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A discursivização do diagnóstico da dislexia: da teoria à prática

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE COMUNCIAÇÃO E EXPRESSÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA

Elisabeth da Silva Eliassen

A DISCURSIVIZAÇÃO DO DIAGNÓSTICO DA DISLEXIA: DA TEORIA À PRÁTICA

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Linguística do Centro de Comunicação e Expressão da Universidade Federal de Santa Catarina como requisito parcial para obtenção do título de mestra em Linguística. Área de Concentração: Linguística Aplicada Linha de Pesquisa: Linguagem: discurso, cultura escrita e tecnologia

Orientador: Prof. Dra. Ana Paula de Oliveira Santana

Florianópolis 2018

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Ao meu amoroso Deus, meu guia, essência da minha vida, minha meta maior.“Porque Dele e por Ele, para Ele são todas as coisas” (Rm 11:36).

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AGRADECIMENTOS

Coisa boa é poder agradecer. E são tantos os motivos para dar graças que fica até difícil começar.

Obrigado Deus! Obrigado pela vida, pelo amor, pelas provações, pela força em Ti. Obrigado pelo chamado, pelos dons, pela tua convicção em mim. Obrigado pelo amor apaixonado que tens por mim, por teres me moldado como sou. Por tudo, em tudo e pra sempre Te sou grata.

Meu agradecimento muito mais que especial a minha linda Maria, meu maior presente de Deus, já te disse muitas vezes o quanto és perfeita pra mim, mas nunca será demais repetir. Foste mesmo desenhada para nós. Obrigado por compreenderes minhas ausências (foram muitas, desde a faculdade), por cuidares de mim, por ser tão divertida, tão companheira, tão calma, tão maravilhosa. Amo-te mais que chocolate!

Agradeço ao meu amor, meu marido, meu amigo, companheiro pra tudo, meu maior incentivador, meu revisor (rs). Obrigado por embarcares comigo nessa loucura, por acreditares que eu podia. Sem você não seria mesmo possível. Amo-te tanto, Admiro-te tanto, sou muito grata por tudo que fazes por mim e pela nossa família.

Meu muito obrigado a minha família. Mãe, muito obrigado por tudo, sei de todas tuas lutas, tua história é linda e muito me inspira. Essa vitória é tua! Meus outros queridos: pai, irmãos, sogro, sogra, cunhados, sobrinhos, tias e Kaya (tua presença me faz mais feliz). Obrigado por comemorarem comigo minhas vitórias, por orgulharem-se de mim, por me inspirarem, por compartilhamos juntos momentos de tanto amor e aprendizado. Amo muito cada um de vocês!

Quem encontrou um amigo encontrou um tesouro, agradeço a sorte de ter vocês em minha vida. Obrigado Estácio e Letícia, vocês foram essenciais para a conclusão desse trabalho. A insistência de vocês, a crença em mim permitiu que esse dia chegasse.

Aos meus amigos de fé, são tantos que não dá pra nomear todos, mas meu coração não esquece nenhum de vocês. Cada um contribuiu de maneira muito importante para que eu fosse quem sou. Amo vocês.

As queridas amigas que a UFSC me deu, Jaque, Aline e Gabriela. Por vocês pude resistir até aqui, obrigado pela parceria até agora e pela que virá. Apesar das dificuldades me alegro por poder dividi-las com vocês.

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As minhas primeiras parceiras de pesquisa Letícia e Renata. Mesmo distantes vocês estão nesse texto comigo. Obrigado por me inserirem nesse mundo maravilhoso.

Muito obrigado às outras Anapauletes: Karol, Rubia, Laís, Sandra, Adriana e Letícia (uma vez Anapaulete, sempre Anapaulete). Obrigado pelas discussões de casos, pelas trocas de informações, pelos lembretes e pelo compartilhamento de materiais. É muito mais fácil quando caminhamos juntas!

Aos que já cruzaram minha trajetória profissional, especialmente a Cleusi, Elis, Emiliana, Maristela e Telma, vocês não sabem o quanto me ensinaram. Tenham todo o meu reconhecimento e agradecimento.

Meu muito obrigado a todos os sujeitos e suas famílias que já atendi ou ainda atendo, obrigado por confiarem no meu trabalho e por ensinarem-me todos os dias que não há obstáculos para quem trabalha e persiste.

À banca examinadora, da qualificação, Fga. Dra. Rita Signor, a qual teve a iluminação para o trabalho com os laudos meu muito obrigada, agradeço também a Profª Drª Claudia Mosca Giroto pelas reflexões e provocações feitas sobre o meu trabalho certamente suas pontuações reverberaram muito na construção desse texto, e meu muito obrigado ao Profº Drº Rodrigo Acosta Pereira pelas palavras sempre carinhosas e tão certeiras dirigidas a mim. Você é um grande modelo! Espero que tenhamos muitas trocas dialógicas ainda.

Meu muito obrigada à banca de defesa, Profª Drª Claudia Mosca Giroto, Profª Drª Lucia Masini, Profª Drª Denise Cord, por aceitaram tão carinhosamente compor essa banca, pelo tempo dispensado com a leitura desse trabalho, pelos apontamentos e críticas valiosas.

Valha-se! Não tenho palavras para agradecer a pessoa incrível que é você Ana Paula Santana! Obrigado pelo acolhimento, pelo aceite, pela confiança, pelo incentivo, pelos puxões de orelha, pela inquietação, pela paciência, pelas leituras, pelas correções, pela superação, pela generosidade, pela preocupação, por compreender a minha história, por reconhecer minha singularidade e por construir comigo esse texto. Serei sempre grata!

Agradeço à CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) pela concessão da bolsa.

Por fim, agradeço a todos os cidadãos brasileiros, que arduamente contribuem com o suor do seu trabalho para que tantos continuem estudando e acreditando que podem construir um país mais justo e igualitário.

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Eu quero desaprender para aprender de novo. Raspar as tintas com que me pintaram. Desencaixotar emoções, recuperar sentidos.

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RESUMO

O estudo desenvolvido nesta pesquisa teve como objetivo analisar como o diagnóstico da dislexia é discursivisado nos laudos diagnósticos. O discurso hegemônico tem defendido que a dislexia é um transtorno bem delimitado (apesar de heterogêneo), cientificamente comprovado, de localização conhecida e facilmente sensível a testes padronizados. Enquanto contradiscursos enfatizam que a dislexia é uma construção social, portanto, uma estratégia medicalizadora. Assim, considera-se essencial entender como os diagnósticos da dislexia têm sido construídos na prática, porque se sabe que esses, quando atribuídos equivocadamente impactam os sujeitos, suas famílias e seu contexto social. O universo de análise é formado por laudos referentes a 4 casos (Jonas, Walace, Carolina e Artur) e outros documentos contidos nos prontuários dos sujeitos, além de discursos advindos de questionários realizados online com os médicos responsáveis pelos diagnósticos dos casos analisados. Constituído o corpus gerado nessa pesquisa, esse foi analisado a luz da análise dialógica do discurso (ADD). Viu-se que historicamente a dislexia é vinculada a alterações neurológicas, assim ao longo de 100 anos de estudo da dislexia, várias hipóteses foram formuladas buscando estabelecer uma relação entre cérebro e dificuldade de leitura, tais pressuposições etiológicas, acabam por reverberar nas propostas avaliativas e nas vozes conclamadas a qualificar o que ocorre com o sujeito na escola, as quais estão vinculadas a uma visão organicista. Nesse sentido, observa-se uma ausência da escola, do professor e de considerações acerca do contexto sociocultural do sujeito. A análise dos dados permitiu observar marcas de relações dialógicas estabelecidas entre o discurso enunciado nos laudos com a voz do DSM-5, assim como com a literatura. Além disso, observou-se que o diagnostico é atravessado por ideologias dominantes as quais buscam homogeneizar sujeitos, cérebros e a leitura. Viu-se é reservado ao médico um status diferenciado em relação aos demais profissionais que participam da avaliação da dislexia, embora ele pouco diga sobre o processo de aprender. Observa-se que medidas padronizadoras sobrepõem-se a instrumentos qualitativos que permitiriam a observação da linguagem em funcionamento. Os sintomas relacionados à dislexia mostraram-se tão heterogêneos que ferem a própria definição de dislexia enquanto transtorno específico. Observa-se ainda que parece não interessar para a construção diagnóstica da dislexia, questões emocionais, de letramento, do processo de alfabetização, da escola, da vida cotidiana dos sujeitos, ou seja, as

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questões sociais são negligenciadas para essa determinação nosológica. Assim sendo, esse estudo aponta para a importância de questionamentos em torno das evidências científicas da dislexia, visto as inconclusividades aqui observadas.

