Matheus Eduardo Leusin
ANÁLISE DA DIFUSÃO DA TECNOLOGIA EÓLICA NO
BRASIL
Dissertação submetida ao Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção da Universidade Federal de Santa Catarina para a obtenção do Grau de Mestre em Engenharia de Produção. Orientador: Prof. Dr. Mauricio Uriona Maldonado
Florianópolis
2018
"Você nunca vai chegar ao seu destino se parar e atirar pedras em cada cão que late pelo aminho." (Winston Churchill)
RESUMO
Frente ao aumento do interesse mundial pela difusão de tecnologias
renováveis, a fonte eólica tem se destacado como uma das opções mais
promissoras: é renovável, limpa, gera energia livre de emissões, possui
custos de implementação progressivamente menores e é amplamente
distribuída globalmente. Utilizada em mais de 80 países para geração de
energia elétrica, a expansão da geração eólica é de especial interesse
para o Brasil, em razão das suas características de complementaridade
com a geração hídrica, que minimizariam a vulnerabilidade nacional a
variações hidrológicas. Além disso, a geração eólica já é a segunda
opção com os menores custos de geração no país, e o potencial eólico
nacional remanescente é excepcional, suficiente para suprir até três
vezes a demanda total brasileira por energia elétrica. Assim,
considerando a atratividade da tecnologia eólica de geração, em nível
mundial e, em especial, para atender aos interesses do Brasil, o presente
trabalho tem como principal objetivo a identificação dos fatores mais
relevantes para a difusão desta tecnologia no país, bem como a
exploração de políticas que possam favorecer a evolução nacional desta
tecnologia. O método utilizado envolve a integração das teorias de
Sistemas de Inovação e Análise Prospectiva, mais especificamente as
abordagens de Sistemas Tecnológicos de Inovação e de Análise de
Cenários, oriundas destas teorias. Entre os principais resultados desta
pesquisa, destacam-se: i) a elucidação do estado atual de
desenvolvimento da tecnologia eólica no Brasil, bem como do
desempenho nacional em relação às principais atividades que
contribuem para o desenvolvimento desta tecnologia; ii) proposição de
políticas de incentivo para a difusão da tecnologia eólica, considerando
mecanismos de bloqueio e indução existentes no país; e iii) avaliação
dos efeitos de políticas utilizadas nos mercados de contratação
brasileiros, como as referentes ao estabelecimento das diretrizes dos
leilões de energia e ao novo mecanismo de descontratação de energia,
para a expansão da tecnologia eólica de geração na matriz elétrica
nacional.
Palavras-chave: Energia eólica. Sistema Tecnológico de Inovação.
Análise de cenários. Dinâmica de Sistemas. Modelagem Baseada em
Agentes.
technologies, wind power has stood out as one of the most promising
options: it is renewable, clean, generates emission-free energy, has
progressively lower implementation costs and is widely distributed
globally. Used in more than 80 countries for electricity generation, the
expansion of wind power generation is of particular interest to Brazil,
due to its complementarity characteristics with water generation, which
would minimize national vulnerability to hydrological variations. In
addition, wind generation is already the second option with the country's
lowest generation costs, and the exceptional remaining national wind
power potential is enough to supply up to three times the total Brazilian
demand for electricity. Thus, considering the attractiveness of wind
generation technology, worldwide, and especially to meet Brazil's
interests, the main objective of this work is to identify the most relevant
factors for this technology diffusion in the country, as well as policies
that may favor this technology's national development. The method
applied involves the integration of Innovation Systems and Prospective
Analysis theories, more specifically Technological Innovation Systems
and Scenario Analysis approaches, derived from these theories. The
main results of this research include: i) the elucidation of the current
state of wind technology development in Brazil, as well as the national
performance in relation to the main activities that contribute for this
technology development; ii) incentive policies proposal for wind
technology diffusion, considering country's existing blocking and
inducing mechanisms; and iii) evaluation of the effects of policies used
in Brazilian contracting markets, such as those related to guidelines
establishment for energy auctions and to the new energy discharging
mechanism, for the expansion of wind generation in the national
electricity matrix.
Keywords: Wind energy. Technological Innovation System. Scenario
analysis. Systems Dynamics. Agent-Based Modeling.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Esquema conceitual de análise ... 24
Figura 2: Método hipotético-dedutivo de Karl R. Popper ... 25
Figura 3: Organização da dissertaçãoFonte: Elaborado pelo autor (2018)
... 27
Figura 4: Os nove países com a maior capacidade eólica instalada do
mundo (em GW) ... 32
Figura 5: Principais instituições constituintes do setor elétrico brasileiro
... 39
Figura 6: Número de plantas do setor eólico em operação no
BrasilFonte: Elaborado pelos autores (2018) ... 43
Figura 7: Localização de plantas eólicas operacionais e de fornecedores
da indústria eólica no Brasil ... 44
Figura 8: Evolução do registro de patentes no Brasil Fonte: Elaborado
pelos autores com base em dados do INPI (2016) ... 50
Figura 9: Publicações identificadas sob a expressão "energia eólica"
Fonte: Elaborado pelos autores com base em dados da Scielo (2016) .. 52
Figura 10: Contratação total e contratação de fontes eólicas nos leilões
brasileiros Fonte: Elaborado pelos autores com base em dados da CCEE
(2017b) e ABEEÓLICA (2017a) ... 55
Figura 11: Capacidade eólica instalada no Brasil ... 57
Figura 12: Investimentos financeiros feitos em energia renovável no
Brasil ... 60
Figura 13: Representatividade de contratação das diferentes fontes de
geração Fonte: Elaborado pelos autores com base nos relatórios de
