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IMPORTÂNCIA DA ANÁLISE DE MACRO-RESTOS VEGETAIS PARA A RECONSTITUIÇÃO DO MODO DE VIDA DE POPULAÇÕES PRÉ- HISTÓRICAS

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HISTÓRICAS

SCHEEL-YBERT, RITA

Departamento de Antropologia, Museu Nacional, UFRJ. Quinta da Boa Vista, São Cristóvão. 20940-040 Rio de Janeiro, RJ

E-mail: Rita@Scheel.com

Palavras-chave: antracologia, paleoambiente, paleoetnologia

INTRODUÇÃO

A análise dos macro-restos vegetais conservados no sedimento arqueológico contribui para o conhecimento de aspectos fundamentais da vida de populações pré-históricas. Não somente eles informam sobre o meio ambiente no qual viviam estas populações, permitindo uma reconstituição da vegetação e do clima locais durante o período de ocupação de um sítio, como podem fornecer uma série de informações sobre os usos e aplicações da madeira, como combustível (calor, preparação de alimentos etc.), e para a confecção de artefatos (habitação, utensílios, embarcações etc.); sobre a dieta alimentar, etc. A análise dos dados obtidos conduz à elaboração de esquemas interpretativos que versam sobre a relação de povos pré-históricos com o meio ambiente, a economia do combustível, a dieta, e podem inclusive fornecer indícios sobre o nível de desenvolvimento sociocultural.

Dentre as várias disciplinas arqueobotânicas relacionadas à análise de macro-restos, a antracologia se destaca não só por sua facilidade de aplicação como pela diversidade de informações que podem ser obtidas de seu material de estudo. De fato, a má conservação dos restos vegetais é um problema recorrente na maior parte dos sítios arqueológicos. No entanto, quase todos os sítios apresentam numerosos fragmentos de carvão, os quais representam uma fonte inestimável de informações.

Enquanto nos Estados Unidos os estudos de carvões arqueológicos em geral privilegiam interpretações paleoetnológicas (Asch et al., 1972; Conrad & Koeppen, 1972; Pearsall, 1979, 1983; Crites, 1987; Kohler & Matthews, 1988), a escola européia, principalmente na França, multiplicou as interpretações paleoambientais baseadas na análise de um grande número de fragmentos (Vernet & Thiébault, 1987; Vernet, 1992; Heinz, 1991; Badal et al., 1994; Figueiral, 1995; Thiébault, 1997; Heinz & Thiébault, 1998). No Brasil, os estudos antracológicos têm fornecido, a partir das mesmas amostras, informações importantes tanto no domínio das variações paleoambientais e paleoclimáticas quanto em aspectos paleoetnológicos (Scheel-Ybert, 1999, 2000, 2001a, 2003). Estas duas abordagens não são incompatíveis e podem ser estudadas no mesmo material. A intervenção do homem pré-histórico no transporte da madeira até o sítio arqueológico não invalida as reconstituições da vegetação passada baseadas na antracologia. Por outro lado, o uso da antracologia para as reconstituições paleoambientais não deve ofuscar as informações paleoetnológicas contidas na mesma amostra.

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METODOLOGIA

A amostragem antracológica deve ser sistemática, preferencialmente realizada ao mesmo tempo que a escavação arqueológica, a fim de obter resultados que permitam boas interpretações paleoecológicas e paleoetnológicas e que levem em conta as eventuais heterogeneidades locais do sítio.

A separação dos carvões dispersos nas camadas arqueológicas e dos carvões concentrados nas estruturas de combustão é fundamental, pois os carvões concentrados, mais visíveis durante a escavação, fornecem essencialmente informações paleoetnológicas. Os carvões dispersos nos sedimentos arqueológicos, que em geral só aparecem na peneira, provém de várias coletas de madeira sucessivas ao longo do período de ocupação e representam uma boa amostragem da vegetação contemporânea, premissa indispensável para uma boa interpretação paleoecológica (Chabal, 1988; Heinz, 1990).