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ABSTRACT

The study developed in this research had as objective to analyze how the diagnosis of dyslexia is discursivization in the diagnostic reports. The hegemonic discourse has argued that dyslexia is a well-defined (though heterogeneous) disorder, scientifically proven, of a localization known and easily sensitive to standardized tests. While counter-discurse emphasize that the dyslexia is a social construction, therefore, a medicalization strategy. Thus, it is considered essential to understand how the diagnoses of dyslexia have been constructed in practice, because it is known that these, when attributed mistakenly impact the subjects, their families and their social context. The universe of analysis consists of reports on 4 cases (Jonas, Walace, Carolina and Artur) and other documents contained in the patients' records, as well as speeches from online questionnaires with the physicians responsible for the diagnoses of the cases analyzed. Constituted the corpus generated in this research, this was analyzed in the light of dialogical discourse analysis (ADD). It has been historically seen that dyslexia is linked to neurological alterations, so over 100 years of dyslexia study, several hypotheses have been formulated seeking to establish a relationship between brain and reading difficulty, such etiological presuppositions, end up reverberating in the evaluative proposals and in the voices called to qualify what happens with the subject in school, which are linked to an organicist vision. In this sense, one observes an absence of the school, of the teacher and of considerations about the socio-cultural context of the subject. The analysis of the data allowed to observe the marks of dialogical relations established between the discourse enunciated in the reports with the voice of DSM-5, as well as with the literature. In addition, it was observed that the diagnosis is crossed by dominant ideologies which seek to homogenize subjects, brains and reading. It was seen that the doctor is reserved a differentiated status in relation to the other professionals who participate in the evaluation of dyslexia, although he says little about the process of learning. It is observed that standardization measures overlap qualitative instruments that allow the observation of language in operation. Symptoms related to dyslexia have been so heterogeneous that they hurt the very definition of dyslexia as a specific disorder. It is also observed that it does not seem to be of interest for the diagnostic construction of dyslexia, emotional issues, literacy, the literacy process, school, everyday life of the subjects, that is, social issues are neglected for this nosological determination. Thus, this study points to the importance of questions

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about the scientific evidence of dyslexia, given the inconclusiveness observed here.

Keywords: Dyslexia. Diagnosis. Reports. Medicalization.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 Áreas cerebrais envolvidas no processo de leitura.. ... 21 Figura 2 – Etapas do Modelo de resposta à intervenção.. ... 54 Figura 3– Palavras e frases do Subteste de escrita.. ... 89 Figura 4 – Estímulos das provas que avaliam nomeação rápida.. .... 108

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Sinais da dislexia no período da pré-escola a 1ª série... 29

Quadro 2 – Sinais da dislexia no período da 2ª série em diante. ... 32

Quadro 3 – Sinais da dislexia na fase adulta. ... 34

Quadro 4 – Especificadores de gravidade de acordo com o DSM-5....59

Quadro 5 – Palavras e frases do Subteste de escrita ... 87

Quadro 6 – Provas do perfil de Habilidades fonológicas (PHF) ... 92

Quadro 7 – Processo de identificação de letras ... 96

Quadro 8 – Processos Léxicos... 97

Quadro 9 – Processos Sintáticos ... 98

Quadro 10 – Processos Semânticos ... 99

Quadro 11 – Provas da versão coletiva ... 102

Quadro 12 – Provas da versão individual ... 104

Quadro 13 – Textos sugeridos para avaliação de leitura ... 110

Quadro 14 – Categorização do desempenho de leitura ... 111

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Instrumentos de avaliação da linguagem escrita/dislexia .. 115 Tabela 2 – Síntese das observações sobre os casos ... 172

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 1

2 DISLEXIA: OS DIFERENTES OLHARES E INTERPRETAÇÕES ... 4

2.1 UM POUCO DA HISTÓRIA DA DISLEXIA ... 6

2.2 A DISLEXIA NO SÉCULO XXI: CONCEITO, ETIOLOGIA, TIPOLOGIAS E SINTOMAS ... 9

2.2.1 As principais teorias etiológicas da dislexia na atualidade 16 2.2.1.1 Teoria do déficit fonológico ... 19

2.2.1.2 Teoria do déficit magnocelular... 22

2.2.1.3 Teoria do déficit de automatização ou cerebelar ... 23

2.2.1.4 Teoria do duplo-déficit ... 24

2.2.1.5 Herança genética ... 25

2.2.2 Sintomas e tipologias disléxicas ... 27

3 O DISCURSO PATOLOGIZADOR DOS MANUAIS DIAGNÓSTICOS SOBRE A DISLEXIA ... 38

3.1 A MEDICALIZAÇÃO DO LER... 40

3.2 A DISLEXIA NA CID ... 46

3.3 A DISLEXIA NO DSM ... 49

4 A AVALIAÇÃO DA LINGUAGEM ESCRITA OU DA DISLEXIA... 61 4.1 OS ATORES ... 66 4.1.1 Medicina ... 69 4.1.2 Pedagogia/ Psicopedagogia ... 72 4.1.3 Psicologia ... 73 4.1.3.1 Neuropsicologia... 74 4.1.4 Fisioterapia/Terapia Ocupacional ... 75 4.1.5 Fonoaudiologia ... 76

4.2 RECURSOS PARA AVALIAR A DISLEXIA OU A LINGUAGEM ESCRITA? ... 80

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4.2.1 Instrumentos internacionais para o exame da Dislexia ... 83 4.2.2 Instrumentos quantitativos utilizados no Brasil ... 85 4.2.2.1 Teste de Desempenho Escolar (TDE) ... 85 4.2.2.2 Perfil de Habilidades Fonológicas (PHF)... 90 4.2.2.3 Provas de Avaliação dos Processos de Leitura (PROLEC)... 94 4.2.2.4 Protocolo de Habilidades Cognitivo-linguísticas (PHCL) ... 100 4.2.3 Propostas de avaliação qualitativas ... 108 4.2.3.1 Material para avaliação de leitura e escrita da criança (MALEC)

108

4.2.3.2 Metodologia de avaliação do Centro de Convivência de Linguagens da UNICAMP ... 112 5 PRESSUPOSTOS METODOLÓGICOS ... 120 5.1 GERAÇÃO DOS DADOS E A CONSTITUIÇÃO DO CORPUS 120 5.1.1 Pesquisa documental ... 121 5.1.2 Questionário ONLINE ... 121 5.2 PERSPECTIVA TEÓRICA PARA ANÁLISE DOS DADOS ... 122 6 O DIAGNÓSTICO DA DISLEXIA NA PRÁTICA: REVENDO O DISCURSO DOS LAUDOS ... 126 6.1 O QUE O LAUDO DIAGNÓSTICO (NÃO) DIZ SOBRE JONAS

129

6.2 OS EFEITOS DO LAUDO DE WALACE... 142 6.3 A VIA SACRA DE CAROLINA ... 152 6.4 A PROCURA PELO DIAGNÓSTICO DE ARTUR ... 163 6.5 O ENCONTRO DOS DISCURSOS ... 168 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 180 REFERÊNCIAS ... 185 APÊNDICE A– DECLARAÇÃO DE ANUÊNCIA ... 198 APÊNDICE B– PESQUISA SOBRE O DIAGNÓSTICO DA DISLEXIA ... 199 APÊNDICE C– TERMO DE COMPROMISSO LIVRE E

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1 INTRODUÇÃO

A tarefa não é tanto ver aquilo que ninguém viu, mas pensar o que ninguém ainda pensou sobre aquilo que todo mundo vê.

