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Aspectos da variação morfossintática à luz do continuum afro-brasileiro do português   : um estudo baseado num corpus diacrônico de cartas pessoais  

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Academic year: 2021

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INSTITUTO DE ESTUDOS DA LINGUAGEM

SHIRLEY CRISTINA GUEDES DOS SANTOS

ASPECTOS DA VARIAÇÃO MORFOSSINTÁTICA À LUZ DO

CONTINUUM AFRO-BRASILEIRO DO PORTUGUÊS: UM

ESTUDO BASEADO NUM CORPUS DIACRÔNICO DE

CARTAS PESSOAIS

CAMPINAS

2019

(2)

ASPECTOS DA VARIAÇÃO MORFOSSINTÁTICA À LUZ DO

CONTINUUM AFRO-BRASILEIRO DO PORTUGUÊS: UM

ESTUDO BASEADO NUM CORPUS DIACRÔNICO DE

CARTAS PESSOAIS

Tese de doutorado apresentada ao Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Campinas para obtenção do título de Doutora em Linguística.

Orientadora: Profa. Dra. Charlotte Marie Chambelland Galves

Este exemplar corresponde à versão final da Tese defendida pela aluna Shirley Cristina Guedes dos Santos e orientada pela Profa. Dra. Charlotte Marie Chambelland Galves.

CAMPINAS

2019

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Leandro dos Santos Nascimento - CRB 8/8343

Santos, Shirley Cristina Guedes dos,

Sa59a SanAspectos da variação morfossintática à luz do continuum afro-brasileiro do português : um estudo baseado num corpus diacrônico de cartas pessoais / Shirley Cristina Guedes dos Santos. – Campinas, SP : [s.n.], 2019.

SanOrientador: Charlotte Marie Chambelland Galves.

SanTese (doutorado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Estudos da Linguagem.

San1. Cartas. 2. Língua portuguesa - Morfemas. 3. Língua portuguesa - Brasil. 4. Contato linguístico. 5. Língua portuguesa - Preposições. I. Galves, Charlotte Marie Chambelland. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Estudos da Linguagem. III. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: Aspects of morphosyntactic variation in the light of the

Afro-Brazilian continuum of Portuguese : a study based on a diachronic corpus of personal letters

Palavras-chave em inglês:

Letters

Portuguese language - Morphemics Portuguese language - Brazil Languages in contact

Portuguese language - Prepositions

Área de concentração: Linguística Titulação: Doutora em Linguística Banca examinadora:

Charlotte Marie Chambelland Galves [Orientador] Zenaide de Oliveira Novais Carneiro

Juanito Ornelas de Avelar

Maria Aparecida Corrêa Ribeiro Torres Morais Emilio Gozze Pagotto

Data de defesa: 29-08-2019

Programa de Pós-Graduação: Linguística

Identificação e informações acadêmicas do(a) aluno(a) - ORCID do autor: https://orcid.org/0000-0002-6805-6874 - Currículo Lattes do autor: http://lattes.cnpq.br/1946169450058167

(4)

BANCA EXAMINADORA

Charlotte Marie Chambelland Galves

Zenaide de Oliveira Novais Carneiro

Juanito Ornelas de Avelar

Maria Aparecida Corrêa Ribeiro Torres Morais

Emilio Gozze Pagotto

IEL/UNICAMP 2019

Ata da defesa, assinada pelos membros da Comissão Examinadora, consta no SIGA/Sistema de Fluxo de Dissertação/Tese e na Secretaria de Pós-Graduação do IEL.

(5)

Para Zenaide Carneiro, pelo incentivo. Charlotte Galves, pelo acolhimento. minha família, pelo apoio.

(6)

Agradeço, primeiramente, a Deus, pela força, coragem, proteção e por estar sempre ao meu lado ao longo do caminho.

Em especial, agradeço à professora Charlotte Galves, pela orientação, confiança, acolhimento, pelas enriquecedoras discussões sobre o português brasileiro, pela partilha de seus conhecimentos da sintaxe, da história, da anotação... por ser sempre gentil e paciente. Muitíssimo obrigada por tudo.

À professora Zenaide Carneiro, pelo incentivo desde o início dessa caminhada. Obrigada pelos ensinamentos e pela generosidade no compartilhamento das Cartas Brasileiras, através do CE-DOHS. Agradeço por ter sido uma motivação constante. E obrigada por aceitar fazer parte da banca de defesa.

À professora Maria Aparecida Torres Morais, por, gentilmente, aceitar o convite para fazer parte da banca e, assim, trazer contribuições à construção desta pesquisa.

Ao professor Juanito Avelar, agradeço por aceitar participar das bancas (de qualificação e da defesa). Obrigada pela leitura cuidadosa e pelas sugestões fundamentais para o direcionamento da pesquisa.

Ao professor Emílio Pagotto, pelos comentários e sugestões enriquecedoras nas bancas de qualificação (de área e de tese) e por aceitar fazer parte da banca de defesa. Agradeço também pela oportunidade no estágio PED.

Aos professores suplentes, por terem aceitado fazer parte da banca.

Agradeço à professora Livia Oushiro, pela orientação da pesquisa de qualificação de área, pelos valiosos ensinamentos, confiança e parceria. Minha profunda admiração.

A Pablo Faria, pela colaboração com a inserção da etiqueta de flexão e com a split dos arquivos do corpus, pela paciência em resolver os problemas com as ferramentas de anotação. Obrigada por estar sempre na escuta para ajudar.

À Willi e a Antonio, meus afilhados, muito obrigada pela amizade, por todo carinho, apoio e acolhimento. Willi, agradeço imensamente pelos momentos de discussão sobre a anotação. Sua ajuda e amizade foram fundamentais.

À Alba, pela ajuda com a revisão morfológica.

Agradeço ao IEL, por me receber como aluna, aos professores, pelos conhecimentos compartilhados durante as aulas, e aos funcionários, pela atenção e simpatia.

(7)

admiração.

À Priscila e a Igor, pelo acolhimento e amizade.

Aos colegas e amigos com quem compartilhei grande tempo da minha passagem pelo IEL, meu sincero agradecimento.

Aos meus amigos da república Flat do Barão, Livia, Mariana, Juliano e Luis Fernando, que tornaram meus dias mais alegres.

Aos meus pais, Gildasio e Cristina, e aos meus irmãos, pelo carinho, preocupação e apoio sempre.

A Luiz Ferreira, pela paciência, pelas palavras de incentivo nos dias de desânimo, pela ajuda, pelo amor e companheirismo.

Aos meus colegas e amigos do Colégio Estadual Georgina Erismann, em especial, aos professores Kleber Villas Boas, Iraneia Leite, Rosana Alves, Rosipleia Santos, Mônica Arapiraca, Maurício, Cristina Pinheiro e todos os que sempre estiveram torcendo por mim, meu muito obrigada, pela força, pela energia positiva, por toda compreensão e amizade.

À Secretaria da Educação da Bahia. A todos: gratidão.

(8)

Esta tese tem como objetivo descrever e analisar aspectos morfossintáticos do português brasileiro, especificamente, as estratégias de complementação de verbos direcionais de movimento e de verbos bitransitivos, com base em um corpus diacrônico composto por cartas pessoais escritas por baianos, ao longo dos séculos XIX e XX, extraídas do banco de textos da Plataforma CE-DOHS (UEFS)/ Corpus Histórico do Português Tycho Brahe (UNICAMP). Para tanto, foi desenvolvida uma análise quali-quantitativa, considerando os eixos diacrônico e social (em particular, a escolarização do escrevente), em direção a um estudo do dialeto baiano, como eixo geográfico. Com relação ao cenário brasileiro, os resultados mostraram que a escrita baiana reflete uma gramática conservadora, notadamente expressa nas cartas dos cultos, e uma gramática inovadora, revelada na escrita dos poucos ou não escolarizados, enquanto a escrita dos semicultos parece estar entre essas duas configurações, apresentando traços das gramáticas conservadoras e inovadoras. Essas gramáticas, compreendidas em uma escala que se diferencia com relação ao eixo social, analisado a partir do grau de escolaridade do escrevente, fornecem dados empíricos que reforçam a existência de um continuum afro-brasileiro do português.

