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Cosmopolitismo jurídico: a cidadania global a partir da proposta de Seyla Benhabib

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Academic year: 2021

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GRANDE DO SUL

FELIPE JAHN DO AMARAL

COSMOPOLITISMO JURÍDICO: A CIDADANIA GLOBAL A PARTIR DA PROPOSTA DE SEYLA BENHABIB

Ijuí (RS) 2019

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FELIPE JAHN DO AMARAL

COSMOPOLITISMO JURÍDICO: A CIDADANIA GLOBAL A PARTIR DA PROPOSTA DE SEYLA BENHABIB

Trabalho de Conclusão do Curso de Graduação em Direito objetivando a aprovação no componente curricular Trabalho de Curso - TC.

UNIJUÍ - Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul.

DCJS - Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais.

Orientadora: Dra. Joice Graciele Nielsson

Ijuí (RS) 2019

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Dedico este trabalho à minha família, pelo incentivo, apoio e confiança em mim

depositados durante toda a minha

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Quero agradecer a minha família que sempre me apoiou e me incentivou durante todo o curso de graduação em direito.

Ainda, agradeço à minha professora

orientadora Joice, por toda a dedicação e paciência em me auxiliar a escrever sobre um tema tão complexo, mas necessário para a evolução do Direito.

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O dinheiro faz homens ricos, o conhecimento faz homens sábios e a humildade faz grandes homens.

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O presente trabalho de conclusão de curso trata sobre o cosmopolitismo jurídico, bem como a possibilidade de aplicação do direito cosmopolita na esfera mundial, realizada através da análise dos principais teóricos do cosmopolitismo, realizando uma breve evolução histórica e apresentando seus pressupostos de existência como regime jurídico próprio, para, por fim, analisar a viabilidade de um cosmopolitismo jurídico tal como previsto na teoria de Seyla Benhabib. Seu problema central consistia em averiguar quais são os contornos teóricos e qual a viabilidade de implementação da proposta teórica de cosmopolitismo jurídico de Seyla Benhabib. Para sua realização foi dividido em dois capítulos. No primeiro, analisou-se a parte mais teórica do surgimento do cosmopolitismo jurídico como o conhecemos hoje, além dos debates que surgiram ao mesmo tempo que outras teorias foram ganhando força no âmbito internacional. No segundo, analisamos a teoria cosmopolita de Seyla Benhabib, bem como sua frente em relação a outros pensadores modernos e contemporâneos do tema, além de facilitar uma visão mais crítica e a possibilidade de implementação do cosmopolitismo jurídico no mundo atual.

Palavras-Chave: Cosmopolitismo jurídico. Cidadão do mundo. Sociedade global.

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The present work of conclusion of course deals with the juridical cosmopolitanism, as well as the possibility of applying the cosmopolitan right in the world sphere, realized through the analysis of the main theoreticians of the cosmopolitism, realizing a brief historical evolution and presenting its assumptions of existence like legal regime to analyze the viability of a juridical cosmopolitanism as foreseen in Seyla Benhabib's theory. Its central problem consisted of ascertaining the theoretical outlines and the feasibility of implementing Seyla Benhabib's theoretical proposal of juridical cosmopolitanism. For its accomplishment was divided into two chapter. In the first, we analyzed the most theoretical part of the emergence of juridical cosmopolitanism as we know it today, in addition to the debates that emerged at the same time as other theories were gaining strength in the international scope. In the second, we analyze Seyla Benhabib's cosmopolitan theory, as well as its front in relation to other modern and contemporary thinkers, as well as to facilitate a more critical view and the possibility of implementation of juridical cosmopolitanism in the world today.

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INTRODUÇÃO ... 8

1 O DEBATE TEÓRICO ENTRE NACIONALISTAS E COSMOPOLITAS...11

1.1 A evolução das teorias cosmopolitas na modernidade e suas diversas matrizes teóricas...11

1.2 O debate entre cosmopolitas e nacionalistas...22

2 O COSMOPOLITISMO DE SEYLA BENHABIB...31

2.1 O cosmopolitismo jurídico na contemporaneidade ...31

2.2 A proposta jurídica cosmopolita de Seyla Benhabib... 42

CONCLUSÃO ... 53

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INTRODUÇÃO:

Muito tem se falado na possibilidade de uma sociedade mundial, em todos os cantos do globo sobre a questão ética e social e a situação dos imigrantes e refugiados, muitas vezes a margem da sociedade, por serem considerados “estranhos” ao país que os abriga.

O cosmopolitismo é uma ideia de mundo sem fronteiras, iniciou assim com Immanuel Kant em sua obra Paz Perpétua e traz até hoje diversos adeptos que elaboram seus próprios pensamentos sobre este tema que está cada vez mais em pauta. A filósofa Seyla Benhabib traz a sua própria ideia de cosmopolitismo jurídico, e por ser uma filósofa contemporânea, sua teoria causa grande impacto na esfera mundial atual.

Disputas entre nacionalismos, localismos, comunitarismos de todas as espécies, e, por outro lado, cosmopolitismos ou universalismos são muito antigas na história da filosofia política e do direito, ao mesmo tempo em que atuais, diante de uma sociedade que está em pleno desenvolvimento. Diante do contexto atual, o presente trabalho tem como problema central averiguar quais são os contornos, e qual a viabilidade de implementação da proposta teórica de cosmopolitismo jurídico de Seyla Benhabib.

Diante deste problema, apresentasse como hipótese a consideração de que a sua proposta de sociedade global pode ser uma saída para que haja cada vez mais igualdade no mundo, mesmo cada povo possuindo sua cultura, com uma série de normas e regras globais, não só locais, mas que até o momento é apenas uma

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utopia, em um mundo com tremenda desigualdade cultural, racial, religiosa, entre outros motivos infelizmente criados para preconceito e discriminação.

O objetivo principal deste trabalho consiste em averiguar quais são os contornos e qual a viabilidade de implementação da teoria jurídica cosmopolita de Seyla Benhabib, defensora da cidadania global como um meio de criar normas universais de discursos éticos capazes de serem implementados em todos os países do mundo.

Por sua vez, a justificativa para a escolha do tema diz respeito à ideia de um mundo sem fronteiras, ou seja, analisando a possibilidade de implementação de um sistema jurídico voltado aos cidadãos do mundo, levando em consideração as necessidades de todos os povos, independentemente do meio físico em que se encontram inseridos. Ainda, buscou-se esclarecer o tema do cosmopolitismo como esse sistema jurídico, regrado através de uma constituição cosmopolita de caráter universal, visando alcançar o globo inteiro, tendo em vista os diversos conflitos atuais, sejam eles sociais, culturais, de gênero etc.

Para sua realização, este trabalho divide-se em dois capítulos. No primeiro, analisasse a parte mais teórica do surgimento do cosmopolitismo jurídico como é conhecido hoje, além dos debates que surgiram ao mesmo tempo que outras teorias foram ganhando força no âmbito internacional. Já no segundo, analisamos a teoria cosmopolita de Seyla Benhabib, bem como sua frente em relação a outros pensadores modernos e contemporâneos do tema, além de facilitar uma visão mais crítica e a possibilidade de implementação do cosmopolitismo jurídico no mundo atual.

Por fim, como metodologia para sua realização, foi baseado em pesquisa do tipo exploratória, sendo utilizado coleta de dados em fontes bibliográficas disponíveis em meios físicos e na rede de computadores.

Essa ideia parece improvável de se imaginar em uma sociedade como a contemporânea, ainda mais com o cosmopolitismo jurídico sendo apenas um pensamento, que está sendo aplicado aos poucos. Porém, já existem exemplos na

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sociedade internacional, onde existem grupos de países que seguem as mesmas normas, com os seus cidadãos podendo circular livremente entre os territórios deles, não necessariamente baseado na proposta de Seyla Benhabib, mas já é um início da aplicação do cosmopolitismo jurídico na esfera internacional. Analisaremos esses questionamentos no presente trabalho de conclusão do curso.