Arthur Schopenhauer

Era uma vez uma criança destemida e feliz que acreditava num mundo fantástico. Um mundo de cores e formas. Com poucos monstros e muitos heróis, algumas fadas e bruxas, infinitos sonhos e pesadelos ocasionais. Ela adorava expressar, compartilhar e inventar. Falar de si e consigo, falar com os outros e inventar histórias eram tarefas cotidianas e descomplicadas. Tinha muitos amigos, embora a maior parte fosse imaginária. Sua curiosidade e fascinação por números sempre orgulhou seus familiares. Até que chegou o dia desejado por ela há muito tempo. O dia em que ela imaginava desvendar um novo mundo. Um mundo ainda mais extraordinário que o que ela conhecia e tanto amava. Era o seu primeiro dia na escola e por isso ela estava animada e contente! No entanto, com o passar do tempo às coisas mudaram. De fato, ela descobriu um mundo novo. Só que esse mundo não era como ela imaginava. A criança tornou-se insegura, solitária e já não parecia feliz. Não havia graça, cores ou formas. Os heróis agora eram poucos e os monstros, a maioria. Tudo parecia difícil, desinteressante e entediante. Seus familiares já não sentiam mais tanto orgulho. Estavam muito preocupados. E as reclamações da escola multiplicavam-se. Todos se perguntavam o que havia mudado. Nem ela compreendia o que estava acontecendo. Então foram em busca da resposta. E foi quando, vestido todo de branco, um dos heróis preferidos da criança anuncia: é tudo culpa da dislexia! Quando tudo parecia quase resolvido, outros personagens invadem a história, e o que parecia certo e bem definido, é agora questionado. Esses, não compram o final dessa história, revelam brechas e lacunas, percebem que a história está mal contada. Perguntam o que pode ter acontecido, pra criança não ter aprendido? Será culpa da escola? Do método escolar? Ou algo que não se possa falar? E assim propõem outra versão, parem de implicar com o cérebro. A culpa não é dele não!

A história aqui contada não é verdadeira, mas poderia facilmente ser. Cada vez mais, deparamo-nos com casos em que o diagnóstico oferecido aos sujeitos causa-nos revolta e inquietação, não porque se ignora que os sujeitos possuam dificuldades - isso é nítido - mas porque enxerga-se muito mais, como a precariedade das escolas, professores

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despreparados, metodologias ultrapassadas, famílias disfuncionais, excessos de diagnósticos, tudo isso para culpabilizar o fracasso escolar da criança. Aliás, essa realidade não é recente, já vem sendo discutida há pelo menos 50 anos.

É nesse sentido que histórias como essas são cada vez mais comuns no cotidiano de professores, fonoaudiólogos, psicólogos, psicopedagogos e médicos. Histórias semelhantes à dessa criança, mais ou menos dramáticas, na maior parte dos casos, findam codificadas e rotuladas pelo Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM) ou pela Classificação Internacional de Doenças (CID), atribuindo-se assim todo problema a um transtorno interno à criança.

A dislexia não é um transtorno contemporâneo. Especula-se que o primeiro caso observado tenha ocorrido em 1676, embora o termo “dislexia” só tenha sido utilizado pela primeira vez em 1887 por Berlin, e ainda relacionando-se a dificuldades de leitura em decorrência de lesões cerebrais adquiridas. Desse período em diante, decorridos mais de 100 anos, ainda não se chegou ainda a um acordo sobre o seu conceito e etiologia, mas estes foram se modificando com o tempo, assim como o diagnóstico se modifica, revelando-se nesse caso, uma “verdade” efêmera.

Sabe-se que num primeiro momento o diagnóstico pode trazer alívio aos familiares, educadores e mesmo ao estudante, uma vez que nominar o que tanto preocupa, traz em alguma medida, esperança de que o problema se resolva. Afinal, como diz o ditado inglês “uma doença nomeada é uma doença quase curada” (PORTER, 1994, p.365).

Contudo, pouco depois da confecção do laudo, com o diagnóstico já formalizado, junto com temores e incertezas, instala-se um sentimento de incapacidade, desresponsabilização e até culpabilização. Isso porque, com o diagnóstico, a causa da não aprendizagem fica centrada no sujeito e nas suas incapacidades individuais. A escola não tem nada a fazer, a família menos ainda, os avaliadores fizeram o que estava em seu alcance, tendo inclusive propostos medidas reabilitadoras.

Somado a isso, observa-se que a construção do diagnóstico não se dá de um modo claro, ainda que haja uma variabilidade de testes e procedimentos padronizados ditos capazes de identificar falhas no processamento fonológico (apontado atualmente como o causador do transtorno de leitura) e assim determinar a dislexia, tanto na prática como na literatura, parece haver uma indefinição do profissional incumbido da aplicação dessas medidas quantificadoras, da interpretação o desempenho do sujeito e da assinatura do laudo.

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A esse profissional desconhecido, pertenceria ainda o papel de descartar outros aspectos que por ventura pudessem estar relacionados às dificuldades específicas de leitura, os chamados fatores intrínsecos (relacionados a questões mais biológicas) e fatores extrínsecos (relacionados a questões mais sociais).

A preocupação com a fragilidade na construção de diagnósticos dos transtornos de aprendizagem é compartilhada por movimentos que lutam contra a medicalização1. Crê-se que somar forças contra a medicalização faz-se imprescindível por incontáveis razões, mas principalmente, porque esses diagnósticos modificam a condição da criança, de normalidade em patologia, trazendo implicações subjetivas, sociais e educacionais.

Ressalta-se que as críticas aqui dirigidas não se referem aos diagnósticos de um modo geral. Ao contrário, é inquestionável a importância de identificar doenças reais para proposições efetivas. No entanto, as críticas voltam-se às nomeações inapropriadas para as “questões” de leitura, bem como, em não se discutir as implicações diversas dos diagnósticos.

Reconhece-se que numa dimensão social, é de extrema relevância conhecer o número de pessoas com dificuldades reais de leitura com a maior precisão possível, considerando a situação educacional do país, para assim, possibilitar a implementação de políticas públicas mais efetivas para o problema em questão.

Contudo, quando se trata o sujeito posto em cheque, considerado na sua subjetividade, crê-se ser mais importante ainda que evitar rótulos e estereótipos desnecessários interfiram na construção da identidade de pessoas com queixas de leitura.

Assim sendo, justifica-se a relevância de tal estudo, na medida em que se observam os discursos hegemônicos já institucionalizados, os quais defendem a dislexia como está posta, e parecem reverberar com mais força que os contradiscursos, que por sua vez propõem olhar para as dificuldades de aprendizagem a partir de outro prisma. Nesse sentido, considera-se que somar vozes nesse embate discursivo, pode enriquecer e fortalecer o debate sobre dislexia e seu diagnóstico, contribuindo dessa maneira, para a transformação dos discursos produzidos em torno desse.

1

O termo medicalização se refere ao processo em que “o que escapa às normas, o que não vai bem, o que não funciona como deveria... tudo é transformado em doença, em problema individual” (COLLARES; MOYSÉS, 1996, p. 65), o qual será melhor explorado no capítulo 2.

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2 DISLEXIA: OS DIFERENTES OLHARES E INTERPRETAÇÕES

Gostaria de que vocês se maravilhassem, não somente com o que leem, mas com o milagre de que tal seja legível.

Vladimir Nabokov

O tema da dislexia, apesar das inúmeras reflexões e debates dentre pesquisadores e profissionais preocupados com a aprendizagem revela-se, ainda nos dias atuais, um importante desafio, dadas às múltiplas facetas do termo em si, bem como olhares e interpretações diversos em relação às queixas de leitura. A despeito das dissonantes vozes e apreciações, é notável que ao longo das últimas décadas houve um importante crescimento dos estudos em torno das dificuldades de leitura e suas implicações. Assim, em decorrência das pesquisas e também das condições do sistema de ensino brasileiro2 vê-se uma avalanche assustadora dos diagnósticos de transtornos de aprendizagem e de comportamento no contexto escolar. Para Moysés e Collares (2011), a dislexia foi e permanece sendo o mais falado e diagnosticado dentre todos os transtornos de aprendizagem.