(9)

This thesis aims to describe and analyze morphosyntactic aspects of Brazilian Portuguese, specifically, the strategies of complementation of directional verbs of movement and ditransitive verbs, based on a diachronic corpus composed of personal letters written by Bahians throughout the 19th and 20th centuries, extracted from the database of the CE-DOHS Platform (UEFS)/ Corpus of Historical Portuguese Tycho Brahe (UNICAMP). Therefore, a qualitative-quantitative analysis was developed, considering the diachronic and social axes (in particular, the writers’ schooling), towards a study of the Bahian dialect, as geographical axis. Regarding the Brazilian scenario, the results showed that Bahian writing reflects a conservative grammar, notably expressed in the letters of the literate and an innovative grammar, revealed in the writing of the less literate or illiterate, while the writing of the semiliterate seems to be between these two configurations, presenting traits of conservative and innovative grammars. These grammars, understood in a scale that differs in relation to the social axis, analyzed from the degree of schooling of the writer, provide empirical data that reinforce the existence of an Afro-Brazilian continuum of Portuguese.

(10)

Figura 01. Línguas/Variedades linguísticas resultantes da transmissão linguística

irregular 031

Figura 02. Transmissão linguística regular vs irregular 031

Figura 03. Continuum das estratégias de complementação direcional nas variedades

de português 079

Figura 04. Estrutura da carta pessoal, baseada em Pessoa (2002) 130

Figura 05. Visualização do documento em XML pela interface de edição

da ferramenta eDictor 142

Figura 06. Interface de anotação morfológica da ferramenta eDictor 144

Figura 07. Interface de anotação sintática da ferramenta Annotald 146

Figura 08. Interface de busca automática, usando o Corpus Search 147

Figura 09. Exemplo de resultado de busca automática gerada pelo Corpus Search 148

Figura 10. Preposições a, para e em em contexto com verbos direcionais de

movimento nas cartas baianas com relação ao período da escrita 164

Figura 11. Preposições a, para e em em contexto com verbos direcionais de

movimento nas cartas baianas com relação ao período da escrita (a cada

meio século) 165

Figura 12. Distribuição das preposições a, para e em em contexto com verbos

direcionais de movimento com relação à escolaridade do remetente 166

Figura 13. Distribuição das preposições a, para e em em contexto com verbos

direcionais de movimento com relação à escolaridade do remetente a

cada meio século 167

Figura 14. Distribuição das preposições com relação à escolaridade do escrevente,

na segunda metade do século XIX e primeira metade do século XX, com

todos os verbos selecionados 169

Figura 15. Distribuição das preposições com relação à escolaridade do escrevente,

na segunda metade do século XIX e primeira metade do século XX, na ausência dos verbos chegar, entrar e sair 169

Figura 16. Distribuição das preposições a, para e em em contexto com verbos

direcionais de movimento na escrita dos remetentes cultos e semicultos

(11)

complemento 172

Figura 18. Distribuição das preposições a, para e em em contexto com verbos

direcionais de movimento na segunda metade do século XX, com relação

à escolaridade do escrevente 173

Figura 19. Distribuição geral da preposição em e da forma ni nas cartas

representativas da vertente popular do português no semiárido baiano 174

Figura 20. Distribuição geral das estratégias de complementação dativa de terceira

pessoa nas cartas baianas, em perspectiva temporal 178

Figura 21. Estratégias de complementação dativa de terceira pessoa nas cartas

baianas a cada meio século 179

Figura 22. Preposições a e para introdutoras de dativos de 3P, com relação ao

período da escrita 180

Figura 23. Preposições a e para em contexto com verbos bitransitivos, com relação

à escolaridade do remetente 181

Figura 24. Preposições a e para em contexto com verbos bitransitivos, com relação

à escolaridade do remetente no século XIX 182

Figura 25. Preposições a e para em contexto com verbos bitransitivos, com relação

à escolaridade do remetente no século XX 183

Figura 26. Distribuição das preposições a e para em contexto com verbos

bitransitivos nas cartas representativas da vertente semiculta 184

Figura 27. Distribuição das preposições a e para em contexto com verbos

bitransitivos nas cartas representativas da vertente popular 185

Figura 28. Estratégias de complementação dativa de 3P nas cartas baianas a cada

meio século 187

Figura 29. Complementação dativa de 3P (lhe e a), com relação à escolarização do

remetente, nas cartas baianas da segunda metade do século XIX 188

Figura 30. Complementação dativa de 3P (lhe e para), com relação à escolarização

do remetente, nas cartas baianas da segunda metade do século XIX 189

Figura 31. Estratégias de complementação dativa com lhe e a, com relação à

(12)

Figura 33. Estratégias de complementação dativa de 2P nas cartas baianas a cada

meio século 192

Figura 34. Clítico dativo de 2P e 3P nas cartas baianas da vertente culta, a cada meio

século 194

Figura 35. Clítico dativo de 2P e 3P nas cartas baianas da vertente semiculta, a cada

meio século 194

Figura 36. Clítico dativo de 2P e 3P nas cartas baianas da vertente popular, a cada

(13)

Quadro 01. Distribuição demográfica no Brasil entre 1538 e 1890 039

Quadro 02. Estimativas de migração para o Brasil 040

Quadro 03. Línguas subsaarianas 041

Quadro 04. Distribuição por século dos grupos linguísticos que aportaram no Brasil 042

Quadro 05. População escrava em 1872 e 1884 043

Quadro 06. Percurso geral da escravidão brasileira 044

Quadro 07. População escrava por região 044

Quadro 08. Dados da aquisição do português como L1 por europeus e brancos

descendentes no Brasil, entre 1538 e 1890 046

Quadro 09. Dados da aquisição do português como L2 por africanos no Brasil,

entre 1538 e 1890 047

Quadro 10. Dados da aquisição do português como L1 por negros brasileiros e

mulatos no Brasil, entre 1538 e 1890 047

Quadro 11. Distribuição percentual das normas sociolinguísticas 051

Quadro 12. Concordância verbal entre os anos 1980 a 2000 052

Quadro 13. Distribuição das normas sociolinguísticas com base no grau de

escolaridade 052

Quadro 14. Preposições em complementação direcional nas amostras de português

e espanhol 073

Quadro 15. Tipos de arquivos disponibilizados pelo CE-DOHS por quantidade de

palavras 131

Quadro 16. Cartas brasileiras dos séculos XIX e XX da Plataforma CE-DOHS 134

Quadro 17. Corpus de cartas baianas dos séculos XIX e XX 137

Quadro 18. Distribuição do corpus por período da escrita da carta 138

Quadro 19. Distribuição de remetentes baianos por período de nascimento 139

Quadro 20. Remetentes baianos nascidos no século XVIII 139

Quadro 21. Distribuição do corpus com relação ao nível de escolarização do

remetente por período da escrita da carta 140

Quadro 22. Estratégias de complementação nas cartas populares do semiárido

baiano com relação ao português europeu e ao português brasileiro

(14)

Tabela 01. Preposições a, para e em no contexto de complementos direcionais, nos

dados do Projeto VALPB 067

Tabela 02. Frequência de uso das preposições introdutora de verbos de movimento

no português afro-brasileiro e no português popular geral 072

Tabela 03. Emprego das preposições a e para em revistas e jornais brasileiros do

século XIX 099

Tabela 04. Distribuição das variantes de dativo de 2P em cartas brasileiras do século

XIX e XX 107

Tabela 05. Distribuição das variantes de acusativo de 2P em cartas brasileiras do

século XIX e XX 108

Tabela 06. Variação no tipo de preposição em dativos em Luanda – análise geral 118

Tabela 07. Distribuição geral das preposições a, para e em em contexto com verbos

direcionais de movimento nas cartas baianas 163

Tabela 08. Distribuição das preposições a, para e em com relação à escolaridade do

remetente e o predicador da sentença, na segunda metade do século XIX 168

Tabela 09. Distribuição das preposições a, para e em com relação à escolaridade do

remetente e o predicador da sentença, na primeira metade do século XX 168

Tabela 10. Distribuição geral das ocorrências de construção dativa de terceira

pessoa nas cartas baianas 177

Tabela 11. Preposições a e para introduzindo complementos dativos de 3P nas

cartas baianas 180

Tabela 12. Estrutura sintática do dativo preposicionado de 3P nas cartas baianas 186