INSTITUTO ACENDE BRASIL (2012) ... 63
Figura 14: Mecanismos de indução e bloqueio e questões políticas para
o STI eólico brasileiro ... 66
Figura 15: Difusão da Capacidade de Geração Eólica Instalada em
alguns paísesFonte: Adaptado de GWEC (2016) ... 75
Figura 16: Adoção de uma nova tecnologia em um Sistema Dinâmico 80
Figura 17: Etapas do Processo de Modelagem em Dinâmica de Sistemas
... 81
Figura 18: Modelo de Enlaces Causais ... 83
Figura 19: Modelo de Estoque e Fluxo Parte 1 Fonte: Elaborado pelos
autores (2018) ... 85
Figura 20: Modelo de Estoque e Fluxo Parte 2 ... 88
Figura 22: Relação entre o preço e o seu efeito na difusão de energia
eólicaFonte: Elaborado pelos autores (2018) ... 95
Figura 23: Cenário sem a criação do Proinfa Fonte: Elaborado pelos
autores (2018) ... 96
Figura 24: Cenários gerados pela aplicação das políticas e tipos de
variação Fonte: Elaborado pelos autores (2018) ... 98
Figura 25: Diferença de desempenho dos cenários em relação ao
Cenário Base Fonte: Elaborado pelos autores (2018) ... 99
Figura 26: Módulo de Agentes ... 119
Figura 27: Módulo 1 de Dinâmica de Sistemas ... 121
Figura 28: Módulo 2 de Dinâmica de Sistemas ... 123
Figura 29: Histórico brasileiro de geração hídrica mensal
2007-2017Fonte: Elaborado pelos autores (2018) ... 128
Figura 30: Histórico brasileiro de geração eólica mensal
2007-2017Fonte: Elaborado pelos autores (2018) ... 129
Figura 31: Evolução da capacidade eólica instalada no SIN Fonte:
Elaborado pelos autores (2018) ... 133
Figura 32: Evolução das geração hídrica Fonte: Elaborado pelos autores
(2018) ... 135
Figura 33: Evolução da geração eólica Fonte: Elaborado pelos autores
(2018) ... 136
Figura 34: Volumes de energia leiloados Fonte: Elaborado pelos autores
(2018) ... 138
Figura 35: Geração hídrica em diferentes condições hidrológicas Fonte:
Elaborado pelos autores (2018) ... 139
Figura 36: Evolução da capacidade de energia leiloada nos LERs .... 140
Figura 37: Evolução da geração eólica sob o impacto de diferentes
condições hidrológicas Fonte: Elaborado pelos autores (2018) ... 141
Figura 38: Evolução da capacidade eólica instalada no ACR em cada
cenário Fonte: Elaborado pelos autores (2018) ... 143
Figura 39: Evolução da capacidade eólica instalada no ACL em cada
cenário Fonte: Elaborado pelos autores (2018) ... 144
Figura 40: Diferença da capacidade eólica total instalada em relação ao
Cenário Base Fonte: Elaborado pelos autores (2018) ... 145
Figura 41: Resumo de resultados de cada cenário em relação ao Cenário
Base Fonte: Elaborado pelos autores (2018) ... 146
LISTA DE TABELAS
Tabela
1:
Representatividade
dos
principais
fabricantes
de
aerogeradores no Brasil ... 45
Tabela 2: Fusões e representatividade das fabricantes eólicos no Brasil
... 46
Tabela 3: Os 10 líderes do mercado de geração eólica brasileiro ... 58
Tabela 4: Resultados da análise estatística ... 91
Tabela 5: Valores da capacidade eólica total instalada ao longo do
período analisado ... 94
Tabela 6: Políticas aplicadas para a criação de cenários ... 97
Tabela 7: Cenários analisados e incremento de potência eólica instalada
obtido ... 100
Tabela 8: Principais diferenças entre a DS e a MBA ... 106
Tabela 9: Descrição dos cenários gerados com a aplicação das políticas
... 117
Tabela 10: Descrição dos principais parâmetros considerados ... 124
Tabela 11: Resultados da análise estatística para as principais variáveis e
estoques considerados ... 136
ABDI - Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial
ACR - Ambiente de Contratação Regulada
ACL - Ambiente de Contratação Livre
ANEEL - Agência Nacional de Energia Elétrica
BNDES - Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
CLD - Causal Loop Diagram
CCEE - Câmara de Comercialização de Energia Elétrica
CGEE - Centro de Gestão e Estudos Estratégicos
CNPQ - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico
COP - Conferência das Partes
DS - Dinâmica de Sistemas
EPE - Empresa de Pesquisa Energética
GW - Gigawatt
GWEC - Global Wind Energy Council
ICMS – Imposto sobre a Circulação de Mercadoria e Serviços
INPI - Instituto Nacional de Propriedade Industrial
LEE - Leilão de Energia Existente
LEN - Leilão de Energia Nova
LER - Leilão de Energia de Reserva
LFA - Leilão de Fontes Alternativas
MBA - Modelagem Baseada em Agentes
MME - Ministério de Minas e Energia
MW - Megawatt
MWh - Megawatt-hora
OEM - Original Equipment Manufacturer
ONS - Operador Nacional do Sistema Elétrico
PROINFA - Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia
Elétrica
REIDI - Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento da
Infra-Estrutura
SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial
SFD - Stock and Flow Diagram
SIN - Sistema Interligado Nacional
STI - Sistema Tecnológico de Inovação
WWF - World Wind Fund for Nature
SUMÁRIO
1.
INTRODUÇÃO GERAL ... 15
1.1.
CONTEXTUALIZAÇÃO ... 15
1.2.
PROBLEMÁTICA E OBJETIVOS DA DISSERTAÇÃO ... 18
1.3.
ENQUADRAMENTO TEÓRICO ... 19
1.4.
MODELO CONCEITUAL ... 21
1.5.
METODOLOGIA ... 25
1.6.
ORGANIZAÇÃO DA DISSERTAÇÃO ... 27
2.
ARTIGO 1 - A TECNOLOGIA EÓLICA NO BRASIL:
UMA ANÁLISE FUNCIONAL ... 31
2.1.
INTRODUÇÃO ... 31
2.1.1. Funções dos Sistemas Tecnológicos de Inovação ... 34
2.1.2. Análise do STI ... 37
2.2.
COMPONENTES
ESTRUTURAIS
DO
STI
EÓLICO
BRASILEIRO ... 38
2.3.
EVOLUÇÃO DO STI EÓLICO BRASILEIRO ... 41
2.4.
COMPORTAMENTO FUNCIONAL DO STI EÓLICO
BRASILEIRO ... 42
2.4.1. Atividades empreendedoras ... 42
2.4.2. Desenvolvimento de conhecimento ... 47
2.4.3. Difusão de conhecimento através de redes ... 51
2.4.4. Orientação da pesquisa ... 53
2.4.5. Formação de mercado ... 56
2.4.6. Mobilização de recursos ... 60
2.4.7. Criação de legitimidade/combater a resistência à mudança ...
.... ... 62
2.5.
IDENTIFICAÇÃO DE MECANISMOS DE INDUÇÃO E
BLOQUEIO E QUESTÕES POLÍTICAS ... 64
2.5.1. Mecanismos de indução e bloqueio ... 64
2.5.2. Discussão sobre questões políticas ... 68
2.6.
CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 70
3.
ARTIGO 2 - A DIFUSÃO DA TECNOLOGIA EÓLICA
NO BRASIL SOB UMA ANÁLISE DE CENÁRIOS ... 73
3.1.
INTRODUÇÃO ... 73
3.2.