O método geralmente preconizado para a coleta de carvões consiste na amostragem sistemática do sítio seguindo uma malha de 1m2. Deve-se coletar uma amostra em cada quadrícula, em cada decapagem. A superfície da unidade a ser amostrada deve ser definida em função da riqueza da camada em carvões, podendo ser a totalidade de cada metro quadrado, ou apenas ¼ (Chabal, 1988).

Este método pode ser adaptado no caso de amostragem em regiões tropicais, geralmente em razão de contingências da escavação arqueológica.

No Sambaqui Ilha da Boa Vista I, por exemplo, cuja escavação foi feita pelo método de decapagem de superfícies amplas, a malha de quadriculamento adotada foi de 2 metros de lado. A amostragem antracológica foi feita em seções de apenas 30 x 30 cm situadas em quadrículas alternadas. Um balde de 10 litros de sedimento foi coletado em cada decapagem (Scheel-Ybert, 1998).

No entanto, limitações de tempo e dinheiro frequentemente conduzem os arqueólogos a realizar escavações em pequenas trincheiras, com recuperação parcial dos vestígios. Nestes casos, o ideal é que todo o sedimento retirado da escavação seja peneirado e os carvões triados posteriormente para a análise antracológica.

Pode-se também proceder à amostragem antracológica em perfis, método que geralmente utilizamos associado à amostragem sistemática.

O perfil padrão utilizado por nossa equipe é feito seguindo seções de 2 m de largura por 50 cm de profundidade, com decapagem de níveis artificiais de 10 cm de espessura. Sempre que a estratificação natural da camada arqueológica estiver em discordância com os níveis artificiais, é importante proceder de modo a não misturar o material proveniente de sedimentos diferentes (Scheel-Ybert, 1998).

O sedimento de cada unidade amostral deve ser coletado em baldes, e em seguida processado para recuperação dos carvões. Deve-se sempre anotar a quantidade de baldes retirada, a fim de se ter uma estimativa mais precisa do volume de sedimento amostrado, pois a abundância relativa de carvões em sítios diferentes só pode ser comparada quando se conhece o tamanho exato da amostra.

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De um modo geral, três métodos de recuperação dos carvões podem ser utilizados: coleta manual, peneiragem e flotação.

A coleta manual dos carvões é mais indicada para os carvões concentrados. Ela é útil para individualizar certas estruturas no campo, por exemplo fogueiras ou estacas queimadas, para dar informações sobre a associação de restos botânicos com outros tipos de vestígios, e também para datação. No entanto, este método não deve ser utilizado como única fonte de amostragem antracológica, pois geralmente só leva em conta os fragmentos maiores, resultando inevitavelmente numa amostra distorcida. Mesmo o escavador mais experiente é limitado pelo que pode ser visto a olhos nus. Os macro-restos dispersos no sedimento são sistematicamente perdidos, principalmente quando o solo é escuro, a luminosidade baixa, ou a escavação rápida. Isto resulta numa perda de informação muito grande: o registro paleoambiental se restringe somente às espécies mais frequentes, e a maior parte das informações referentes a dieta passam desapercebidas.

A utilização da peneira garante uma melhor amostragem, sendo importante para revelar os carvões dispersos contidos no sedimento arqueológico. No entanto, é fundamental que todos os fragmentos de carvão retidos pela peneira sejam coletados, pois a seleção das peças maiores ou mais bem conservadas introduz um elemento de escolha subjetiva que acarretará em erros de interpretação.

A peneiragem com água, muito útil para outras disciplinas, principalmente a zooarqueologia, costuma ser inadequada para a recuperação dos restos vegetais, que podem ser pulverizados pelo jato de água ou pelos instrumentos usados para revolver o material.

O maior problema envolvido na utilização de peneiras para a amostragem antracológica decorre do enorme volume de material a ser triado, em particular para os níveis ricos em conchas (no caso de sambaquis) ou em cascalho, tornando este método, em geral, lento e pouco produtivo.