Tabela 13. Variantes do dativo preposicionado de 2P nas cartas baianas dos séculos

XIX e XX 192

Tabela 14. Emprego da preposição a e para introduzindo complementos dativos em

dados orais do PB 209

Tabela 15. Distribuição das formas dativas nas atas 209

Tabela 16. Emprego da preposição a e para introduzindo complementos dativos em

anúncios e cartas de leitores e redatores de revistas femininas do século

(15)

Tabela 18. Emprego das preposições a e para com verbos direcionais de movimento

em cartas baianas do século XIX e XX 211

Tabela 19. Emprego das preposições a e para com verbos direcionais de movimento

e verbos bitransitivos com relação à escolaridade do remetente 211

Tabela 20. Emprego da preposição a e para com verbos direcionais de movimento

com relação ao tipo de verbo nas cartas de cultos dos séculos XIX e XX 212

Tabela 21. Emprego da preposição a e para nas cartas dos cultos com relação à

configuração no espaço e ao tipo de verbo 213

Tabela 22. Emprego da preposição a e para com verbos direcionais de movimento

com relação à natureza do deslocamento nas cartas de cultos dos séculos

XIX e XX 214

Tabela 23. Emprego da preposição a e para com verbos direcionais de movimento

com relação à natureza do deslocamento nas cartas de semicultos e

populares dos séculos XIX e XX 214

Tabela 24. Emprego da preposição a e para com verbos direcionais de movimento

com relação ao tipo de verbo nas cartas de semicultos dos séculos XIX e

XX 215

Tabela 25. Emprego da preposição a e para nas cartas dos semicultos com relação

à configuração no espaço e ao tipo de verbo 215

Tabela 26. Distribuição das preposições a e para em contexto com verbos

bitransitivos nas cartas representativas da vertente semiculta 216

Tabela 27. Distribuição das preposições a e para em contexto com verbos

bitransitivos nas cartas representativas da vertente semiculta a cada meio

século 217

Tabela 28. Distribuição das preposições a e para em contexto com verbos

bitransitivos nas cartas representativas da vertente popular a cada meio

(16)

INTRODUÇÃO 19 CAPÍTULO 1

1 ENQUADRAMENTO TEÓRICO PARA UMA ANÁLISE

MORFOSSINTÁTICA DO PORTUGUÊS BRASILEIRO 24

1.1 INTRODUÇÃO 24

1.2 HIPÓTESES E CONJECTURAS SOBRE AS ORIGENS DO PORTUGUÊS

BRASILEIRO 25

1.3 A HIPÓTESE DO CONTINUUM AFRO-BRASILEIRO DO PORTUGUÊS 33 1.3.1 A dimensão sócio-histórica do contato no Brasil 35

1.3.2 A dimensão aquisicional 53

1.3.2.1 Fundamentos teóricos da Gramática Gerativa 54

1.3.2.2 Aquisição de língua e fixação paramétrica 56

1.3.2.3 Competição de gramáticas 57

1.4 SÍNTESE DO CAPÍTULO 1 61

CAPÍTULO 2

2 ESTRATÉGIAS DE COMPLEMENTAÇÃO DE VERBOS DIRECIONAIS E DE VERBOS BITRANSITIVOS EM VARIEDADES DO PORTUGUÊS NO

BRASIL E EM ÁFRICA 65

2.1 INTRODUÇÃO 65

2.2 ESTRATÉGIAS DE COMPLEMENTAÇÃO DE VERBOS DIRECIONAIS DE

MOVIMENTOS NO PORTUGUÊS BRASILEIRO 65

2.2.1 Alternância em - ni no Português Brasileiro 82 2.3 A COMPLEMENTAÇÃO DE VERBOS BITRANSITIVOS NO PORTUGUÊS

BRASILEIRO 93

2.3.1 Tipo de preposição introdutora do argumento dativo no português brasileiro 98 2.3.2 Não realização da preposição introdutora do argumento dativo no português

brasileiro: o objeto duplo 101

2.3.3 Clíticos dativos e redobro no Português Brasileiro 105

2.3.3.1 Redobro de clíticos no Português Brasileiro 109

(17)

3.1 INTRODUÇÃO 127 3.2 CARTAS PESSOAIS COMO FONTE PARA ESTUDOS DO PORTUGUÊS

BRASILEIRO 127

3.3 A PLATAFORMA CE-DOHS 131

3.3.1 As Cartas brasileiras 133

3.4 A SELEÇÃO DAS CARTAS DO SEMIÁRIDO BAIANO PARA COMPOSIÇÃO

DO CORPUS DE CARTAS BAIANAS 137

3.5 ASPECTOS SÓCIO-HISTÓRICOS DO SERTÃO DA BAHIA 141

3.6 A ANOTAÇÃO DAS CARTAS PESSOAIS 142

3.7 CRITÉRIOS METODOLÓGICOS PARA ANÁLISE DOS DADOS 148

3.7.1 Critérios para análise dos complementos de verbos direcionais de movimento 149 3.7.2 Critérios para análise dos complementos dativos de verbos bitransitivos 155

3.8 SÍNTESE DO CAPÍTULO 3 160

CAPÍTULO 4

4 RESULTADOS QUALI-QUANTITATIVOS: CONHECENDO OS ASPECTOS

MORFOSSINTÁTICOS 162

4.1 INTRODUÇÃO 162

4.2 ESTRATÉGIAS DE COMPLEMENTAÇÃO DE VERBOS DIRECIONAIS DE

MOVIMENTO 163

4.3 ESTRATÉGIAS DE COMPLEMENTAÇÃO DE VERBOS BITRANSITIVOS:

RESULTADOS 176

4.3.1 Considerações iniciais 176

4.3.2 As construções preposicionadas 180

4.3.3 As construções cliticizadas 186

4.3.3.1 Redobro de clíticos nas cartas baianas 195

4.4 SÍNTESE DO CAPÍTULO 4 196

CAPÍTULO 5

5 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS ASPECTOS MORFOSSINTÁTICO NAS

(18)

BAIANAS? 200 5.2.1 O redobro de clítico nas cartas escritas pelas “mãos cândidas” 205 5.3 ESTRATÉGIAS DE COMPLEMENTAÇÃO DE VERBOS DIRECIONAIS DE

MOVIMENTO E VERBOS BITRANSITIVOS 207

5.3.1 Inovação, inovações: alguns rastros do contato na escrita da vertente popular 218

5.4 UMA SÍNTESE NO MEIO DO CAMINHO 220

5.5 UMA EXPLICAÇÃO À LUZ DO CONTINUUM AFRO-BRASILEIRO DO

PORTUGUÊS 224

CONSIDERAÇÕES FINAIS 228

(19)

INTRODUÇÃO

Este trabalho está inserido na área de pesquisa Forma e Funcionamento das Línguas Naturais, subárea de trabalho Linguística Histórica, do Programa de Pós-Graduação em Linguística, do Instituto de Estudos da Linguagem – IEL/Unicamp e busca descrever e analisar aspectos da variação morfossintática do português brasileiro (doravante PB), especificamente, os complementos de verbos direcionais de movimento e de verbos bitransitivos, a partir de um conjunto de cartas pessoais escritas por remetentes baianos, ao longo dos séculos XIX e XX, tentando colaborar com as pesquisas que buscam evidências empíricas para o fortalecimento da hipótese do continuum afro-brasileiro do português (PETTER, 2007, 2009, 2015).

OS ASPECTOS MORFOSSINTÁTICOS ANALISADOS

Diferenças entre propriedades morfossintáticas do PB com relação ao português europeu (doravante PE) têm levado estudiosos a postularem a emergência de duas gramáticas distintas no curso dos séculos (cf. TARALLO, 1993). Diante do advento de uma nova gramática do PB, é colocada a questão sobre a origem das mudanças que favoreceram o distanciamento dessa variedade frente ao PE.

