (OLIVER, 2008). Dentre os inúmeros tópicos discutidos pela arqueologia amazônica pré-colombiana, os possíveis modos de exploração de plantas como alimento por grupos da região tem sido um dos temas mais tradicionalmente discutidos por pesquisadores, sendo abordado há mais de meio século (MEGGERS & EVANS, 1957) e constituindo um tema de fundamental importância em importantes tentativas de síntese arqueológica da região amazônica (LATHRAP, 1970; MEGGERS, 1971; ROOSEVELT, 1980).

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1.1.1 - Domesticação e Agricultura

A transição para a agricultura é considerada um evento marcante no curso da história humana, estimulando grandes mudanças na estrutura, organização social e relação entre os grupos humanos e o meio ambiente. Sendo assim, poder-se-ia dizer que a transição para a agricultura é, por excelência, essencial à compreensão da história humana, tanto devido à sua característica geográfica, de proporções mundiais, quanto ao caráter temporal do evento, razoavelmente simultâneo ao redor do mundo (PRICE & GEBAUER, 1995).

Porém, mesmo sendo possível uma análise da agricultura sob um espectro universal, é sob o foco regional que ela propicia dados mais frutíferos para uma análise do modo de vida de grupos indígenas, devido às adversidades e vantagens locais que cada grupo social encontrou em seus dias; isto é, as características locais em que diferentes estratégias de relação com o mundo vegetal foram formadas.

É necessário, no entanto, diferenciar o conceito de ‘agricultura’do conceito de ‘domesticação’. Serão considerados para a diferenciação conceitosde estudos genéticos assim como de estudos antropológicos.

A domesticação de plantas ocorre através de diferentes graus de intervenção humana no ambiente natural e nas próprias plantas. A domesticação das plantas é um processo contínuo de investimento humano na seleção e manipulação por fenótipos desejados, o que resulta em mudanças genotípicas, fazendo destas plantas mais úteis e melhor adaptáveis à intervenção humana (CLEMENT, 1999a). O ato de seleção implica uma intencionalidade, ou seja, uma escolha de um grupo, motivada não só pelo crescimento demográfico, mas também por não menos importantes escolhas culturais e políticas que envolvem relações intra e extra-grupo (RIVAL, 1998, 2007).

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25 É comum, por exemplo, em trabalhos arqueológicos, sistemas agrícolas serem considerados mais sofisticados que sistemas coletores. Mas como poderíamos ignorar a imensa sofisticação dos processos de seleção e manipulação, bem como as escolhas coletivas acima descritas, que estão implícitas na domesticação iniciada por grupos coletores? O reconhecimento, desde o meio da década de 80, da grande diversidade entre caçadores-coletores tem causado muitas mudanças em nossas perspectivas acerca da transição para a agricultura (PRICE & GEBAUER, 1995). Antes da produção de alimentos baseada em cultígenos domesticados (agricultura) surgir, houve (e ainda há) um longo período de interações mutuamente benéficas (simbióticas) entre seres humanos e plantas (RINDOS, 1984; OLIVER, 2001).

A agricultura, por sua vez, implica na transformação da paisagem para favorecer o crescimento de plantas selecionadas, de características bem conhecidas, seguindo um regime de cultivo em área e tempo determinados, onde o ciclo de vida dos cultígenos estão sob controle humano (CLEMENT, 1999a).

1.1.2 - Algumas perspectivas arqueológicas sobre a produção de alimentos,

demografia e sedentarismo na Amazônia

Para Donald Lathrap, a Amazônia teria sido um importante centro de inovação cultural no Holoceno, graças em grande parte ao desenvolvimento de uma série de estratégias relacionadas com o ambiente circundante (LATHRAP, 1970). Inspirado pela hipótese de Sauer de que a produção de alimentos teria se originado entre grupos ribeirinhos do sudeste asiático (SAUER, 1952), Lathrap propôs as áreas ribeirinhas da Amazônia como um centro único da revolução neolítica no Novo Mundo (LATHRAP, 1970). Através da exploração de

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26 recursos aquáticos e da manutenção de house gardens, campos experimentais de plantas úteis como a mandioca, densas populações teriam se formado. A pressão demográfica resultante teria impelido o deslocamento de povos ao longo dos rios, irradiando não só pessoas como também inovações culturais, como o cultivo de mandioca e a produção de cerâmica (LATHRAP, 1970, 1977).

Desde o trabalho de Lathrap, a hipótese da importância da mandioca como um ‘cultígeno-base’ (staple-crop) na pré-história amazônica, capaz de suportar grandes populações, tem sido aplicada para o estudo de sítios na Amazônia, às vezes com importantes reinterpretações. Um exemplo é o trabalho de Heckenberger, no Alto Xingu, que propõe que a mandioca teria contribuído para a formação de grandes populações sedentárias em áreas de terra firme (HECKENBERGER, 1998), as quais, para Lathrap, teriam tido baixas densidades populacionais, (LATHRAP, 1970).