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1 O DEBATE TEÓRICO ENTRE NACIONALISTAS E COSMOPOLITAS

Ao longo da história, disputas entre nacionalismos, localismos, comunitarismos de todas as espécies, e, por outro lado, cosmopolitismos ou universalismos são muito antigas na história da filosofia política e do direito, ao mesmo tempo em que se mantem extremamente atuais, especialmente tem tempos de globalização.

O cosmopolitismo é uma ideia de mundo sem fronteiras, que na modernidade tem seus primeiros passos através dos escritos do filósofo alemão Immanuel Kant, em sua obra Paz Perpétua, escrita no ano de 1795 e traz até hoje diversos adeptos que elaboram seus próprios pensamentos sobre este tema, que está cada vez mais em pauta nos debates acadêmicos.

O mesmo acontece com o nacionalismo, ideias políticas e culturas que já forneceram muitos registros para os nossos livros de história. O referido capítulo tem como foco principal, diferenciar os dois pensamentos e elaborar um debate entre as teorias e as matrizes teóricas de ambos.

1.1 A evolução das teorias cosmopolitas na modernidade e suas diversas matrizes teóricas

Segundo Nielsson (2017, p. 142), o cosmopolitismo pode ser entendido como uma “postura moral segundo a qual nossa principal lealdade moral deve ser para com o ser comum da humanidade, e os primeiros princípios de nosso pensamento prático devem respeitar o valor igual de todos os membros desta comunidade”. Segundo Martha Nussbaum (2013), implica em um propósito de construir sociedades nas quais o maior número possível de pessoas adotem esta norma em suas mentes e seus corações, e a fomentem mediante disposições legais e institucionais. “Sejam quais forem os vínculos e aspirações, deveria prevalecer a consciência, independentemente do custo pessoal ou social implicado, de que todo ser humano é humano e que o valor moral de um é igual ao de qualquer outro” (NIELSSON, 2017, p. 143).

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O valor moral das pessoas, portanto, afirma Nielsson (2017, p. 143) seria reconhecido:

[...] pela posse da razão prática e de outras capacidades morais básicas, que nos confeririam igualdade, e cuja presença representaria uma poderosa limitação sobre aquilo que podemos eleger e sobre a forma na qual cada um busca comportar-se como cidadão.

No aspecto político, esse igual valor implicaria uma limitação reguladora das ações e aspirações da vida coletiva. A ideia de Cosmopolitismo jurídico existe há longo tempo na história da filosofia política do mundo. Desde a Antiguidade é possível encontrar proposições teóricas que considerassem as pessoas como cidadãos do mundo, tal como aquela empreendida pelos estóicos. No entanto, em sua versão moderna, afirma Salatini (2018), o cosmopolitismo nasceu no final do século XVIII, partir da proposição teórica de Immanuel Kant. Neste sentido, pode-se afirmar que o cosmopolitismo:

Consiste, no pensamento kantiano, na ideia de uma cidadania mundial, à qual qualquer indivíduo teria direito enquanto partícipe de uma sociedade mundial (ou cosmopolita), que administra, para além das relações entre Estado e indivíduos e entre Estados e Estados, as relações entre os Estados e os indivíduos estrangeiros. (SALATINI, 2018, p. 1).

A partir disso, pode-se afirmar que o pensamento cosmopolita de Kant, desenvolvido especialmente em sua obra A Paz Perpétua, é um dos precursores do Cosmopolitismo. Neste sentido Kant vê que o ideal do Cosmopolitismo é um princípio de sociedade global, onde todos os indivíduos fariam parte de uma única sociedade, sem diferenciação de etnia, cultura etc. (MENEZES, 2016)

A corrente teórica de Kant se subdividiu em diversas outras correntes, e se desenvolveu ao longo de toda a modernidade. Na atualidade, pode-se citar autores da teoria crítica, como Jurgen Habermas e Seyla Benhabib, ganharam força ao debater e elaborar suas próprias correntes filosóficas sobre o Cosmopolitismo em um mundo que precisa de um pensamento político/jurídico que possa quebrar as barreiras sociais e culturais que separam as pessoas umas das outras.

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Portanto, o Cosmopolitismo é um pensamento filosófico, que surgiu no final do século XVIII, que possui como primazia a lei do cosmos ou leis universais, ou seja, uma sociedade que segue as mesmas leis, desprezando as fronteiras geográficas de cada nação, inteiramente ligada à globalização.

Immanuel Kant, filósofo nascido na Prússia Oriental do século XVII, publicou a Crítica da Razão Prática em 1788, que apesar de não representar um marco para o Direito Cosmopolita e não tratar diretamente sobre o tema, traz uma ideia de direitos e deveres universais, que a princípio deve ser aplicado a toda a humanidade, independentemente das experiências vividas por cada indivíduo. Neste sentido Kant tenta demonstrar seu ideal cosmopolita, apesar de não ser direto, a partir da criação de deveres que devam ser aplicados a todos os seres humanos, não importando, portanto, as fronteiras de suas nações.

Seguindo no pensamento cosmopolita de Kant, pode-se citar três obras, que trataram especificamente sobre o tema, ao contrário do citado anteriormente, quais sejam, Ideia de uma história universal com um propósito cosmopolita, publicado em 1794 e Sobre a expressão corrente: Isto pode ser correto na teoria, mas nada vale na prática, publicado em 1795 e À Paz Perpétua: um projeto filosófico de 1795 para 1796.

O filósofo acredita que o ser humano se desenvolve gradualmente, de maneira lenta e que tende a ser guiado por leis da natureza. Tal desenvolvimento, apesar de lento, é constante, portanto, está partindo rumo à uma sociedade global. Segundo destaca Immanuel Kant

[...] esse encaminhamento da história da humanidade em direção à cidadania mundial e ao cosmopolitismo não se dá propriamente por uma intenção humana racional, mas por uma intenção da natureza, que induz o homem (mesmo contra sua vontade e sem que perceba) à elaboração de um Direito perfeitamente justo que garanta o desenvolvimento pleno de suas disposições originárias. (KANT, 2004, p. 22, 35 apud MENEZES, 2016, p. 72).

Diante de tal argumento, podemos concluir que Kant acredita que o desenvolvimento humano, é algo natural, que visa exclusivamente o alcance o

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bem-estar e da paz perpétua. A ideia de paz perpétua para Kant, é a busca por uma sociedade única, de uma cidadania global, devendo todos os seres humanos conviverem pacificamente, com esforço coletivo, organizado e contínuo, cujo conteúdo deve ser acordado e respeitado pela sociedade, não só local, mas mundial.

À Paz Perpétua é um grande marco para o início do direito cosmopolita como o conhecemos e com certeza, uma das maiores obras de Kant. A obra traz um pensamento filosófico do autor, que acredita que através de uma paz perpétua pode ser construída pois a razão tem mais força do que o poder. Neste sentido, Luiza Maria Gerhardt (2019), ao citar Kant, em seu artigo, narra que

a razão [...] condena absolutamente a guerra como procedimento de direito e torna, ao contrário, o estado de paz em um dever imediato, que, porém, não pode ser instituído ou assegurado sem um contrato dos povos entre si [...]. (KANT, 1989, P. 40-41 apud GERHARDT, 2019, p. 06).

A busca pela paz é uma obrigação, porém, deverá ser feita através de um contrato entre todos os seres humanos. A partir disso, em sua obra A Paz Perpétua, Kant descreve os seis artigos preliminares, cujo teor traz aquilo que é impeditivo da paz, três artigos definitivos e dois suplementos. Passamos a analisar cada um artigo, resumidamente.

A primeira seção do livro À Paz Perpétua, traz os seis artigos preliminares, o primeiro artigo dispõe que “1. não deve considerar-se como válido nenhum tratado de paz que se tenha feito com a reserva de elementos para uma guerra futura” (Kant, 2008, p. 6). Verificando este artigo, podemos extrair que se houvesse reserva de elementos para um guerra futura, isso seria apenas um adiamento das hostilidades e não uma busca pela paz, ou seja, abre condições para no futuro, quebrar esse tratado de paz e como não é isso que se busca, fere a premissa inicial, qual seja a busca pela paz perpétua.