Entre os fenômenos que particularizam a variedade brasileira frente à europeia estão as estratégias de complementação verbal, tanto no que tange ao emprego não uniforme da preposição em contexto de complementação de verbos direcionais de movimento (por exemplo, “Maria vai ao/para o/no mercado”) (cf. MOLLICA,1996; RIBEIRO, 1996, 2008; GUEDES; BERLINCK, 2003), quanto em construções dativas (por exemplo, “Maria deu um relógio ao/

para o João”) (cf. TORRES MORAIS; SALLES, 2010; TORRES MORAIS, 2012;

CALINDRO, 2015), sendo observado, nesta última estrutura, um desarranjo na expressão canônica do dativo atribuído pela preposição a, assim como pela forma cliticizada de 3ª pessoa

lhe (cf. LOPES; CAVALCANTE, 2011), exigidas no PE.

Além dessas mudanças, no âmbito dessas estruturas, verifica-se, em determinados dialetos do PB, a possibilidade de construções dativas sem a preposição (por exemplo, “Maria deu Ø João um livro”), denominadas construções de objeto duplo (cf. BARROS, 2008; LUCCHESI; MELLO, 2009; SCHER, 1996) e ainda o redobro de clíticos (por exemplo, “Maria

(20)

Somam-se a esses fenômenos a inclusão do pronome você no paradigma pronominal do PB, por volta de 1930 (cf. DUARTE, 1993; RUMEU, 2004; LOPES; MACHADO, 2005; MACHADO, 2006, SOUZA, 2011) sendo implementado na posição sujeito e, antes, usado de maneira generalizada no século XIX ( cf. OTHERO, 2013), que, com a referência de 2ª pessoas do discurso, passa a competir com a forma tu, motivando o uso de lhe associado à 2ª pessoa (ROCHA MACHADO, 2010, 2011; GALVES, 2019). Essas mudanças se intensificam com o uso da forma de tratamento o senhor co-ocorrendo com tu e você (SOTO, 1997; RAMOS, 2001). Essas mudanças verificadas no PB compõem uma configuração inovadora, particular, com relação à variedade europeia.

JUSTIFICATIVA

Mesmo com o esforço de muitos pesquisadores que investigam os processos linguageiros na Bahia (LUCCHESI, 2001, 2004; ALMEIDA, 2012; SANTANA, 2014; DORIA, 2014; ARAÚJO, 2005, 2014 entre outros), ainda há muito o que ser investigado sobre os efeitos do contato entre o PE e línguas africanas neste eixo geográfico, sobretudo a partir de documentos escritos do semiárido, que refletem o PB nos séculos XIX e XX. Acrescente-se a necessidade de entender como se deu o processo de constituição da variedade brasileira do português nesta área que, por muito tempo, foi descrita como uma região marcada pelo forte contato entre indígenas e brancos, sendo a influência do africano restrita às áreas do recôncavo e litoral (MEDRADO, 2012). Acredita-se que a análise dos aspectos morfossintáticos selecionados, sobretudo no conjunto de cartas representativas da vertente popular, possa lançar luz sobre a história linguística do PB no semiárido baiano.

O CORPUS

O corpus selecionado para análise consta de 668 cartas pessoais escritas, especificamente, por baianos, que representam o dialeto culto, o dialeto semiculto e o dialeto popular do PB provenientes dos acervos: Cartas para vários destinatários (AVD), escritas entre 1809 e 1904 (CARNEIRO, 2005; 2011); Cartas para Severino Vieira (ASV), escritas entre 1901 e 1902 (CARNEIRO, 2005; 2011); Cartas para o Barão de Jeremoabo (ABJ), escritas entre 1880-1903 (CARNEIRO, 2005; 2011); Cartas em Sisal (ACS), escritas entre 1906 e 2000 (SANTIAGO, 2012, 2019); Acervo Dantas Jr. (ADJ), escritas entre 1902 e 1962 (CARNEIRO;

(21)

2005) e Acervo de Valente-BA (AV), escritas entre 1980 e 1993 (CARNEIRO; OLIVEIRA; ALMEIDA, 2011), disponíveis na Plataforma CE-DOHS/ Tycho Brahe1, somando aproximadamente 303.382 palavras. Destaca-se, aqui, a inovação deste trabalho em estudar os aspectos morfossintáticos supramencionados em um corpus estratificado, que permite investigar a escrita representativa da vertente popular (indivíduos pouco ou não escolarizados).

OS OBJETIVOS

Com base na proposta de mapeamento das dimensões espacial, temporal, sócio-histórica e aquisicional sugerida por Galves (2011) para a identificação do continuum afro-brasileiro proposto por Petter (2009), propõe-se como objetivo geral:

o Analisar as estratégias de complementação de verbos direcionais de movimento e de verbos bitransitivos a partir de um corpus composto por cartas pessoais escritas por remetentes baianos, ao longo dos séculos XIX e XX, com relação ao eixo temporal e eixo social, a partir da escolaridade do remetente, buscando reunir elementos que possam fortalecer a hipótese do continuum afro-brasileiro do português.

Para alcançar o objetivo geral proposto na pesquisa, foram considerados os seguintes objetivos específicos:

o Descrever as estratégias de complementação de verbos direcionais de movimento no corpus de cartas baianas, com relação ao eixo temporal e social (escolaridade);

o Descrever as estratégias de complementação de verbos bitransitivos no corpus de cartas baianas, com relação ao eixo temporal e social (escolaridade);

o Entender a dinâmica dos fenômenos com relação às mudanças verificadas no PB, com relação ao PE;

o Investigar a correlação entre os fenômenos investigados com propriedades da variedade africana do português.

(22)

AS QUESTÕES PARA ANÁLISE

Nessa perspectiva, foram formuladas as seguintes questões:

o Como os aspectos morfossintáticos analisados podem ser entendidos em perspectiva diacrônica?

o Considerando as vertentes linguísticas (culta, semiculta e popular), quais marcas do contato com LB (línguas do grupo banto) desapareceram em certos dialetos? Por quê?

o Em qual(is) dialeto(s) se percebe uma permanência das marcas do contato? Por que esses

resquícios do contato persistiram ao longo do tempo? Pode-se afirmar que essas sejam

evidências empíricas do continuum afro-brasileiro?

A ESTRUTURA DA TESE

No enfrentamento das questões colocadas, o presente texto se organiza da seguinte maneira: o Capítulo 1, intitulado Enquadramento teórico para uma análise morfossintática do

PB, é dividido em duas seções: na primeira é apresentado o enquadramento teórico no qual se

fundamentam as análises desenvolvidas nesta tese, sendo, inicialmente, expostas algumas hipóteses dispostas na literatura sobre as origens do PB, delineando o confronto antagônico que se estabelece entre a hipótese da deriva e a do contato, sendo explorado, no âmbito da segunda proposta, a noção de continuum afro-brasileiro do português (PETTER, 2009). Em seguida, são colocados em foco os dados demográficos, da historiografia e da mobilidade populacional em função da economia do país. Na segunda seção, é explora-se a dimensão aquisicional a partir do quadro teórico da Teoria de Princípios e Parâmetros (CHOMSKY, 1986), tentando explicitar, como indivíduos falantes de uma dada língua materna (L1) adquire uma segunda gramática a partir de fixação de parâmetros em situação de contato.

O Capítulo 2, Estratégias de complementação de verbos direcionais e de verbos

bitransitivos em variedades do português no Brasil e em África, apresenta alguns estudos que

tratam das construções com verbos direcionais de movimento e com verbos bitransitivos no PB, a partir de perspectivas de análises diversas, assim como são apresentadas algumas pesquisas sobre essas propriedades no português falado em África.

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No Capítulo 3, são apresentados os procedimentos metodológicos para A composição

do corpus de cartas baianas e a metodologia de análise. Neste capítulo, é feita uma breve

discussão acerca das cartas pessoais como fonte para o estudo da língua portuguesa, introduzindo a apresentação dos corpora de onde foram extraídas as cartas pessoais que compõem o corpus de cartas baianas analisado nesta tese. Em seguida, são discutidos os passos da anotação morfológica e sintática do corpus constituído para análise. E, por fim, são apresentados os critérios metodológicos para a análise dos fenômenos.

