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Teoria Ingênua dos Conjuntos

Prof. Dr. Joao Paulo Costalonga - UEM

Versão de 22 de maio de 2013

1 O problema da axiomatização

O problema de decidir se uma afirmação matemática é válida ou não é milenar. Alguns resultados da Matemática são muito intuitivos, outros parecem desafiar nossa intuição, enquanto alguns podem parecer deveras vagos para serem passíveis de qualquer julgamento.

Uma saída para esse problema foi idealizada na Grécia Antiga por Euclides. Euclides reduziu a Matemática da época a uma lista de axiomas, que são conceitos elementares, aceitos sem prévias demonstrações. Alguns autores se referem ao sinônimo de axioma: postulado. É importante observar que essas palavras possuem um significado diferente em alguns contextos, como veremos mais adiante.

Axiomas são necessários porque nada se demonstra do nada e não é viável nos apoiarmos em cadeias infinitas de argumentações. Como num dicionário, se você procura por macaxeira aparecem como significados aipim e

mandi-oca. Se procurar por aipim, o dicionário explicará que aipim é macaxeira ou mandimandi-oca. Se nenhum dos sinônimos

for aprendido pela vivência, será impossível de se entender o significado. Analogamente, devemos ter um ponto de partida para a Matemática. Uma lista de afirmações da qual a Matemática possa ser construída usando argumentos lógicos. Um sistema de axiomas. Naturalmente espera-se que um sistema de axiomas, tenha um número pequeno de axiomas, que estes sejam intuitivos e, obviamente, que não se contradigam.

Os axiomas de Euclides estruturam a Matemática a partir da Geometria. No decorrer do tempo, imprecisões e problemas de falta de abrangência foram sendo detectados na Axiomática de Euclides. Próximo à virada dos séculos XIX e XX, o russo Georg Cantor, idealizou uma nova estruturação da Matemática, a partir dos conjuntos. O conceito de conjunto sugerido por Cantor, era muito vago, ele descrevia um conjunto como uma simples coleção de coisas que satisfazem a alguma propriedade. O conceito de conjunto dado por Cantor mostrou-se uma linguagem eficiente para descrever a Matemática, tanto que Teoria dos Conjuntos na época foi apelidada de “Paraíso de Cantor”. Porém tal conceito vago de conjunto mostrou-se inconsistente, gerando paradoxos. Um desses paradoxos foi descoberto pelo próprio Cantor, mas é um tanto complexo para descrever neste momento, o explicaremos mais adiante. Descre-veremos em seguida o Paradoxo de Russell, descoberto pelo filósofo Bertrand Russell, que igualmente demonstra a problemática do conceito vago de conjunto.

1.1 O paradoxo de Russell

Considere uma cidade na qual o barbeiro faz a barba de todos os homens que não não fazem a própria barba e somente daqueles que não fazem a própria barba. Te pergunto: o barbeiro faz a própria barba?

Diremos que um conjunto é bonito se ele não possui a si próprio como elemento e diremos que um conjunto é feio em caso contrário. Observe que, com essas definições, todo conjunto é feio ou bonito e que um conjunto não pode ser bonito e feio ao mesmo tempo. Agora considere o conjunto B , cujos elementos são todos os conjuntos bonitos. Se

B é bonito, então, B é elemento de si próprio e, portanto, é feio. Uma contradição. Por outro lado se B é feio, então B

contém a si próprio como elemento, mas os elementos de B são exatamente os conjuntos bonitos, implicando que B é bonito, novamente uma contradição. Então B não poderia ser feio ou bonito, mas teria de ser uma das duas coisas. Este é o paradoxo de Russell.

Esse paradoxo indica que a possibilidade de definirmos o conjunto B é inadequada à axiomatização da Matemá-tica. A fim de consertar a bela estruturação de Cantor, deve-se então adicionar mais restrições para o conceito de conjunto.

1.2 O axioma da especificação e o paradoxo de Richard

Uma saída para os paradoxos de Cantor e Russel, foi uma axiomatização proposta por Zermelo e Fankel (ZF). Os axiomas de ZF admitem a existência de um conjunto, e a possibilidade de, via certas regras, a construção de outros conjuntos a partir deste. Uma dessa regras é o axioma da especificação. Que diz que, se P ( ) é um predicado e X é um conjunto, então é possível definir um conjunto Y , cujos elementos são exatamente os elementos x de X tais que P (x) é verdadeiro. O Paradoxo de Richard, que será descrito a seguir, demonstra a falibilidade desse axioma enunciado dessa forma.

Considere o seguinte predicado P (x), definido como “x é um número natural que pode ser definido na língua portuguesa com uso de, no máximo, 1000 caracteres”. Definimos então X como sendo o subconjunto dos números

(2)

naturais x, para os quais P (x) é verdadeiro. Como na língua portuguesa existe um número finito de caracteres, entre letras, números sinais de pontuação e a acentos, então existe um número finito de sequências de 1000 caracteres e, portanto o conjunto X é finito e não pode conter todos os números naturais. Seja n o menor número natural fora de

X . Podemos então definir n da seguinte forma:

“Seja n o menor número natural que não pode ser definido em língua portuguesa, com no máximo mil caracteres.” A frase acima é simplesmente uma definição de n que utiliza menos que mil caracteres, contrariando o fato de n não poder ser definido dessa forma.

A solução para tal problema foi estabelecer restrições para a formulação de tal predicado P , que deve ser formu-lado em termos de letras com significado apenas simbólico, não idiomático, algarismos, os símbolos ∀,∃,∼,∨,∈,= etc e outros definidos a partir destes. Essa linguagem é demasiada técnica para o dia-a-dia, tanto que existem profissio-nais dedicados a seu estudo, e não será utilizada com tal rigor e riqueza de detalhes aqui.

2 A Teoria dos Conjuntos e seus axiomas

A axiomatização dada aqui é semelhante a de Zermelo e Frankel. Antes de tudo, tenha em mente a ressalva no último parágrafo da seção anterior. Os conceitos de conjunto e elemento são primitivos. Denotamos x ∈ X para dizer que x é um elemento do conjunto X , ou que x pertence a X .

Antes de falar sobre algo, é conveniente assegurar-se que não está falando sobre nada. Enunciamos o primeiro axioma:

Axioma 1 (da existência)Existe um conjunto.