O segundo artigo dispõe que “2. Nenhum estado independente (grande ou pequeno, aqui tanto faz) poderá ser adquirido por outro mediante herança, troca, compra ou doação” (KANT, 2008, p. 7). Segundo Kant, ao escrever esse artigo,

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argumenta que um Estado é feito por pessoas livres, que por terem autonomia, não podem ser vendidas, doadas ou até trocadas, não se tratam de mero patrimônio. Neste sentido Kant, ao conceituar Estado:

[...] É uma sociedade de homens sobre a qual mais ninguém a não ser ele próprio tem de mandar e dispor. Enxertá-lo noutro Estado, a ele que como tronco tem a sua própria raiz, significa eliminar a sua existência como pessoa moral e fazer desta última uma coisa, contradizendo, por conseguinte, a ideia do contrato originário, sem a qual é impossível pensar direito algum sobre um povo [...] (KANT, 2008, p. 7).

O homem é livre, evoluindo naturalmente, em busca de um bem comum e não um simples objeto, que pode ser vendido. O ser humano utiliza a razão e não deve ser considerado um patrimônio do Estado.

O terceiro artigo dispõe sobre o desaparecimento dos exércitos, ou seja, os exércitos devem desaparecer completamente com o tempo, pois a manutenção dos mesmos exige grandes investimentos e, por isso a paz que tanto buscam, se torna onerosa, com as nações causando propositalmente guerras, apenas para exonerá-los da busca pela paz (KANT, 2008).

O quarto artigo está ligado ao anterior, pois veda a obtenção de dívidas, para se envolver em conflitos exteriores, os valores, entretanto, deveriam ser investidos em benefícios para o povo, tais como educação, saúde, entre outros (KANT, 2008).

O quinto artigo preliminar, dispõe que “5. nenhum Estado deve imiscuir-se com emprego de força na constituição e no governo de um outro Estado” (KANT, 2008, p. 9), que diz respeito à soberania de outro Estado, sendo vedada a intromissão de um Estado em outro.

E por fim, o sexto artigo preliminar dispõe que “6. Nenhum Estado em guerra com outro deve permitir tais hostilidades que tomem impossível a confiança mútua da paz futura [...]” (KANT, 2008, p. 10). Este artigo diz respeito a confiança mútua que os Estados devem possuir para com os outros, pois para buscar a paz perpétua,

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após o encerramento de todas as guerras, a confiança é o elo que une os Estados em uma sociedade global.

Na segunda seção do livro, Kant argumenta que para que haja um estado de paz entre os homens, devem seguir os passos de três artigos definitivos, de muita importância, tendo em vista que sempre, apesar de não existir hostilidade, haverá uma ameaça constante, para isso, a formação de um Estado deve respeitar esses artigos, a fim de buscar uma sociedade de paz plena e absoluta.

No primeiro e no segundo artigos definitivos, traz para a constituição de um Estado, como deverá ser sua organização política, sendo que a Constituição Civil deve ser republicana e que o Direito das gentes deve ser fundado sobre um federalismo de Estados livres (KANT, 2008, p. 13-15).

Chegamos ao terceiro artigo e o mais importante para o presente capítulo, que dispõe que “O direito cosmopolita deve limitar-se às condições da hospitalidade universal” (KANT, 2008, p. 22). Este artigo corrobora com o pensamento inicial do cosmopolitismo, qual seja a hospitalidade de todos, onde quer que estejam, seja dentro de sua nação ou fora de suas fronteiras.

Kant (2008, p. 22) argumenta sobre esse ponto, in verbis:

Fala-se aqui, como nos artigos anteriores, não de filantropia, mas de direito, e hospitalidade significa aqui o direito de um estrangeiro a não ser tratado com hostilidade em virtude de sua vinda ao território de outro. Este pode rejeitar o estrangeiro, se isso puder ocorrer sem dano seu, mas enquanto estrangeiro se comportar amistosamente no seu lugar, o outro não o deve confrontar com hostilidade.

Assim deve o estrangeiro ser respeitado, pois possui o direito pleno de propriedade comum da terra, pois, ninguém tem mais direito do que outro a estar num determinado lugar da terra. Ou seja, o Cosmopolitismo Jurídico de Kant, nada mais é que o Direito de Hospitalidade universal.

Para encerrar sua teoria, Kant traz dois suplementos para sua obra À Paz Perpétua, que é a garantia da paz perpétua, que diz respeito que o Direito Interno, o

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Direito das Gentes e o Direito Cosmopolita são direitos garantidos pela própria natureza, através da evolução e o desenvolvimento dos seres humanos. Neste sentido, Menezes ao citar Kant, em relação ao Direito das Gentes:

Para a elaboração de um Direito Interno a natureza utiliza as inclinações humanas egoístas, que impelem o homem a abrir mão de parte de sua liberdade em prol de uma Constituição Civil que garanta a sua segurança, tornando-o um bom cidadão, mesmo contra sua vontade. Quanto ao Direito das Gentes, além de pôr uma dignidade implícita na guerra, a natureza vale-se da multiplicidade das línguas e das religiões para dificultar a formação de uma monarquia universal (garantindo a multiplicidade e a autonomia dos Estados) e para fomentar o ódio entre os povos e o pretexto para a guerra, forçando-os, pela razão, a elaborarem um Direito que os assegure, ambientado em uma federação de povos. Por fim, quanto ao Direito Cosmopolita, a natureza utiliza o espírito comercial do homem, incompatível com a guerra, para favorecer o relacionamento entre os povos. (KANT, 1795, p. 146-149 apud MENEZES, 2016, p. 81)

Kant, ao afirmar que o Direito Interno, o Direito das Gentes e o Direito Cosmopolita são garantidos pela natureza, faz lembrar-nos que o homem ao se desenvolver em busca do bem maior, ou seja, a paz, age pela razão, mesmo que seja contra a sua vontade.

No segundo suplemento, Kant nos traz a ideia de um artigo secreto para a paz perpétua, princípio do princípio que “a posse do poder pode inevitavelmente corromper o livre julgamento da razão (KANT, 2008, p. 35), neste sentido, o filósofo argumenta que os governantes a ter a posse do poder, tendem a esquecer das regras impostas e que, portanto, devem consultar filósofos, permitindo-lhes falar e ouvindo as suas reflexões sobre a guerra e a paz, pois:

É imprescindível, porém, para ambos que os reis ou os povos soberanos (que se governam a si mesmos segundo as leis de igualdade) não deixem desaparecer ou emudecer a classe dos filósofos, mas deixem falar publicamente para a elucidação dos seus assuntos, pois a classe dos filósofos, incapaz de formar bandos e alianças de clube, pela sua própria natureza, não é suspeita de uma propaganda (KANT, 2008, p. 35).

Os filósofos, sábios em suas teorias, teriam mais argumentos para evitar a guerra e buscar a paz, portanto, suas ideias não devem ser censuradas e devem

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possuir o direito de liberdade de expressão, pois sempre buscariam a melhor solução para os conflitos.

O pensamento cosmopolita de Kant, se baseia, portanto, em uma ideia de hospitalidade mundial, um verdadeiro direito de propriedade, comum entre todos, simplesmente por serem os seres humanos livres e poderem circular livremente, onde quer que estejam, devendo ser respeitados e visando sempre a busca pela paz perpétua dentro de uma sociedade global, que se desenvolve com o passar dos tempos.

Para encerrar o estudo de Kant, Menezes, afirma que o filósofo:

[...] acredita firmemente que o cosmopolitismo e a formação de um Direito Interno, de um Direito das Gentes e de um Direito Cosmopolita perfeitamente justos são mais que meras ideias otimistas, são a própria culminância do objetivo maior da natureza (ou da Providência) em relação ao ser humano. Essas ideias, associadas às noções de cidadania mundial, de um Direito supranacional, não estatal, entre homens e Estados no âmbito mundial e de uma estrutura global politicamente organizada pelas diversos Estados, influenciaram as teorias contemporâneas sobre o Direito Cosmopolita. (KANT, 1795, p. 148 apud MENEZES, 2016, p. 83)

Trata-se, portanto, da governança global do povo, pelo povo e para o povo, com as decisões sendo tomadas diretamente pelos cidadãos que são afetados por elas, evitando, assim, uma forma hierárquica, que possua uma autoridade definida. De acordo com a natureza das questões em jogo, a prática da democracia deve ser reinventada para levar em conta a vontade das partes interessadas, ou seja, os seres humanos. Isto pode ser adquirido, como sabemos, através de eleições ou até diretamente.