REFERENCIAL TEÓRICO ... 76
3.2.1. Dinâmica de Sistemas ... 76
3.2.2. Modelo de Difusão de Bass ... 79
3.2.3. Curva de aprendizado ... 80
3.4.3. Validação do modelo ... 90
3.4.4. Escopo e suposições ... 91
3.5.
ANÁLISE DE CENÁRIOS E APLICAÇÃO DAS POLÍTICAS
.. ... 92
3.5.1. Resultados iniciais do modelo ... 92
3.5.2. Aplicação de políticas e análise de cenários ... 97
3.6.
CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 101
4.
ARTIGO 3 - A INFLUÊNCIA DOS MECANISMOS DE
CONTRATAÇÃO BRASILEIROS PARA A DIFUSÃO EÓLICA. ..
. ... 103
4.1.
INTRODUÇÃO ... 104
4.2.
REVISÃO DA LITERATURA ... 105
4.2.1. Modelagens Híbridas envolvendo o uso de MBA e DS ... 105
4.2.2. Leilões brasileiros e o novo mecanismo de descontratação de
energia ... 110
4.3.
PROCEDIMENTO METODOLÓGICO ... 114
4.4.
MODELO DE SIMULAÇÃO ... 117
4.4.1. Desenvolvimento do modelo ... 117
4.4.2. Estrutura do modelo... 126
4.4.2.1. Mercados de Contratação ... 126
4.4.2.2. Agente Empreendedor ... 130
4.4.2.3. Agente Regulador ... 131
4.5.
ANÁLISE DE CENÁRIOS ... 133
4.5.1. Implementação e validação do modelo ... 133
4.5.2. Aplicação de políticas ... 142
4.6.
CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 148
5.
CONCLUSÃO GERAL ... 151
5.1.
PRINCIPAIS RESULTADOS ... 151
5.1.
CONTRIBUIÇÕES
TEÓRICAS
E
METODOLÓGICAS
... ... 154
5.2.
LIMITAÇÕES DA PESQUISA E SUGESTÕES PARA
TRABALHOS FUTUROS ... 155
6.
REFERÊNCIAS ... 159
APÊNDICE A - Estrutura do modelo Stella ... 172
1. INTRODUÇÃO GERAL
1.1. CONTEXTUALIZAÇÃO
Em décadas recentes, debates envolvendo o aumento das
temperaturas médias globais levaram à constatação científica da relação
entre o consumo de combustíveis fósseis para geração de energia e o
aquecimento global, em razão da emissão de gases do efeito estufa (DA
SILVA, N. F. et al., 2013). Sabe-se ainda que o desenvolvimento
econômico de um país leva ao aumento do seu consumo de energia, o
que é normalmente acompanhado de um aumento da queima de
combustíveis
fósseis.
Assim,
é
esperado
que
países,
em
desenvolvimento principalmente, venham a aumentar suas emissões de
gases de efeito estufa nas próximas décadas, contribuindo ainda mais
para o aquecimento global.
Neste sentido, as fontes alternativas de energia oferecem a
oportunidade de não apenas reduzir as emissões de gases poluentes, mas
também de assegurar a provisão de energia de forma ambientalmente
sustentável. No entanto, para a progressão destas tecnologias, é essencial
a criação de ambientes políticos favoráveis, que possibilitem torná-las
mais competitivas em relação às fontes de geração tradicionais (DA
SILVA, R. C.; DE MARCHI NETO; SEIFERT, 2016). Desta maneira,
dada a urgência do desenvolvimento deste tipo de tecnologias, medidas
de incentivo para o seu desenvolvimento e substituição das fontes de
energia tradicionais devem ser imediatas (DA SILVA, N. F. et al.,
2013).
Dentre as fontes renováveis de geração de energia elétrica
disponíveis, merece destaque a fonte eólica, que experimentou um
rápido crescimento na última década. A geração eólica atingiu a marca
de 433 GW de capacidade instalada global ao final do ano de 2015,
gerando mais energia nova no referido ano do que qualquer outra
tecnologia (GWEC, 2016a). Atualmente utilizada para geração em mais
de 80 países, a fonte eólica é considerada uma das fontes mais
promissoras para geração de energia, além de estar entre as opções mais
baratas de geração disponíveis atualmente (GWEC, 2016a). Sua
atratividade deve-se ao fato desta ser uma fonte renovável, limpa, gerar
energia
livre
de
emissões,
ter
custos
de
implementação
progressivamente menores e ser largamente distribuída globalmente.
Além disso, a fonte eólica não necessita de água - recurso cada vez mais
escasso e limitado - para geração de energia (PEREIRA et al., 2012).
No Brasil, a geração elétrica baseada nesta fonte também
experimentou um rápido crescimento, na última década. De 2006 a
2014, o número de usinas eólicas cresceu aproximadamente 300% ao
ano (DA SILVA, R. C.; DE MARCHI NETO; SEIFERT, 2016),
favorecendo: i) a redução nacional dos custos deste tipo de geração; ii) a
expansão e diversificação da matriz de geração elétrica; iii) o
desenvolvimento de um novo setor industrial nacional, que inclui
companhias multinacionais estabelecidas no país e contribui para a
geração de empregos; e iv) estudos em universidades relacionados à
tecnologia eólica (PEREIRA et al., 2012).
Atualmente com cerca de 11 GW de capacidade de geração
instalada para esta fonte, o potencial eólico brasileiro está entre os
maiores do mundo. Calcula-se que o potencial eólico nacional onshore
seja de 400 GW (GWEC, 2016a), enquanto que para instalações
offshore esta cifra chegue aos 600 GW (JUÁREZ et al., 2014).
Além das vantagens inerentes à geração eólica, esta fonte ainda é
de interesse estratégico para balancear a matriz energética nacional,
baseada principalmente na geração proveniente de hidrelétricas, que
provê até 84% do total de energia elétrica consumida no país (DA
SILVA, N. F. et al., 2013). Apesar de também ser considerada limpa, a
geração baseada majoritariamente em fontes hídricas torna o país sujeito
a variações hidrológicas para a produção de energia elétrica. Durante
secas prolongadas, a geração hídrica torna-se insuficiente para suprir as
necessidades do país, levando a apagões, como os ocorridos em 2001 e
2002, ou ao aumento substanciais do uso de usinas termelétricas - a altos
custos operacionais e danos ambientais - como aconteceu em 2014 e
2015 (JUÁREZ et al., 2014; DA SILVA, R. C.; DE MARCHI NETO;
SEIFERT, 2016).