Dados recentes indicam que a prevalência dos transtornos específicos de aprendizagem varia de 5 a 15% em escolares e de cerca de 4% em adultos (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION ON DIAGNOSTIC AND STATISTICAL MANUAL OF MENTAL DISORDERS, 2013). Alves et al., (2011) apontam que dentre os tipos de transtornos de aprendizagem a dislexia seria a mais frequente, sendo sua prevalência no Brasil de aproximadamente 10%.

2

É de conhecimento comum que a educação brasileira é palco para o fracasso escolar. Fato comprovado por indicadores estatísticos, os quais colocam o Brasil no 53º lugar em educação, indicam que 34% dos alunos que chegam ao 5º ano escolar não conseguem ler; e que 20% dos jovens que concluem o ensino fundamental, moradores de grandes cidades, não dominam o uso da leitura e da escrita (TODOS PELA EDUCAÇÃO). Tal cenário é resultado de problemas estruturais e funcionais no sistema educacional, levando a formação deficitária, muitas vezes confundida por problemas centrados no indivíduo. Para além do déficit educacional, dados do INAF (2015) indicam que dentre as pessoas consideradas analfabetas, 85% nunca utilizaram um

smartphone e 93% nunca fizeram uso de um tablet, sugerindo ainda que os

problemas de aprendizagem relacionam-se a problemas de ordem social, como por exemplo, a desigualdade.

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Considerando essa realidade e a grande diversidade sociocultural presente no Brasil, paralela a uma crescente preocupação com ensino, intensificada pelos índices negativos dos rankings de educação, não é de se admirar que haja o aumento significativo das dificuldades de leitura e escrita, as quais podem ser facilmente convertidas em diagnósticos, como o da dislexia, dado que essa discussão há muito já extrapolou os limites da clínica, uma vez que se observa a sugestão de diagnósticos partindo da escola, das famílias e da mídia.

Entretanto, apesar dessa explicação para as dificuldades apresentadas pelos escolares durante o processo de apropriação da linguagem escrita parecer coerente, permanecem questionamentos: (i) porque permanece a sensação de que os diagnósticos de dislexia só aumentam ao longo do tempo, apesar da intensificação de pesquisas com múltiplos vieses, da ampliação de programas de identificação precoce3, de diferentes propostas de intervenção, assim como, de metodologias de ensino4 ancoradas em diferentes perspectivas teóricas? (ii), qual mecanismo seria o responsável pela manutenção desses diagnósticos visto que outras avaliações poderiam ser feitas frente às dificuldades de aprendizagem que não a indicação de uma patologia?

Neste capítulo, buscam-se compreender os diferentes olhares lançados na direção das dificuldades de aprendizagem de leitura, predominantemente entendidos como patologia, no caso dislexia.

Para tanto, far-se-á um percurso partindo da história da dislexia, a fim de compreender de que maneira foi construída a ideia da dislexia enquanto patologia de linguagem. Em seguida apresentam-se as definições e terminologias e causas atribuídas à dislexia na atualidade. Por fim, apresentam-se os “erros” tomados como sintomas específicos

3

Na atualidade há uma tendência crescente em identificar mais precocemente possível os transtornos de aprendizagem. Para tanto, tem sido propostos diferentes modelos alternativos de identificação, em substituição aos modelos anteriores que optavam por observar a discrepância entre desempenho acadêmico e QI, o que só podia ser feito após o 3º ou 4º ano de escolarização. Assim, com o objetivo de minimizar os prejuízos advindos da dislexia o modelo de resposta à intervenção (RTI), do Inglês response to intervention tem sido difundido em todo o mundo. Essa discussão será realizada no capítulo 3.

4

Dentre as hipóteses causais para a dislexia, a principal defende que, as dificuldades de leitura teriam origem em déficits no processamento fonológico, assim teoricamente, métodos de ensino de base fônica deveriam beneficiar os estudantes “disléxicos”.

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da dislexia, para assim, subsidiar a compreensão da relação que é estabelecida entre sintoma e patologia.

2.1 UM POUCO DA HISTÓRIA DA DISLEXIA

O conceito da dislexia nasce no campo da medicina para explicar a perda da habilidade de significar símbolos verbais escritos e/ou impressos em sujeitos com afasia na decorrência de acidente vascular cerebral (FREIRE, 1997).

Inicialmente os estudos e discussões residiam apenas na identificação, descrição e defesa da existência da dislexia, mais contemporaneamente as pesquisas tem buscado comprovar a etiologia, estabelecer a relação entre causa-efeito, identificar precocemente o transtorno e propor métodos terapêuticos e educacionais específicos para sujeitos identificados como disléxicos.

Há especulações de que o primeiro caso descrito de dislexia, a qual ainda não possuía tal denominação, foi descrito por Johan Schmidt em 1676. Nessa ocasião, o médico identificou a perda da habilidade de leitura em decorrência de um derrame (FREIRE, 1997).

Em 1872, Willian Broadbent relatou alguns casos de pacientes com lesões cerebrais, que apesar de terem a fala preservada, perderam a capacidade de interpretar textos apesar de conseguir ver as palavras perfeitamente. Nesse momento, iniciam-se questionamentos sobre a existência de uma entidade nosológica relacionada à leitura e independente da afasia, denominada por alexia adquirida (SHAYWITZ, 2006).

Já 1877, um neurologista alemão, Adolf Kussmaul, ficou intrigado com alguns de seus pacientes que, após sofrerem insultos cerebrais perderam a capacidade de ler textos e, surpreendentemente, não apresentaram queixas em relação à fala e ao pensamento ou a visão (SHAYWITZ, 2006), situação semelhante à identificada por Broadbent. Na ocasião, o médico cunhou o termo Wortblindheit, literalmente cegueira verbal, e defendeu tratar-se de uma condição específica que dificultava a capacidade de decodificar palavras e compreender textos, apesar da integridade da oralidade, tanto em relação à expressão, quanto à compreensão.

O termo dislexia é defendido pela primeira vez em 1887, por outro médico alemão, Rudolf Berlin, que apresentou sua pesquisa, realizada ao longo de 20 anos, na qual descreve o estudo de seis casos de pacientes adultos que perderam a habilidade de ler após lesão cerebral. Neste estudo, Berlin observou que havia dois tipos de

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dificuldades com a leitura, uma em que o sujeito perderia totalmente a capacidade para ler e outra em que a capacidade de leitura seria apenas reduzida, e denominou-as de “alexia adquirida” e “dislexia” respectivamente. E assim o termo dislexia foi utilizado pela primeira vez, para designar situações de déficit de leitura adquiridos depois de lesões no cérebro (SHAYWITZ, 2006).

Percebe-se que, até este momento da história, as dificuldades relacionadas à leitura aproximam relacionam os sintomas das lesões cerebrais. E, é dessa maneira que se construiu a ideia de que os déficits de leitura teriam origem orgânica e não poderiam ser explicados por outras razões, revelando uma visão localizacionista sobre a língua.

Outro momento que merece destaque no percurso histórico da dislexia é marcado pelo nome de James Hinshelwood, um oftalmologista escocês, de ótima reputação, que em 1895, publica o relato de um caso de um senhor, que apesar de um nível de escolarização elevado, do dia para noite, perde a aptidão de ler palavras e identificar textos, no entanto, podia identificar e nomear os números (SHAYWITZ, 2006).

Instigado pelos escritos de Hinshelwood, em 1896, Pringle Morgan, um médico inglês, descreve em um artigo, o famoso caso de Percy, um menino referido como muito inteligente, embora não conhecesse o alfabeto, grafasse as palavras de forma inadequada e não conseguisse ler ou soletrar corretamente (MASSI; SANTANA, 2011). Assim, Morgan foi o primeiro pesquisador a conceber a “cegueira verbal” como uma disfunção específica do desenvolvimento ocorrida em sujeitos que gozam de plena saúde (SHAYWITZ, 2006).

Mais tarde, especificamente em 1912, Hinshelwood após descrever casos de cegueira verbal adquirida, dedica-se a descrever uma série de casos observados em crianças, as quais possuem dificuldades de leitura inatas. Assim, Hinshelwood acrescenta o predicado congênita a já denominada cegueira verbal descrita por Kussmaul (FREIRE, 1997). Porém, o médico especialista em visão advertia que não seria conveniente utilizar tal terminologia para referir-se a quaisquer casos de problemas com a leitura, mas, somente para os casos severos e com pure symptoms (TEMPLE, 1997). Conhecida na atualidade por dislexia do desenvolvimento.