Menezes, ao falar que Kant, inspirou novos autores ao estudo do Direito Cosmopolita, não concluiu que todas as teorias contemporâneas estão submissas ao pensamento de Kant, mas cada um elabora seu próprio argumento, retirando e acrescentando pontos específicos. O modelo defendido por Held e Archibugi é a busca por uma governança global, porém sem um governo global.

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Neste sentido, Menezes (2016, p. 88), afirma que, ao falar dos teóricos citados:

De fato, de acordo com os aludidos teóricos do cosmopolitismo democrático, a adoção de uma democracia global dependeria do estabelecimento de uma verdadeira cidadania mundial, em que os seres humanos de todos os povos da humanidade pudessem exercer, em âmbito supranacional, algumas das prerrogativas inerentes à cidadania estatal, tais como as de se manifestar sobre questões sociais, políticas e ambientais com repercussão global (por exemplo, imigração, sustentabilidade dos recursos naturais, etc.), além de votar e de ser eleito.

Para os teóricos, o modelo de democracia interna não é a ideal, para a promoção da justiça em âmbito internacional (MENEZES, 2016), pois com o passar dos anos, apesar de muitas nações no mundo terem aderido o Estado Democrático como modelo de seu governo, isto sequer refletiu na busca pela paz e pela justiça mundial.

Neste modelo de cosmopolitismo democrático, os Estados não seriam substituídos por um Estado mundial, mas criar instituições supranacionais, com o objetivo de estabelecer uma cidadania mundial. Assim, os Estados ao aderirem a tal modelo, passariam parte de seu poder para essas instituições supranacionais, criando uma governança mundial, conforme já narrado anteriormente. Neste modelo, os cidadãos mundiais teriam a prerrogativa de discutirem e decidirem sobre questões que afetem a si mesmos, onde produziriam normas jurídicas de direitos humanos, aplicáveis a todos os seres humanos na sociedade global.

Essa governança, segundo Menezes (2016, p. 93):

a exemplo do modelo Kantiano, ocorreria em três esferas diferentes, mas interconectadas: (a) no âmbito interno dos Estados, por meio do fomento à participação popular; (b) no campo das relações interestatais, fortalecendo a ONU e suas agências; (c) na esfera global, cosmopolita, favorecendo a participação dos cidadãos mundiais no processo das tomadas de decisão mundiais.

Por possuir uma cidadania mundial, qualquer cidadão pode ser ouvido e expressar suas opiniões, leia-se participar do governo, independentemente da

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intervenção de algum representante ou governante. Segundo Held e Archibugi (1995 apud MENEZES, 2016, p. 95) na obra intitulada, From the United Nations to Cosmopolitan Democracy, argumentam que aos habitantes do planeta, ou seja, aos cidadãos mundiais, deveriam ser dada representação política além das fronteiras de seu Estado, com o principal pretensão da democracia cosmopolita é dar voz ao cidadão da comunidade mundial de um modo institucional e paralelo aos Estados.

Os teóricos do cosmopolitismo democrático, elaboram uma estrutura de como funcionaria a sociedade mundial, através de separação de poderes, com representação dos cidadãos mundiais, porém, tal modelo parece bom no papel, mas para aplicá-lo na prática, necessitaria de extremas mudanças no mundo todo, tornando sua aplicação difícil atualmente.

Outro teórico importante do Cosmopolitismo Jurídico, é Jürgen Habermas, filósofo e sociólogo alemão, nascido em 1929, que acredita que a situação mundial atual, na melhor das hipóteses, pode ser entendida, como transição do direito internacional ao direito cosmopolita (HABERMAS, 2004 apud MENEZES, 2016, p. 98).

Habermas aperfeiçoou a teoria cosmopolita de Kant, apesar de ser adepto desta teoria, segundo Habermas, a teoria cosmopolita de Kant, apresentou uma grande transformação na área da filosofia política, neste sentido:

A grandiosa inovação de tal conceitualização, que ultrapassou, em muito as condições existentes à época, reside principalmente na reformulação do direito internacional tido como um direito de Estados: ele passou a ser entendido como um “direito de cidadãos do mundo”, isto é, um direito dos indivíduos. Estes passam a gozar do status de sujeitos de direito, isto é, não são mais, apenas “cidadãos” de um Estado nacional, mas também membros de uma sociedade mundial estruturada de forma política (HABERMAS, 1997, p. 350-351 apud MENEZES, 2016, p. 98).

Segundo Habermas, a teoria cosmopolita de Kant, é uma teoria da evolução da moral e da razão humana ao longo dos séculos (HABERMAS, 2004 apud MENEZES, 2016, p. 99). Porém, com o surgimento das instituições internacionais, não mais poderia o direito cosmopolita limitar-se na moral e na razão humana, mas

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buscar seu desenvolvimento na prática e colocá-la em foco no âmbito internacional contemporâneo.

Após as atrocidades perpetradas por Adolf Hitler na Segunda Guerra Mundial, surge no mundo uma necessidade de aprimorar as relações entre os seres humanos, que não mais poderiam ser violados devido as suas posições sociais, raciais e morais. Neste sentido, surge uma transição entre o direito internacional para a ideia de um direito cosmopolita, onde surge a ideia de agregar o cidadão ao mundo, o tornando um cidadão global, dentro de uma sociedade global.

No entendimento de Habermas é necessário trazer um tratamento igual a todos os seres humanos, que possuem direitos humanos como direitos subjetivos dentro de uma sociedade cosmopolita, neste sentido, Menezes cita que Habermas acredita que:

Antes de mais nada, o cerne do direito cosmopolita consiste em que ele se lance por sobre as cabeças dos sujeitos jurídicos coletivos do direito internacional, que se infunda no posicionamento dos sujeitos jurídicos individuais e que fundamente para esses últimos uma condição não mediatizada de membros de uma associação de cidadãos do mundo livres e iguais (HABERMAS, 2004, p. 211 apud MENEZES, 2016, p. 100).

Habermas (1997 apud MENEZES, 2016, p. 102) apresenta um modelo de governo global, que seria dividido em três esferas ou níveis, a arena supranacional, a arena transnacional e a arena estatal, a primeira diz respeito a uma instituição que possuiria o “poder” de controlar e garantir a aplicação dos direitos humanos na sociedade global, a segunda seria uma liga de Estados que acordariam entre si a superação do desnível do bem-estar da sociedade mundial, cuidados com o meio ambiente, bem como ao entendimento intercultural entre os Estados da sociedade global, entre outros.

Tudo isso seria definido em uma constituição cosmopolita não estatal, que regularia o modelo e que possuiria legitimidade através de acordos e convenções internacionais, que buscariam na opinião pública seus argumentos. Ainda, Habermas busca na teoria do patriotismo constitucional, que é uma ideia de que as

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pessoas devem formar uma ligação política com as normas e valores de uma constituição democrática liberal pluralista, em vez de uma cultura nacional, como fundamento para buscar uma lealdade global dos cidadãos do mundo.

Segundo Menezes (2016), Habermas possuía uma solução para a aplicação do direito cosmopolita no âmbito internacional, que encontrou no patriotismo constitucional:

Umas das soluções para esse problema estaria na ideia de patriotismo constitucional, que motivaria a união entre os cidadãos mundiais em torno da democracia e das conquistas relacionadas aos direitos humanos, construindo uma lealdade desvinculada de aspectos históricos, étnicos, linguísticos e religiosos (HABERMAS,

2008,p. 188-189 apud MENEZES, 2016, p. 108).

Assim, através do estudo dessa teoria, busca-se uma ideia de um patriotismo constitucional mundial, que é necessário para a aplicação do direito cosmopolita na sociedade internacional, pois todos os seres humanos devem se sentir parte da sociedade global, ou seja, membros ativos que busquem participar dessa comunidade que tanto se busca, sem distinção de qualquer natureza.