É razoável dizer que duas coleções são iguais se possuem o mesmo itens. O próximo axioma que enunciamos é sobre a caracterização da igualdade de conjuntos.

Axioma 2 (da extensão) Suponha que X e Y sejam conjuntos. Então X e Y são iguais se e só se todo elemento de X

pertence a Y e todo elemento de Y pertence a X . Em símbolos:

X = Y ⇔ (x ∈ X ⇔ x ∈ Y ).

É frequente lidarmos com conjuntos X e Y tais que x ∈ X implica que y ∈ Y . Quando isso ocorre dizemos que X está contido em Y e que X é um subconjunto de Y e denotamos X ⊆ Y . Em símbolos:

X ⊆ Y ⇔ (x ∈ X ⇒ x ∈ Y ).

Se X ⊆ Y , também dizemos que Y contém X . Quando X está contido em Y mas X 6= Y , então dizemos que X está

propriamente contido em Y e denotamos X(Y . Note que, com essas definições, temos que X = Y se e só se X ⊆ Y

e Y ⊆ X .

Dizemos que um conjuntoF é uma família se todos seus elementos são conjuntos. Não é uma regra, mas para facilitar a leitura, geralmente denotamos conjuntos por letras minusculas, seus elementos por letras minúsculas e famílias de conjuntos por letras maiúsculas caligráficas.

Axioma 3 (da especificação) Se X é um conjunto e P ( ) é um predicado formulado de acordo com as ressalvas no último

parágrafo da seção anterior. Então existe um conjunto Y tal que os elementos de Y são exatamente os elementos x de X para os quais P (x) é verdadeiro. Em símbolos:

x ∈ Y ⇔ (x ∈ X ∧ P(x)). Denotamos esse conjunto por {x ∈ X : P(x)}.

Com o axioma da especificação, podemos definir a interseção de dois conjuntos. Se X e Y são dois conjuntos, definimos a interseção de X e Y pelo conjunto X ∩Y : {x ∈ X : x ∈ Y }. Fica como exercício a demonstração da seguinte proposição:

Proposição 1 Se X e Y são conjuntos, então X ∩ Y = Y ∩ X .

Dizemos que um conjunto vazio ; é um conjunto que não possui elementos. Isso é a sentença x ∉ ; é sempre verdadeira, qualquer que seja x. Podemos provar:

(3)

Demonstração: Primeiro mostramos que existe um conjunto vazio. Pelo axioma da existência, existe um conjunto

X , pelo axioma da especificação podemos definir ; := x ∈ X : x 6= x. É fácil mostra que ; é, de fato um conjunto vazio.

Se supormos que x ∈ ;, temos que x 6= x o que é uma contradição.

Falta mostrar a unicidade do conjunto vazio. Ou seja que, se X é vazio, então X = ;. De fato, suponha que X seja um conjunto vazio. Como ambas sentenças x ∈ X e x ∈ ; são sempre falsas, então é sempre verdade que x ∈ X ⇔ x ∈ ;.

Pelo axioma da extensão, X = ;. ä

A demonstração da próxima proposição é deixada como exercício.

Proposição 3 Se X é um conjunto, então ; ⊆ X .

Assim, como a interseção podemos construir a diferença de dois conjuntos, denotada por X − Y (X \Y por alguns autores) e definida por X − Y := {x ∈ X : x ∉ Y }. Mas não é verdade que X − Y = Y − X .

Axioma 4 (da união) Suponha queF seja uma família de conjuntos. Então existe um conjunto, F , o qual chamamos

de união dos elementos deF , tal que x ∈ F se e só se existe X ∈ F tal que x ∈ X . Em símbolos: x ∈ F ⇔ (∃X ∈ F ; x ∈ X ).

Denotamos a união dos elementos deF por S

X ∈F

X .

Podemos, como antes definir, via o axioma da especificação a interseção de uma família não vazia de conjuntos F , a seguinte forma seja Y ∈ F , a interseção da família F é definida por:

\

X ∈F

X := {x ∈ Y : (∀X ∈ F )x ∈ X }

. Fica como exercício, mostrar que essa última definição não depende da escolha do elemento Y , isso é, se escolher-mos Z ∈ F , distinto de Y e trocarescolher-mos Y por Z , na definição conjunto acima, tal conjunto permanece os mesmo.

Note que esse último axioma ainda não é o suficiente para definirmos a união de dois conjuntos X e Y , pois, para isso necessitamos que X e Y sejam os únicos membros de uma família. É isso o que diz o próximo axioma.

Axioma 5 (do par) Se X e Y são conjuntos então existe uma famíliaF cujos únicos elementos são X e Y . Em símbolos:

x ∈ F ⇒ (x = X ∨ x = Y ). Denotamos essa família como {X , Y }.

Em geral se, num conjunto X existem elementos x1, . . . , xntais que x ∈ X ⇔ (x = x1) ∨ ··· ∨ (x = xn), então

denota-mos X := {x1, . . . , xn}.

Agora estamos em condições de definir a união de dois conjuntos X e Y como o conjunto

X ∪ Y := [

Z ∈{X ,Y }

Z .

Note que x ∈ X ∪ Y se e só se x ∈ X ou x ∈ Y e que X ∪ Y = Y ∪ X .

O próximo axioma é o último dessa seção, mas não o último da teoria, ele que, de fato, nos dá ferramentas para a construção de conjuntos não triviais.

Axioma 6 (da potência) Se X é um conjunto, então existe uma famíliaP (X ), denominada o conjunto potência de X

(alguns autores chamam de conjunto das partes) tal que x ∈ P (X ) se e só se x é um subconjunto de X .

Por exemplo, se {a, b} é um conjunto, entãoP ({a,b}) = {;,{a},{b},{a,b}}.

2.1 Exercícios de fixação

Considere para os exercícios desta seção que:

(i) os elementos a, b, c, d e e são sempre distintos entre si e

(ii) nenhum dos elementos a, b, c, d ou e é um conjunto cuja a interseção com {a, b, c, d , e} é não vazia.

Ex. 1: Seja X = {a,b,c,d} e Y = {c,d,e}. Considere que os elementos a,...,e são distintos entre si. Encontre os

se-guintes conjuntos: X ∩ Y , X ∪ Y , X − Y , Y − X , P (Y ) e P (Y ) ∩ P (X ).