Já a geração eólica é favorecida durante períodos de seca,
potencialmente compensando o déficit de geração hídrica e reduzindo a
vulnerabilidade do país às condições hidrológicas (PRADO et al., 2016;
SCHMIDT; CANCELLA; JUNIOR, 2016). Além disso, atualmente é
impossível manter o aumento da capacidade de geração de energia
elétrica através da construção de novas usinas hidrelétricas de grande
porte, uma vez que a maioria dos recursos hídricos remanescentes ainda
não explorados estão em áreas ambientalmente sensíveis (DA SILVA,
R. C.; DE MARCHI NETO; SEIFERT, 2016).
Outro justificativa para a expansão da geração eólica no Brasil
relaciona-se aos custos de produção de energia desta fonte. Atualmente,
a geração eólica é a segunda opção mais barata para produzir energia
elétrica no país, e estima-se que esta fonte terá custos menores do que a
geração hidrelétrica até o ano de 2025 (EPE, 2016b). Finalmente,
destaca-se ainda que a maior parte do potencial eólico brasileiro está
concentrado em regiões mais carentes do país, como o Nordeste, cuja
exploração local pode trazer benefícios socioeconômicos regionais.
Frente à uma expectativa de aumento da demanda de eletricidade
- que deve crescer de 2 a 4 vezes nos próximos anos no país (PEREIRA
et al., 2012) - de um setor que demora décadas para se renovar, é visível
a importância da tomada de decisões adequadas sobre questões que irão
influenciar o futuro da matriz elétrica nacional. A predominância da
influência do governo sobre as decisões que afetam o setor elétrico torna
ainda mais relevante a escolha de políticas e diretrizes que influenciem a
adoção das diversas fontes de geração.
Direcionamentos contrários à expansão eólica, como os ocorridos
recentemente nos leilões de energia brasileiros
1, que resultaram na
1 Exemplos de direcionamentos que desfavoreceram a contratação eólica em leilões ocorridos entre 2015 e 2016:
10º Leilão de Energia de Reserva: Limitou a participação
exclusivamente a novos empreendimentos hidrelétricos. Realizado em 23/09/2016.
23º Leilão das Energia Nova: Preço-teto fixado para empreendimentos eólicos até 26% menor do que o de fontes de geração concorrentes. Realizado em 29/04/2016.
8º Leilão de Energia de Reserva: Fonte eólica concorreu com a fonte solar fotovoltaica, tendo seu preço-teto fixado com valor 44% abaixo ao preço-teto para a fonte soltar. Realizado em: 13/11/2015.
7º Leilão de Energia de Reserva: Limitou a participação
exclusivamente a empreendimentos de geração baseados em fonte solar fotovoltaica. Ocorrido em 28/08/2015.
22º Leilão de Energia Nova: Preço-teto fixado para empreendimentos eólicos até 16% menor do que o de fontes de geração concorrentes. Realizado em 21/08/2015.
9º Leilão de Energia de Reserva: Limitou a participação a empreendimentos baseados em fontes termelétricas a gás natural. Realizado em: 03/07/2015.
21º Leilão de Energia Nova: Limitou a participação a
empreendimentos baseados em fontes hidrelétricas e termelétricas. Realizado em: 30/04/2015.
3º Leilão de Fontes Alternativas: Preço-teto fixado para empreendimentos eólicos até 17% menor do que o de fontes de geração concorrentes. Realizado em: 27/04/2015.
primeira ocorrência de contratação anual nula desta fonte desde 2009
(CCEE, 2017b), afetam drasticamente a expansão deste tipo de geração.
Os resultados são sentidos na indústria eólica recente, que depende da
contratação desta fonte para se estabelecer (EDITORA BRASIL
ENERGIA, 2016), no desenvolvimento de mão-de-obra qualificada
(destacados em JUÁREZ et al. (2014)) e de tecnologia nacional, ainda
incipientes (destacado em FURTADO; PERROT (2015)), e a longo
prazo afetam todo o sistema que envolve a tecnologia eólica no país.
Considerando este contexto, esta dissertação oferece uma visão
sobre a trajetória, situação atual e possíveis cenários futuros da
tecnologia eólica no Brasil, com vistas à proposição de políticas que
incentivem o seu desenvolvimento. Após esta breve contextualização,
são apresentadas a problemática e os objetivos da dissertação, na seção
1.2., seguida pelo enquadramento teórico e modelo conceitual de
análise, nas seções 1.3. e 1.4., respectivamente. Finalmente, na seção
1.5. é apresentada a metodologia adotada, seguida pela seção 1.6. onde é
apresentada a organização desta dissertação.
1.2. PROBLEMÁTICA E OBJETIVOS DA DISSERTAÇÃO
Tendo a tecnologia eólica como tema de interesse, o foco desta
dissertação abrange a análise de políticas que favoreçam a difusão desta
tecnologia no Brasil.
Sabe-se que tecnologia é um bem intangível, cuja difusão
depende da existência de diversos mecanismos, tais como: recursos
humanos capacitados, viabilidade comercial, vantagens de algum tipo
(ambientais, econômicas ou sociais), padrões de apropriabilidade
sócio-econômicos e recursos financeiros. Os resultados de uma difusão
tecnológica, tal como a tecnologia de geração eólica, também podem ser
visualizados de diversas maneiras, tais como: desenvolvimento de novos
mercados, criação de especializações e empregos relacionados à
tecnologia, e minimização de emissão de gases poluentes ou aumento do
PIB nacional.
Visto que a expansão da tecnologia de geração eólica no Brasil
proporcionou um aumento expressivo no interesse e investimentos
nacionais nesta tecnologia, alavancando ainda mais a sua disseminação,
considera-se a expansão da capacidade eólica instalada um indicador
altamente relevante para medir a difusão desta tecnologia no país.
Atualmente, a expansão desta fonte de geração, bem como de
qualquer outra fonte, dá-se por meio da contratação em dois mercados: o
Ambiente de Contratação Regulado (ACR) e o Ambiente de
Contratação Livre (ACL). Assume-se aqui que a difusão da tecnologia
eólica pode ser visualizada no aumento de representatividade desta
tecnologia em relação à capacidade total de geração elétrica nestes dois
mercados. A questão à qual pretende-se responder é como a difusão da
tecnologia eólica pode ser influenciada pela adoção de políticas.
Objetivo geral
Identificar os fatores que mais contribuem para a difusão da
tecnologia eólica no Brasil e explorar como a aplicação de diferentes
políticas pode favorecer a evolução desta tecnologia no país.
Objetivos específicos
1.Analisar quais atores, redes e instituições compõem o sistema
que envolve a tecnologia eólica no Brasil, como eles se relacionam e
qual o estágio atual de desenvolvimento desta tecnologia no país. Este
objetivo é explorado no Artigo 1.