Portanto, pode-se concluir que Habermas, ao elaborar sua teoria, aperfeiçoando a teoria cosmopolita Kantiana, apesar das críticas que faz, busca elaborar a ideia de uma constituição cosmopolita, onde seria possível estabelecer uma garantia da eficácia dos direitos humanos, levando em consideração a opinião pública global.

1.2 O debate entre cosmopolitas e nacionalistas

Entendido o foco principal do Cosmopolitismo, há que se referir que esta não constitui um pensamento filosófico unânime, tendo suscitado diversos tipos de debates ao longo dos séculos, seja no âmbito interno das teorias cosmopolitas, seja no âmbito externo a elas. A contrário, segundo afirma Nancy Fraser (2013), na atualidade pode-se verificar muitas disputas acerca da abrangência da justiça e sobre quem deve contar como um membro e qual é a comunidade relevante para uma teoria da justiça e seus efeitos.

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Para a autora, na atualidade, três grandes correntes podem ser destacadas: a dos localistas e comunitaristas, que localizam o escopo da questão em unidades subnacionais; por regionalistas e transnacionalistas, que identificam o “quem” em unidades maiores, mas não universais, como a Europa ou o Islã; e por cosmopolitas, que dão igual consideração a todos os seres humanos. Em consequência, identificam-se ao menos quatro visões diversas do “quem” da justiça: westfaliana, local comunitarista, transnacional-regional e global-cosmopolita, cada uma apresentando um princípio normativo determinado para a avaliação dos quadros, sem o qual não seria possível esclarecer disputas e comparações (FRASER, 2013).

Ainda segundo a autora, no principal campo de oposição às teorias cosmopolitas, pode-se identificar um grupo de teorias e autores denominados de Nacionalistas, Comunitaristas ou Localistas (FRASER, 2013).

Martha Nussbaum reconhece que o cosmopolitismo:

[...] é uma postura controvertida, uma tendência de pensamento moral à qual se opõem aqueles que resistem a seu ideal de cidadania mundial em nome de sensibilidades e apegos arraigados na afiliação grupal ou na tradição nacional. (NUSSBAUM, 2013, p. 09)

Tais críticas, especialmente, colocam em campos opostos o patriotismo e o cosmopolitismo, considerando que, segundo Kwame Appiah (2013, p. 43) “nacionalismo, cosmopolitismo e patriotismo são, mais do que ideologias, sentimentos. O que permite que diferentes ideologias políticas possam conviver com ambos”

O Nacionalismo, é uma corrente teórica que possui como foco a proteção cultural de apenas uma comunidade, de uma nação, que nada mais é do que uma comunidade de indivíduos vinculados social e economicamente, que vivem em um mesmo território, compartilhando interesses em comum, além de possuir fronteiras fechadas e organizadas, possuindo sistema político próprio, salvaguardando os costumes dentro dos limites da própria nação.

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Conforme a definição de Samuel Pinheiro Guimarães (2008), em seu artigo Nação, nacionalismo, Estado:

Nacionalismo é o sentimento de considerar a nação a que se pertence, por uma razão ou por outra, melhor do que as demais nações e, portanto, com mais direitos, sendo manifestações extremadas desse sentimento a xenofobia, o racismo e a arrogância imperial. Nacionalismo é, também, o desejo de afirmação e de independência política diante de um Estado estrangeiro opressor ou, quando o Estado já se tornou independente, o desejo de assegurar em seu território um tratamento pelo Estado melhor, ou pelo menos igual, ao tratamento concedido ao estrangeiro, seja ele pessoa física seja jurídica. Os movimentos nacionalistas significativos do ponto de vista político, cujas manifestações históricas mais simples decorrem de identidade étnica, linguísticas ou de pertencimento, no passado, a uma organização política, têm como seu principal objetivo o estabelecimento de um Estado ou a modificação das políticas do Estado para defender ou privilegiar interesses dos que integram certo movimento. (GUIMARÃES, 2008, p. 145)

Neste sentido, podemos afirmar que o Nacionalismo tem como escopo privilegiar uma nação em detrimento de outra nação, ou seja, possui interesses em assegurar a independência e a proteção contra os estrangeiros e todos aqueles que de certa forma ameacem os seus ideais, além de sua organização social, política e cultural.

Como exemplo deste ideal Nacionalista, temos o Nazismo, onde o líder deste movimento Adolf Hitler, ao afirmar que o povo alemão era uma raça pura, a chamada raça ariana, como uma raça superior as demais, promoveu uma das maiores atrocidades que a humanidade já viu, pois eliminou milhões de judeus, ciganos, negros e outros no Holocausto, por serem consideradas raças “inferiores” e que não mereciam os mesmos direitos que a raça ariana.

Tal pensamento Nacionalista causa grande confronto com o ideal Cosmopolita, pois enquanto o primeiro visa buscar a soberania de um Estado em detrimento dos demais, o segundo, busca a cidadania global, ou seja, tratar todos as pessoas como um cidadão do mundo, não diferenciando culturas e costumes, com todos possuindo os mesmos direitos e deveres na ordem global.

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Assim, frente a essa diferenciação, e debate no campo da filosofia política e jurídica, Oliveira Lima (2012, p. 01) muito bem destaca em seu texto Cosmopolitismo e Nacionalismo, que é uma carta, diz que:

À sombra do nacionalismo medra bem o espírito absorvente do lucro. Nada de estrangeiros: queremos tudo para nós, ao que nada haveria a dizer se o "nós" não significasse sempre em casos tais um número o mais reduzido possível, um grupo ou às vezes mesmo uma família. Nada há, entretanto, mais cosmopolita do que o comércio: supõe transações internacionais, que, para se desenvolverem, precisam ser lucrativas para os dois lados. As vantagens imensas auferidas por poucos, por uma parte só, favorecem a tendência ao mando que é geral na espécie e geram as oligarquias que falseiam as democracias, cujo recurso extremo consiste então na revolução, quando o desespero faz surgir algumas vontades resolutas entre as muitas entibiadas pela corrupção, fácil aos que captam as fontes do poder e entram a distribuir as graças e os favores.

A palavra nacionalismo significa conforme podemos extrair do dicionário “salvaguarda dos interesses e exaltação dos valores nacionais, além de sentimento de pertencer a um grupo por vínculos raciais, linguísticos e históricos que reivindica o direito de formar uma nação autônoma”. A palavra deriva do latim gen (que significa nascer ou fazer gerar) e natus (que significa filho).

Segundo Lima Sobrinho (2018, p. 01), essa significação primitiva:

[...] a palavra servia para a designação de grupos de pessoas unidas por um vínculo, que tanto podia ser racial como cultural. Montesquieu a utiliza com o sentido de um grupo de homens sujeitos à influência de diversos fatores, o clima, a região, as leis, as máximas de governo, os exemplos das cousas passadas, os costumes, os hábitos, reunidos num espírito geral que não se distancia muito da noção do caráter nacional. À medida, acrescenta o autor de L’esprit des lois, que, em cada nação, um desses fatores atua de maneira mais poderosa, os outros lhe facilitam o caminho. Escreve então Montesquieu que a “natureza e o clima dominam quase exclusivamente os povos selvagens. Mas os chineses sofrem mais a influência das maneiras e, de qualquer forma o que se impõe como norma suprema é zelar pela conservação e afirmação desse espírito geral, que inspira e distingue as nações”. Nessa acepção, o vocábulo se aproxima do significado de povo, embora com um grau mais elevado de integração, que “foi unindo e identificando os grupos, desde que evoluíram do clã à tribo, e desta à nação”.

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Assim, podemos definir o nacionalismo com o amor a própria nação, ao próprio povo e aos costumes e tradições entre as fronteiras dessa nação, não importando as nações estrangeiras e delimitando o acesso ou não de estranhos dentro de seu território. Para os nacionalistas mais radicais, só importa o próprio povo, discriminando e excluindo os demais.