(4)

1. {a, b} é um subconjunto de X ? 2. ; é um subconjunto de X ? 3. {a} ∈ X ? 4. a ∈ X ? 5. a é um subconjunto de X ? 6. b ∈ X ? 7. Encontre X ∩ {a,b}. 8. Encontre X ∩ P ({a,b}).

9. Como ficariam as respostas se ignorarmos as condições (i) e (ii) do início da seção.

2.2 Exercícios teóricos

Nos exercícios que seguem, consideramos X , Y e Z como conjuntos arbitrários.

Ex. 3: Mostre que existem dois conjuntos X e Y diferentes. Mostre que existem 4 conjuntos diferentes entre si. É

possível mostrar isso para 16 conjuntos? (Dica: use a existência do conjunto vazio e os axiomas do par e da potência.)

Ex. 4: Mostre que, se X − Y = Y − X , então X = Y . Ex. 5: Demonstre as seguintes identidades

1. (X ∩ Y ) ∩ Z = (X ∩ Y ) ∩ Z ; 2. (X ∪ Y ) ∪ Z = X ∪ (Y ∪ Z ); 3. X ∩ (Y ∪ Z ) = (X ∩ Y ) ∪ (X ∩ Z ); 4. X ∪ (Y ∩ Z ) = (X ∪ Y ) ∩ (Y ∪ Z );

5. (X ∪Y )−(X ∩Y ) = (X −Y )∪(Y − X ); cada um dos membros da igualdade acima chamado a diferença simétrica de X e Y , denotada por X∆Y . Note que X ∆Y = Y ∆X .

6. (X∆Y )∆Z = X ∆(Y ∆Z ); 7. X ∩ (Y ∆Z ) = (X ∩ Y )∆(X ∩ Z );

Ex. 6: Dizemos que dois conjuntos X e Y são disjuntos se X ∩ Y = ;. Analogamente uma família de conjuntos F é disjunta quando (∀X ∈ F )(∀Y ∈ F )(X 6= Y ⇒ X ∩ Y = ;). Demonstre que, se F é uma família de conjuntos disjunta

e A é um conjunto, então:

• A famíliaA , cujos elementos são os conjuntos da forma A ∩ X , com X ∈ F , pode ser definida com os axiomas da Teoria dos Conjuntos.

• Tal famíliaA é disjunta? Essa resposta depende de quem é F ? Exemplifique as possibilidades, se for o caso.

Ex. 7: SejaF uma família de conjuntos e I = T

X ∈F

X . Mostre que a famíliaI , cujos conjuntos são exatamente aqueles

da forma X − I , com X ∈ F pode ser definida com os axiomas da Teoria dos Conjuntos. Tal família A é disjunta? Essa resposta depende de quem éF ? Exemplifique as possibilidades, se for o caso.

Ex. 8: Quais das seguintes afirmações são verdadeiras para todos conjuntos X e Y ?

1. P (X ∪ Y ) = P (x) ∪ P (Y ); 2. P (X ∩ Y ) = P (x) ∩ P (Y ); 3. P (X − Y ) = P (x) − P (Y );

(5)

3 Pares ordenados e produto cartesiano

Nesta subseção temos como desafio definir o conceito de par ordenado. Isso é se X e Y são conjuntos queremos construir entidades matemáticas da forma (x, y) com x ∈ X e y ∈ Y tais que para todos a, x ∈ X e b, y ∈ Y :

(x, y) = (a,b) ⇔ (x = a) ∧ (y = b). (1)

A fim de satisfazer a propriedade (1), através do axioma da especificação emP (X ∪Y ), definimos o par ordenado (x, y) por {{x}, {x, y}}.

Lema 4 Se A, B , X e Y são conjuntos tais que X ⊆ Y , A ⊆ B e {X ,Y } = {A,B}, então X = A e Y = B

Demonstração: Se Y ⊆ X , então X = Y . Portanto {A,B} = {X ,Y } = {X }. Então A,B ∈ {X } e A = X = Y = B. Podemos

supor que Y *X . Se X = B, então, como Y ∈ {A,B} e Y 6= X , necessariamente, Y = A. Portanto Y = A ⊆ B = X ; uma

contradição. Então X = A. Como Y ∈ {A,B} e Y 6= X , então Y = B. ä

Proposição 5 A definição de par ordenado satisfaz a propriedade (1).

Demonstração: Se x = a e y = b segue diretamente que (x, y) = (a,b). Por outro lado, suponha que (x, y) = (a,b). Isso

é {{x}, {x, y}} = {{a},{a,b}}. Pelo lema anterior, {x} = {a} e {x, y} = {a,b}. Se y = x então a,b ∈ {x, y} = {x} e a = x = y = b.

Se y 6= x, então y ∈ {a,b} mas y 6= a = x. Logo y = b. ä

Tal definição de par ordenado apenas foi feita para demonstrar a viabilidade de uma tal estrutura com a proprie-dade (1). Não voltaremos a mencionar o par (x, y) pela expressão {{x}, {x, y}}.

Definimos o produto cartesiano dos conjuntos X e Y pelo conjunto X × Y formado pelos pares ordenados (x, y) com x ∈ X e Y ∈ Y . Em termos dos nosso axiomas, para ser mais rigoroso:

X × Y := {A ∈ P (X ∪ Y );(∃x ∈ X )(∃y ∈ Y )(A = (x, y))}.

3.1 Exercícios de fixação

Ex. 1: Seja X = {a,b}, Y = {b,c} e Z = {a,b,d}. Encontre os seguintes conjuntos:

1. X × ;; 2. (X × Y ); 3. (X × X );

4. ((X × X ) ∪ (Y × Y )) − (Z × Z );

3.2 Exercícios teóricos

Ex. 2: Mostre que, se X ⊆ Y e Z ⊆ W , então X × Y ⊆ Z × W .