Quando se compara o caso de Hinshelwood com o de Morgan, observa-se que apesar da sintomatologia semelhante, o aparecimento da queixa se deu de forma bem distinta. No entanto, do ponto de vista neurológico, na perspectiva de Shaywitz (2006), o que de fato diferencia os casos adquiridos dos congênitos é o momento da interrupção neural

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no cérebro. Nos casos adquiridos, o funcionamento da leitura é afetado em decorrência de um episódio neurológico abrupto. Já nos casos congênitos, ocorre no momento do desenvolvimento embrionário uma diminuição na energia das conexões cerebrais que por consequência, impedem a aquisição na linguagem leitura. Assim tem-se uma dislexia adquirida que decorre de uma lesão cerebral posterior à aquisição de linguagem e outra dislexia, a do desenvolvimento, que decorre de uma disfunção no cérebro já presente ao nascimento.

Além de descrever os sintomas da cegueira verbal congênita que, coincidentemente ou não, eram os mesmos sintomas que os sujeitos com dislexia adquirida possuíam, Hinshelwood propôs um tratamento para as crianças com cegueira verbal congênita, denominado Alphabetic Method (HINSHELWOOD, 1917 apud WINZER, 1993).

Ressalta-se que um dos casos de estudo de Hinshelwood, era um jovem de 18 anos que havia abandonado a escola aos 14 anos. O rapaz que despertou o interesse do médico era um dos filhos mais novos de uma família de 11 irmãos, a qual tinha mais três outros filhos com dificuldade para ler. No entanto, o que nos parece intrigante é o fato de que as dificuldades do jovem rapaz melhoraram depois que o mesmo começou a trabalhar em uma mina e ao final do expediente lia a seção de esportes no jornal motivado pelo seu interesse em futebol (COLES, 1987).

Deste modo, seguindo a lógica da cegueira verbal adquirida após lesões cerebrais, especula-se que a cegueira verbal congênita seria decorrente de uma aplasia5 congênita de um ou ambos os giros angulares (FREIRE, 1997).

Samuel Orton é outro nome de relevância na história da dislexia. Em 1925, ao estudar crianças deficientes, percebeu que, entre elas, além da dificuldade específica de leitura havia outras similaridades tais como: canhotismo ou ambidetrismo; inversões nas letras; leitura espelhada, as quais são descritas ainda nos dias atuais como sintomatologia da dislexia. Orton apostava que esses fenômenos ocorriam em razão de um estado de dominância occipital ambígua, de ordem fisiológica. Nesse sentido, Orton refuta que a causa da dislexia seja genética ou em decorrência de lesão cerebral, mas defende a dominância hemisférica

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O termo aplasia se refere a “falta de desenvolvimento ou desenvolvimento incompleto”, pode ser utilizado como sinônimo ao termo atrofia, agenesia ou hipoplasia (DICIONÁRIO INFOPÉDIA DE TERMOS MÉDICOS, 2003).

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cerebral e propõe o termo “estrefossimbolia” que significa simbolização distorcida (FREIRE, 1997).

E ainda sem evidências científicas de uma base orgânica causadora da dislexia, seguiram-se as especulações. Strauss e alguns colaboradores, na década de 1940, passaram a defender que haveria sim uma lesão cerebral associada à dislexia. Entretanto, esta ainda não havia sido identificada, pois o dano cerebral seria mínimo. E sem a possibilidade de comprovar sua existência, passou-se a chamar a lesão de disfunção cerebral mínima. No entanto, Strauss chega a essa conclusão a partir do seguinte raciocínio clínico: se alguns sujeitos sobrevivem a enfermidades neurológicas com alterações de comportamento, consequentemente, as alterações de comportamento devem ter como causa lesões cerebrais, só que neste caso as lesões devem ser mínimas para não afetarem outros aspectos (MOYSÉS; COLLARES, 1992). Assim, para Strauss, tanto os transtornos de comportamento quanto os de linguagem seriam consequência de disfunção cerebral mínima.

Ao final dos anos 1960, as crianças passam a ser identificadas como portadoras de distúrbios de aprendizagem. A partir da adoção dessa nomeação mais genérica, a causa de lesão cerebral é afastada e o foco centra-se na promoção de testes para identificação e recursos para remediação. Nessa mesma época organizações de familiares começam a se formar e se organizar, as publicações e pesquisas intensificam-se de forma importante, cursos especializados sobre os distúrbios de aprendizagem são promovidos e há um crescente interesse farmacêutico na produção e distribuição de medicamentos voltados para questões envolvendo a aprendizagem (COLES, 1987). Isso levando em conta que frequentemente o diagnóstico de dislexia é acompanhado de diagnósticos outros como, por exemplo, o transtorno do déficit de atenção e hiperatividade.

De lá pra cá, os estudos têm buscado estabelecer correlações da dislexia com o processamento temporal, visual, auditivo e principalmente fonológico, entretanto, nota-se que todas essas hipóteses miram numa mesma direção: comprovar que a dislexia possui uma causa essencialmente orgânica.

2.2 A DISLEXIA NO SÉCULO XXI: CONCEITO, ETIOLOGIA, TIPOLOGIAS E SINTOMAS

Ao longo do tempo, assim como na atualidade reverberam na literatura uma variedade de denominações em torno das dificuldades de

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leitura, evidenciando uma floresta terminológica6 a saber: alexia, cegueira verbal congênita, estrefossimbolia, legastenia, tifolexia, ambliopia verbal, bradilexia e amnésia verbal (FREIRE, 1997), dislexia de evolução, dislexia específica (BASTOS; STEIDEL, 2005), distúrbio específico de leitura, dislexia específica de evolução, atraso específico na leitura e dificuldade específica na leitura (RUBINO, 2008).

No campo da clínica, especificamente na voz dos sistemas de classificação e codificação, a terminologia se modifica um pouco, já que esses documentos elegem o termo “transtorno” e o adjetivo “específico” para referir-se aos problemas de aprendizagem. O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5, 2013) denomina “Transtorno Específico da Aprendizagem com prejuízo na leitura” e a Classificação Internacional de Doenças (CID-10, 1994) denomina “Transtorno Específico de Leitura”.

Ressalta-se a CID, documento elaborado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) é um sistema de classificação que abrange todas as condições clínicas em medicina e no Brasil é adotado pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

Já o DSM, instrumento formulado pela Associação Americana de Psiquiatria (APA), abarca apenas os transtornos mentais. No entanto, oferece informações mais detalhadas, incluindo dados clínicos, estatísticos e epidemiológicos, e por esse motivo vem sendo muito utilizado dentre pesquisadores.

A CID-10 adota o termo “transtorno” em toda a sua classificação, como alternativa aos termos “doença” ou “enfermidade”, entretanto o manual reconhece que o termo “transtorno” não seria o mais adequado; este é usado para indicar um conjunto de sintomas ou comportamentos clinicamente reconhecíveis, geralmente acompanhados de sofrimento e interferência com funções pessoais (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 1997).

Já a adoção da terminologia “transtornos” no DSM-5 busca harmonizar-se com a classificação da CID-11. Os grupos responsáveis pela revisão de ambos os manuais buscaram a unificação dos termos com o objetivo de facilitar o uso de instrumentos estatísticos de saúde e com o delineamento e replicação de pesquisas voltadas para tratamentos e sua aplicabilidade global (AMERICAN PSYCHIATRIC

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O termo floresta terminológica foi cunhado por Santana (2002) em seu livro Escrita e Afasia: a linguagem escrita na afasiologia, ao referir-se à diversidade de nomenclaturas utilizadas para designar as alterações de linguagem escrita nos quadros afásicos.