Por outro lado, o principal fator limitante deste método é a escolha da peneira: quanto maior a malha, mais elementos serão perdidos, tanto no que se refere a carvões, sementes e tubérculos, como também a ossos e outros materiais.

O ideal é que a amostragem seja sempre feita utilizando-se peneiras de malha de 2, ou no máximo 4 mm, a fim de que os vestígios coletados possam ser úteis a diversas disciplinas.

De qualquer forma, todos os fragmentos de tamanho inferior ao da malha da peneira serão invariavelmente perdidos. Sementes muito pequenas raramente são recuperadas na peneira, mas elas podem ser encontradas quando se utiliza a flotação, método que implica em menor esforço metodológico e maior eficiência, além de ser o menos agressivo para o material. A flotação permite a recuperação de material botânico de todas as classes de tamanho preservadas no sedimento, autorizando a realização de análises quantitativas.

Esta técnica é baseada na diferença de densidade dos resíduos orgânicos e inorgânicos. Fragmentos carbonizados de madeira, sementes ou tubérculos em geral flutuam, enquanto restos de moluscos, ossos e cerâmica, são depositados na peneira.

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baseado na imersão de um balde numa cuba maior contendo água, até os mais elaborados, com assistência mecânica. Uma grande variedade de modelos de equipamentos e de técnicas de flotação foi apresentada por Pearsall (2000).

Essencialmente, o princípio de funcionamento de uma “célula de flotação” é bastante simples. Consiste em lavar o sedimento, depositado em uma peneira submersa numa cuba, com uma corrente de água turbilhonante que entra pela parte inferior. Os carvões, liberados do sedimento, são levados à superfície da água e em direção à periferia da cuba, caindo sobre uma peneira de malha fina onde eles são recuperados (Ybert et al., 1997; Pearsall, 2000).

A facilidade de processamento e a simplicidade do equipamento fazem com que ela seja muito facilmente realizada no campo, e hoje em dia este método é utilizado por quase todas as equipes de escavação dos Estados Unidos e Europa (Pearsall, 2000). O desenvolvimento desta técnica, a partir dos anos 70, teve um forte impacto na arqueologia. A recuperação de restos botânicos de pequenas dimensões acarretou numa visão inédita sobre o sistema de subsistência de populações pré-históricas. Cereais, pequenas sementes, cúpulas destacadas de espigas de milho, fragmentos de tubérculos e uma série de outros vestígios que nunca haviam sido encontrados pelas técnicas tradicionais apareceram na flotação, levando a um rápido desenvolvimento das pesquisas sobre subsistência, domesticação de vegetais e agricultura, e permitindo um melhor conhecimento do meio-ambiente de populações pré-históricas. Vários cientistas concordam ao afirmar que a flotação revolucionou a recuperação de dados relevantes para os estudos de subsistência, e que praticamente todo o conhecimento sobre origem da agricultura no Oriente Próximo e na América do Norte foi produzido a partir de amostras de flotação (Smith, 1994; Piperno & Pearsall, 1998; Pearsall, 2000).

Quando possível, deve-se esvaziar sistematicamente a cuba da célula de flotação após o tratamento de cada amostra, a fim de evitar contaminação entre amostras diferentes, especialmente quando existe a possibilidade de se fazer uma datação radiocarbônica posterior. No campo ou no laboratório, o refugo de peneira deve ser sistematicamente triado, a fim de recuperar os fragmentos de carvão que não flutuaram. Estes podem ser bastante frequentes no caso de impregnações calcárias, quando o sedimento está molhado, ou simplesmente devido a diferenças de densidade das madeiras (Scheel-Ybert, 1998).