Ex. 3: Sejam A, B,C e D conjuntos. Demonstre as seguintes afirmações:

1. Se A ⊆ B e C ⊆ D, então A ×C ⊆ B × D. 2. (A ∪ B) ×C = (A ×C ) ∪ (B ×C ); 3. C × (A ∪ B) = (C × A) ∪ (C × A); 4. (A ∩ B) × (C ∩ D) = (A ×C ) ∩ (B × D); 5. (A ×C ) ∩ (B × D) = (A × D) ∩ (B ×C ); 6. (A − B) ×C = (A ×C ) − (B ×C );

Ex. 4: Sejam A, B,C e D conjuntos não vazios. Verifique se as seguintes identidades são válidas. Demonstrando-as

em caso afirmativo e exibindo um contra-exemplo em outro caso. 1. (A × B) = (C × D) se e só se A = C e B = D;

2. (A ×C ) = (B ×C ) se e só se A = B; 3. (A ∪ B) × (C ∪ D) = (A ×C ) ∪ (B × D);

(6)

4 Relações de equivalência

Se X e Y são conjuntos, dizemos que R ⊆ X × Y é uma relação de X em Y . Se (x, y) ∈ R denotamos x R y. Quando num contexto em que R é a única relação em questão, podemos dizer que x se relaciona com y se x R y, para tornar a linguagem mais natural.

Dois tipos de relações são de extrema importância na Matemática: as funções, que estão presente em pratica-mente todos os conceitos matemáticos e merecem um estudo mais detalhado, tanto que dedicaremos mais a frente uma seção somente a elas, e as relações de equivalência, que vamos estudar agora.

Dizemos que uma relação R de X em X é uma relação de equivalência em X se, para todos x, y, z ∈ X , vale as seguinte propriedades:

1. Eq1) x R x,

2. Eq2) x R y implica y R x e

3. Eq3) x R y e y R z implica que x R z.

Se não há outra relação de equivalência em questão dizemos que x é equivalente a y quando x R y para tornar o discurso mais idiomático.

Se R é uma relação de equivalência em X , e x ∈ X , a classe de equivalência de x segundo ≡ é o conjunto ¯x dos elementos de X equivalentes a x, ou seja, ¯x := {y ∈ X : y R x}. Definimos o conjunto quociente de X por R como a

família XR das classes de equivalências dos elementos de X segundo ≡. Isso é:

X

R := {Y ∈ P (X ) : (∃x ∈ X )(Y = ¯x)}.

Para um bom exemplo de relação de equivalência e conjunto quociente veja os exercícios na próxima subseção. Dizemos que uma famíliaF é uma partição de um conjunto X , se F é uma família disjunta tal que X = S

X ∈F

. Fica como exercício a demonstração da seguinte proposição:

Proposição 6 Se X é um conjunto e R é uma relação de equivalência em X , entãoXR é uma partição de X .

4.1 Exercícios de fixação

Ex. 1: Seja X um conjunto. O exemplo mais trivial de relação de equivalência em X é a relação de igualdade

R := {(x, y) ∈ X × X : x = y}. Descreva o conjuntoXR?

Ex. 2: Considere o conjunto do números inteirosZ = {...,−2,−1,0,1,2,...}. Apesar de ainda não termos construído

tal conjunto e suas operações de multiplicação, a noção intuitiva que temos dele é suficiente para ilustrar os conceitos. Suponha queZ esteja bem definido com suas operações, como nós conhecemos.

Seja p ∈ Z − {0}. Considere a relação R de Z em Z , definida pela seguinte propriedade:

x R y ⇔ (∃q ∈ Z)(x − y = qp).

1. Mostre que a relação R pode ser construída a partir deZ, suas operações e os axiomas que vimos até agora. 2. Mostre que R é uma relação de equivalência.

3. Para p = 3, quem são as classes de equivalência deZR?

4. Mostre que, se a R x e b R y, então (a + b)R (x + y) e ab R x y.

5 Funções

Dados conjuntos X e Y , dizemos que f é uma função de X em Y (notação f : X → Y ) se f é um subconjunto de X ×Y , tal que para todo x ∈ X , existe um único elemento y ∈ Y tal que (x, y) ∈ f . Quando f é um a tal função e (x, y) ∈ f , denotamos f (x) = y e dizemos que y é a imagem de x por f , chamamos o conjunto X de domínio de f e o conjunto

Y de contradomínio de f .

Em símbolos, uma função f de X em Y é um subconjunto f ⊆ X × Y , tal que: (F1) (∀x ∈ X )(∃y ∈ Y )((x, y) ∈ f );

(7)

Por exemplo se considerarmos os conjuntos X = {1,2,3} e Y = {3,4,5} e os seguintes subconjuntos de X × Y :

f1= {(1, 3), (2, 4), (3, 5)}; f2= {(1, 3), (2, 3), (3, 4)};

f3= {(1, 3), (1, 4), (2, 5), (3, 5)}; f3= {(1, 3), (2, 4)}.

Verifica-se que f1e f2são funções de X em Y . Mas f3e f4não são funções de X em Y , pois f3não respeita a condição (F2), enquanto f4não respeita a condição (F1).

Para comparar duas funções, é trabalhoso usar sua definição diretamente, ao invés disso, geralmente usamos o seguinte critério.

Lema 7 Duas funções f : X → Y e g : X → Y são iguais se e somente se para todo x ∈ X , f (x) = g (x).

Demonstração: Suponha que f = g . Então, dado x ∈ X , seja y = f (x), isso é (x, y) ∈ f = g . O que implica que

g (x) = y = f (x). Por outro lado suponha que g (x) = f (x), então, se (x, y) ∈ f , segue que f (x) = y = g (x), logo (x, y) ∈ g .

Isso mostra que f ⊆ g . Analogamente se mostra que g ⊆ f . Portanto f = g . ä Se f : X → Y e X0⊆ X , definimos a imagem de X0por f como o conjunto:

f (X0) := {y ∈ Y : (∃x ∈ X0)( f (x) = y)}.

Neste caso dizemos a imagem de f é o conjunto f (X ), ou seja, o subconjunto de Y formado por elementos que são imagens de elementos de X por f .

Dizemos que uma função é sobrejetiva (ou sobrejetora) se sua imagem é igual a seu contradomínio. Em outras palavras, f : X → Y é sobrejetiva quando f (X ) = Y . No exemplo anterior, f1é sobrejetiva, mas f2não.