2.Compreender quais mecanismos podem induzir ou bloquear a
difusão da tecnologia eólica no Brasil, e propor questões políticas
baseadas nos efeitos que elas terão sobre estes mecanismos. Este
objetivo é explorado no Artigo 1.
3.Compreender como a difusão da tecnologia de geração eólica
no país pode ser influenciada pela aplicação de políticas. Este objetivo é
explorado nos Artigos 2 e 3.
4.Identificar, entre as políticas aplicadas atualmente no setor
elétrico nacional, as combinações que mais contribuem para a expansão
da capacidade instalada de geração eólica nos mercados de contratação
brasileiros (ACR e ACL). Este objetivo é explorado no Artigo 3.
1.3. ENQUADRAMENTO TEÓRICO
A presente pesquisa é suportada por duas perspectivas teóricas,
que proporcionam dois focos de análise distintos para analisar a
problemática da difusão de uma tecnologia ao longo do tempo: os
Sistemas de Inovação e a Análise Prospectiva.
Os Sistemas de Inovação (SI) focam na identificação e análise
das relações de interdependência entre diferentes atores públicos e
privados e entre o marco institucional, que formam um sistema de
inovação (CARLSSON; STANKIEWICZ, 1991). A análise de um SI
possibilita identificar obstáculos sistêmicos que possam dificultar o
desenvolvimento e difusão de algum tipo de inovação (NEGRO;
ALKEMADE; HEKKERT, 2012). Esta análise abrange as atividades
que contribuem para o desenvolvimento, aplicação e disseminação de
novos conhecimentos tecnológicos em um SI, também conhecidas como
"funções dos sistemas de inovação" (JACOBSSON; BERGEK, 2004).
Neste sentido, HEKKERT et al. (2007) e BERGEK et al. (2008)
propõem uma ferramenta analítica para avaliar a situação atual e o
desempenho de Sistemas Tecnológicos de Inovação (STI), que
referem-se ao dereferem-senvolvimento, difusão e uso de uma tecnologia específica. Esta
ferramenta envolve o mapeamento das determinantes da inovação,
conhecidas como "funções", e possibilita a análise sistemática do STI.
Através desta análise, são identificados os componentes estruturais que
formam o sistema e avaliados os desempenhos das funções - e de suas
relações de interdependência - para o desenvolvimento da tecnologia.
Já a Análise Prospectiva possibilita compreender o efeito em
longo prazo de possíveis mudanças e/ou intervenções feitas no sistema.
Este tipo de análise tem sido amplamente utilizado para reduzir
incertezas relacionadas à compreensão de possíveis trajetórias de um
determinado sistema ao longo de décadas, por meio da visualização de
cenários (CAGNIN; HAVAS; SARITAS, 2013). A lógica da criação de
cenários baseia-se na compreensão do ambiente socioeconômico e
tecnológico no qual está inserido o sistema em análise (HAEGEMAN et
al., 2013).
Existem várias abordagens utilizadas para a criação e análise de
cenários futuros, mas poucas conseguem combinar simultaneamente
métodos qualitativos e quantitativos. Dentre estas, as técnicas de
modelagem se destacam. BISHOP; HINES; COLLINS (2007) ressaltam
que a modelagem é a abordagem que cria a melhor representação
quantitativa de variáveis contínuas para descrever um estado futuro. Esta
abordagem pode ser dividida em modelos analíticos e de simulação.
Para analisar problemas complexos, nos quais a dinâmica é importante,
a simulação é geralmente a melhor opção (BORSHCHEV; FILIPPOV,
2004).
Assim, têm-se duas abordagens com pontos de vista
complementares, que possibilitam a análise de aspectos qualitativos e
quantitativos da difusão da tecnologia eólica. Os STI possibilitam, a
partir da análise dos atores, redes e instituições, mapear o estágio atual
de desenvolvimento da tecnologia eólica no Brasil e compreender os
obstáculos existentes para a difusão desta tecnologia no país (objetivos
específicos 1 e 2). Já a simulação possibilita analisar o efeito de
alterações que possam ocorrer no sistema e explorar possíveis
consequências de intervenções feitas, através da aplicação de políticas,
visualizados em cenários futuros envolvendo a difusão da capacidade
eólica instalada no Brasil (objetivos específicos 3 e 4).
1.4. MODELO CONCEITUAL
O uso da abordagem dos Sistemas Tecnológicos de Inovação para
analisar a difusão de tecnologias renováveis de geração tem ampla
aplicação na literatura. Publicações recentes são apresentadas em
FURTADO; PERROT (2015); KARLTORP (2016); BAUER et al.
(2017); EDSAND (2017); KARLTORP; GUO; SANDÉN (2017);
KEBEDE; MITSUFUJI (2017). Independente da tecnologia analisada,
os STIs são compostos por um número extenso de atores, redes e
instituições realizando atividades de efeito sistêmico, demandando uma
análise rigorosa do sistema que os envolve para a sua completa
compreensão.
No Brasil a tecnologia eólica, quando aplicada na geração de
energia elétrica, envolve os atores, redes e instituições que formam o
setor de energia elétrica nacional, que não se limita apenas à geração
eólica. Conforme mencionado anteriormente, este setor divide-se em
dois mercados de contratação - Ambiente de Contratação Regulada e
Ambiente de Contratação Livre - que por sua vez contam com mais de
4800 agentes econômicos, distribuídos entre comercializadores,
importadores, produtores independentes, geradores, consumidores livres
e especiais, e distribuidoras (ANEEL, 2016).
Ao mesmo tempo, o desempenho da tecnologia de geração eólica
nestes mercados reflete apenas o aspecto comercial da aplicação da
tecnologia eólica, cujo desenvolvimento depende de um sistema muito
maior, nomeadamente o STI formado por esta tecnologia. Para ser
implantada em uma usina, a tecnologia eólica precisa de um
empreendedor com recursos financeiros e interesse em implementá-la.
Este empreendedor por sua vez é sensível aos preços de implementação
e ao desempenho da tecnologia, que são altamente influenciados pela
existência de um mercado nacional que venda equipamentos de geração
eólica e por atividades de Pesquisa e Desenvolvimento, respectivamente.
A orientação do governo também pode influenciar estas interações ao
oferecer isenções de impostos envolvendo a aquisição de equipamentos
de geração eólica, ou ao cobrir parte dos custos de geração de
empreendimentos eólicos contratados em leilões, por exemplo. Além
destes, outros aspectos ainda podem influenciar o STI, levados em
consideração na análise funcional proposta por HEKKERT et al. (2007)
e BERGEK et al. (2008).