Para Roosevelt, por outro lado, o cultivo intensivo de mandioca não teria permitido a formação das grandes ocupações da região Amazônica (ROOSEVELT, 1991). Em seu estudo sobre a cultura Marajoara, na foz do Rio Amazonas, a autora argumenta que certos aspectos sociopolíticos atribuídos a estes grupos, como a existência de estratificação social, poderiam estar correlacionados ao plantio intensivo de milho (Zea mays). Esta hipótese era, para Roosevelt, corroborada por cronistas como Gaspar de Carvajal, que descreveu, no século XVI, a existência de grandes aldeias e o plantio de milho ao longo do Rio Amazonas (CARVAJAL, 1542 [1942]; ROOSEVELT, 1991).

O estudo da alimentação foi intensamente abordado na discussão sobre sedentarismo na Amazônia, permeando os questionamentos sobre a própria existência, ou não, de modos de vida sedentários na pré-história da região. O conceito de “cultura de floresta tropical”, utilizado para definir grupos etnograficamente observados da região, tinha como uma de suas

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27 definições o cultivo de tubérculos e raízes, principalmente da mandioca (LOWIE, 1948). Betty Meggers e Clifford Evans estenderam tal interpretação para o passado da região, propondo que populações do passado pré-colombiano teriam modos de vida semelhantes às do presente; isto é, pequenos grupos com uma economia baseada na pesca, na caça, na coleta e no cultivo de mandioca (MEGGERS, 1971). Para Meggers a imprevisibilidade de diversos destes recursos, como a caça, a pesca, e o plantio se feito em áreas de várzea sujeito a enchentes, não permitiria o desenvolvimento de grandes populações na Amazônia (MEGGERS, 1992).

A correlação entre possíveis limitações ambientais (entre estas a dificuldade de cultivo e armazenamento de plantas) e a suposta impossibilidade da Floresta Amazônica em suportar o crescimento de grandes populações esteve explicitada desde os primeiros trabalhos de Meggers e Evans na Amazônia (MEGGERS & EVANS, 1957), quando estes propuseram uma origem alóctone para a cultura Marajoara, devido a tais supostas limitações ecológicas. Mais recentemente, Meggers (2001), desenvolvendo sua argumentação de uma origem alóctone para a cultura Marajoara, propôs que a longa duração da Fase Marajoara, evidenciada principalmente a partir da década de 80 através de datações radiocarbônicas (SIMÕES & FIGUEIREDO, 1965 apud SCHAAN, 2008; MEGGERS & DANON, 1988; ROOSEVELT, 1991), deve ter passado pela habilidade destes grupos em se adaptarem à ecologia local, através da exploração de recursos selvagens como o amido de palmeira (MEGGERS, 2001; SCHAAN, 2008).

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28

1.1.3 - Fatores postulados para o início da produção de alimentos na

Amazônia

Para Oliver, a discussão atual sobre a transição da coleta para a produção de alimentos nos Neotrópicos perpassa duas abordagens teóricas: a Ecologia Evolutiva e a Ecologia Histórica. (OLIVER, 2008). A perspectiva da Ecologia Evolutiva baseia-se no pressuposto da teoria de forragem ótima (optimal foraging theory), que propõe que escolhas relativas a mudançasna alimentação são impulsionadas pela possibilidade das dietas se tornarem mais eficientes, isto é, visando obter uma melhor taxa de retorno calórico em comparação à energia gasta na obtenção destes alimentos.

Sob a perspectiva da teoria de forragem ótima, alguns teóricos sugerem que existiria uma forte correlação entre o início da produção de alimentos nos Neotrópicos e as mudanças climáticas e vegetativas que ocorreram na região entre 11.000e 10.000 anos AP, na transição do Pleistoceno para o Holoceno. Recursos de grande importância por permitirem um menor tempo de investimento em coleta, como por exemplo animais de grande porte, isto é, recursos mais eficientes, teriam se tornado mais escassos no final do Pleistoceno (PIPERNO & PEARSALL, 1998). Coletores, então, teriam ampliado suas dietas, como alternativa à opção de aumentar o tempo de busca destes recursos. A diversificação de dietas teria tido como conseqüência uma redução no tempo despendido por estes grupos na coleta, sendo este tempo reinvestido em esforços relativos à produção de alimentos (PIPERNO & PEARSALL, 1998; OLIVER, 2008).

Simpatizantes desta hipótese apontam para o fato que a transição da coleta para a produção de alimentos ocorreu, em pelo menos três a quatro diferentes regiões do mundo, em

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29 um mesmo espaço de tempo, 1500 anos após o final do Pleistoceno. Porém, tais teóricos também salientam que tal modelo nomotético concebe a mudança climática não como um “prime mover”, mas sim como o elemento chave que impeliu escolhas humanas em direção ao cultivo de recursos alimentícios (PIPERNO & PEARSALL, 1998).