Segundo Horace B. Davis (apud Sobrinho, 2018, p. 06), as expressões Estado Nacional e Nacionalismo:

[...] eram em si “receptáculos vazios, nos quais todas as épocas históricas e relações de classe lançam seu conteúdo material especial”. Ao que se pode acrescentar que, “se incluirmos como nacionalismo todos os exemplos de resistência ao domínio estrangeiro, teremos de admitir que ele existiu sempre, já que tal resistência remonta ao alvorecer da história registrada”. E junta Davis a essa opinião, a manifestação dos estudiosos poloneses Walecki e Markiewicz. Lekowski, outro estudioso polonês, criticou seu concidadão J. J. Wiatr, dizendo que lhe foram necessárias duzentas páginas para definir a nação e que, em seguida, nem mesmo usou sua própria definição (DAVIS, apud, SOBRINHO, 2018, p. 06)

Neste sentido, o nacionalismo visa a proteção do próprio território, da própria nação de ataques estrangeiros, não só balístico, mas para evitar que as tradições dos outros estados, criem influências internas, ou seja, resistir ao estranho, ao que não é da própria nação.

Outra noção importante, para entender o nacionalismo, é que o mesmo não pode ser confundido com o patriotismo, este último é o sentimento de amor à pátria, tal sentimento é complexo, do qual se extrai várias características, quais sejam: O desinteresse, quer dizer que este amor é puro, que não visa vantagens pessoais, mas, ao contrário, é capaz de sacrifício, dependendo dos casos, inclusive o da própria vida, exemplo disso é do soldado que se sacrifica na guerra pelo país.

A segunda característica é o realismo, isto é, o verdadeiro amor patriótico é dedicado à Pátria, sem necessidade de uma imagem fantástica e ufanista. A terceira é a permanência, sendo o patriotismo um amor fiel e constante, seja nas horas de glória, seja nas horas de humilhação. E a quarta e última característica é a do amor sem invejas, nem rivalidades, isso significa dizer que o patriota sabe que existem

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diversas outras nações maiores, que possuem mais poderio e riquezas, tanto científicas, tecnológicas, culturais e artísticas, mas ao contrário de despertar interesse ou ressentimento, constitui um estímulo para trabalhar mais para a grandeza de sua própria pátria.

Já o nacionalismo é um fenômeno psicossocial de exaltação da própria nação, é um sentimento intenso de patriotismo, que surge nos momentos de crises, que apesar de ser um movimento sadio, pode evoluir para barbáries de xenofobia, tal como já aconteceu ao longo da história.

Portanto, o nacionalismo se extingue do patriotismo, principalmente em relação as duas últimas características do segundo, a permanência e o amor sem invejas, pois o nacionalismo se manifesta como uma espécie de estado exaltado do Patriotismo, que se faz sentir em determinados períodos da História de um povo, principalmente por ocasião de lutas por emancipação política, econômica e social.

Ainda, Lima Sobrinho (2018) relata que:

Em muitos casos o nacionalismo se confunde com o patriotismo, com o desejo de ver a sua pátria crescer e afirmar-se. Mas ele exige alguma coisa mais que o patriotismo. O nacionalismo é, na opinião de Boyd C. Shafer, aquilo que os nacionalistas fizeram ou quiseram. “Não é um conceito claro e fixo, mas uma combinação variável de crenças e de condições diferentes.” (SOBRINHO, 2018, p. 07)

Vencida esta parte mais introdutória para entendermos melhor o que é o nacionalismo, passamos a análise de suas diversas matrizes teóricas, bem como seus defensores aos longos dos anos.

O nacionalismo possui diversas matrizes teóricas, que foram surgindo através dos séculos, possuindo subdivisões dentro de um mesmo contexto social, qual seja definir a comunidade nacional em termos étnicos, linguísticos, culturais, históricos ou religiosos, todos esses movimentos nacionalistas possuem um caráter excludente ao considerar certas pessoas ou minorias como não sendo parte da mesma nação ou estranhos ao sistema.

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Entre essas correntes se destacam os chamados Nacionalismo Étnico e o Nacionalismo Cívico, segundo Brubaker (2017) doutor em sociologia e professor da Universidade da Califórnia:

Dentre essas distinções sobrepostas, aquela que hoje possui a maior

repercussão, especialmente fora do circuito estreito de

pesquisadores que trabalham primordialmente com o nacionalismo, está a distinção entre o entendimento civil e étnico de pertencimento nacional e as formas de nacionalismo. Isso tem sido usado para sugerir que existem, fundamentalmente, apenas dois tipos de nacionalismo: o nacionalismo cívico, caracterizado como liberal, voluntarista, universalista e inclusivo; e o nacionalismo étnico, entendido como não liberal, atributivo, particularista e exclusivo. Estes são vistos apoiados em duas concepções correspondentes de formação nacional, baseadas na cidadania comum no primeiro caso

e na etnia comum no segundo (BRUBAKER, 2017, p. 296)

Tais teorias surgiram na Europa do século XIX, quando começaram a surgir ideias dos povos europeus como culturas e unidades homogêneas, como pureza nacional. A partir dessa ideia surgiram políticas de limpeza étnica, deslocamentos e transferências populacionais, além de migrações forçadas, como já citado na seção anterior, o nazismo de Adolf Hitler se encaixa perfeitamente como exemplo de Nacionalismo Étnico.

Já o Nacionalismo Cívico, pode ser definido por Keating como:

[...] enraizado no assentimento individual em vez da identidade adscritiva. Baseia-se em valores e instituições comuns e nos padrões de interação social. Os portadores da identidade nacional são as instituições, os costumes, as memórias históricas e os valores seculares racionais. Qualquer pessoa pode aderir a nação, independentemente das origens étnicas ou de nascimento, embora o custo de adaptação possa variar. Não há o mito da ancestralidade comum [...] [O pertencimento nacional está] baseado na comunidade territorialmente definida e não numa fronteira social entre grupos dentro de um território. Isso não quer dizer que ter uma propriedade possa ser a base para um nacionalismo. É preciso que haja um conjunto estruturado de interações políticas e sociais guiadas por valores comuns e um senso de identidade comum (KEATING, 1996, p. 5-6 apud BRUBAKER, 2017, p. 302)

Neste sentido, o Nacionalismo Cívico pode ser definido como uma associação de pessoas que se identificam como membros de uma nação, não necessariamente de ascendência étnica comum, assim todos possuem os direitos políticos iguais e

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compartilhados, não sendo uma entidade política cujo núcleo de identidade não é étnico.

Essas duas espécies de nacionalismos são consideradas os principais, mas não são os únicos. Com o passar dos anos foram surgindo diversas concepções de nacionalismo voltados não só para raça e cidadania, mas também com cunho político, tal como o nacionalismo de esquerda.

Para os defensores dos projetos nacionalistas, no entanto, vários aspectos dos nacionalismos são considerados perigosos. Segundo Nussbaum (2013b, p. 22), por exemplo, “a ênfase no orgulho patriótico é moralmente perigosa”, uma vez que, “[...] no fundo, o nacionalismo e o particularismo etnocêntrico não são diferentes um do outro”, de modo que “apoiar sentimentos nacionalistas conduz até mesmo à subversão dos valores que podem conferir coesão à unidade nacional, ao substituírem valores como a justiça e a rectidão por um ídolo colorido” (NUSSBAUM, 2014a, p. 10). Este ídolo, confundido com as bandeiras de um Estado-nação, no caso do patriotismo seria moralmente perigoso, subvertendo os próprios objetivos do patriotismo, como o ideal de unidade nacional e a lealdade a ideais morais de justiça e igualdade” (NUSSBAUM, 2014a, p. 10).

No caso brasileiro, afirma Nielsson (2017, p. 144), este processo poderia conduzir a raciocínios excludentes,

um dia alguém disse: — Em primeiro lugar sou um brasileiro. Só depois disso, um cidadão do mundo; nesse dia, foi feita a dedução a partir de uma autodefinição moral baseada em uma característica irrelevante e questionável, o que de fato pode levar alguém a dizer — Antes de mais nada, sou um cristão, e só depois um brasileiro, — Antes de mais nada sou um proprietário rural, e só depois disso um cristão brasileiro; ou, — Antes de mais nada sou um homem, heterossexual, cristão, e depois brasileiro. O cenário brasileiro atual está repleto de tais exemplos, a partir dos quais autodefinições morais, baseadas em características irrelevantes e questionáveis passam a estabelecer cesuras e divisões, e, mais que tudo, hierarquizações no acesso à esfera pública e a direitos de redistribuição, reconhecimento e representação.