O Capítulo 4, intitulado Resultados quali-quantitativos dos dados: conhecendo os

aspectos morfossintáticos apresenta a descrição das estratégias de complementação no corpus

de cartas pessoais nos dois contextos estudados: primeiro, os resultados da análise dos aspectos morfossintáticos em construções com verbos direcionais de movimento (do tipo ir, vir, chegar,

sair, voltar) e, em seguida, em construções com verbos bitransitivos (de transferência material, dicendi e verbos leves.

No Capítulo 5, são analisados e discutidos os resultados expostos no capítulo 4, buscando entender o que dizem as cartas baianas sobre os aspectos morfossintáticos

analisados. São apresentados e discutidos inicialmente os resultados relacionados ao

complemento cliticizado com o pronome lhe e, em seguida, as estratégias de complementação com as preposições a e para.

Por fim, tenta-se atar as pontas do estudo, fazendo algumas considerações finais sobre os achados da pesquisa, bem como são traçados alguns planos dentro de uma agenda de estudo para o futuro.

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CAPÍTULO 1

ENQUADRAMENTO TEÓRICO PARA UMA ANÁLISE MORFOSSINTÁTICA DO PORTUGUÊS BRASILEIRO

1.1 INTRODUÇÃO

Neste capítulo, é apresentado o enquadramento teórico no qual se fundamentam as análises desenvolvidas nesta tese. Para tanto, divide-se esta seção em duas partes: na primeira, são apresentadas algumas propostas dispostas na literatura sobre as origens do PB, delineando o confronto antagônico que se estabelece entre a hipótese da deriva e a do contato, sendo explorado, no âmbito da segunda proposta, a noção de continuum afro-brasileiro do português (PETTER, 2009), que leva em conta a semelhança de aspectos morfossintáticos, entre outros, do PB e das línguas africanas.

Com base nas dimensões (GALVES, 2011) a partir das quais se pode mapear esse

continuum afro-brasileiro (dimensões temporal, espacial, sócio-histórica e aquisicional), é

discutida a dimensão sócio-histórica do português em solo brasileiro, colocando em foco dados demográficos, da historiografia e da mobilidade populacional em função da economia do país. Esses fatores estão relacionados à constituição de cenários propícios à aquisição do português como segunda língua (L2) por adultos escravizados, falantes de línguas nigero-congolesas e, posteriormente, como língua materna (L1), por afrodescendentes. Ainda nesta parte, menciona-se a escolaridade como um aspecto relacionado ao eixo sócio-histórico, que tem interferido na mudança linguística verificada no português falado no Brasil.

Na segunda seção, explora-se a dimensão aquisicional do continuum afro-brasileiro, a partir do quadro teórico da Teoria de Princípios e Parâmetros (CHOMSKY, 1986), tentando explicitar, com base nos fundamentos desta abordagem teórica, como indivíduos falantes de uma dada língua materna (L1) adquirem uma segunda gramática a partir de fixação de parâmetros em situação de contato. No âmbito dessa discussão, busca-se responder às seguintes questões: quais os mecanismos psicobiológicos mobilizados na aquisição de língua/gramática nesse contexto? Como se dá a aquisição de L2 e a fixação de parâmetros em situação de contato? Em que medida a competição de gramática pode dar conta da variação morfossintática nos documentos analisados nesta pesquisa? Por fim, é feita uma síntese das discussões apresentadas

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neste capítulo, a fim de mostrar que estas dimensões são um caminho viável para o estudo do

continuum afro-brasileiro do português.

1.2 HIPÓTESES E CONJECTURAS SOBRE AS ORIGENS DO PORTUGUÊS BRASILEIRO

São evidentes as propriedades morfossintáticas do PB que o particularizam no conjunto das línguas românicas, sobretudo frente à variante europeia, o PE. Da mesma forma, são perceptíveis variantes que se expressam no interior do PB, delineando aspectos singulares que ora parecem se estender por todo o território nacional, ora se localizam espacialmente em pontos geográficos específicos.

Visto que a “história brasileira é muito recente e a consciência da transplantação do português europeu para o que veio a ser Brasil está presente por muitos lados” (MATTOS E SILVA, 2006, p. 222), a procura por explicações sobre as origens das peculiaridades do PB tem suscitado uma série de questionamentos e hipóteses que se colocam, de modo geral, em posições antagônicas. Por um lado, defende-se a hipótese da origem do PB a partir de uma deriva natural, isto é, um curso evolutivo previsto, que atribui à herança linguística todas as mudanças estruturais da língua, minimizando, assim, o efeito do contato linguístico. Por outro lado, aventa-se como hipótese que as particularidades inovadoras do PB sejam resultantes de situações de contato interlinguístico, predominantemente com as línguas africanas, ocorridas ao longo do tempo, e da aquisição de segunda língua (L2) em condições adversas, por falantes adultos que já possuíam, em suas mentes, uma gramática particular como língua materna, sendo as variantes manifestas decorrentes das condições nas quais se deu a aquisição da língua alvo.

Nos fins do século 19, Adolpho Coelho, considerado um dos precursores dos estudos crioulos enquanto ciência, insere o PB no conjunto dos crioulos afro-portugueses2, definindo-os como dialetdefinindo-os do PE. Afirma o autor que “definindo-os dialetdefinindo-os românicdefinindo-os e criouldefinindo-os, indo-português e todas as formações semelhantes representam o primeiro ou primeiros estágios na aquisição de uma língua estrangeira por um povo que fala ou falou outra" (COELHO, 1880, p.92).

Entre as ideias colocadas pelo pesquisador, o que chama a atenção, de modo mais particular, é a relação que estabelece entre a aquisição e a emergência das línguas crioulas. Para Coelho, as mudanças ocorridas nas línguas transplantadas resultam de uma aquisição que não chegou a

2 Além de Adolpho Coelho, dentre os partidários da hipótese crioulista, destacam-se Renato de Mendonça (1933) e Jacques Raimundo (1933), os quais atribuem às línguas africanas as particularidades do português brasileiro frente ao europeu.

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ser bem sucedida, mas deram origem a particularidades linguísticas, o que o leva a afirmar que os "factos observados nos dialectos crioulos de Santiago, Guiné, etc., revelam graus diversos

na aquisição do português" (COELHO, 1880, p.92).

Na tentativa de reunir "materiais para um trabalho especial sobre os dialetos portugueses, e um trabalho geral comparativo" em que tentasse "determinar as leis de formação desses dialetos", Coelho (1880) atesta que

os dialetos românico-crioulos, indo-português e todas as formações semelhantes devem a origem à ação de leis psicológicas ou fisiológicas por toda a parte as mesmas e não à influência das línguas anteriores dos povos em que se acham esses dialetos. Os fatos acumulados por nós mostram à evidência que os caracteres essenciais desses dialetos são por toda parte os mesmos, apesar das diferenças de raça, de clima, das distâncias geográficas e ainda dos tempos. (COELHO, 1880, p. 94-95, grifo nosso)

Os processos gerais aos quais se refere o autor governam as mudanças linguísticas, sendo a constituição dos dialetos crioulos um fenômeno psicológico, guiado por leis universais3.

De modo geral, observa-se que Coelho (1880) toma como base dois princípios para caracterização dos crioulos: (i)4 as leis universais (psicológicas ou fisiológicas) inerentes à

mudança linguística5; e (ii)6 diferentes estágios [graus] de aquisição de uma língua estrangeira

por um povo que fala ou falou outra língua. A diferença fundamental entre as línguas resultantes do contato não reside, nessa perspectiva, na natureza, mas no processo (GALVES, 2008), na transmissão linguística não geracional (HOLM, 20047; WINFORD, 20038; BAXTER, 1992, 19959; LUCCHESI, 2003, 2006, 200910). O crioulo, assim, se diferencia em grau de outras línguas que sofreram mudanças menos catastróficas provocadas pelo contato.