Visões distintas sobre o surgimento da produção de alimentos foram propostas, em contrapartida, postulando que fatores como a pressão demográfica (SMITH, 1998) ou a competição por poder através do acúmulo de bens de prestígio, como condimentos e alucinógenos (HAYDEN, 1995), poderiam ter resultado em processos de domesticação de alimentos e até mesmo de agricultura.

Porém, estas visões foram minimizadas por adeptos da perspectiva ecológico-evolutiva. Para Piperno & Pearsall (1998), por exemplo, nem o crescimento populacional, nem a busca pelo acúmulo de bens de prestígio devem ter sido significativos no contexto amazônico. Quanto à possível pressão demográfica, para as autoras, o Novo Mundo parece ter tido uma baixa densidade demográfica à época do início da produção de alimentos. Já quanto à busca por acúmulo de poder, Piperno e Pearsall afirmam que dados sobre a organização social dos grupos pré-coloniais à época do início de produção de alimentos indicam que estes eram compostos provavelmente por famílias nucleares em comunidade residenciais, sem estruturas políticas subordinantes que constituiriam um contexto de concentração de poder (PIPERNO & PEARSALL, 1998).

Viveiros de Castro (2002) realiza uma profunda análise sobre o afastamento entre a Ecologia Evolutiva e sua perspectiva adaptacionista, e a Antropologia Social da Amazônia, que tende a destacar “a natureza histórica, socialmente construída, da interação com o meio físico” (VIVEIROS DE CASTRO, 2002:327). Este afastamento teria diminuído

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30 significativamente, segundo o autor, com o surgimento de estudos sobre estratégias de “manejo de recursos”, dando destaque às conceitualizações nativas dos ecossistemas.

Nesta perspectiva (a Ecologia Histórica) é dada grandeimportância às escolhas culturais, tendo como premissa básica que os povos nativos da Amazônia não se adaptaram à natureza, mas sim criaram ambientes desejáveis através da cultura (BALÉE, 1998a, 1998b; OLIVER, 2008).

O histórico de ocupação humana na selva amazônica foi de fundamental importância na constituição da floresta, e cálculos baseados na observação de estratégias de manejo atuais apontam para uma estimativa de que pelo menos 11.8% da floresta de terra firme na Amazônia Brasileira possa ser de origem antrópica (BALÉE, 1989). Oliver (2008) aponta para a definição de Balée (1994) de “regressão agrícola”, no qual padrões de coleta por povos atuais operam em paisagens resultantes de centenas de ocupações prévias, não se tratando, portanto, de adaptações a ambientes naturais, e sim de explorações de complexas paisagens criadas por povos ancestrais (BALÉE, 1994; OLIVER, 2008).

A etnografia amazônica apresenta exemplos desta perspectiva nativa sobre o ambiente, com imbricações entre o mundo vegetal e o mundo ancestral, como a existência de ‘redutos ancestrais’ para os Huaorani da Amazônia Equatoriana (RIVAL, 1998). Tais localidades são antigas áreas de habitação Huaorani, atualmente áreas de concentração de espécies úteis, especialmente da palmeira pupunha (Bactris gasipaes). A persistência de populações de pupunha nestes locais após seu abandono só é possível pelo manejo contínuo destas áreas, feitas pelos Huaorani ano após ano, razão pela qual Rival vê na pupunha a materialização de um elo crucial entre gerações deste grupo (RIVAL, 1998). Balée, por sua vez, em seus estudos junto aos Ka’apor do Maranhão, observa que estes apresentam um sistema integrado de manejo da floresta, cuja história caminha em conjunto com a história de seus habitantes, o

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31 que o leva a propor, junto com Gely, que tal ambiente pode, em alguns aspectos, ser abordado em termos culturais e históricos (BALÉE & GELY, 1989).

Simpatizantes da Ecologia Histórica apontam para as dificuldades em se mensurar a eficiência de dietas, base da teoria de forragem ótima, tendo em vista que a alimentação de um grupo é algo culturalmente construído. Para a Amazônia, este argumento encontra forte apoio na etnografia da região, como nos tabus alimentícios observados entre os Nukak da Amazônia Colombiana (POLITIS & SAUNDERS, 2002) assim como em outras regiões da Amazônia (DeBOER, 1987), não se encaixando em uma perspectiva de dieta constituída em termos de eficiência calórica. Para os teóricos da Ecologia Histórica a chave para a compreensão do surgimento da produção de plantas alimentícias deve ser buscada na própria relação histórica entre populações humanas e de plantas. O advento da agricultura seria o resultado final de um longo período de interações mutuamente benéficas entre seres humanos e certas plantas, em um processo denominado de co-evolução (RINDOS, 1984).