O material peneirado com água ou submetido a flotação deve ser seco longe de uma fonte de calor intensa para evitar sua fragmentação e a deterioração da estrutura anatômica. A utilização de cones de papel jornal é muito prática para secar os fragmentos, que em seguida devem ser acondicionados em sacos plásticos. Os carvões nunca devem ser manipulados antes de estarem completamente secos, a fim de evitar uma quebra acidental.

Note-se que uma análise antracológica qualitativa e quantitativamente confiável só é possível a partir do estudo de um grande número de carvões para cada estrato. Uma avaliação preliminar baseada na análise de curvas de saturação e de curvas de Gini-Lorenz indicou que um mínimo de 200 a 300 fragmentos de carvão por amostra são necessários para uma boa interpretação paleoambiental (Scheel-Ybert, 1998).

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Fragmentos de carvão de apenas 0,5 mm de lado podem ser identificados, especialmente no caso das gimnospermas de regiões temperadas, mas em regiões tropicais, o ideal é analisar apenas os fragmentos maiores que 4 mm. Naturalmente, em circunstâncias especiais a amostra analisada poderá ser reduzida, em número e em tamanho, proporcionalmente ao material encontrado no sítio.

ESTUDO DE CASO: PALEOAMBIENTE E PALEOETNOLOGIA DE POPULAÇÕES SAMBAQUIEIRAS DA COSTA SUL-SUDESTE DO BRASIL

Estudos antracológicos realizados em dois setores do litoral brasileiro permitiram uma reconstituição inédita do meio ambiente no qual viviam os sambaquieiros e forneceram pistas importantes sobre seu sistema de subsistência (Scheel-Ybert, 1999, 2000, 2001a, 2001b).

No Estado do Rio de Janeiro foram estudados sete sambaquis, entre os municípios de Saquarema e Cabo Frio (22º53’-22º57’S, 42º03’-42º33’W). Os Sambaquis Boca da Barra, Salinas Peroano, do Meio e do Forte situam-se em Cabo Frio; o sambaqui da Ponta da Cabeça, em Arraial do Cabo; e os sambaquis da Beirada e da Pontinha em Saquarema. No litoral de Santa Catarina, foi estudado o sambaqui Jabuticabeira-II, situado no município de Jaguaruna (28°36’S, 48°57’W) (Figura 1).

Fig. 1: Áreas de estudo.

Resultados paleoambientais

Os resultados obtidos demonstraram que os sambaquieiros costumavam se instalar na restinga, privilegiando a proximidade de outras formações vegetais, especialmente o mangue e as florestas costeiras (Scheel-Ybert, 2000, 2001b).

A alta diversidade florística do registro antracológico sustenta a hipótese de que o carvão arqueológico corresponde à amostragem aleatória (coleta de lenha) de uma área relativamente ampla em torno dos sítios, premissa indispensável a uma reconstituição paleoecológica fiável (Chabal, 1992).

36° W 48° 0° 12° 23°27’S 72° 60° Rio de Janeiro São Paulo 48° Florianópolis Jabuticabeira-II 42° 23° 30° Beirada / Pontinha Ponta da Cabeça

Forte / Boca da Barra Meio / Salinas Peroano

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O espectro antracológico de todos os sítios estudados é essencialmente o mesmo entre 5500 e 1400 anos BP (Figura 2). Pequenas oscilações nas porcentagens relativas dos tipos de vegetação em alguns níveis dos sambaquis da Beirada, Pontinha, Salinas Peroano, e Jabuticabeira-II não são significativas, pois derivam do número excessivamente baixo de fragmentos nestas amostras.

Fig. 2: Diagramas antracológicos sintéticos dos sítios estudados (exceto o Sambaqui do Meio).

A maioria dos taxa identificados pertence aos diferentes tipos de vegetação que ainda hoje existem na região. Dependendo da localização geográfica de cada sítio, a restinga aberta, a mata de restinga ou as formações florestais eram dominantes na paisagem. As baixas percentagens de elementos de floresta ou mangue em alguns sítios sugerem que estas formações vegetais ocorriam a alguma distância dos sítios e eram menos exploradas para coleta de lenha. No Sul do Brasil (Jabuticabeira-II), atualmente sob clima subtropical, o mangue provavelmente já não ocorria durante o Holoceno Superior.