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ASSOCIATION ON DIAGNOSTIC AND STATISTICAL MANUAL OF MENTAL DISORDERS, 2013). Entretanto, há uma nota entre as codificações no DSM-5, que indica que:

Dislexia é um termo alternativo usado em referência a um padrão de dificuldades de aprendizagem caracterizado por problemas no reconhecimento preciso ou fluente de palavras, problemas de decodificação e dificuldades de ortografia. Se o termo dislexia for usado para especificar esse padrão particular de dificuldades, é importante também especificar quaisquer dificuldades adicionais que estejam presentes, tais como dificuldades na compreensão da leitura ou no raciocínio matemático (DSM-5, 2013, p. 67). A manutenção do termo se deu em razão da pressão exercida por associações e profissionais na defesa do termo, com a justificativa de preservar a identidade e a ampla divulgação científica, assim como as orientações e legislações vigentes já conquistadas sob essa nomenclatura (MOUSINHO & NAVAS, 2016).

O adjetivo “específico” utilizado nas designações da CID-10 e do DSM-5 é adotado pela crença de que as dificuldades presentes na dislexia se referem ao comprometimento de uma função cognitiva “específica”, neste caso, a leitura. Embora o DSM-5 defenda a possibilidade da combinação de dificuldades no ler, no escrever e no calcular possam coocorrer (DISLEXIA-BRASIL, 2015).

Essa visão sobre a especificidade da dislexia não é recente, Spinelli (1979) advoga que o uso do termo “específico” pode ser motivado pela indicação de uma alteração neurológica que afeta o desenvolvimento, ou para assinalar um distúrbio de origem genética, ou ainda, como ocorre com a maior parte dos autores para marcar a incidência de afecção neurológica em uma tarefa específica, ler por exemplo. Se evidencia nesse caso, um grande contradito, a dislexia é um transtorno específico de leitura ao mesmo tempo em que, como se verá detalhadamente mais adiante, pode apresentar sintomas na linguagem oral, na escrita, dificuldades motoras e etc. Ora, ou conceito ou a sintomatologia descrita estão equivocados.

Vê-se que muitas terminologias têm sido utilizadas para designar a dislexia, como distúrbio, transtorno, dificuldade, no entanto parecem ser adotadas aleatoriamente, uma vez que imprimem diferentes

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impressões. Nesse sentido, alguns autores propõem-se a delimitar o que cada terminologia significa.

O termo transtorno de aprendizagem é tomado para indicar uma série de perturbações para aprendizagem, que interferem no processo de aquisição e manutenção das informações de modo acentuado (RELVAS, 2008).

Etimologicamente, a palavra distúrbio compõe-se do radical turbare e do prefixo dis. O radical turbare significa “alteração violenta na ordem natural” e pode ser identificado também nas palavras turvo, turbilhão, perturbar e conturbar. O prefixo dis tem como significado “alteração como sentido anormal, patológico” e possui valor negativo. O prefixo dis é muito utilizado na terminologia médica (por exemplo: distensão, distrofia). Em síntese, do ponto de vista etimológico, a palavra distúrbio pode ser traduzida como “anormalidade patológica por alteração violenta na ordem natural” (COLLARES; MOYSÉS, 1993, p. 31).

Os problemas de aprendizagem decorrem de situações difíceis vivenciadas por crianças, sem alterações orgânicas, com prognóstico favorável em longo prazo (JOSÉ; COELHO, 2002).

As dificuldades de aprendizagem caracterizam-se por questões mais globais e abrangentes, ocasionadas por fatores relacionados ao sujeito, metodologia de ensino ou ambiente social (FONSECA, 1995).

A respeito das dificuldades de diferenciação entre alterações de aprendizagem, Zorzi (2004) problematiza acerca dos verdadeiros e falsos distúrbios da aprendizagem, reconhecendo como legítimos apenas que podem ser classificados como distúrbios globais do desenvolvimento, os distúrbios de aprendizagem e os distúrbios específicos de leitura e escrita. Os distúrbios globais do desenvolvimento abarcariam dificuldades secundárias a deficiências mentais, autismo, síndromes e comprometimentos neurológicos. Quando os problemas restringem-se a leitura e/ou escrita caracterizariam distúrbios específicos de aprendizagem e ao ultrapassarem esses domínios, atingindo a oralidade configurariam distúrbios de aprendizagem. As demais dificuldades, derivadas de problemas de ordem educacional, motivacional ou sociocultural, seriam os falsos distúrbios.

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Assim aparentemente, as diferentes denominações para as “questões” de aprendizagem parecem ser tomadas considerando-se a severidade dos sintomas e a etiologia. Desse modo, o termo “transtorno” e “distúrbio” quando acompanhado do adjetivo “específico” têm sido utilizados para referir-se aos quadros exclusivos a determinados domínios, geralmente mais graves e de causa orgânica e quando empregados isoladamente tratar-se-iam de quadros mais gerais. A terminologia “dificuldades” e “problemas” seriam mais utilizados nos quadros mais sutis e de origem extrínseca.

Diante essa variabilidade Kaplan et al., (2001), alertam quanto ao desafio ou mesmo a impossibilidade de identificar precisamente tais quadros na prática.

Como modo de transpor tal barreira Salgado (2017) orienta que não sejam adotadas avaliações transversais para diagnóstico da dislexia, mas sugere que os casos sejam acompanhados mais longitudinalmente para garantir com segurança a distinção dos “problemas de ensinagem” dos constitucionais.

A definição de dislexia mais aceita pela comunidade médico-científica, inclusive, a utilizada pela Associação Brasileira de Dislexia (ABD), é a da Associação Internacional de Dislexia (IDA). Nesta, a dislexia é reconhecida como uma incapacidade específica de aprendizagem, de causa neurobiológica, caracterizada por dificuldades no reconhecimento da palavra e nas habilidades de decodificação e soletração, resultantes de um déficit do componente fonológico. Tais condições podem resultar ainda em dificuldades relacionadas à compreensão de leitura, escassas experiências com textos, impactando assim o desenvolvimento lexical e conhecimento de mundo. Sendo essas manifestações incompatíveis com a instrução acadêmica ou com as habilidades cognitivas (INTERNATIONAL DYSLEXIA ASSOCIATION, 20l7).

Santos e Navas (2016) compreendem a dislexia como um transtorno específico de leitura, caracterizado por dificuldades para ler corretamente ou fluentemente, as quais são incoerentes com a idade do sujeito, suas oportunidades educacionais ou ainda com suas capacidades cognitivas.

Essas definições tradicionais, na qual as dificuldades do sujeito não podem estar relacionadas a fatores cognitivos ou educacionais, apesar de extensamente aceitas, geraram posicionamentos questionadores e até refutativos de pesquisadores que observam os problemas vivenciados no ambiente escolar sob outro prisma.

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Destaca-se que as críticas são dirigidas para além da definição, estendendo-Destaca-se igualmente a caracterização e identificação da dislexia.

Uma das primeiras críticas no cenário nacional tecidas sobre a dislexia foi realizada por Coudry em 1987. A autora defendia que “erros” tomados como constitutivos da dislexia são na verdade operações epilinguísticas realizadas pelo sujeito. Ou seja, ao invés de revelarem-se sintomas consistem em recursos que o sujeito lança mão ao fazer uso da língua.

Collares e Moysés (1994) afirmam que a dislexia é uma pretensa doença neurológica sem comprovação científica e critérios nosológicos claros e precisos, apesar de decorridos mais de 100 anos da descrição dos primeiros casos. Defendem ainda que “[...] o conceito é vago demais, abrangente demais [...]” (COLLARES; MOYSÉS, 1994, p. 29), e que foi construída com base em uma trajetória de estórias inventadas, mitos e fatos abafados e perdidos. Hout (2001) assevera que a despeito de tanta dedicação ao tema, prevalecem sobre questionamentos tanto a definição quanto a existência da dislexia.

Salles, Parente e Machado (2004), complementam que

“a definição do conceito de dislexia talvez seja um dos aspectos mais controversos da área. São tantas as nomenclaturas propostas e descrições das características das crianças, que fica difícil saber quando nos referimos à mesma síndrome e quando tratamos de quadros diferentes” (p. 112). Já Massi (2007) realizou um trabalho no qual investigou a (in)definição da dislexia, sinalizando para a falta de evidência e inconsistência descritiva dos sintomas ditos disléxicos. A autora considera que uma avaliação ser pautada em testes padronizados, arbitrários e homogeneizantes buscam nada mais do que evidenciar déficits no processamento fonológico e negligenciam a compreensão da leitura em sua totalidade.