O conceito de co-evolução é também utilizado na perspectiva da Ecologia Evolutiva, porém difere da Ecologia Histórica na busca por razões para o surgimento da produção de alimentos. Enquanto a primeira busca encontrar possíveis fatores chave, como a já-mencionada mudança climática e vegetativa da transição Pleistoceno-Holoceno (PIPERNO & PEARSALL, 1998), na segunda tal busca por grandes fatores seria desnecessária, pois comportamentos de cultivo e a domesticação de plantas seriam resultados inevitáveis de certas interações a longo-prazo entre pessoas e plantas (RINDOS, 1984 apud PIPERNO & PEARSALL, 1998). Este longo processo de coevolução se daria através de escolhas cotidianas, na qual a agência humana expressaria toda a diversidade de intenções envolvidas na conduta social (BALÉE & ERICKSON, 2006).

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1.1.4 - Evidências arqueológicas do início da exploração de plantas na

Amazônia

As evidências mais antigas do uso de plantas na Amazônia apontam para uma longa história entre populações humanas e plantas. Na caverna da Pedra Pintada, escavações apontaram para a existência de ocupações humanas há pelo menos 11.000 anos na região do Baixo Amazonas, explorando não somente recursos faunísticos, como peixes, tartarugas e moluscos, mas também diversos recursos vegetais. Nos níveis mais antigos de ocupação do sítio foram observados, além de instrumentos líticos produzidos por lascamento, restos faunísticos terrestres e aquáticos e restos florísticos carbonizados. Dentre as sementes identificadas, foi encontrada uma grande variedade de sementes de frutos comestíveis, como a castanha-do-pará (Bertholletia excelsa), a pitomba (Talisia esculenta), o jutaí (Hymenaea

parvifolia) e três espécies de palmeiras: sacurí (Attalea microcarpia), curuá (Attalea spectabilis) e tucumã (Astrocaryum vulgare) (ROOSEVELT et al., 1996).

Dados de outras regiões da Amazônia reforçam a existência da ampla exploração de recursos pelos primeiros povos amazônicos. Em Peña Roja, na Amazônia Colombiana, níveis de ocupações datados entre 9250 e 8100 AP também apresentaram grandes quantidades de sementes de palmeiras e de demais frutos, junto de instrumentos líticos lascados e polidos (MONTAÑEZ, 2005).

Exemplos como o de Pedra Pintada e de Peña Roja, assim como outras evidências na Amazônia Brasileira para a ocupação de diversos habitats amazônicos entre 11.000-8000 anos AP, como a Tradição Dourado, no Mato Grosso e a Tradição Itapipoca, em Rondônia (OLIVER, 2008), apontam para um quadro cada vez mais defendido para a Amazônia - o que os primeiros habitantes da região possuíam um sofisticado conhecimento dos recursos à sua volta, valorizando a biodiversidade característica da região (NEVES, 2006). Esta gama de

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33 conhecimentos se manifestava de diversas formas, como o manejo em pequena escala de recursos vegetais, razão que leva Oliver a atribuir aos grupos pré-cerâmicos de Peña Roja o termo “itinerant gardeners” (OLIVER, 2001).

Na Amazônia, o manejo a longo prazo foi um fator de fundamental importância para a domesticação de plantas e a produção de alimentos, muitas vezes de árvores, assim fugindo de concepções ocidentais da produção de alimentos, atreladas a conceitos como o de agricultura por manejo intensivo. O estudo sobre os primórdios destas relações é de fundamental interesse para a compreensão de um momento crucial na história da ocupação humana da Amazônia, e densas sínteses têm sido realizadas sobre a questão (RINDOS, 1984; PIPERNO & PEARSALL, 1998). No entanto, o aprofundamento de tal questão foge ao objetivo deste estudo, que busca compreender relações entre pessoas e plantas em um contextodiferente da história amazônica: o processo de formação de densas e grandes aldeias na Amazônia Central durante o Holoceno Tardio.

1.1.5 - Produção de alimentos, terras pretas de índio e os grandes sítios

Amazônicos

Solos amazônicos de terra firme são pouco férteis, e isto tradicionalmente tem sido apontado como um fator limitante para o crescimento demográfico e ocupações prolongadas na pré-história da Amazônia (MEGGERS & EVANS, 1957). Hipóteses sobre a existência de grandes ocupações têm, em geral, apontado para a área de várzea de grandes rios como o Amazonas como representando um fator fundamental para o sucesso de grandes ocupações, não só devido à fauna aquática como também devido a solos férteis (LATHRAP, 1970; ROOSEVELT, 1991) No entanto, o complexo e imprevisível regime de seca e de cheias na

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34 Amazônia faria da prática agrícola nestas planícies inundáveis uma atividade arriscada, o que seria um forte empecilho para a existência de grandes populações se estas tivessem como base alimentícia o plantio de várzea (MEGGERS, 1971).