No entanto, o litoral brasileiro sofreu oscilações climáticas durante este período. Em Cabo Frio, reduções da vegetação do mangue puderam ser associadas a um clima mais seco, quando a diminuição das precipitações provocou um aumento de salinidade na lagoa vizinha. Pelo menos dois episódios mais úmidos (5500-4900/4500, e 2300-2000 anos BP) e dois episódios mais secos (4900/4500-2300, e 2000-1400 anos BP) foram registrados (Scheel-Ybert, 2000, 2001b).

Em Arraial do Cabo, o aumento dos elementos de mangue a partir de ca. 2100 anos BP pode estar relacionado ao aumento populacional registrado para o sambaqui da Ponta da Cabeça neste período (Tenório et al., 1992), que

Pontinha 1810 ± 50 BP (1820-1540 cal BP) 2270 ± 190 BP (2750-1750 cal BP) 1790 ± 40 BP (1730-1540 cal BP) Beirada 4300 ± 190 BP (4860-3870 cal BP) 3800 ± 190 BP (4250-3290 cal BP) 4160 ± 180 BP (4720-3710 cal BP) Ponta da Cabeça 3270 ± 70 BP (3630-3270 cal BP) 2080 ± 40 BP (2110-1880 cal BP) Mangue Ruderal Myrtaceae Restinga aberta Mata de Restinga + Restinga aberta

Mata de Restinga + Mata seca/Atlântica Mata seca / Mata Atlântica

Mata seca/Atlântica + Mata de Restinga Boca da Barra 3760 ± 180 BP (4540-3580 cal BP) 1430 ± 55 BP (1380-1180 cal BP) Salinas Peroano 4340 ± 70 BP (5040-4650 cal BP) 1830 ± 45 BP (1820-1570 cal BP) 4490 ± 40 BP (5280-4870 cal BP) Forte 3815 ± 50 BP (4340-3980 cal BP) 2240 ± 70 BP (1990-1670 cal BP) 3940 ± 140 BP (4300-3550 cal BP) 4910 ± 55 BP (5720-5480 cal BP) 5270 ± 80 BP (6190-5760 cal BP) Jabuticabeira-II 1871 ± 185 BP (2304-1349 cal BP) 1951 ± 95 BP (2117-1626 cal BP) 2036 ± 85 BP (2296-1741 cal BP) 2146 ± 95 BP (2344-1875 cal BP) 2146 ± 45 BP (2302-1952 cal BP) 2186 ± 60 BP (2336-1954 cal BP) 2500 ± 155 BP (2915-2150 cal BP) 0 50 100 % Pontinha 1810 ± 50 BP (1820-1540 cal BP) 2270 ± 190 BP (2750-1750 cal BP) 1790 ± 40 BP (1730-1540 cal BP) Beirada 4300 ± 190 BP (4860-3870 cal BP) 3800 ± 190 BP (4250-3290 cal BP) 4160 ± 180 BP (4720-3710 cal BP) Ponta da Cabeça 3270 ± 70 BP (3630-3270 cal BP) 2080 ± 40 BP (2110-1880 cal BP) Mangue Ruderal Mangue Ruderal Myrtaceae Restinga aberta Myrtaceae Restinga aberta Mata de Restinga + Restinga aberta

Mata de Restinga + Mata seca/Atlântica Mata de Restinga + Restinga aberta Mata de Restinga + Mata seca/Atlântica Mata seca / Mata Atlântica

Mata seca/Atlântica + Mata de Restinga Mata seca / Mata Atlântica Mata seca/Atlântica + Mata de Restinga