Rubino (2008) sinaliza que às formulações tradicionais da dislexia estão longe de caracterizar e definir precisamente o transtorno responsável por parte importante dos problemas de aprendizagem. A autora não nega sua existência mais procura problematizar a ideia de um transtorno de base unicamente biológica, dada a relevância do social para aprendizagem da linguagem escrita.

Signor (2015) assinala que os posicionamentos contrários à supremacia da visão tradicional, que parte de pesquisadores

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sociointeracionistas, embasados em pressupostos das Ciências Sociais e Humanas, negam o transtorno como resultado de uma condição neurobiológica, mas creem tratar-se de um fenômeno construído no social, ou seja, acreditam que aspectos afetivos, socioeducacionais, pedagógicos, linguísticos, culturais e políticos têm sido equivocadamente convertidos em questões de orgânicas manifestadas dentro da escola e na clínica. Para a autora, os diagnósticos devem ser realizados com mais cautela e processualmente a fim de oportunizar ao educando a superação da queixa.

Essa dicotomia também foi apontada por Massi e Santana (2011), as autoras afirmam que teríamos dois lados: de um, uma visão que explica os fatos linguísticos como erros e sintomas relacionados à dislexia, concebida como uma patologia de base neurobiológica, e do outro, uma compreensão que não nega que existem as dificuldades de aprendizagem, mas que as interpreta como pertencentes ao processo de apropriação da linguagem escrita ou apresentam explicações de cunho social para os “sintomas disléxicos”.

Tantos questionamentos denotam uma preocupação com a necessidade de considerar o contexto mais amplo envolvido nos chamados transtornos de aprendizagem. Assim, antes de determinar que dificuldades escolares façam parte do quadro da dislexia interessa descortinar a realidade educacional que pertence o estudante. Ou seja, questionar se os problemas de fato expressam uma dificuldade individual ou um problema de ordem social, se o problema reside no sujeito ou trata-se de um problema coletivo.

Nesse sentido, Moysés e Collares (2013) defendem que “o comportamento humano não é biologicamente determinado, mas tramado no tempo e nos espaços geográficos e sociais, histórico enfim. O ser humano é essencialmente um ser cultural; entretecido em um substrato biológico, sim, porém datado e situado” (MOYSÉS; COLLARES, 2013).

Por essa razão, as dificuldades de leitura e escrita deveriam ser olhadas como “[...] resultado de complexo jogo de fatores educacionais, sociais, culturais e econômicos, que refletem a política governamental para o setor social” (MOYSÉS; COLLARES, 1985, p. 8).

Essa realidade de discursos dissonantes revela um importante embate discursivo: vozes que confirmam a existência da dislexia colidem contra vozes que a contestam. Ressalta-se que essa discordância não é exclusiva à dislexia, mas decorre de outros confrontos históricos: inato versus adquirido; corpo versus mente; e biológico versus social. Contudo, no entremeio desse paradigma está o sujeito que não consegue

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aprender, que possui um sofrimento autêntico, que é qualificado como incapaz e sente-se dessa maneira, e independentemente do modo como se reconhece esse sujeito, em alguns casos as dificuldades se mantêm.

Nesse sentido, coaduna-se com Braga e Souza (2015, p. 216) quando referem que “(...) sim, as dificuldades existem, mas não são inadvertidamente provenientes de inaptidões biológicas, supostamente genéticas, explicações hegemônicas que sustentam os conceitos de dislexia e TDAH (...)”, mas são na verdade produto da trajetória escolar do sujeito que se produz nas relações estabelecidas na escola.

Cabe ainda concordar com Vigotski (1995) quando ele defende que o social além de interagir com o biológico possibilita a criação de novos sistemas funcionais e que por sua vez produzem formas superiores de atividades conscientes novas. Ou seja, tanto o orgânico impacta o social como o social faz efeito no orgânico.

2.2.1 As principais teorias etiológicas da dislexia na atualidade Na contemporaneidade, a discussão sobre os fatores que provocam a dislexia permanece sem respostas consensuais, apesar de decorridos mais de 100 anos de estudos, pesquisas, observações e buscas. Uma explicação definitiva ainda não foi descoberta, há sim algumas suposições que de acordo com o posicionamento do pesquisador é explicada de diferentes modos.

As mais significantes apontam para teorias cognitivas, de base neurobiológica e teorias genético-hereditárias (CARVALHAIS, 2010). As quais serão apresentadas mais adiante.

Antes disso, cabe refletir sobre as diferenças anatomofuncionais observadas no cérebro de pessoas com diagnóstico de dislexia. Seria de fato o cérebro do disléxico diferente do cérebro de leitores sem queixas de leitura? Algum cérebro humano é igual? O que essas diferenças representam?

Sherman e Cohen (2007, p.7) mencionam que:

Os cérebros de pessoas com dislexia do desenvolvimento são sutilmente diferentes. Exames microscópicos realizados em autópsias cerebrais durante duas décadas de pesquisas revelam diferenças estruturais a nível celular (envolvendo o neurônio, unidade funcional fundamental do cérebro); a nível de conexões (interferindo com neurônios, redes neurais e

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regiões cerebrais de conexão e comunicação); e, a nível anatômico mais amplo (relacionado a organização e definição de esquemas de áreas e regiões cerebrais). O resultado é um cérebro organizado de maneira atípica, processando a informação através de caminhos únicos e não interdependentes.

Galaburda e Kempe (1979) apontaram para anomalias nas células do córtex na região do lobo temporal, evidenciada pela simetria do no planum temporale e anomalias corticais tais como ectopias e migrogirias na área de Broca. Bloom et al., (2013), refere que alguns autores defendem a assimetria do planum temporale, mas que essa encontrar-se-ia invertida nos disléxicos. Backes et al., (2002), cita estudos que revelaram uma atividade diminuída no córtex temporal durante a leitura em disléxicos em comparação com normoleitores. Shaywitz (2005) sinaliza que exames de neuroimagem demonstraram a diferença de ativação no cérebro de disléxicos, onde observaram uma pior ativação no lobo temporo-occiptal e temporo-parietal.

Acerca das evidências científicas da existência da dislexia, a professora Maria Aparecida Affonso Moysés, médica pediátrica, ao longo do texto “Dislexia existe? Questionamentos a partir de estudos científicos”, publicado em 2010 no caderno temático do Conselho Regional de Psicologia de São Paulo, desvela o que de fato significam as diferenças encontradas nos cérebros dos ditos disléxicos.

Sobre as alterações de anatomia, especificamente quanto ao apontamento da simetria dos lóbulos temporais serem os responsáveis pela existência da dislexia, Moysés menciona um estudo do próprio Galaburda, o qual observou a mesma simetria observada nos disléxicos em 16% de um total de 100 pessoas sem nenhum diagnóstico ou queixa de leitura. Ou seja, a simetria pode ser encontrada tanto cérebros “normais” como em cérebros “disléxicos”. Ressalta-se que a pesquisa de Galaburda foi realizada com 5 sujeitos com diagnóstico de dislexia. Apenas 5 sujeitos. E foi a partir desse estudo que se generalizou que a simetria seria uma característica do cérebro disléxico. Quanto à ectopia neuronal que seria nas palavras de Moysés quando “(...) um neurônio que está em uma região onde não deveria estar, está fora de lugar” (2010. p.16) explica que não há estudos sobre a presença dessa migração na população normal.

Já em relação às alterações funcionais, identificadas por neuroimagens, exames os quais buscam captar a imagem das células em

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funcionamento do cérebro durante a atividade de leitura, ou seja, o sujeito necessita ler necessariamente para ativar a área que o exame quer observar, a autora denuncia tratar-se de “(...) um exame, para o qual estabeleço um código secreto e quem não acertar o código secreto é doente” (2010, p.18). Dessa maneira, a autora faz a seguinte interrogação: o exame mostra a causa ou a consequência do não saber ler. Moysés menciona ainda um estudo desenvolvido por Coles (1987) em que o pesquisador observou por meio do PET a leitura de americanos na qual os sujeitos pesquisados apresentaram resultados normais para leitura em inglês e resultados compatíveis com dislexia na leitura em espanhol. E finaliza: “Portanto, a neuroimagem não prova que a dislexia existe. Não prova absolutamente nada” (2010, p.18).