Desde a década de 1960 (SOMBROEK, 1966) a discussão sobre a capacidade do solo amazônico em suportar grandes populações no passado tem sido revigorada com estudos de terra preta de índio (TPI), solos de coloração negra, de elevada fertilidade quando comparada aos solos naturais amazônicos e originados em áreas de ocupações pré-colombianas na Amazônia (HECKENBERGER, PETERSEN & NEVES, 1999; NEVES, 2006).

O fato de que terras pretas possuem uma elevada fertilidade tem levado a um questionamento acerca de uma possível intencionalidade em sua gênese. O atual estado de conhecimento sobre terras pretas de índio nos permite afirmar que estas possuem uma origem humana, porém não se sabe se elas são antrópicas (formadas não intencionalmente) ou antropogênicas (formadas intencionalmente); as práticas que resultaram na formação destas ainda não foram elucidadas a ponto de permitir afirmações de tal natureza (NEVES et al., 2003), muito menos se foram utilizadas para a produção agrícola, restando muitos questionamentos para pesquisas futuras (REBELLATO, 2007).

É importante atentarmos à heterogeneidade da formação de terras pretas de índio, pois não é possível identificar um fator único para a sua formação (NEVES, 2003). TPIs são encontradas em contextos diversos, muitas vezes associadas a concentrações de espécies úteis de plantas (BALÉE, 1989) ou com diversos outros indícios de ocupação humana, como densas concentrações de cerâmica arqueológica (NEVES, 2003).

Considera-se que a formação de terras pretasde índio na Amazônia foi resultado da

intensificação de comportamentos sedentários (HECKENBERGER, PETERSEN & NEVES, 1999). Estes poderiam ser reflexos de um desenvolvimento na produção de alimentos,

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35 podendo-se presumir que uma dependência na agricultura teria resultado em estilos de vida mais sedentários (NEVES, 2003). O estabelecimento da agricultura como uma importante fonte de produção de alimento pode, de fato, ter colocado a condição básica para o desenvolvimento das terras pretas de índio. Isto pode ter se dado por duas razões: primeiro, se intencionalmente formadas, as terras pretas poderiam ser uma espécie de melhoramento de solo necessário à uma agricultura permanente e, segundo, caso não tenham sido intencionais, teriam sido resultantes de padrões socioeconômicos de sedentarismo influenciados pelo estabelecimento da agricultura na Amazônia (PETERSEN, NEVES & HECKENBERGER, 2001; NEVES, 2003).

Diversos indícios apontam para uma correlação entre padrões sedentários de ocupação, a formação de terras pretas e a produção de alimentos na Amazônia. As terras pretas de índio mais antigas datam do Holoceno Médio, sendo contemporâneas às evidências mais antigas do gênero Manihot (ao qual a mandioca pertence) na Amazônia. Se tais solos são indícios de sedentarismo, a mandioca pode ter permitido a existência de tal estilo de vida entre estes grupos - diversas linhas de evidência apontam para um cenário onde a existência de terras pretas no Holoceno Médio teria permitido a domesticação desta planta (ARROYO-KALIN, 2010).

1.1.6 - A discussão sobre a alimentação na floresta amazônica

Em contraste com a discussão de alto nível teórico ao qual foi submetido, o debate sobre a alimentação na Amazônia pré-colombiana sofre de uma grande ausência de vestígios arqueológicos que possam ser diretamente atribuídos ao uso de determinadas plantas. Devido à dificuldade em se recuperar restos botânicos em contextos arqueológicos amazônicos, os

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36 usos de plantas por populações antigas da região são tradicionalmente inferidos através do estabelecimento de correlações entre formas de artefatos cerâmicos e líticos e determinadas funções de processamento e armazenamento de alimentos, com base em analogias etnográficas (BROCHADO, 1977; LATHRAP, 1977; MEGGERS & EVANS, 1983).

O trabalho de Brochado (1977) é um excelente exemplo desta abordagem. Este lembra que fragmentos de mandioca dificilmente seriam encontrados em contextos arqueológicos, dadas as condições ambientais nos trópicos, inadequadas à sua preservação. Visando contornar este problema, o autor sugeriu o estudo morfológico de evidências cerâmicas, correlacionando forma e função para inferir sobre a alimentação na Amazônia pré-colombiana, em especial sobre o consumo de mandioca (BROCHADO, 1977).

Além de peças cerâmicas como vasilhames e assadores, outros artefatos etnograficamente documentados como utilizados no processamento de mandioca também foram utilizados como evidência para o uso desta planta na Amazônia pré-histórica, tais como lascas de raladores de mandioca. Por serem feitas de materiais resistentes, como cerâmica e material lítico, tais peças poderiam ser observadas em contextos arqueológicos amazônicos, e por estarem tão fortemente relacionadas ao processamento de mandioca observado etnograficamente, sua existência no registro arqueológico confirmaria o uso pré-colombiano deste cultígeno (MEGGERS & EVANS, 1983).