Boca da Barra 3760 ± 180 BP (4540-3580 cal BP) 1430 ± 55 BP (1380-1180 cal BP) Salinas Peroano 4340 ± 70 BP (5040-4650 cal BP) 1830 ± 45 BP (1820-1570 cal BP) 4490 ± 40 BP (5280-4870 cal BP) Forte 3815 ± 50 BP (4340-3980 cal BP) 2240 ± 70 BP (1990-1670 cal BP) 3940 ± 140 BP (4300-3550 cal BP) 4910 ± 55 BP (5720-5480 cal BP) 5270 ± 80 BP (6190-5760 cal BP) Jabuticabeira-II 1871 ± 185 BP (2304-1349 cal BP) 1951 ± 95 BP (2117-1626 cal BP) 2036 ± 85 BP (2296-1741 cal BP) 2146 ± 95 BP (2344-1875 cal BP) 2146 ± 45 BP (2302-1952 cal BP) 2186 ± 60 BP (2336-1954 cal BP) 2500 ± 155 BP (2915-2150 cal BP) 0 50 100 %

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provavelmente acarretou uma extensão da área de captação de recursos dos habitantes do sítio.

O cortejo antracológico sendo praticamente o mesmo ao longo de vários séculos de ocupação, isso indica que a vegetação não sofreu alterações nem de origem climática, nem de origem antrópica.

A estabilidade do meio vegetal de terra firme durante o Holoceno Superior está provavelmente relacionada ao seu caráter edáfico, que torna estas formações vegetais muito mais resistentes às mudanças climáticas (Scheel-Ybert, 2000, 2001b). Associada aos recursos aquáticos, esta estabilidade pode ter sido um fator decisivo na manutenção do sistema sociocultural dos sambaquieiros, contribuindo para a conservação de um modo de vida que se manteve por mais de 6000 anos.

Resultados paleoetnológicos

A grande diversidade florística dos carvões de sambaquis e a boa correspondência entre os espectros antracológicos e a vegetação atual indicam que não havia seleção de madeira para lenha, a qual provinha essencialmente da coleta de madeira morta. Essa hipótese é confirmada pela frequência relativamente importante de fragmentos apresentando traços de ataque por fungos (apodrecimento) ou por larvas de insetos, as quais só podem ter ocorrido antes da carbonização (Scheel-Ybert, 1999).

Por outro lado, um outro aspecto muito importante desses resultados se refere ao sistema de subsistência. A flotação do sedimento arqueológico permitiu a recuperação de muitos coquinhos, sementes e, o que é inédito neste tipo de sítio, de fragmentos de tubérculos (Scheel-Ybert, 2001a).

Como a conservação de restos vegetais sob clima tropical ocorre quase que exclusivamente pela carbonização, ela depende do material ser exposto ao fogo, intencional ou acidentalmente. Coquinhos se preservam com muita facilidade, sementes com relativa frequência e tubérculos muito raramente. Estes últimos, mesmo quando são preservados, são muito dificilmente identificados (Miksicek, 1987; Hather, 1994).

Embora os tubérculos nunca sejam muito abundantes nas amostras analisadas, eles estão presentes em quase todos os níveis arqueológicos (Figura 3). Todos os tubérculos analisados são de monocotiledôneas. Foram identificadas uma Gramineae ou Cyperaceae e vários carás (Dioscorea sp), mas uma grande diversidade de espécies era utilizada (Scheel-Ybert, 2001a).

8 9 33 15 9 8 12 10 22 15 10 7 0 1 2 3 4 5 6 0-10 10-20 20-30 30-40 40-50 50-60 60-70 70-80 80-90 90-100 100-110 110-120 120-130 130-140 140-150 150-160 160-170 170-180 180-190 190-200 200-210 210-220 220-230 230-240 240-250 250-260 260-270 270-320 270-320c 0, 01 0, 03 0, 03 0, 07 0, 08 0, 03 0, 07 0, 04 0, 02 0, 03 0, 04 0, 05 0, 01 0, 04 0, 02 0, 12 0, 04 0, 04 0, 08 0, 06 0, 02 0, 02 0, 02 0, 01 0, 01 0, 01 0, 02 0, 005 0, 002

camada de conchas sedimento avermelhado sedimento arenoso cinza escuro / cinza claro tubérculos parênquima sementes coquinhos