Nesse contexto, não se pode deixar de mencionar a pesquisa de Stanislas Dehaene junto a um grupo de neurocientistas, a qual contou inclusive com a colaboração de pesquisadores brasileiros, Lucia Willadini Braga e Gilberto Nunes Filho. Dehaene e os demais pesquisadores realizaram um estudo com o objetivo de conhecer o efeito da leitura no cérebro. Para tanto, comparou resultados de ressonância magnética em três diferentes grupos (adultos alfabetizados na infância, adultos alfabetizados tardiamente (não escolarizados) e adultos analfabetos) enquanto esses liam letras, palavras e pseudopalavras. A primeira conclusão do estudo indicou que ambos os indivíduos alfabetizados possuem uma rede de regiões cerebrais mais extensas, vinculada à percepção visual, frente a palavras escritas do que indivíduos analfabetos. Entre os alfabetizados também se observou diferença, os escolarizados apresentaram áreas mais extensas em relação aos alfabetizados tardiamente. Nesse sentido, conclui-se que o aprendizado da leitura modifica o cérebro, mesmo no caso do indivíduo já adulto (DEHAENE, 2012).

Ora, se o cérebro do analfabeto se difere do cérebro dos alfabetizados em decorrência da não aprendizagem do código escrito, porque causa estranhamento observar diferenças também no cérebro do “disléxico”, visto que esse também não lê. O que tem se chamado de causa não seriam na verdade efeito da não aprendizagem da leitura? E mais, a comprovação de que a dislexia é definitivamente um distúrbio neurobiológico é baseada em evidências científicas ou hipóteses?

A despeito de uma prova irrefutável, a origem neurobiológica tem obtido status de verdade, fato é que foi incorporada nas conceituações de órgãos oficiais direcionados a dislexia, tais como a adotada pela Associação Internacional de Dislexia que diz:

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Dyslexia is a specific learning disability that is neurobiological in origin. It is characterized by difficulties with accurate and/or fluent word recognition and by poor spelling and decoding abilities. These difficulties typically result from a deficit in the phonological component of language that is often unexpected in relation to other cognitive abilities and the provision of effective classroom instruction. Secondary consequences may include problems in reading comprehension and reduced reading experience that can impede growth of vocabulary and background knowledge (IDA, 2002, grifo nosso)7.

Vê-se que além da afirmativa da origem neurobiológica, a definição da IDA, faz menção ao déficit no componente fonológico, a teoria mais aceita entre muitos pesquisadores (LIBERMAN et al., 1974; BRADLEY; BRYANT, 1981; SNOWLING, 1981; STANOVICH; SIEGEL, 1994; BOWEY, 1996; MANIS et al., 1997; CAPOVILLA; CAPOVILLA, 2000; RISPENS, 2004; DESROCHES et al., 2006), em concorrência com a do teoria do déficit magnocelular, teoria do déficit de automatização e a teoria do duplo-déficit, as quais serão especificadas abaixo.

2.2.1.1 Teoria do déficit fonológico

A hipótese do déficit fonológico é apontada por Alves et al., (2011) como a mais comum, cerca de 90% dos casos. Nessa, se postula que a dislexia é ocasionada por um uma disrupção no sistema neurológico que por sua vez impacta o processamento fonológico (BRADLEY, et al., 2000). Em outras palavras, isso que dizer que a representação fonológica nos disléxicos seria imprecisa e degradada devido ao déficit (PETERSON; PENNINGTON, 2012) Consequentemente, o sujeito com dislexia teria problemas de representação, armazenamento e recuperação fonológica (SARAIVA et

7

A Dislexia do desenvolvimento é considerada um transtorno específico de aprendizagem de origem neurobiológica, caracterizada por dificuldade no reconhecimento preciso e/ou fluente da palavra, na habilidade de decodificação e em soletração. Essas dificuldades normalmente resultam de um déficit no componente fonológico da linguagem e são inesperadas em relação à idade e outras habilidades cognitivas (IDA, 2002, tradução nossa).

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al., 2012), acarretando dificuldades para realizar a conversão da letra em som, o que por sua vez resultaria numa leitura demasiada e imprecisa (PINHEIRO, 2002).

Diversos estudos realizados com técnicas de imagiologia (BRUNSWICK, MCCRORY, PRICE; FRITH, FRITH, 1999; SHAYWITZ et al., 1998) e anatomia post-mortem (GALABURDA, SHERMAN, ROSEN, ABOITIZ, GESCHWIND, 1985; GESCHWIND; GALABURDA, 1985, citados por RAMUS et al., 2003) buscaram embasar essa hipótese cientificamente.

O estudo de Shaywitz et al., (1998), o qual tem papel fundamental para esta teoria, foi realizado por meio de ressonância magnética funcional e identificou que três áreas do hemisfério esquerdo desempenhariam importantes funções em atividades de leitura, a saber: o girus inferior frontal, a área parietal-temporal e a área occipital-temporal.

Figura 1 Áreas cerebrais envolvidas no processo de leitura.

Fonte: Traduzido de Shaywitz (2003).

A autora concluiu que a zona giro inferior frontal forneceria um modelo oral das palavras possibilitando a análise fonológica; a zona parietal temporal seria responsável pela análise das palavras sílaba por sílaba, pela correspondência grafo-fonêmica e pela fusão fonêmica e silábica; e a região occipital-temporal faria a integração das informações

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dos diferentes sistemas sensoriais relacionados com a leitura (incluindo informações sobre ortografia, pronúncia e significado das palavras).

O estudo foi realizado com crianças e adultos com e sem dislexia, evidenciou que os sistemas neurais responsáveis pela leitura diferiram-se entre os disléxicos e não- disléxicos. A partir dessa constatação, entendeu-se que os leitores ditos eficientes acionariam de modo rápido, automático e simultâneo seu circuito neurológico, enquanto o “disléxico” por sua vez realizaria esse processo de análise e decodificação mais lentamente e para compensar requereria a participação mais intensa do girus inferior-frontal (SHAYWITZ et al., 1998).

Os estudos que evidenciaram o desempenho inferior de sujeitos diagnosticados com dislexia em tarefas de consciência fonológica acabaram fortalecendo a crença nessa teoria (PRESTES; FEITOSA, 2016).

Com base nesses resultados, os defensores dessa teoria concordam que a dislexia seria causada primariamente pelo déficit fonológico (RAMUS, et al., 2003). Concordando-se que o aspecto fonológico fosse de fato central na dislexia, e tomando essa como universal, como se explicaria a dislexia manifestada em diferentes línguas, como, por exemplo, no caso do chinês que possui alfabeto icônico? Ou não existem disléxicos falantes da língua chinesa? Dehaene menciona que o estudo de Siok et al., (2014), evidenciou que nos disléxicos chineses a dificuldade de leitura teria relação com a necessidade de memorizar mais de 3000 caracteres distintos, além disso o déficit decorreria de uma subativação da região frontal média esquerda, próxima a “área de Exner”. Assim, para Dehaene (2012), a dislexia deve variar a depender da cultura: em escritas alfabéticas o causador principal seria o distúrbio fonológico, enquanto que nas escritas asiáticas o agente desencadeador seria um distúrbio “grafomotriz”. Ressalta-se ainda que também se observam diferenças entre línguas com ortografias mais opacas e mais transparentes.

Mas há ainda outra problemática, vê-se alguns sujeitos diagnosticados como disléxicos com a habilidade fonológica adequada, mesmo em línguas alfabéticas (WOLF, 1999). Críticos apontam ainda para a desconsideração de déficits não linguísticos, como questões sensoriais, também observados em indivíduos com dislexia (PRESTES; FEITOSA, 2016). Quanto a isso Dehaene rebate que referindo que “os déficits sensoriais poderiam acompanhar a dislexia apenas por azar, simplesmente porque sua patologia cerebral se estende a múltiplos domínios” (2012, p. 259).

Referências

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