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1.2 - Parte 2: Arqueobotânica

1.2.1 - A análise de vestígios botânicos na arqueologia

A análise direta de vestígios botânicos é relativamente recente na arqueologia da região (MORA et al., 1991; ROOSEVELT et al., 1996; PIPERNO & PEARSALL, 1998; MONTAÑEZ, 2005; PERRY 2005). A pouca representatividade de vestígios botânicos em sítios arqueológicos amazônicos é uma características inerente para a região. A imensa maioria dos sítios amazônicos apresenta baixa capacidade de preservação de material orgânico, já que o clima úmido, as chuvas, as altas temperaturas e os solos ácidos impedem a conservação de macro-vestígios vegetais não-carbonizados (salvo no caso de sítios inundados, que também são raros). Porém, esta ausência é fortemente ampliada, chegando a se configurar num status quo, devido ao baixo investimento em abordagens arqueobotânicas, através de metodologias específicas de coleta, amostragem e análise de vestígios botânicos arqueológicos.

A arqueobotânica, ou paleoetnobotânica2

2Alguns membros da escola anglo-saxã definem estes termos como distintos, até mesmo como disciplinas

diferentes, cabendo à arqueobotânica o estudo de vestígios botânicos de sítios arqueológicos, independente das interpretações culturais, e à paleoetnobotânica, a análise e interpretação destes vestígios tendo em vista elucidar as interações entre populações humanas e plantas (HASTORF & POPPER, 1988). Porém estas mesmas autoras assumem que não há consenso nesta divisão, e que os termos são utilizados muitas vezes de maneira intercambiável (ibid p.2). Assim, o autor assume estes termos como sinônimos e adota o termo arqueobotânica. Esta escolha tem como base o fato de que muitos estudos intitulados ‘arqueobotânicos’ realizados em diversos locais do planeta não se resumem à simples análise de materiais botânicos antigos, despidos de interpretações culturais, pelo contrário, estes elaboram interpretações bastante elegantes. Pesa à decisão também o fato de que este termo é mais diretamente correlacionável ao estudo arqueológico, tendo um poder maior de difusão e compreensão dentro do próprio meio acadêmico sobre seu foco de estudo.

, o estudo das inter-relações entre populações humanas e as plantas através do registro arqueológico (PEARSALL, 2000), constitui uma importante ferramenta para a arqueologia. A compreensão de tais relações tem dado às

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38 plantas, freqüentemente ignoradas na pesquisa arqueológica, o devido foco no cenário no qual a história das relações entre grupos humanos, e entre estes e o seu ambiente, é contada.

Estudos arqueobotânicos são baseados na análise de macro ou microvestígios botânicos encontrados em sítios arqueológicos, através de métodos específicos de coleta, amostragem e análise (PEARSALL, 2000). São macrovestígios os elementos visíveis a olho nu, comosementes, frutos, nozes, raízes, tubérculos, fibras, folhas, madeira e talos não-lenhosos, carbonizados ou não. São microvestígios os elementos visíveis apenas sobmagnificação, como grãos de pólen, fitólitos, grãos de amido, oxalatos de cálcio e anéis de celulose, entre outros (BABOT, 2007; KORSTANJE & CUENYA, 2007).

Nas últimas décadas, o estudo de vestígios botânicos provenientes de contextos arqueológicos tem presenciado um forte avanço, aliando um amadurecimento teórico à melhoria de técnicas de análise de uma ampla gama de vestígios botânicos macroscópicos e microscópicos, assim possibilitando estudos sobre o uso de recursos vegetais na alimentação até em contextos arqueológicos com fraco potencial de preservação, como é o caso de um grande número de sítios arqueológicos amazônicos.

Nesta região, além de macrovestígios carbonizados, o uso de duas classes de microvestígios - fitólitos e grãos de amido - tem fornecido importantes resultados em estudos sobre alimentação na Amazônia. Uma das maiores contribuições da abordagem arqueobotânica para o estudo da alimentação pré-colombiana na Amazônia é a de poder oferecer uma abordagem alternativa à analogia etnográfica e à documentação histórica. Ao utilizar a análise de vestígios botânicos diretos em oposição à inferência pelo vestígio indireto, estudos arqueobotânicos na região têm fornecido importantes informações para serem dialogadas com estas abordagens tradicionais já consagradas, se apresentando como

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39 uma valiosa linha de abordagem e de interpretação, não só complementar como também alternativa à correlação funcional etnográfica.

Tendo em vista o potencial de abordagem arqueobotânica, a pesquisa realizada para esta dissertação de mestrado teve como objetivo abordar a temática da alimentação pré-colombiana na Amazônia em contextos de terra preta, pelo meio da análise de duas classes de microvestígios botânicos: grãos de amido e fitólitos.