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Fig. 3: Histograma mostrando o número de tubérculos, parênquima não-identificado, sementes e coquinhos nas amostras antracológicas do sambaqui do Forte. Os valores sob os nomes dos níveis na abscissa correspondem à relação restos alimentares/fragmentos de carvão em cada amostra e representam a abundância relativa destes restos. O perfil sedimentar esquematiza as diferentes camadas arqueológicas do sítio.

A conservação destes restos sugere que eles eram largamente utilizados pelos sambaquieiros, e que as plantas eram mais importantes em sua alimentação do que se considera usualmente.

Esta hipótese é corroborada por análises de patologia dental em sambaquieiros, que indicaram que, em alguns sítios, as frequências de cáries são análogas às de horticultores, e mesmo de agricultores (Wesolowski, 2000). Este fato sugere que os tubérculos, muito ricos em amido, contribuíam substancialmente para a alimentação destas populações, levantando a questão de saber-se se algum tipo de produção de alimentos já existia naquela época.

A realização paralela de análises antracológicas e de paleopatologia em um mesmo sítio seria de grande importância para contribuir para o esclarecimento desta questão.

CONCLUSÃO

A amostragem sistemática de macro-restos vegetais carbonizados em sambaquis e a flotação do sedimento arqueológico permitiu a recuperação de um grande número de fragmentos de carvão, muitos coquinhos, sementes, e vários fragmentos de tubérculos (Scheel-Ybert, 2000, 2001a). Este material forneceu informações de grande importância, principalmente no que se refere ao meio ambiente no qual viviam estas populações, a economia do combustível e a dieta.

Foi demonstrado que os sambaquieiros eram habitantes da restinga e se instalavam em geral nas proximidades de outras formações vegetais, como o mangue e as florestas costeiras; que eles viveram num meio ambiente relativamente estável; que a coleta de lenha, madeira morta não selecionada, era feita nas proximidades do local de habitação. Foi demonstrada, pela primeira vez, a utilização de tubérculos pelos sambaquieiros, o que sugere um consumo expressivo de produtos vegetais, e permitiu levantar a hipótese de manejo de tubérculos e de árvores (Scheel-Ybert, 2003).

A grande diversidade de tubérculos encontrada, os solos pobres da restinga e a ausência de indícios claros da existência de plantas domesticadas nos incitam a excluir a hipótese de uma agricultura bem estabelecida na sociedade sambaquieira. No entanto, os dados atuais são coerentes com a prática de manejo ou de horticultura. A verificação destas hipóteses depende de um maior investimento em pesquisas arqueobotânicas. Somente um aprofundamento das análises antracológicas e de macro-restos vegetais, e especialmente o estudo de grãos de amido e fitólitos, poderá esclarecer esta questão.

Por outro lado, os trabalhos realizados no litoral dos Estados do Rio de Janeiro e de Santa Catarina mostraram uma grande estabilidade da vegetação de terra firme, apesar das oscilações climáticas que foram evidenciadas. É importante estender essas pesquisas a outras regiões do litoral e do interior do

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país, onde a vegetação não é ligada a fatores edáficos, e também a outros meios de ocupação pré-histórica, a fim de analisar o impacto das variações climáticas sobre diferentes formações vegetais e sobre diferentes grupos socioculturais.

Em resumo, os resultados acima apresentados mostram a importância da recuperação sistemática dos carvões em sítios arqueológicos, fornecendo um exemplo da enorme diversidade de informações contidas nestes vestígios.

AGRADECIMENTOS

Apoio financeiro do CNPq (PROFIX nº 540207/01-2) e da FAPERJ (Proc. E-26/152.430/02, coord. M.D. Gaspar).

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