Os autores citam 7 e 8 funções, respectivamente, muito
semelhantes entre si. Para esta pesquisa é escolhida a nomenclatura e
divisão das funções proposta em HEKKERT et al. (2007),
nomeadamente: i) Atividades empreendedoras, ii) Desenvolvimento de
conhecimento, iii) Difusão de conhecimento através de redes, iv)
Orientação de pesquisa, v) Formação de mercado, vi) Mobilização de
recursos e vii) Criação de legitimidade/combater a resistência à
mudança. Além da escolha do STI a ser analisado, da identificação dos
componentes estruturais que o formam (atores, redes e instituições) e do
mapeamento das funções, BERGEK et al. (2008) propõem mais três
etapas a serem seguidas na análise do STI: i) avaliar o quão bem as
funções são cumpridas e definir as metas do processo em termos de um
padrão funcional desejado; ii) identificar os mecanismos que induzem
ou bloqueiam o desenvolvimento do STI em direção ao padrão
funcional desejado; e iii) especificar as principais questões políticas
relacionadas a esses mecanismos de indução e bloqueio.
Assim, a análise funcional inclui não só o mapeamento das
funções e identificação do estágio atual de desenvolvimento do STI, mas
também a proposição de políticas baseada nos mecanismos de bloqueio
e de indução existentes no sistema. As políticas propostas, no entanto,
não podem ser verificadas quantitativamente, ou mesmo terem os seus
efeitos avaliados de forma individual. Tampouco a identificação de
mecanismos de bloqueio a serem superados permite avaliar, mesmo que
de forma aproximada, efeitos econômicos de longo prazo da suplantação
destes obstáculos ou custos relativos à aplicação de políticas. Da mesma
forma, esta identificação também não permite avaliar qual, dentre as
diversas políticas possíveis, traria os melhores resultados em relação a
um padrão desejado.
Neste sentido, a simulação possibilita não só isso, mas também
avaliar outras hipóteses que não envolvam a aplicação de políticas e que
possam impactar o sistema analisado (como variações de PIB do país,
surgimento de uma nova tecnologia disruptiva, alterações climáticas,
etc.). Apesar de ser inviável modelar todos os componentes que
compõem e influenciam o desenvolvimento de um STI, a verificação de
cenários envolvendo a aplicação de políticas é possível.
Neste sentido, os autores BORSHCHEV; FILIPPOV (2004)
destacam que os principais métodos de simulação existentes são:
Eventos Discretos (ED), Dinâmica de Sistemas (DS) e Modelagem
Baseada em Agentes (MBA). Os EDs tratam da simulação com alto
nível de detalhe, envolvendo eventos com início e fim definidos em
intervalos relativamente curtos de tempo, sendo pouco indicados para
longos períodos de análise. Já a DS e a MBA têm extensa aplicação na
análise de comportamentos emergentes - a partir das interações entre os
agentes, na MBA, e da estrutura do sistema, na DS - com menor
necessidade de detalhamento, sendo utilizadas principalmente para
examinar sistemas a nível mais estratégico.
A MBA é um campo relativamente novo, empregado
principalmente a partir da segunda metade da década de 1990 para
resolver uma grande variedade de questões de negócios e tecnologia
(WU et al., 2010). Este método baseia-se na premissa de que os agentes
têm comportamentos e interagem entre si, influenciando-se mutuamente.
Estas interações propiciam o aprendizado e a adaptação do
comportamento dos agentes ao ambiente em que estão inseridos
(MACAL; NORTH, 2010). Este método requer alto desempenho
computacional, o que limita muitas vezes a sua aplicação à simulação de
períodos médios de tempo, como de alguns anos.
Já os modelos de DS são contínuos, tratando eventos como
resultados das tendências políticas básicas, pressões e comportamentos
dinâmicos, e requerem menor capacidade computacional do que os
modelos de MBA. São aplicados para analisar efeitos dinâmicos em
períodos que podem abranger várias décadas. A DS utiliza laços de
realimentação e diagramas de estoque e fluxo para modelar o
comportamento dos sistemas complexos ao longo do tempo
(STERMAN, 2000).
Esta pesquisa utiliza a análise do STI de tecnologia eólica do
Brasil para explorar o sistema que envolve a tecnologia eólica no país,
identificando os mecanismos de bloqueio e indução presentes e
propondo políticas. Em seguida, os resultados da análise do STI são
utilizados para criar uma representação quantitativa de variáveis
contínuas em um modelo de simulação. Este modelo é utilizado para
gerar cenários alternativos baseados em alterações e intervenções que
possam ocorrer ou serem aplicadas no sistema. Um desenho do esquema
conceitual de análise utilizado é apresentado na Figura 1.
Figura 1: Esquema conceitual de análise
Fonte: Elaborado pelo autor (2018)
Destaca-se aqui a importância do desenvolvimento de uma
análise sistêmica antes do desenvolvimento de qualquer modelo de
simulação. STERMAN (2000) ressalta que para uma intervenção ter
qualquer possibilidade de sucesso, é necessário que seja considerado
todo o sistema no qual ela irá atuar. Do contrário, qualquer intervenção
está propensa a proporcionar efeitos negativos aos preteridos, causando
mais distúrbios.
1.5. METODOLOGIA
A presente pesquisa baseia os seus procedimentos no método
hipotético-dedutivo desenvolvido na segunda metade do século XX por
Karl R. Popper. Este método enfatiza a importância da validação de
hipóteses e da descoberta de erros em tentativas progressivas de
descobrir a solução de um problema.
MARCONI; LAKATOS (2003) resumem os momentos do
processo investigatório de Popper em 3 fases distintas: i) problema, que
surge em geral de conflitos entre expectativas e teorias existentes; ii)
solução proposta, deduzida de conseqüências na forma de proposições
passíveis de teste; e iii) testes de falseamento, que seriam tentativas de
refutação da solução proposta feitas através da observação e
experimentação. Desta maneira, a resolução de um problema se
renovaria em si mesmo, sempre em direção a soluções melhores. Uma
figura esquemática desta seqüência de passos é apresentada na Figura 2.
Figura 2: Método hipotético-dedutivo de Karl R. Popper
As teorias de Sistemas de Inovação (SI) e de Análise Prospectiva
foram utilizadas para construir o modelo teórico da pesquisa sobre o
qual foram feitas as deduções que levaram à formulação de hipóteses.
No caso específico desta pesquisa, o sistema envolvendo a tecnologia
eólica no Brasil.