1.2.2 - Grãos de amido

Grãos de amido são grânulos microscópicos que servem como o principal mecanismo de armazenamento de energia, sendo encontrados nas células da maioria das plantas superiores (BABOT, 2007). Não cabe aqui uma explicação detalhada sobre as etapas pelas quais o amido é produzido numa planta, porém é interessante abordar brevemente esse processo devido ao fato dele resultar na formação de dois tipos de amido com funções distintas de armazenamento de energia, sendo que tal diferença tem conseqüências diretas no potencial de análise que os grãos de amido possuem como microvestígios.

Durante a fotossíntese, acontece nos cloroplastos um processo no qual a água é dividida em hidrogênio e oxigênio, sendo então o hidrogênio recombinado com dióxido de carbono para produzir glicose, a base para diversas substâncias de que a planta necessita. Parte dessa glicose é transportada dos cloroplastos para os amiloplastos, onde é convertida em amido de reserva, com função de armazenamento a longo prazo, podendo este ser convertido novamente em açúcar, caso a planta necessite de energia (GOTT et al., 2006).

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40 Ao mesmo tempo em que o organismo produz este amido de reserva, outro tipo de amido também é formado em sua estrutura. Nos momentos em que o processo de fotossíntese é alto (durante o dia), outros grãos de amido, bastante pequenos e de forma indeterminada, são também formados dentro dos cloroplastos. Estes são chamados de amidos transitórios ou temporários, pois à noite são reconvertidos em açúcar ou transformados também em amidos de reserva (GOTT et al., 2006).

Devido a diferenças na composição bioquímica e no local em que são produzidos, grãos de amido transitórios dificilmente são identificáveis taxonomicamente, pois são formados sob baixo controle genético (GOTT et al., 2006; BABOT, 2007). Isto, em conjunto com o fato de que são bem menos resistentes do que os grãos de amido de reserva (afinal, eles não são feitos para durar por muito tempo!) implica numa pouca utilidade de grãos de amido transitórios como ferramentas analíticas.

Estruturas aéreas de plantas, como folhas, caules verdes, frutos não maduros, botões de flores e grãos de pólen (BABOT, 2007) apresentam grande acúmulo de grãos de amido do tipo transitório. Isto implica que, em geral, a análise de grãos de amido não é uma ferramenta de grande utilidade na identificação da existência passada de plantas em ocasiões onde estas eram as estruturas mais abundantemente presentes.

Em contraste com o amido transitório, os grãos de amido de reserva apresentam formas bem mais resistentes e são produzidos sob um rígido controle genético (BABOT, 2007), implicando numa forte correlação entre a morfologia do grão de amido e a classe taxonômica da planta que o produziu. Grãos de amido de reserva apresentam diversos atributos com significado taxonômico, como sua morfologia e seu caráter biorefringente.

A biorefringência apresentada por grãos de amido implica que estes, quando observados sob um microscópio com polarização cruzada, apresentam a formação de uma

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41 cruz de extinção negra (também chamada de cruz de malta) ao longo de sua estrutura. Esta cruz é um dos mais fortes atributos taxonomicamente correlacionáveis, permitindo identificações mais precisas da origem do microvestígio observado do que análises puramente morfológicas (GOTT et al., 2006; BABOT, 2007).

1.2.2.1 - Grãos de amido: um breve histórico

O fato de que grãos de amido de plantas possuem uma grande variedade de formas é reconhecido há muito tempo, sendo resultado de uma tradição de pesquisa secular. A obra monumental de Reitchert e equipe (REITCHERT, 1913), que apesar do tempo decorrido ainda se apresenta como uma ferramenta de grande importância para pesquisas atuais com grãos de amido, é reflexo de uma tradição de estudos iniciada quase duzentos anos antes, pelo microscopista holandês Anton Leeuwenhoek (UGENT, 2006).

Reitchert, em sua revisão sobre o histórico do estudo de grãos de amido, crê que tanto Leeuwenhoek como outros pesquisadores do século XVIII devem ter reconhecido que grãos de amido de diferentes plantas possuem morfologias diferentes, mas defende que os primeiros estudos em que esta questão recebeu uma atenção particular ocorreram na primeira metade do século XIX, através das observações de Fritzsche publicadas em 1834 (REITCHERT, 1913). O estudo de Fritzsche demonstrou que identificações taxonômicas feitas através da análise de grãos de amido poderiam chegar ao nível de espécie. A importância deste cientista é tamanha que o seu pioneirismo na identificação de grãos de amido é também ressaltado pelas gerações mais recentes de pesquisadores (UGENT, 2006).