Uma função f : X → Y é dita inetiva(ou injetora) se elementos distintos de X têm sempre imagens distintas por

f . Isso é (∀x1, x2∈ X )(x16= x2⇒ f (x1) 6= f (x2)). Muitas vezes é conveniente pensar na forma contrapositiva dessa definição: (∀x1, x2∈ X )( f (x1) 6= f (x2) ⇒ x1= x2).

Quando uma função é simultaneamente injetiva e sobrejetiva, dizemos que ela é bijetiva (ou bijetora). Funções bijetivas são especialmente importantes por causa do conceito de função inversa, que vermos a seguir.

Seja f : X → Y . Uma inversa da f , caso exista, é uma função g : Y → X tal que, para todo x ∈ X , g ( f (x)) = x e, para todo y ∈ Y , f (g (y)) = y. Por simetria, se g é uma inversa de f , então f é uma inversa de g .

Proposição 8 Uma função não pode ter duas inversas distintas.

Demonstração: Seja f : X → Y . Suponha que g e h seja inversas de f . Vamos usar o critério do Lema 7 para

mos-trar que g = h. Seja y ∈ Y . Seja x = h(y) como h é inversa de f , f (x) = f (h(x)) = x. E, como g é inversa de f ,

g ( f (x)) = x = h(y). Portanto g (y) = g (f (h(y)) = g (f (x))) = x = h(y). Pelo Lema 7, h = y. ä Dizemos que uma função é inversível se ela possui uma inversa, que neste caso, pela proposição anterior deve ser única. Denotamos a inversa de f por f−1.

Teorema 9 Uma função é inversível se e só se é bijetiva.

Demonstração: Suponha que f seja uma função inversível. Primeiro mostremos que f é sobrejetiva. Seja y ∈ Y ,

temos que y = f (f−1(y)). Então é um elemento da imagem de f . Ou seja Y ⊆ f (X ), e, portanto Y = f (X ) e f é sobrejetiva. Agora, mostremos que f é injetiva. suponha que, x1e x2sejam elementos de X tais que f (x1) = f (x2). Então x1= f−1( f (x1)) = f−1( f (x2)) = x2. Então f é injetiva, e, portanto, bijetiva.

Por outro lado, suponha que f é bijetiva. Seja g = {(y, x) ∈ Y × X : (x, y) ∈ f }. Vamos mostrar que g é uma inversa de f . Primeiro temos que mostrar que g é uma função. Primeiro verifiquemos (F1). Seja y ∈ Y . Como f é sobre-jetiva, existe x ∈ X tal que (x, y) ∈ f . Logo (y, x) ∈ g . Agora verifiquemos (F2). Suponha que (y, x),(y, x0) ∈ g . Então (x, y), (x0, y) ∈ f ou seja f (x) = y = f (x0). Como f é injetiva, então x = x0. Falta verificar que g é uma inversa de f . Suponha que x ∈ X . Então (x, f (x)) ∈ f e, portanto, ( f (x), x) ∈ g . Isso implica que g (f (x)) = x. Agora suponha que

y ∈ Y , então (y, g (y)) ∈ g , e, portanto, (g (y), y) ∈ f . Ou seja, f (g (y)) = y. ä Se, para conjuntos X , Y e Z , temos funções f : X → Y e g : Y → Z , definimos a função composta de g com f como a função g ◦ f : X → Z tal que, para todo x ∈ X g ◦ f (x) = g (f (x)). Vamos explorar mais propriedades de composição de funções nos exercícios.

(8)

5.1 Exercícios de fixação

Ex. 1: Considere o conjuntoZ = {...,−2,−1,0,1,2,...} dos números inteiros. Das seguintes funções de Z em Z descritas abaixo, diga quais que são injetivas, sobrejetivas ou inversíveis. Descreva o conjunto imagem de cada uma e calcule suas inversas quando for o caso.

(a) f1tal que f1(x) = −x para todo x ∈ Z. (b) f2tal que f2(x) = |x| para todo x ∈ Z. (c) f3tal que f3(x) = x + 2 para todo x ∈ Z.

(d) f4tal que f4(x) = x + 1 se x é um inteiro ímpar e f4(x) = x − 1, se x é um inteiro par. (e) f5, tal que f5(x) = 2x para todo x ∈ Z.

5.2 Exercícios teóricos

Ex. 2: Considere f : X → Y e g : Y → Z . Mostre:

1. Se f e g são injetivas, então g ◦ f é injetiva. 2. Se g ◦ f é injetiva então f é injetiva.

3. Se f e g são sobrejetivas, então g ◦ f é sobrejetiva. 4. Se g ◦ f é sobrejetiva, então g é sobrejetiva.

5. Se g e f são inversíveis, então g ◦ f é inversível e (g ◦ f )−1= f−1◦ g−1. Ex. 3: Dê exemplo de conjuntos X , Y e Z e funções f : X → Y e g : Y → Z tais que:

1. g ◦ f é injetiva mas g não é injetiva. 2. g ◦ f é sobrejetiva mas f não é sobrejetiva. 3. g ◦ f é inversível, mas f e g não são inversíveis.

Ex. 4: Seja f : X → Y uma função injetiva. Mostre que existe uma função g : Y → X tal que, para todo x ∈ X ,

g ( f (x)) = x. Tal função g é chamada de uma inversa à esquerda de f . Mostre que g é sobrejetiva.

Ex. 5: Seja f : X → Y . Para B ⊆ Y , definimos a imagem inversa (ou pré-imagem) de B por f como o conjunto:

f−1(B ) := {x ∈ X : f (x) ∈ B}. Note que não estamos requerindo que a inversa de f exista para fazer tal definição. Em particular, se f−1existe, a imagem inversa de B por f é a imagem de B por f−1. Mostre:

1. Se B ⊆ C ⊆ Y , então f−1(B ) ⊆ f−1(C ). 2. f ( f−1(B )) = B.

3. Se A ⊆ X , então A ⊆ f−1( f (A)). Mas existem casos em que f−1( f (A))*A.

4. Se f é injetiva, então f−1( f (A)) = A.

Para o próximo exercício, apresentamos mais um axioma da teoria dos conjuntos:

Axioma 7 (da escolha). Suponha queF seja uma família de conjuntos. Então existe uma função f : F →

à [ X ∈F X ! tal que f (X ) ∈ X para todo X ∈ F .