As discussões que inserem as línguas africanas na constituição do PB também ganham visibilidade a partir das formulações de Nina Rodrigues, com Os africanos no Brasil, redigido em 1890/ 1905 e publicado em 1932; bem como ganham destaque, ainda nessa perspectiva, as

3 Galves (2011, p.194) chama a atenção para a retomada das ideias universalistas de Coelho (1880) pelos "estudos

recentes de mudança linguística de inspiração chomskyana, nos quais se considera cada vez mais, ao lado dos universais linguísticos, a ação de universais cognitivos".

4 Como nas palavras do autor: "Os dialectos românicos, indo-português e todas as formações semelhantes devem

a origem à acção de leis psicológicas por toda a parte as mesmas e não à influência das línguas anteriores dos povos em que se acham esses dialectos” (COELHO, 1880, p. 94-95).

5 Fato que leva estudiosos da crioulística (também conhecida como hipótese externalista) a atribuírem a Coelho a

formação da corrente universalista.

6 "Os dialectos românicos e crioulos, indo-português e todas as formações semelhantes representam o primeiro ou

primeiros estádios na aquisição de uma língua estrangeira por um povo que fala ou falou outra" (COELHO, 1880, p. 92).

7 Reestruturação linguística.

8 Mudança massiva de língua, que expõe uma perspectiva semelhante à Transmissão Linguística Irregular. 9 Transmissão linguística irregular.

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pesquisas de Macedo Soares (1880-1886) e também João Ribeiro (1888), descrevendo este último, em seu Dicionário gramatical, o verbete Elemento Negro, empregado para designar

toda espécie de alterações produzidas na linguagem brasileira por influência das línguas africanas pelos escravos introduzidos no Brasil. Essas alterações não são tão superficiais como afirmam alguns estudiosos; ao contrário, são bastante profundas, não só no que diz respeito ao vocabulário, mas até ao sistema gramatical do idioma. (RIBEIRO, 1888, p. 216)

Nos meandros do século 20, Serafim da Silva Neto (1950) se posiciona, com rara gentileza, contra as discussões que então se concentravam nas possíveis influências das línguas africanas e das indígenas sobre o português do Brasil e a constituição de crioulos e semicrioulos, afirmando que "no português brasileiro não há, positivamente, influência de línguas africanas ou ameríndias. O que há são cicatrizes da tosca aprendizagem que da língua portuguesa, por causa de sua mísera condição social, fizeram os negros e os índios" (SILVA NETO, 1950, p. 96-97).

O autor defende a hipótese da deriva natural da língua e vai de encontro às ideias que vigoravam naquele período acerca da influência dos índios e dos africanos no PB. Alegava serem os estudos “sobre o português do Brasil, escritos em geral por amadores” que exageravam na influência indígena, o que mais tarde, passou-se a fazer com os negros: “a muitas das pessoas que advogavam teses indófilas ou negrófilas faltava a indispensável base da cultura linguística e românica” (SILVA NETO, 1950, p. 91), não apresentando nenhum método ou crítica.

Silva Neto afirma ainda que "não basta haver semelhança entre fenômenos de linguagem brasileira e outros das falas americanas ou africanas. É preciso demonstrar que não

se trata de evoluções independentes, mas que há filiação entre eles” (SILVA NETO, 1950, p.

91, grifo nosso). Nessa perspectiva, sugere o autor que "há que provar-se, com uma série de exigências rigorosas, qualquer hipótese que explique por meio de substratos ou adstratos traços fonéticos, morfológicos ou sintáticos do português do Brasil" (SILVA NETO, 1950, p. 117).

A firme posição a favor de uma herança românica se destaca em suas palavras: "vemos claramente que certas mudanças verificadas na linguagem rural ou dialetal do Brasil se explicam, não pela interferência de qualquer substrato ou adstrato, mas por uma rápida evolução, apressada por aloglotas", que anteciparam um processo linguístico que, "em condições normais, levaria talvez séculos para completar-se" (p. 116). E, com base na ideia da deriva secular (SAPIR, 192111), afirma que

a língua é um instrumento vivo: move-se pelo tempo em fora num curso que lhe é próprio. Para empregar expressiva imagem do linguista norte-americano 11 SAPIR, E. An introduction to the study of speech. New York: Harcourt, Brace, 1921.

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Edward Sapir tem uma deriva, isto é, determinada direção, que já encerra uma série de possibilidades. A rapidez ou lentidão com que se caminha por essa estrada depende de condições histórico-sociais. (SILVA NETO, 1950, p. 115) Percebe-se que os debates acerca da origem do PB giram em torno da dicotomia ruptura/continuação em relação ao estágio anterior da língua. Desde então, os quadros teóricos evoluíram e se tornaram mais explícitos, mas o debate continuou polarizado, como salienta Galves (2008), mantendo-se, em lugar de uma proposta conciliadora, a dicotomia teórica deriva/contato.

Nas duas últimas décadas do século XX, as produções continuaram buscando explicitar a gênese do PB, destacando-se, na literatura, os escritos de Gregory Guy (1981), o qual defende a suposta origem crioula para o PB e um posterior processo de descrioulização, afirmando que "[...] a história social do Brasil é exatamente a que deveria ter sido para que ocorresse a formação de um crioulo" (p. 312); e os trabalhos de Fernando Tarallo (1993) que refutam a hipótese da crioulização do PB, alegando ser a evidência linguística de Guy mais sugestiva do

que decisiva, uma vez que, para a descrioulização ocorrer, o PB deveria estar indo ao encontro

da estrutura da língua mãe, o PE, fato que Tarallo não atesta nos resultados de suas pesquisas, mostrando, pelo contrário, que o PB está caminhando numa direção contrária ao PE, distanciando-se cada dia mais dessa, sobretudo com relação à sintaxe12.

Em 2007, Naro e Scherre, de maneira incompatível e excludente, seguindo os argumentos de Silva Neto (1950), reúnem trabalhos em que defendem a deriva natural da língua, rejeitando, em contrapartida, a possibilidade de o PB ter resultado de situações de contato linguístico:

rejeitamos a hipótese de que tenha havido processos significativos de reestruturação linguística, associados à crioulização prévia, à interferência de substratos, à simplificação ou redução estrutural, ou qualquer outro mecanismo externo à estrutura da própria língua portuguesa, na formação do português do Brasil. (NARO; SCHERRE, 2007, p. 118)

Ao mesmo tempo em que rejeitam a tese do contato, reconhecem que uma confluência de motivações pode ter interferido nas mudanças observadas no PB.

o impulso motor do desenvolvimento do português do Brasil veio já embutido na deriva secular da língua de Portugal. Se as sementes trazidas de lá germinaram mais rápido e cresceram mais fortes é porque as condições, aqui, mostraram-se mais propícias devido a uma confluência de motivos. (NARO; SCHERRE, 2007, p. 48)

12 Como evidência, Tarallo (1993) retoma os trabalhos de Galves (1983, 1984), os quais fornecem resultados, no

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Em constatação dessa ideia, Naro e Scherre entendem os protagonistas da sócio-história do Brasil (indígenas e africanos) como elementos intensificadores das singularidades do PB, ou seja, no Brasil, o vetor interno de desenvolvimento de um fenômeno linguístico se encontrou com essas “forças” – que teriam “diversas origens – algumas oriundas da Europa; outras da América; outras, ainda da África” (NARO; SCHERRE, 2007, p.125) – que expandiram a direção original da língua e que, juntas, teriam acelerado potenciais tendências da língua portuguesa, na constituição do PB, como é salientado em suas palavras:

A língua portuguesa falada em Portugal antes da colonização do Brasil já possuía uma deriva secular que a impulsionava ao longo de um vetor de desenvolvimento. No Brasil, este vetor se encontrou com outras forças que

reforçavam a direção original. (NARO; SCHERRE, 2007, p. 47, grifo nosso)

Os defensores da hipótese da deriva linguística argumentam, nessa perspectiva, que o conjunto de "traços variáveis evidentes e/ou abstratos, embora com porcentagens de uso talvez ínfimas, veio toda, em suas origens, com os portugueses”, não existindo qualquer influência gramatical específica de língua “de qualquer outra proveniência não portuguesa”, assim como afirmam que “não existe nenhuma forma ou estrutura inteiramente nova criada por um processo geral de simplificação durante a fase de aquisição da língua” (NARO; SCHERRE, 2007, p.182). Enfatizam ainda que todos os traços que caracterizam o “português popular atual do Brasil, em especial os que o distinguem de outras variedades mais prestigiadas da mesma língua, já estavam presentes na língua que aqui chegou com os próprios portugueses” (NARO; SCHERRE, 2007, p. 179)13.