Estas diferenciações, prossegue Nielsson (2017, p. 144), podem conduzir a uma perspectiva moral “de que o “nós”, seja patriótico, cultural, religioso, ou de

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qualquer espécie, seja o único relevante, postura que facilmente desemboca na demonização de um “eles” imaginário, um grupo de intrusos considerados inimigos da invulnerabilidade e do orgulho do importantíssimo “nós”. Esse tipo de pensamento “se converte em um chamamento geral em prol da supremacia local e da humilhação do outro” (NUSSBAUM, 2013, p. 12).

Segundo a autora, apenas a postura cosmopolita encerra em si a possibilidade de transcender tais divisões, “pois apenas ela nos diz que devemos estabelecer o nosso principal compromisso com aquilo que é moralmente bom – e que, por ser bom, pode ser recomendado como tal para todos os seres humanos” (NUSSBAUM, 2013, p. 12).

Neste sentido, é necessário vencer o nacionalismo e se voltar ao cosmopolitismo, tendo em vista que o primeiro está muito ultrapassado e não deve mais ser aderido internacionalmente. O mundo está se desenvolvendo para uma cidadania global, com a livre circulação dos cidadãos em qualquer parte do mundo, porém, deve ser implantado um sistema jurídico de proteção a todos os seres humanos, a fim de evitar discriminação. O melhor sistema jurídico que pode acabar com as barreiras sejam elas territoriais ou sociais, é o Cosmopolitismo Jurídico, o qual será aprofundado os estudos no capítulo seguinte.

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2 O COSMOPOLITISMO DE SEYLA BENHABIB

Seyla Benhabib, filósofa e pensadora contemporânea, nascida na Turquia em 1950 e radicada nos Estados Unidos, atualmente é professora de Ciência Política e Filosofia na universidade de Yale, além de diretora do programa da faculdade em Ética, Política e Economia, elaborou importantes teorias para o Direito Cosmopolita, que atualmente representa uma das maiores pensadoras sobre o tema, ainda viva.

Através da teoria das iterações democráticas, Seyla dá importante argumentação para a evolução para o Direito Cosmopolita. Porém, antes de analisarmos mais minuciosamente sua teoria, é importante ligar os pontos do desenvolvimento do Cosmopolitismo ao longo do século XXI, bem como os contornos teóricos e pressupostos de existência do referido tema, apontando as principais contribuições teóricas e a consequente formulação de sua teoria cosmopolita.

Partindo deste ponto, o presente capítulo irá primeiramente estudar os pressupostos teóricos de existência do Cosmopolitismo Jurídico, bem como sua concepção como regime jurídico, para após detalhar os fundamentos cosmopolitas de Seyla Benhabib e encerrar trazendo a viabilidade de existência de uma sociedade global, através de uma constituição cosmopolita, utilizando o argumento das iterações democráticas como principal forma de debate, rumo ao Cosmopolitismo Jurídico mundial.

2.1 O cosmopolitismo jurídico na contemporaneidade

Com a aceleração do processo da globalização e a formação de redes globais (MENEZES, 2016), houve um significativo surgimento de novos teóricos do Direito Cosmopolita, principalmente para combater as novas “ameaças” que surgiram no âmbito internacional, tais como o terrorismo, as pandemias e o surgimento das armas nucleares, entre outros problemas que surgiram e que devem ser discutidos.

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Entre os principais pensadores contemporâneos que estudam o Direito Cosmopolita estão David Held, Daniele Archibugi, Jürgen Habermas, entre outros, além é claro de John Rawls e Seyla Benhabib (MENEZES, 2016).

O princípio de uma possível aplicação do Direito Cosmopolita no âmbito internacional já vem sendo aplicado aos poucos, através de tratados de direito internacional, tais como a Declaração Universal de Direitos Humanos, elaborada no pós-guerra em 1948, entre outras criações, com o intuito exclusivo de buscar o respeito ao ser humano, independentemente do lugar em que se encontra.

Sobre a necessidade de teorias que pensem as relações sociais, jurídicas e econômicas em ternos mundiais na atualidade, Fréderic Vandenberghe (2018), entende que:

A globalização do mundo é um dado e um fato. A cosmopolitização é um ato e uma tarefa. Se o mundo deve ser mais do que um sistema mundial, unificado por um substrato econômico e tecnológico que atinja o globo, para se tornar um universo, simbolicamente unificado por uma visão do mundo que coexista com outras visões do mundo articuladas entre si através de um diálogo intercultural e de um projeto comum para a humanidade em geral, nós temos que sair do globalismo rumo ao cosmopolitismo. O cosmopolitismo pressupõe uma cosmologia, uma visão englobadora do lugar do gênero humano no universo, e também uma filosofia da história que delineie uma visão normativa de seu destino e de sua e de sua unidade na diversidade. Em termos mais especulativos, podemos dizer que o

cosmopolitismo representa a verdade da globalização. A

cosmopolitização é a globalização na und für sich [em e para si], para falar como Hegel. É a resolução dialética da história mundial na qual a globalização se torna consciente de sua própria alienação em e enquanto sistema mundial autoperpetuador (“globalização na sich” [em si]) e luta para superar sua crise numa nova síntese planetária que preserve sua realizações ao dirigí-las para uma nova direção mais espiritual e mais humana (“globalização für uns” [para nós]). Como em todas as teorias dialéticas, são o Weltgeist [espírito do mundo] e a Weltanschauung [visão de mundo] normativa incorporada pelo espírito que fundamentalmente “direcionem” o curso da história, conduzindo-o e dirigindo-o adiante em direção à sua verdade final (VANDENBERGHE, 2011, p. 85-86)

Menezes (2016), acredita que o pensamento cosmopolita contemporâneo está ligado à elaboração de um ordenamento jurídico internacional, que todos devem respeitar, neste sentido:

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[...] os estudos contemporâneos sobre o Direito Cosmopolita são feitos no âmbito de um ordenamento jurídico internacional que reconhece a personalidade jurídica internacional do ser humano; que estabeleceu algumas cortes transnacionais de direito humanos e o Tribunal Penal Internacional e que positivou, exemplificativamente, a vedação ao genocídio, aos crimes contra a humanidade e aos crimes de guerra, considerando tais proibições normas impeditivas em relação a todos os Estados (jus cogens) e que prescindem de sua aceitação. (MENEZES, 2016, p. 86)

Portanto, já é possível verificar em nosso meio, que o ideal cosmopolita, já está sendo aplicado aos poucos, embora ainda, trata-se de um pensamento filosófico. O Cosmopolitismo tem como foco colocar o ser humano como protagonista na esfera mundial, tirando essa peculiaridade dos Estados. O estudo do Cosmopolitismo, entretanto, é muito mais teórico do que prático, tendo em vista que:

[...] as ideias sobre o cosmopolitismo, especialmente as de matriz kantiana, despertaram mais interesse dos filósofos que dos juristas, eis que não havia as condições políticas, institucionais e jurídicas necessárias para o estabelecimento de um Direito Cosmopolita na prática. Com o término da Primeira Guerra Mundial, porém, o tema do cosmopolitismo passou a ser mais estudado, crescendo em

importância na política, nas relações internacionais e,

gradativamente, no direito. (MENEZES, 2016, p. 164)

Portanto, no pós-guerra (1ª Guerra Mundial) o cosmopolitismo ganhou força nos debates internacionais, principalmente nos debates sobre direitos humanos, sendo que o que mais prova isso, foi o Pacto da Sociedade das Nações de 1919, dentro do Tratado de Versalhes, onde pode-se extrair do preâmbulo, boa parte da ideia kantiana de paz perpétua e segurança internacional, qual seja de se abster em recorrer à guerra, com os litígios internacionais devendo ser resolvidos pacificamente, através de arbitragem. Infelizmente, tal pacto não durou por muitos anos, especialmente com o surgimento do nazismo de Adolf Hitler na Alemanha e do fascismo de Benito Mussolini na Itália, que desencadearam a Segunda Guerra Mundial.