A teoria de SI foi aplicada através do método funcional
apresentado em HEKKERT et al. (2007) e BERGEK et al. (2008) para
análise de Sistemas Tecnológicos de Inovação (STIs). Já a Análise
Prospectiva foi empregada através da análise de cenários envolvendo a
metodologia de modelagem e simulação. Para a criação de cenários, foi
desenvolvido em cada artigo um cenário base, que representa os
desenvolvimentos que aconteceriam caso as condições atuais do sistema
não mudem. Posteriormente, através da aplicação de políticas, são
criados cenários alternativos, que, quando comparados com o cenário
base, mostram o efeito da aplicação de cada política. Inicialmente, no
Artigo 2, a análise de cenários foi feita utilizando exclusivamente o
método de Dinâmica de Sistemas (DS), sendo incluído posteriormente
no artigo 3 também o método de Modelagem Baseada em Agentes
(MBA).
A inclusão da MBA exigiu a migração do modelo de simulação
do Stella® versão 9.0, que suporta exclusivamente a modelagem de DS,
para o AnyLogic® versão 8.2.3, que suporta ambos métodos. O
horizonte de tempo sobre o qual é feita a análise de cenários também é
distinto para os dois artigos. No Artigo 2, que utiliza apenas DS, a
análise estende-se até o ano de 2050. Já no Artigo 3, a inclusão da MBA
ocasionou um aumento expressivo do tempo de computação necessário
para a geração de cenários, que passou de alguns segundos para algumas
horas. Como resultado, optou-se por diminuir o horizonte de tempo
analisado, que estende-se então até o ano de 2030.
Como técnica de pesquisa, é aplicada a documentação indireta,
baseada em pesquisa documental e bibliográfica. Os fontes utilizadas
para coleta de dados incluíram, além de artigos acadêmicos, materiais
disponíveis ao público e não revisados por pares. Estes materiais não
revisados incluem relatórios de instituições e empresas públicas
brasileiras como Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial
(ABDI), Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), Câmara de
Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), Centro de Gestão e
Estudos Estratégicos (CGEE), Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPq), Instituto Nacional de Propriedade
Industrial (INPI), Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Ministério de
Minas e Energia (MME) e Operador Nacional do Sistema Elétrico
(ONS).
Ainda foram coletados dados não revisados por pares de
relatórios da Associação Brasileira de Energia Eólica (ABEEólica), do
Instituto Acende Brasil e de revistas da área de energia eólica,
nomeadamente os anuários de energia eólica da revista Energia. Dentre
as fontes acadêmicas, foram utilizadas as bases de dados do Google
Acadêmico e das plataformas digitais Web of Science e Scopus, através
do acesso ao portal de periódicos da Capes concedido pela rede da
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
1.6. ORGANIZAÇÃO DA DISSERTAÇÃO
A organização desta dissertação, desenvolvida com base em 3
artigos, é apresentada na Figura 3.
Figura 3: Organização da dissertação
O Artigo 1 realiza um mapeamento da trajetória da tecnologia
eólica no Brasil. Utilizando a abordagem funcional proposta por
HEKKERT et al. (2007) e BERGEK et al. (2008) para analisar Sistemas
Tecnológicos de Inovação (STIs), o artigo apresenta os principais atores,
redes e instituições envolvidos com a tecnologia eólica no país, além do
estágio atual de desenvolvimento nacional e o desempenho das
atividades chave que influenciam a difusão desta tecnologia.
Com base nesta análise, são identificados mecanismos de indução
e bloqueio à difusão da tecnologia eólica no Brasil, e questões políticas
são levantadas visando a subjugação destes mecanismos de bloqueio.
Ao todo, são identificados três mecanismos de indução e dez
mecanismos de bloqueio presentes no STI eólico brasileiro, bem como
cinco medidas políticas relacionadas. Para a evolução do estágio atual
de desenvolvimento brasileiro, a abordagem de STI aponta que deveria
ocorrer uma disseminação expressiva de aplicações comerciais
envolvendo a tecnologia eólica, visualizada em uma expansão do
mercado para esta tecnologia.
Além de possibilitar a avaliação do estágio atual de
desenvolvimento da tecnologia eólica no Brasil, este artigo favoreceu a
compreensão do sistema que envolve esta tecnologia e as principais
interações que o compõem, fundamentais para o prosseguimento desta
pesquisa. Uma versão reduzida - em razão da limitação do número de
palavras utilizada pela revista - deste artigo foi submetida à Revista
Brasileira de Inovação. Nesta dissertação é apresentada a versão
completa deste artigo.
Considerando o nível atual da tecnologia eólica no Brasil e as
questões políticas levantadas, o Artigo 2 analisa a difusão comercial da
tecnologia eólica no Ambiente de Contratação Regulado (ACR)
brasileiro. Utilizando o método de Dinâmica de Sistemas, é criado um
modelo de simulação baseado nos conceitos do Modelo de Difusão de
Bass, adaptado ao contexto do ACR brasileiro, que envolve os leilões de
contratação adotados atualmente para expansão da matriz elétrica
nacional.
O Modelo de Difusão de Bass descreve as dinâmicas da adoção
de inovações, desde a introdução até a fase de declínio do seu processo
de difusão, visualizados no formato de uma curva "S". Para isso, o
modelo considera a adoção de uma inovação baseada em dois
comportamentos distintos: adoção por inovação, que ocorre no início da
difusão da tecnologia, e adoção por imitação, que ocorre após a
tecnologia ter sido empregada pelos adotantes iniciais. Considerando as
particularidades dos leilões de energia brasileiros, os leilões que
ocorreram através do Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de
Energia Elétrica (PROINFA) foram escolhidos como impulsores iniciais
da tecnologia de geração eólica no Brasil, gerando o comportamento dos
adotantes inovadores considerados pelo modelo.
Este artigo foi publicado no XIV Congresso Latino Americano de
Dinâmica de Sistemas. Além da participação do orientador Mauricio
Uriona Maldonado, este artigo ainda contou com a participação do então
graduando Luiz Humberto Zucco como co-autor. Este co-autor
contribuiu para desenvolver uma versão inicial do modelo de simulação,
utilizada para o desenvolvimento do seu trabalho de conclusão de curso
e apresentada em ZUCCO (2016).
Além de constatações da análise prospectiva envolvendo a
geração eólica no Brasil, percebe-se que a análise do comportamento de
empreendedores no Artigo 2 é insuficiente para explicar resultados
importantes ocorridos no setor elétrico nacional, como as quedas
consecutivas de contratação de energia eólica. O modelo de simulação
prevê o aumento do interesse em adotar a fonte eólica por parte dos
empreendedores, na medida em que esta fonte tem os seus custos de
geração reduzidos, o que deveria influenciar positivamente o ganho de
mercado desta tecnologia. No entanto, tal comportamento não é
respaldado nos resultados recentes de leilões brasileiros. Diretrizes
estabelecidas nestes leilões favorecendo outras fontes em detrimento da
fonte eólica resultaram na contratação baixa ou nula para este tipo de
fonte, visualizada a partir de 2014. Percebe-se então a importância de
considerar o estabelecimento das diretrizes dos leilões para a difusão da
tecnologia eólica no ACR.