Tal como se depreende a polarização deriva/contato nos escritos de Naro e Scherre (e anteriores), essa dicotomia é abordada, também, nos trabalhos reunidos em Lucchesi et al. (2009), em que são retomadas as discussões acerca das origens do PB, apresentando novas evidências em defesa da transmissão linguística irregular (BAXTER; LUCCHESI, 1994 e posteriores) e dos efeitos do contato com as línguas africanas, percebidos em línguas que apresentam marcas mais catastróficas do contato (pidgins e crioulos) e as que expressam efeitos mais leves (variedades históricas da língua). Os pesquisadores dedicam suas análises a uma longa discussão acerca das características linguísticas das línguas crioulas e dos pidgins, até afirmarem que a ausência de fatos históricos relacionados aos processos linguísticos do Brasil dos séculos XVII e XVIII impossibilitou a confirmação da existência de crioulos, ao passo que

13 Neste ponto, cabe salientar que os portugueses que aportaram no Brasil já traziam consigo as variedades

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são reconhecidos fatores que, possivelmente, tenham impedido a ocorrência de um processo de crioulização do PB. Nesse sentido, Lucchesi (2009, p. 70) afirma que

os fatores que impediram a ocorrência, na história linguística do Brasil, de um processo de crioulização do português, em níveis socialmente representativos e com uma duração significativa, podem ser sumarizados da seguinte maneira: (i) a proporção entre a população de origem africana e branca, que proporcionou um maior acesso à língua-alvo do que o observado nas situações típicas de crioulização;

(ii) a ausência de vida social e familiar entre as populações de escravos, provocada pelas condições sub-humanas de sua exploração, pela alta taxa de mortalidade e pelos sucessivos deslocamentos;

(iii) o uso de línguas francas africanas como instrumento de interação dos escravos segregados e foragidos;

(iv) o incentivo à proficiência em português;

(v) a maior integração social dos escravos urbanos, domésticos e das zonas mineradoras;

(vi) a miscigenação racial.

Mesmo com os fatores da história social indicando a impossibilidade de ter havido crioulização no Brasil, Lucchesi e Baxter (2009; ver também BAXTER; LUCCHESI, 1997; LUCCHESI, 2003 e 2006) sustentam a hipótese do contato, salientando que nem todo contato linguístico dá origem a uma língua crioula. Remetem, assim, ao processo de transmissão

linguística irregular via aquisição do português como L2, o qual constitui, segundo os autores,

processos históricos de contato maciço entre povos falantes de línguas tipologicamente diferenciadas [...]. Nas diversas situações de dominação que se constituíram nesse contexto histórico, a língua do grupo dominante [...] se impõe, de modo que os falantes das outras línguas, em sua maioria adultos, são forçados a adquiri-la em condições bastante adversas de aprendizado, em função de sua sujeição e marginalização. (LUCCHESI; BAXTER, 2009, p. 101)

Nessa configuração, a transmissão linguística irregular "constitui um contínuo de níveis diferenciados de socialização/nativização de uma língua segunda adquirida massivamente, de forma mais ou menos imperfeita, em contextos sócio-históricos específicos” (LUCCHESI, 2003, p. 274), conduzindo, em um dos extremos do contínuo, "à formação de uma língua historicamente nova, denominada língua pidgin ou crioula" e, no outro extremo, "uma nova variedade histórica da língua que predomina na situação de contato" (LUCCHESI, 2003, p. 272-273), como é o caso, este último processo, do português do Brasil (Figura 01).

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Figura 01. Línguas/Variedades linguísticas resultantes da transmissão linguística irregular variedade histórica da língua (Português brasileiro) língua crioula (Tok pisin) Fonte: a autora

É importante salientar, nesse contexto, a relevância das condições nas quais se deu o contato (e a aquisição) na formação da língua/variedade de língua: a partir de diferentes

processos, estruturas linguísticas distintas poderão ser formadas14. Nesse sentido, Lucchesi e

Ribeiro (2009) elucidam, a partir de um formato mais inteligível, como se delineia o processo de transmissão linguística irregular na constituição do português popular brasileiro (PPB) com relação à transmissão regular da linguagem:

Figura 02. Transmissão linguística regular vs irregular

Fonte: Lucchesi; Ribeiro, 2009, p. 144-145

De acordo com a Figura 02, o processo de transmissão linguística irregular se diferencia da regular nos seguintes aspectos: enquanto na denominada transmissão regular, a 14 Segundo Lucchesi (2009, p. 119), “o que define primariamente uma língua crioula é o processo acelerado de

reestruturação da gramática em sua formação, muitas vezes, abrupta”, enquanto “os processos que caracterizam a formação de uma variedade linguística numa situação de contato propícia à transmissão linguística irregular são fundamentalmente:

(i) não aquisição/incorporação, ou variação no uso, de morfologia flexional e palavras gramaticais; (ii) gramaticalização de itens lexicais para preencher as lacunas na estrutura linguística;

(iii) transferência funcional que acomoda itens lexicais do superstrato em funções gramaticais da(s) língua(s) do substrato; e

(iv) alteração dos valores dos parâmetros sintáticos em função de valores não marcados” (LUCCHESI, 2009, p. 121).

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geração 2 tem acesso apenas aos dados linguísticos da geração 1, a partir do processo de aquisição de L1 (Figura 02 (A)); na transmissão linguística irregular (Figura 02 (B)), a língua

nativa (N) do grupo dominante (língua de superstrato) é adquirida forçosamente por adultos,

constituindo versões de L2, que passam a assumir novas funções na rede de interação linguística, ao tempo em que vai fornecendo um modelo defectivo (D) para a aquisição de L1 às novas gerações de falantes de outras línguas. Quando se estabelece uma transmissão regular entre as gerações 3 (em que há uma reestruturação (R) nos dados) e 4, os dados linguísticos resultantes desse processo passam a assumir uma versão nativa do modelo parcialmente reestruturado pelos falantes do grupo 3, dando origem a propriedades singulares da língua do grupo 4, que caracteriza o português popular (PP) brasileiro.

Como observado, a transmissão linguística irregular se contrapõe à transmissão

regular e dá origem, em contextos históricos específicos, a versões de segunda língua, que

servem como modelos para aquisição da língua materna pelas gerações seguintes, na medida em que os grupos dominados vão abandonando as suas línguas nativas. Lucchesi e Baxter (2009) defendem que os processos de transmissão linguística irregular mais leves podem contribuir com a explicação da história das variedades populares do português do Brasil e do português afro-brasileiro, compreendendo as seguintes etapas:

(i) fase inicial: variação, mais ou menos intensa, no uso dos mecanismos gramaticais, sendo mais rara a eliminação desses mecanismos; opacidade relativa nos estímulos-gatilhos que possibilitam a aquisição de valores diferenciados nos parâmetros sintáticos;

(ii) fases seguintes: manutenção do quadro de variação, em que se observa a concorrência entre as formas gramaticais reintroduzidas a partir da influência da LA e potenciais processos de gramaticalização que emergem na heterogeneidade da fala; variação nas frequências de uso dos parâmetros sintáticos. (LUCCHESI; BAXTER, 2009, p. 123)

Como advertido por Silva Neto (1950, p. 91), qualquer hipótese aventada para explicar a origem do PB por meio de substratos e/ou adstratos precisa apresentar uma série de elementos exigidos: é necessário, além das semelhanças estruturais apontadas, demonstrar que as evoluções não são independentes, “mas que há filiação entre elas”. Como assinalado por Galves (2011), a proposta de Silva Neto (1950) configura um programa de pesquisa centrado em duas bases: uma boa análise das línguas em contato; e um quadro teórico-metodológico que considere a aquisição (de primeira e segunda línguas) e a mudança como parte do mesmo problema, dando conta, assim, da questão da filiação.