Ex. 6: Seja f : X → Y uma função sobrejetiva. Mostre que existe uma função g : Y → X tal que, para todo y ∈ Y ,

(9)

6 Os Números Naturais

Até agora usamos alguns exemplos que usam o conjunto dos números naturais e até mesmo o conjunto dos núme-ros inteinúme-ros, mas nunca justificamos sua existência. Na verdade sua existência não decorre dos axiomas mostrados previamente e requer um axioma a mais, o axioma do infinito. Não enunciaremos aqui a versão clássica do axioma do infinito, que é um tanto vaga e cru, exigindo um processo de lapidação mais elaborado, o que comprometeria um pouco a objetividade de nosso curso. Em vez disso, vamos ser mais pragmáticos(ou práticos) e usar os axiomas de

Peano:

Axioma 8 (Axiomas de Peano) Existe um conjuntoN e uma função s : N → N, a qual denominaremos função sucessor

tal que:

P1) s é injetiva;

P2) Existe um único elemento emN, denotado por 0, que não é sucessor de nenhum outro elemento de N. Isso é s(N) = N − {0}.

P3) (Princípio da Indução) Se X ⊆ N, 0 ∈ X e (x ∈ X ⇒ s(x) ∈ N), então X = N.

Para que fique claro, o símbolo 0 denota de fato o que pensamos como o número zero. E a função sucessor a noção que temos de sucessor. O número 0 não é sucessor de nenhum número natural, 1 é sucessor de 0, 2 é sucessor de 1, 3 é sucessor de 2, etc. Em símbolos, s(0) = 1, s(1) = 2, s(2) = 3, etc. O principio da indução diz que 0 ∈ X e o sucessor de todo elemento de X também está em X , logo, como 0 ∈ X , s(0) = 1 está em X . Como 1 ∈ X , s(1) = 2 está em X . Como 2 ∈ X , s(2) = 3 está em X e assim sucessivamente. Para n ∈ N, se continuarmos com esse procedimento n vezes chegamos a conclusão que n está em X .

O princípio da indução é largamente usado tanto para a demonstração de afirmações como para a definição de conceitos nos números naturais. O seguinte teorema mostra como podemos usar os números naturais para definir conceitos.

Teorema 10 (da Recursão). Se x0é um elemento de um conjunto X e f : X → X uma função, então existe uma função

g :N → X tal que g(0) = x0e, para todo n ∈ N, g (s(n)) = f (g (n)).

A demonstração de tal teorema é um tanto técnica e fora de escopo e deve ser adiada para uma segunda leitura para não prejudicar a dinâmica do texto.

Demonstração do Teorema da Recursão: Vamos usar o conceito de função deN em X como subconjunto de

N × X . Considere a seguinte família de subconjuntos de N × X :

F := {A ⊆ N × X : [(0,x0) ∈ A] ∧ [(n, x) ∈ A ⇒ (s(n), f (x)) ∈ A]}. Seja g = T

A∈F

A. vamos mostrar que g é a função que queremos:

Passo1: g 6= ;:

Basta observar queN × X ∈ F , logo F 6= ;. Mas para todo conjunto A ∈ F , (0,x0) ∈ A, então (0, x0) ∈ g . Passo 2: g ∈ F :

Já vimos que (0, x0) ∈ g . Agora, se (n, x) ∈ g , então ∀A ∈ F ,(n, x) ∈ A, logo, pela definição de F , ∀A ∈ F ,(s(n), f (x)) ∈

A. Portanto (s(n), f (x)) ∈ g . Logo g ∈ F .

Passo 3: g é uma função.

Passo 3.1: F1) vale para g . Considere o predicado P1(n) := (∃x ∈ X ;(n, x) ∈ g ). Vamos usar P3’) para mostrar que P1(n) é verdadeiro para todo n ∈ N. P1(0) é verdadeiro, pois já vimos que (0, x0) ∈ g . Agora, se P1(n) vale, então existe x ∈ X tal que (n, x) ∈ g , como g ∈ F , isso implica que (s(n), f (x)) ∈ g e P1(s(n)) vale, ou seja para todo n ∈ N, P1(n) ⇒ P1(s(n)). Então, por P3’), P1(n) vale para todo n ∈ N e g satisfaz F1).

Passo 3.2: Se (0, x) ∈ g , então x = x0.

Basta observar que se x 6= x0e (0, x) ∈ A, então A{(0, x)} ∈ F . Logo (0, x) ∉ g . Passo 3.3: F2) vale para g . Ou seja, se, para n ∈ N, (n, x),(n, y) ∈ g , então x = y.

Seja P2(n) = ((n, x),(n, y) ∈ g ⇒ x = y). Devemos mostrar que P2é verdadeiro para todo n ∈ N. Já vimos no passo anterior que P2(0) vale. Suponha que P2(n) vale, digamos que (n, x) ∈ g .

(10)

Mostremos (s(n), y)) ∈ g implica que y = f (x) por contradição. Suponha que (s(n), y) ∈ g e y 6= f (x). Seja A =

g − {(s(n), y)}. Vamos mostrar que A ∈ F . Como (s(n), y) 6= (0, x0), (0, x0) ∈ A. Se (m, x) ∈ A, então (s(m), f (z)) ∈ g . Caso

n 6= m então s(m) 6= s(n) e (s(m), f (z)) 6= (s(n), y) e portanto (s(m), f (z)) ∈ A. Caso m = n, então, vimos que (n, x) ∈ g

e, como P2(n) é válido, então (z = x) e, como y 6= f (x), (s(n), f (x)) 6= (s(n), y) e (s(n), f (x)) ∈ A. Portanto A ∈ F . Mas (s(n), y) ∈ A − g . Uma contradição com a definição de g . Portanto se (s(n), y) ∈ g , então y = f (x). Isso implica P2(s(n). Como P2(0) vale e P2(n) ⇒ P2(s(n)) para todo n ∈ N. Temos que P2vale para todo n ∈ N e F2) vale para g . Portanto

g é uma função.