Assim, no Artigo 3, o modelo é aprofundado e passa a incluir a
análise do comportamento seguido pelas instituições para o
estabelecimento das diretrizes dos leilões de energia. Este modelo
também inclui a análise do Ambiente de Contratação Livre (ACL),
identificado no Artigo 1 como pouco disseminado pela tecnologia eólica
e carente de incentivos a este tipo de geração. Juntos, o ACR e ACL
formam todo o mercado potencial, no que se refere à aplicação
comercial da tecnologia eólica para geração de energia elétrica.
Considerando que o estabelecimento das diretrizes dos leilões é
inerentemente distinto do sistema que os envolve - isto é, o sistema
possui natureza contínua ao longo do tempo enquanto que os leilões
ocorrem em momentos discretos com início e fim definidos -, a
abordagem de Modelagem Baseada em Agentes (MBA) é agregada ao
modelo original baseado em Dinâmica de Sistemas.
A MBA permite discretizar os eventos dos leilões de energia e a
tomada de decisão dos agentes durante estes eventos, além de
possibilitar discernir melhor entre a heterogeneidade individual das
decisões dos empreendedores. Já a DS facilita analisar aspectos
contínuos do sistema através da agregação de valores médios, como a
evolução da percepção da atratividade de uma determinada fonte e
valores agregados de geração de energia elétrica. O comportamento dos
empreendedores é novamente modelado segundo os princípios do
Modelo de Difusão de Bass, tendo a sua estrutura expandida para definir
comportamentos distintos de atuação no ACL e no ACR.
Ainda são
analisados os efeitos das variações de geração hídrica para a difusão da
tecnologia eólica. A análise das políticas inclui a introdução do 1º
Mecanismo (Leilão) de Descontratação de Energia de Reserva,
implementado ao final de 2017 no ACR e que, segundo a análise de
cenários, pode contribuir positivamente para o desenvolvimento da
tecnologia de geração eólica no país.
Este artigo foi submetido na íntegra à Revista Brasileira de
Energias Renováveis. Além da participação do orientador Mauricio
Uriona Maldonado, este artigo ainda contou com a orientação do
professor Enzo Morosini Frazzon. O artigo teve uma versão inicial
desenvolvida durante a disciplina de abordagens híbridas ministrada
pelo professor Frazzon na Universidade Federal de Santa Catarina
(UFSC), no terceiro trimestre de 2017. Além de contribuir com a base
teórica necessária para o desenvolvimento da abordagem híbrida
utilizada neste artigo, o professor Frazzon ainda lecionou sobre o
funcionamento do software AnyLogic®, utilizado no artigo, e
acompanhou o seu desenvolvimento.
2. ARTIGO 1 - A TECNOLOGIA EÓLICA NO BRASIL: UMA
ANÁLISE FUNCIONAL
Matheus Eduardo Leusin
Mauricio Uriona Maldonado
Resumo: A geração eólica e o setor industrial relacionado à esta tecnologia
experimentaram um crescimento exponencial na última década no Brasil, seguido por uma desaceleração abrupta, ocorrida principalmente nos últimos 4 anos. Utilizando a abordagem conhecida como Sistemas Tecnológicos de Inovação (STI), este capítulo analisa e mapeia a difusão da tecnologia eólica no Brasil. O objetivo principal é descobrir possíveis disfunções deste sistema e propor medidas políticas para suplantá-los. Os resultados indicam que o país ainda está em fase de desenvolvimento da tecnologia eólica, tendo a sua difusão inibida por dez mecanismos de bloqueio. Com base nos mecanismos de indução e bloqueio identificados, cinco questões políticas são apresentadas para incentivar o desenvolvimento do STI eólico brasileiro.
Palavras-chave: Tecnologia eólica; Sistema Tecnológico de Inovação; Funções
da Inovação; Indústria eólica brasileira.
2.1. INTRODUÇÃO
Em relatório recente, o Conselho Global de Energia Eólica
(GWEC) destacou que apenas duas possibilidades tecnológicas podem
ser implantadas com rapidez suficiente para atingir os objetivos
estabelecidos na COP 21, em Paris: a expansão do uso de fontes
renováveis para a geração de energia e o aumento da eficiência
energética (GWEC, 2016a). Ainda de acordo com este relatório, destas
duas possibilidades, as energias renováveis podem sozinhas satisfazer a
redução de metade de todas as emissões necessárias para manter o
aumento da temperatura global abaixo de 2° C.
O Brasil, atualmente o 8º maior consumidor de energia em nível
mundial (EIA, 2015), ocupa o 9º lugar entre os países com maior
capacidade eólica instalada de geração, conforme apresentado na Figura
4.
Figura 4: Os nove países com a maior capacidade eólica instalada do
mundo (em GW)
Fonte: Elaborado pelos autores com base em dados de GWEC (2016a)
Apesar dos já citados benefícios da geração eólica para o país
(ambientais, econômicos e complementaridade com os recursos
hídricos) e da expansão expressiva verificada, na última década, falhas
sistêmicas ainda são percebidas na difusão da tecnologia eólica no país.
Dois fatores que sugerem a existência de mecanismos de bloqueio à
difusão
desta
tecnologia
são:
dependência
estrangeira
no
desenvolvimento de produtos eólicos de alto valor agregado (CGEE,
2012; ABDI, 2014) e quedas consecutivas na contratação de energia
eólica nos leilões de energia, verificadas nos últimos 3 anos (CCEE,
2017b).
Existem vários estudos que analisam a difusão da tecnologia
eólica no Brasil. Alguns autores analisam a difusão da geração eólica,
juntamente com outras opções de geração usadas no país. DA SILVA,
R. C.; DE MARCHI NETO; SEIFERT (2016), por exemplo, analisam o
estado atual do setor elétrico brasileiro e discutem estratégias para
diversificar a rede elétrica nacional, melhorando a segurança da oferta.
Já PEREIRA et al. (2012) exploram as oportunidades, desafios e
estratégias atuais para a promoção das energias renováveis no Brasil.
145,4
74,5
44,9
25,1 23,0
13,6 11,2 10,4 10,0
China Estados Unidos Alemanha
Índia Espanha Reino Unido