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a filiação se dá quando falantes transferem suas competências linguísticas

nativas na aquisição de uma língua segunda, produzindo o que a tradição chama de 'efeito de substrato'. O estudo da aquisição do português como

segunda língua por falantes de línguas africanas passa assim a ter um papel de destaque na compreensão da filiação 'dos fenômenos da linguagem brasileira' em relação às 'falas africanas'. (GALVES, 2011, p. 197-198, grifo

nosso)

Nesse ponto, Galves (2011) destaca os trabalhos de Gonçalves (2010) como pioneiros na análise do aprendizado do português por africanos, a partir do quadro teórico-metodológico da Teoria de Princípios e Parâmetros, o qual será aqui fundamental para as análises propostas.

No que tange às semelhanças entre o PB e as línguas africanas, muitos são os estudos que se dedicam a apontar empiricamente equivalências estruturais entre o PB e línguas africanas, como tem colocado Lucchesi e Baxter (1997, 1999, 2009), Petter (2006, 2007, 2009), Galves e Avelar (2014), entre outros, o que leva a conjecturar uma filiação dos fenômenos que se estabelece em um continuum.

1.3 A HIPÓTESE DO CONTINUUM AFRO-BRASILEIRO DO PORTUGUÊS

Como mencionado no início deste capítulo, as particularidades morfossintáticas do PB frente ao PE são, ora percebidas numa ampla extensão territorial, como, por exemplo, a ausência de concordância nominal e verbal; o uso do pronome tônico em posição de objeto; o uso do pronome lhe em lugar do pronome acusativo o; o uso da preposição em em lugar de a com verbos direcionais; a colocação pré-verbal dos pronomes clíticos; entre outras; ora são restritas a áreas geográficas específicas, notadamente a comunidades rurais isoladas, tais como, construções de duplo objeto; ausência de concordância de gênero no sintagma nominal; ausência de artigo definido em sintagmas nominais com interpretação específica; ausência da conjunção que nas orações subordinadas (ver GALVES, 2018).

Os fenômenos supracitados, verificados no PB, têm sido identificados no português falado na África (Moçambique: GONÇALVES, 2010; Angola: INVERNO, 2007, 2009), fato que tem levado estudiosos a considerarem, de modo mais significativo, a presença de falantes de línguas africanas na constituição do PB, apesar de ainda serem recentes as pesquisas que analisam as semelhanças linguísticas entre essas variedades do português. Respaldada nas semelhanças detectadas entre as variedades do português, Petter (2009) defende a existência de um continuum afro-brasileiro. Segundo a pesquisadora,

são tantas as semelhanças compartilhadas pelas três variedades do português nos três níveis de organização linguística selecionados (fonológico, lexical e

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morfossintático) que fica difícil defender que tais fatos sejam casuais, resultantes de uma deriva natural do português ou decorrentes da manutenção de formas antigas do PE. Por que as mesmas áreas da gramática do português foram "perturbadas"? A hipótese de que essas mudanças tenham sido introduzidas por falantes de línguas africanas, tanto na África quanto no Brasil, impõe-se de forma contundente, mesmo que se considere que no Brasil falantes de línguas indígenas e de outras línguas europeias tenham participado da constituição do PB. (PETTER, 2009, p. 169)

A autora destaca aspectos nos três níveis linguísticos, que denotam uma continuidade entre as variedades linguísticas do português faladas ao sul do equador, ao mesmo tempo que aponta para uma ruptura com o PE. A hipótese do continuum afro-brasileiro, aventada por Petter, parece se delinear nos termos exigidos por Silva Neto (1950), mencionado anteriormente neste capítulo, quando se refere a uma filiação entre os fenômenos da "linguagem brasileira” e outros das falas africanas. O continuum proposto por Petter é percebido em uma série de fenômenos morfossintáticos análogos nas três variedades não europeias do português, que se constituíram a partir do contato linguístico e da aquisição do português como segunda língua por falantes cujas línguas maternas pertenciam ao grupo banto, faladas pelos africanos escravizados no Brasil.

Mesmo chamando a atenção para "o fato de que as diferentes situações de contato, em épocas diversas, [...] envolvendo o português e um conjunto de línguas muito próximas - as do grupo banto", produziram alguns resultados semelhantes que "permitem propor a existência de um continuum afro-brasileiro do português", a autora deixa claro que não "deseja afirmar que a direção da mudança no PA e no PM será a mesma do PB", uma vez que "outros fatores, de

ordem linguística e social, diversos que atuaram no Brasil, podem interferir nos processos de mudança" (PETTER, 2009, p. 171-172, grifo nosso).

Nesse contexto, Petter sugere que fenômenos linguísticos diferentes podem conduzir direções distintas no continuum, expressando uma variação/estabilidade que se estabelece com relação ao PE. Essa variação/estabilidade do fenômeno pode ser determinada em função do tempo: no Brasil, há uma maior estabilidade de determinado fenômeno devido ao longo tempo decorrido após o contato linguístico, diferentemente do que procede na África, em particular, em Moçambique, onde, ainda hoje, o português é segunda língua. Porém, esta não é uma prescrição fixa que se estende a todos os fenômenos, como revela a pesquisadora, a partir da análise de dois fatos do nível morfossintático: a concordância de gênero e a colocação pronominal, que apresentam níveis de estabilidade diferentes nas variedades africana e americana do português.

(35)

Nessa perspectiva de análise, o mapeamento do continuum proposto por Petter (2009) se estrutura com relação às seguintes dimensões relacionadas por Galves (2011, p. 199):

(a) Dimensão espacial (África/Brasil)

(b) Dimensão temporal (localização no tempo) (c) Dimensão aquisicional (1a língua/ 2a língua) (d) Dimensão sócio-histórica do contato.

Considerando as dimensões que permitem mapear o continnum afro-brasileiro (GALVES, 2011) e levando em conta os diversos aspectos particulares da história social do português no/do Brasil (MUSSA, 1991; RODRIGUES, 1932; PETTER, 2006, ALENCASTRO, 2009, entre outros), pretende-se nas seções que seguem, focar nas duas últimas dimensões listadas (c e d), tentando mostrar a relação que estabelecem entre si. A dimensão sócio-histórica do contato no Brasil envolve aspectos da demografia e mobilidade populacional interna, além de fatores que motivaram a polarização social verificada no país (LUCCHESI et al., 2009) e deram origem a contextos que forneceram condições para a aquisição do português como L2 e reanálise paramétrica, o que será discutido a partir da abordagem mentalista da aquisição de língua do quadro teórico de Princípios e Parâmetros (CHOMSKY, 1986). As dimensões temporal (b) e espacial (a) serão discutidas à medida que forem tratados os demais eixos citados.

1.3.1 A dimensão sócio-histórica do contato no Brasil

Como se tem observado, a reconstrução dos caminhos da língua portuguesa tanto no Brasil, quanto em Angola e Moçambique tem sido relacionada às suas próprias histórias sociais, uma vez que os fatores que levaram o português a assumir uma feição particular em cada um dos três países passa, antes, por uma história envolvendo situações de contatos linguísticos e processos de aquisição do português como segunda língua.

Petter (2009, p. 160) enfatiza que, mesmo ciente da não existência "de entidades homogêneas identificáveis como 'português africano', 'português moçambicano', 'português angolano' ou 'português brasileiro', a história do contato e os aspectos linguísticos comuns a essas variedades autorizam-nos a levantar a hipótese desse continuum [afro-brasileiro do português]", sendo importante considerar, segundo a autora,

(A) a cronologia do contato do português europeu com as línguas africanas do grupo banto, sobretudo, que ocorreu:

(i) primeiramente, na África, com a chegada de Diogo Cão à embocadura no rio Zaire, em 1482, e a relação privilegiada que Portugal estabeleceu com o Reino do Congo;

Referências

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