Para finalizar a prova basta mostrar que para todo n ∈ N, g (s(n)) = f (g (n)). Mas isso decorre do fato de que g é

uma função e g ∈ F . ä

Antes de demonstrar o Teorema da recursão vamos comentar um pouco sobre sua utilidade. Podemos usá-lo, por exemplo para definir a soma de dois números naturais. Seja m ∈ N . vamos definir uma função g : N → N tal que, para n ∈ N, sm(n) seja o que entendemos por m + n. Vamos usar a notação sm(m) = m + n. Aplicamos o Teorema

da Recursão para X = N, f = s e x0= m e g = sm. Assim, pelo Teorema da Recursão, existe uma função smtal que

sm(0) = m e, para todo n ∈ N, sm(s(n)) = s(sm(n)). Se denotarmos sm(n) = m + n temos que m + 0 = m e m + s(n) =

s(m + n). A soma dessa forma que definimos possui as propriedades que esperamos como veremos no Teorema ???.

Mas antes vamos comentar um pouco sobre o uso do princípio da indução para a demonstração de afirmações sobre os números naturais.

Considere um predicado P , bem formulado matematicamente, isso é formulado segundo as regras comentadas no final da primeira seção. Para mostrar que P (n) é verdadeiro para todo n ∈ N basta mostrar que o conjunto dos números naturais para os quais P é verdadeiro contém todos os naturais, ou seja o conjuntoNP= {n ∈ N : P (n)} é igual

aN. Como, para n ∈ N, (P(n) ⇔ x ∈ NP, então podemos reformular o princípio da indução da seguinte forma:

P3’) Seja P é um predicado bem formulado matematicamente. Se P (0) é verdadeiro, e para todo n ∈ N, P(n) implica

P (s(n)) então P (n) é verdadeiro para todo n ∈ N.

Teorema 11 As seguintes propriedades são válidas para todos l , m, n ∈ N.

1. s(n) = 1 + n.

2. (l + m) + n = l + (m + n) (associatividade). 3. m + n = n + m (comutividade).

4. m + n = l + n implica que m = l (lei do corte). 5. Se m + n = 0 então m = 0 e n = 0.

Demonstração: A maioria das provas serão por indução em n. Nem todos os detalhes estão preenchidos. Fica

como exercício o completamento da prova.

Primeiro mostremos o item 1, note que s(0) = 1 = 1 + 0 e ,se s(n) = 1 + n, então s(s(n)) = s(1 + n) = 1 + s(n). Agora o item 2. Note que (l + m) + 0 = l + m = l + (m + 0). Suponha que (l + m) + n = l + (m + n). Então:

(l + m) + s(n) = s((l + m) + n) = s(l + (m + n)) = l + s(m + n) = l + (m + s(n)).

Para o item 3, usamos os itens 1 e 2. Para n = 0 e n = 1, fica como exercício, mostrar que por indução em m que 0 + m = m = m + 0 e 1 + m = s(m) = m + 1 para todo m ∈ N.

Agora procedemos por indução em n. Suponha que m + n = n + m. Então

m + s(n) = m + (n + 1) = (m + n) + 1 = s(m + n) = s(n + m) = n + s(m) = n + (1 + m) = (n + 1) + m = s(n) + m.

Para o item 4. Procedemos novamente por indução em n. Pelo que já vimos o resultado vale para n = 0. Suponha

n +m = n +l implica que m = l para todo m,l ∈ N. Se m + s(n) = l + s(n), então s(m +n) = m + s(n) = l + s(n) = s(l +n).

Pela injetividade de s, n + m = n + l , e, portanto m = l .

Provemos o item 5 agora. Suponha, por contradição que m + n = 0, mas m 6= 0 ou n 6= 0. Se m 6= 0, trocamos os nomes de m e n. Então podemos supor, sem perda de generalidade que n 6= 0. Então existe k ∈ N tal que n = s(k),

portanto m + n = m + s(k) = s(m + k). Logo m + n 6= 0. Uma contradição. ä

Podemos agora simplificar nossa notação. Em vez de denotar l + (m + n) ou (l + m) + n, podemos simplesmente escrever l + m + n.

Dizemos que um número natural n é maior ou igual a um número natural m e denotamos n ≥ m se existe l ∈ N tal que n = m + l . Neste caso, também dizemos que m é menor ou igual a n e denotamos m ≤ n. Se, além disso, m 6= n, então dizemos que m é menor que n, que n é maior que m, e denotamos m < n e n > m.

(11)

Teorema 12 As seguintes afirmações são válidas para todos k, l , m, n ∈ N. 1. l ≤ m e m ≤ n implica l ≤ n (Transitividade) 2. Se k ≤ l e m ≤ n, então k + m ≤ l + n. 3. Se m ≤ n e n ≤ m, então m = n. 4. Se m ≤ 0, então m = 0. 5. m ≤ n ou m ≤ n. 6. m ≤ n ≤ m + 1 implica que n = m ou n = m + 1.

Demonstração: Provemos o item 1. Se l ≤ m e m ≤ n, então existem x, y ∈ N tais que l = m + x e n = m + y. Portanto

n = l + x + y e l ≤ n.

Agora o item 2. Suponha que k ≤ l e m ≤ n. Existem x, y ∈ N tais que l = k + x e n = m + y. Logo n +l = m +k + x + y e k + m ≤ l + n.

Para o item 3, suponha que m ≤ n e n ≤ m, então existem x, y ∈ N tais que m + x = n e n + y = m. Portanto

m = m + x + y. Pela lei do corte, 0 = x + y. Pelo item 5 do Teorema 11. x = 0 e y = 0. Portanto n = m + 0 = m.

Para o item 4, suponha que m ≤ 0. Isso implica que existe x ∈ N tal que m + x = 0. Mas isso implica que x = 0 e

m = 0.

O item 5, nós mostramos por indução em n. Para n = 0, temos que m ≥ 0, pois 0 + m = m. Suponha a validade do item 5 para n. Se n ≥ m então existe x ∈ N tal que n = m + x, logo s(n) = n + 1 ≥ n ≥ m. Se n < m, então existe y ∈ N tal que n + y = m. Como n 6= m, então y 6= 0 então existe z ∈ N tal que y = s(z) = 1 + z. Portanto m = n + 1 + z, logo

m = s(n) + z e s(n) ≤ m. Portanto o item 5 vale para s(n) se valer para n. Pelo princípio da indução, o item 5 é válido

em geral.