Com o fim da segunda guerra mundial, o cosmopolitismo ganhou ainda mais força e entrou em pauta nos debates acadêmicos e internacionais. Exemplo disso é a criação da Organização das Nações Unidas em 1945 e da aprovação da

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Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, esta última extremamente importante, por ter dado a todos os seres humanos, independentemente de qualquer distinção, direitos e deveres universais.

A partir do pós-guerra, ou seja, do que podemos dizer “renascimento” do cosmopolitismo, diversos teóricos, tais como Jürgen Habermas, Hannah Arendt, a própria Seyla Benhabib, entre outros, teceram suas críticas e contribuições para o estudo do tema.

Menezes (2016, p. 168), elenca diversos fenômenos que culminaram com o desenvolvimento do cosmopolitismo, quais sejam,

[...] a aceleração do processo de globalização; a flexibilização da ideia de soberania; o fortalecimento e multiplicação das organizações internacionais; a insegurança causada pela ameaça nuclear, pelo terrorismo internacional, pelas pandemias e pelos desequilíbrios ambientais e o ressurgimento do pluralismo jurídico.

A globalização pode ser definida como o processo de aproximação entre diversas sociedades e nações existentes por todo o mundo, seja no âmbito econômico, social, cultural ou político. Esse processo de globalização, teve como principal característica a abertura do mercado internacional, ou seja, do comércio, através da integração de sistemas e o avanço da tecnologia, porém, teve outro importante movimento entorno da soberania estatal.

Viu-se a partir da abertura do mercado, a fragilidade das fronteiras dos Estados, principalmente com o processo migratório, onde os Estados não conseguem controlar totalmente suas fronteiras. Com o fluxo migratório, a soberania dos Estados enfraqueceu, sendo necessária a elaboração de normas internacionais de proteção aos estrangeiros, devendo os Estados se adaptarem às novas normas.

Com o avanço da tecnologia, os Estados estão cada vez mais interligados e isto torna impossível, ao menos em tese, o controle interno, portanto, necessário o controle internacional de tal situação, com os Estados se sujeitando às normas cosmopolitas de controle, aplicando tais normas dentro de suas fronteiras. A globalização não é apenas um movimento econômico, mas social, político, cultural e

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jurídico (BARBOSA, 2006 apud MENEZES, 2016, p. 177), portanto, muito ter a ver com seu povo e, com o povo, circulando cada vez mais no mundo, deve haver respeito mútuo em todos os outros Estados.

Pensando por este ponto, não podem os Estados, internamente, decidirem sobre a vida de todos os cidadãos do mundo, pois é isso que ocorre. Não pode uma decisão interna, votada por minoria ser aplicada no âmbito internacional. Justamente, por causa dessas razões que deve ser construída a possibilidade de debate internacional, com a participação direta dos cidadãos do mundo, buscando aplicar no âmbito interno, as normas votadas no âmbito internacional.

Portanto, a globalização em síntese, é o aumento da circulação de mercadorias e de pessoas no mundo e, que foi possível, graças ao desenvolvimento da tecnologia. Esse aumento de circulação de mercadorias e pessoas, por serem em todo o mundo, tem que ser positivado internacionalmente, devendo gerar debates com os cidadãos do mundo, em busca de normas que beneficiem a todos e obriguem os Estados, apesar de soberanos a aplicarem em seus respectivos territórios.

Portanto, a aceleração da globalização, abre discussão sobre os direitos dos estrangeiros, que através da livre circulação ficam expostos e vulneráveis dentro de outros Estados, neste sentido, segundo Cançado Trindade (1998 apud Menezes, 2016, p. 183) “contra esse mal, a única esperança ou meio de defesa dos marginalizados e excluídos e o Direito”.

Outra questão importante para a ascensão do cosmopolitismo no mundo, é a mudança da noção de soberania e, este ponto está ligado diretamente com a aceleração da globalização, como destacada anteriormente. A incapacidade dos Estados em controlar o fluxo migratório em suas fronteiras é um reflexo da redução de sua soberania.

Historicamente foram assinados diversos pactos e tratados internacionais, visando, principalmente, a diminuição de guerras, ao menos no campo jurídico. A primeira grande teoria foi o voluntarismo nacional, extremamente criticada por Hans

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Kelsen, tendo em vista que sua base é a autolimitação voluntária de um Estado ao Direito Internacional e como a escolha é voluntária, é livremente cabível a liberação de suas obrigações internacionais (Kelsen, 1927 apud Menezes, 2016, p. 190).

Alguns anos depois, foram criados outros tratados, tais como o Pacto Briand-Kellogg e o Tratado de Não Agressão e Conciliação, este último celebrado no Rio de Janeiro em 1933, visando quase que unicamente a abstenção da guerra e a resolução pacífica dos conflitos, que infelizmente não prosperou.

Surge, portanto, a necessidade de estabelecer normas jurídicas internacionais, que não poderiam ser renunciadas ou violadas, por qualquer que seja o Estado, ainda que soberano, as chamadas jus cogens ou normas cogentes, que surgiram para limitar a vontade soberana dos Estados. Em relação às normas cogentes, Menezes:

Buscou-se, assim, trazer para o Direito Internacional uma categoria jurídica bastante conhecida e aceita no âmbito do Direito Interno: a das normas cogentes, de ordem pública, que não podem ser derrogadas pela vontade das partes. nada mais oposto à concepção voluntarista de que a obrigatoriedade do Direito Internacional repousa na vontade estatal livremente autolimitada. Recorda-se que o voluntarismo rejeitava qualquer outro tipo de limitação estatal, como a proposta pelo ‘Direitos das Gentes necessário” ou pelo Direito Natural. (MENEZES, 2016, p. 195)

Assim, as normas jus cogens é um importante elemento do cosmopolitismo, estabelecendo pressuposto material para a existência do Direito Cosmopolita como regime jurídico em sentido estrito, não meramente como categoria filosófica (MENEZES, 2016). As normas cogentes viabilizam a criação do Direito Cosmopolita, criando uma cidadania mundial, onde todos os cidadãos devem ser respeitados, através dos direitos humanos, onde quer que estejam, dentro ou fora de seus respectivos países.

Apesar de os Estados também possuírem normas cogentes, elaboradas ao longo dos anos, tais como o direito à igualdade soberana, o direito à não intervenção e o direito à autodeterminação, devem ser respeitadas acima destas, as normas cogentes de direitos humanos, ou seja, o Direito Internacional veda o uso abusivo da

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soberania, que caso violada, poderá haver intervenção humanitária, visando o bem-estar da comunidade internacional.

Segundo Celso de Albuquerque Mello

Para o cosmopolitismo e o Direito Cosmopolita, interessam de forma bastante especial as normas de jus cogens que protegem os direitos humanos, pois são os instrumentos normativos adequados para o desenvolvimento de uma espécie de “cidadania mundial”. Com efeito, a partir do momento em que são admitidas normas de direitos humanos oponíveis a qualquer Estado, não importando o seu consentimento, é possível concluir que todos os seres humanos, independentemente de sua cidadania estatal, são titulares de direitos e de deveres, que podem ser exercidos inclusive contra seu próprio Estado de origem, ficando a comunidade internacional responsável por garantir a eficácia dessas normas de jus cogens (MELLO, 1999, p. 56, apud MENEZES, 2016, p. 203).

Extrai-se daí, então, que as normas cogentes são pressupostos materiais para a existência concreta do Direito Cosmopolita enquanto regime jurídico. O grande marco dessa “fase” do Direito Cosmopolita foi a elaboração da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que representou a adesão pelo mundo de normas cogentes de direitos humanos, limitando, portanto, a soberania dos Estados, que devem aderir essas normas (MENEZES, 2016).

Primeiramente com a criação da Sociedade das Nações após a primeira grande guerra mundial e, após a criação da Organização das Nações Unidas após a segunda grande guerra mundial, se estabeleceu no mundo, uma ideia do modelo Kantiano de cosmopolitismo, aquele mesmo explicado em detalhes no capítulo anterior. O aumento das organizações internacionais, buscam a maior interação entre os Estados e consequentemente, a busca da paz entre esses Estados.

Neste sentido, a institucionalização da sociedade internacional com o fortalecimento das organizações internacionais ocorrida nas últimas décadas, é um pressuposto importante para a existência do Direito Cosmopolita como regime jurídico.

Referências

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