ESPECIAL 1000
I
IL
Nos 44 anos que separam
a primeira da milésima edição
de eXAME, o Brasil passou
de pobre a ernergente
.
Agora é hora de entrar no
clube dos ricos
I
ANDRÉLAHÕZQUEDA DO MURO DEBERLlM, lJMDAQUELES RAROS EVENTOS DA HISTÓRIA QUE SEPARAM DUAS ERAS, tirou muito da névoa
ideológica que tanto conturbou o debate intelectual no Brasil e no
mundo. A derrubada física dos tijolos trouxe abaixo também um es
-quema mental que via omundo partido em três, no qual capitalistas
P"""""'''';'''''-~Psocialistas buscavam capturar aliados no que então sechamava
Ter-ceiro Mundo - onde inequivocamente estávamos. Também o sistema
mt dial pós-muro é formado por três conglomerados de países, mas
hoje, entre asnações ricas e as pobres, estão não mais os socialistas,
mas s emergentes. Esse bloco de países - composto por economias
eesociedadesigigantescas, como China, Índia, lndonésia e Brasil
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FOSSEM IGUAIS AVOCÊ ...:A ESCOLA'PÚBLlCA GAÚCHA MOSTRA O BRASIL QUE QUEREMOS
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superou uma condição dissemi-nada de miséria,tornou-se rele
-vante para o crescimento mun
-dial, mas ainda não chegou ao desenvolvimento.
A nova divisão do mundo per
-mite um olhar mais claro sobre o desempenho brasileiro nos 44 anos que'separam a primeira des
-ta milésima edição de EXAME.
Foi nesse período que consegui-mos transitar doterceiro ao se
-gundo grupo. Não é pouco. Ofus
-cados pelo brilho do exemplo americano, sempre tivemos qua
-seum prazer ao nos referir aum
suposto fracasso como nação
-seríamos, para voltar à surrada piada, o eterno país do futuro. Talvez seja a hora, até para que possamos pensar no que vem à frente, de reavaliar nossa trajetó
-ria.O Brasil de 1967era o próprio retrato do atraso. Quase 40%das pessoas com mais de 15 anos eram analfabetas. Só metade das crianças frequentava a escola. A expectativa de vida ao nascer era de 52 anos e 131crianças de cada 1000 nascidas morriam antes do primeiro aniversário. Num país rural e antigo, a modernidade fi
-cava confinada a meia dúzia de cidades, especialmente o Rio de Janeiro. "Há muito saudosismo em relação àquele tempo, mas as pessoas se esquecem de quão ex
-cludente era a sociedade", diz Paula Louzano, doutora em Polí
-ticas Educacionais pela Univer
-sidade Harvard e pesquisadora da Fundação Lemann. ''Atão fa
-lada escola pública de qualidade recebia um punhado de alunos selecionados dentre os melhores do país.A massa mais pobre só agora está indo à escola"
Mudar um quadro tão dramá
-tico já não seria tarefa fáciL Mas às chagas históricas somaram-se algumas transformações profun
-das na sociedade que coincidi
-ram no tempo e complica-ram a equação. O Brasil de 1967 era composto de 90 milhões de
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soas. Hoje somos 192 milhões. Contam-se nos dedos de uma mão os países que tiveram dei n-corporar tantas pessoas - com moradia, escolas, hospitais, pos-tos de trabalho - em tão pouco tempo. Tivemos também naque-las décadas uma migração em massa para as cidades, um pro-cesso que levou mais de um sé-culo nas nações ricas. Por fim, foi também nesse período que se deu o grosso de nossa industria-lização, uma mudança com forte viés modernizador, mas que sempre abala as bases preex is-tentes. "A somatória de tantas mudanças simultâneas deixou sequelas duradouras e graves, e o sentimento que ficou daquele período foi ruim", diz o cientista político Bolívar Lamounier. Ele lembra que o país vinha desabro-chando lenta e positivamente até os anos 50. A partir daí, vivemos rupturas tanto na esfera da polí-tica quanto na economia. "Mas nos aprumamos de novo. Somos hoje mais desenvolvidos do que as pessoas pensam."
DE POBRE A EMERGENTE
A-O Brasil desponta agora como um dos mais promissores países aos olhos dos investidores. Ainda te-mos pela frente muito trabalho, como pode notar qualquer um que acompanha o noticiário. A criminalidade virou uma marca característica do Brasil. A corrup-ção está à vista de todos e ofende os brasileiros que trabalham duro e pagam seus impostos. As carên-cias sociais ainda são enormes. Mas nada disso muda o fato de que a economia fechada e sob tu-tela estatal dos anos 60 deu lugar a uma potência emergente. O PIB brasileiro multiplicou quase sete vezes desde 1967. A frota de veí-culos passou de 2,5 milhões de unidades para 65 milhões. Tínha-mos 1 milhão de telefones, hoje são mais de 200 milhões. O pri-meiro shopping center do país, o
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mente, já são quase 500 espalha
-dos por praticamente todos os
estados. São números que
mos-tram que os desafios quantitati
-vos do país estão sendo
equacio-nados. A população cresce cada
vez menos, e a migração para as
cidades, que tanta pressão jogou
sobre a infraestrutura urbana, é
um processo quase concluído.
Até o fim da miséria virou uma
possibilidade real.
O salto de que precisamos,
agora, diz respeito não à
quanti-dade, mas àqualidade. Sim, as
crianças estão na escola, mas
es-tão também aprendendo? As
ci-dades são locais agradáveis para
viver e trabalhar? Nosso sistema
de saúde atende com dignidade
o conjunto da população? O
am-biente de negócios trata adequa
-damente nossos empresários e
empreendedores? O governo tem
respeito pelo dinheiro que
rece-be do cidadão? Infelizmente,
não. Conseguir responder sim a
questões desse gênero é a chave
para que consigamos deixar o
grupo dos emergentes e virar um país desenvolvido. A tarefa não é
simples. Nos últimos 40 anos,
quase nenhum país deu um salto dessa magnitude. Por alguma
ra-zão que ainda desafia os cientis
-tas sociais, tem sido mais fácil
passar de pobre a emergente do
que completar a trajetória. Mas
temos margem para otimismo. "A
sedimentação dademocracia
fa-cilita as mudanças, porque
per-mite identificar mais rapidamen
-te os problemas. O autoritarismo
faz com que os equívocos se
ar-rastem por muito tempo, o que
nos custou muito caro", diz o
economista Marcos Lisboa,
vice-presidente do banco Itaú. É esse
salto - de emergente a rico
-que EXAME espera poder contar
nas próximas 1000 edições. De
preferência, bem antes disso .•
21 de setembro de 2011I69