Finalmente o item 6. Suponha por contradição que m ≤ n ≤ m + 1 e n 6= m. Então existe x ∈ N tal que n = m + x. Como n 6= m, x 6= 0 e existe y ∈ N tal que x = 1 + y. Portanto n = m + 1 + y e n ≥ m + 1. Pelo item 3, n = m + 1. ä Denotamos [m]0=: {n ∈ N : n ≤ m}. Dizemos que um elemento m ∈ X ⊆ N é um mínimo de X ser n ≥ m para todo n ∈ X . Analogamente, dizemos que um elemento m ∈ X ⊆ N é um máximo de X ser n ≤ m para todo n ∈ X . Analogamente

Proposição 13 Se m ∈ N, X 6= ; e X ⊆ [m]0então X possui um máximo e um mínimo.

Demonstração: Procedemos por indução em m. Se m = 0, pelo item 4 do Teorema 12, [0]0= {0}, e como ; 6= X ⊆ [0]0, então X = {0}. Portanto, a proposição é válida para m = 0. Suponha que a proposição é válida para m e suponha que

X ⊆ [m + 1]0, se m + 1 ∉ x, então como não existe natural n tal que m < n < m + 1, então X ⊆ [m]0e x possui máximo e mínimo. Se m + 1 ∈ X , então m + 1 é um máximo de X . Se X = {m + 1} então m + 1 também é mínimo de X , em caso contrário basta verificar que o mínimo de X ∩ [m]0também é um mínimo de X . ä

Teorema 14 (Princípio da Boa Ordem) Todo subconjunto não vazio deN possui mínimo.

Demonstração: Seja X um subconjunto não vazio deN. Seja n ∈ N Pelo lema anterior X ∩[n]0possui um mínimo m. Agora se x ∈ X então x ∈ X ∩ [n]0ou x ≥ n. Se x ∈ X ∩ [n]0, pela escolha de m, m ≤ x. Se x ≥ n então, como m ∈ [n]0,

m ≤ n ≤ x, logo m ≤ x. Portanto m é um mínimo de X . ä

Teorema 15 (Segundo Princípio da Indução) Suponha que X ⊆ N e para todo n ∈ N, (m ∈ N : m < n ⊆ X ⇒ n ∈ X )

então X = N. Equivalentemente, se P é um predicado e para todo n ∈ N, a validade de P(m) para todos os números naturais m menores que n implica na validade de de P para n, então P (n) vale para todo n ∈ N.

Demonstração: Suponha que X seja um conjunto satisfazendo às hipótese do Teorema. Vamos mostrar que X = N.

Suponha por contradição que isso não seja válido. EntãoN − X 6= ; e ,pelo princípio da boa ordem, N − X possui um

mínimo n. Mas m ∈ N : m < n ⊆ X , portanto n ∈ X . Uma contradição. ä

A demonstração acima é um exemplo de como podemos combinar o Princípio da Boa Ordem com o método de demonstração por contradição. Se quisermos demonstrar que uma propriedade P é válida para todos os números naturais, podemos na demonstração por contradição usar a existência de um contra-exemplo mínimo n para P , po-dendo assim usar P (m) para todo natural m < n, não só para um valor antecepo-dendo n, como no caso do Princípio da Indução. O segundo Princípio da Indução, também é uma ferramenta mais poderosa que o primeiro, muito útil em

(12)

casos nos quais a demonstração por contradição não seja muito adequada.

Agora definimos o produto de dois números naturais m e n. Seja m ∈ N. Usamos o Teorema da Recursão para definir uma funçao pm:N → N tal que pm(0) = 0 e pm(s(n)) = pm(n) + m. Denotamos pm(n) = m.n ou simplesmente

pm(n) = mn.

Proposição 16 Para todos l , m, n ∈ N:

1. mn = nm,(comutatividade) 2. l (mn) = (l m)n, (associatividade) 3. n.1 = n, (elemento neutro)

4. l m = l n implica m = n se l 6= 0 (Lei do corte) 5. m ≤ n implica l m ≤ l n. (Monotonicidade)

A demonstração dessa proposição ficará como exercício.

6.1 Exercícios

Ex. 1: Prove que todo número natural é diferente de seu sucessor.

Ex. 2: Seja m0∈ N. Suponha que um conjunto X ⊆ N seja tal que m0∈ X e para todo m ≥ m0, m ∈ X implica que

m + 1 ∈ X . Mostre que para n ∈ N, n ≥ m0implica que n ∈ X . Ex. 3: Mostre que para todo n ∈ N, n 6= s(n).

Ex. 4: Mostre que se f :N → N é tal que para todos m,n ∈ N, m ≤ n implica que f (m) ≥ f (n) então existe m0∈ N, tal que para todo n ∈ N, n ≥ m0implica que f (n) = f (m0).

Ex. 5: Mostre que, se m e n são números naturais distintos, então não existe uma bijeção entre [m]0e [n]0.

Ex. 6: Denotamos [n] = [n]0− {0}. Dizemos que um conjunto X tem cardinalidade n e denotamos |X | = n se existe uma função bijetiva f : X → [n]. Se X tem cardinalidade n para algum n ∈ N dizemos que X é um conjunto finito.

Suponha queF seja uma família de conjuntos finitos. Mostre que temos uma relação de equivalência R em F , tal que X R, Y ⇔ |X | = |Y |.

Ex. 7: O Princípio da Casa dos Pombos diz que se, para n ≥ 1, temos n + 1 pombos para colocar em n casas então

uma casa deverá ter mais de um pombo. Formule o princípio da casa dos pombos em termos de funções de [n] em [n + 1] e demonstre-o.

Ex. 8: Demonstre a proposição 16.

Ex. 9: Use o Teorema da Recursão para definir a potenciação de números naturais (com base diferente de zero). Ex. 10: Demonstre que para todos l , m, n ∈ N:

1. n < m implica nl< mlpara l 6= 0. 2. nl +m= nl.nm

Ex. 11: Prove que para n, m ∈ N − {0,1}, m.n < mn.

Ex. 12: Use o Teorema da Recursão para definir n!. Mostre que para m ∈ N existe n ∈ N tal que para todo l ∈ N, ≥ n

implica ml< l !.

Ex. 13: Prove que se |X | = n e |Y | = m, então |X × Y | = mn. Ex. 14: Prove que, se |X | = n então |P (X )| = 2n.

Referências

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