O estudo de grãos de amido passou por um grande desenvolvimento no século XIX quando não só foram aprofundados conhecimentos sobre a fisiologia e a química destes, como

(43)

42 também houve a publicação de diversas chaves de identificação taxonômica (UGENT, 2006), desde a primeira metade, até o fim desteséculo3

Apesar da primeira chave de identificação de grãos de amido ter sido publicada ainda na primeira metade do século XIX (SCHLEIDEN, 1849 apud UGENT, 2006), os pesquisadores de grãos de amido ainda não contam com uma chave de identificaçãounificada. No entanto, pode-se dizer que a obra de Reitchert (1913) serve como uma espécie de guia em comum, por apresentar uma excelente revisão da bibliografia anterior (UGENT, 2006). A análise de Reitchert foi, por sua vez, fortemente baseada no sistema de classificação apresentado na obra de Nägeli, de 1858 (UGENT, 2006). Atualmente, a identificação de grãos de amido é influenciada pelas chaves de identificação do século XIX e começo do século XX. O quadro a seguir (

(SCHLEIDEN, 1849 apud UGENT, 2006; NÄGELI, 1858 apud UGENT, 2006; MEYER, 1895 apud UGENT, 2006).

Quadro 1) apresenta um exemplo do conjunto de características observáveis para a identificação de grãos de amido na montagem de coleções de referência, apresentado pela Dra. Maria del Pilar Babot (BABOT, 2007:106), aqui traduzido pelo autor.

Quadro 1- Síntese das variáveis ou atributos quali-quantitativos considerados para a caracterização dos conjuntos de grãos de amido em amostras de referência (BABOT, 2007: 106).

1. Faixa de tamanhos dos grãos e apreciação de sua abundância relativa: principalmente quanto ao comprimento máximo e mínimo em μm

2. Distribuição de tamanhos: em termos de isodiametria ou variedade de tamanhos 3. Dimensões relativas do comprimento/largura:

comprimento=largura,comprimento≠largura.

4. Formas presentes e apreciação de sua abundância relativa: esférica, oval, convexaou plano-convexa, triangular, riniforme, ovóide, elipsoidal ou afunilada, “em lágrima” ou “em gota”, “piriforme”, “em coração”, lobulada irregular ou irregular,poliédrica –com indicação do número de lados-, afunilada, “em sino”, discoidal, “em garrafa”, “falciforme” ou côncavo-convexa aguçada, “em salsicha” ou côncavo-convexa arredondada, “em concha de ostra”, “en tibal”, “em bumerangue”, prismática, “em

3Para um histórico pormenorizado das pesquisas realizadas no século XIX, ver UGENT & SCOTT-CUMMINGS,

(44)

43 roseta”.

5. Distribuição de formas: em termos de isomorfismos ou variedade de morfologias. 6. Simetria da forma: simétrica, assimétrica, segundo o comprimento, a largura ou a espessura.

7. Arredondamento da forma: arredondada, angular, irregular, facetada 8. Outros elementos da forma:

a. extremidade ou terminação dos grãos em geral: com projeções, em bisel, aguçada,arredondada; para grãos compostos: truncado horizontal, em ângulo ou oblíqua, côncava, convexa, côncava-convexa ou ondulada, côncava-côncava,facetada.

b. depressão ou cavidade central dos grãos em geral: presença/ausência; forma: oval,circular, com forma semelhante ao contorno do grão, etc.

9. Atributos do hilo: presença/ausência, visibilidade (visível, não visível), nitidez (claro ou nítido, não claro), forma (“de ponta”, circular, oval, “lunar”, “em v”, “em x”,triangular, em linha, “em cavidade”), localização (variável, central, excêntrica, com indicação da extremidade no qual se dispõe), multiplicidade (simples, duplo)

10. Lamela*: presença/ausência, visibilidade (visível, não visível), nitidez (clara ou nítida, não clara)

11. Cruz de extinção: presencia/ausência, forma, número de braços ou ramos visíveis,aparência e regularidade dos braços (regulares ou bem definidos, irregulares,“fibrosos”, incompletos) tamanho relativo dos braços (iguais, dois compridos e dois curtos), interseção (no centro ou “de dois em dois”: em um ponto, círculo, ovalada ou em linha), visibilidade (visível, não visível), nitidez (clara ou nítida, não clara)localização (variável, central, excêntrica: extremidade na qual se dispõe), simetria(simétrica, assimétrica)

12. Fissuras: presença/ausência, visibilidade (visível, não visível), nitidez (clara ou nítida,não clara), localização (no hilo, no corpo do grão, no contorno ou extremidades),forma (radiadas, estrelada, “em linha reta”, em linha irregular, ondulada, “em cicatriz”ou linha ramificada)

13. Contorno ou borda: visibilidade (visível, não visível), multiplicidade (simples, duplo)

14. Brilho: suave, moderado, forte

15. Multiplicidade nos grãos**: simples, compostos (duplo, triplo, múltiplo- número variável ou indefinido de grânulos), semi-compostos (agregados, starch chunks ou “pedaços de amido”), pseudo-compostos. Abundância relativa destas classes.

16. Características dos grãos múltiplos:

a. Em grãos compostos ou pseudo-compostos: número de granula, visibilidade, equivalência em tamanho, orientação e forma de cada um de seus integrantes; presença/ausência de cobertura exterior, grau de transparência desta

Referências

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