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Percepção da cidade e o potencial educativo do Mercado Popular da Vila Rubim em Vitória, ES

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MESTRADO PROFISSIONAL EM ENSINO DE HUMANIDADES

SAMIRA DE SOUZA SANCHES

PERCEPÇÃO DA CIDADE E O POTENCIAL EDUCATIVO DO MERCADO POPULAR DA VILA RUBIM EM VITÓRIA, ES

Vitória 2020

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PERCEPÇÃO DA CIDADE E O POTENCIAL EDUCATIVO DO MERCADO POPULAR DA VILA RUBIM EM VITÓRIA, ES

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ensino de Humanidades do Instituto Federal do Espírito Santo, campus Vitória, como requisito parcial para a obtenção do Título de Mestra em Ensino de Humanidades.

Orientadora: Prof.ª Dra. Eliana Mara Pellerano Kuster

Vitória 2020

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Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP) (Biblioteca Nilo Peçanha do Instituto Federal do Espírito Santo) S211p Sanches, Samira de Souza.

Percepção da cidade e o potencial educativo do mercado popular da Vila Rubim em Vitória, ES / Samira de Souza Sanches. – 2020.

144 f. : il. ; 30 cm.

Orientador: Eliana Mara Pellerano Kuster.

Dissertação (mestrado) – Instituto Federal do Espírito Santo,

Programa de Pós-graduação em Ensino de Humanidades, Vitória, 2020. 1. Educação -- Filosofia. 2. Mercados -- Vitória (ES) -- Estudos de casos. 3. Cidades e vilas -- Vitória (ES). 4. Percepção (Filosofia). 5. Professores -- Formação 6. Humanidades. I. Kuster, Eliana Mara Pellerano. II. Instituto Federal do Espírito Santo. III. Título.

CDD 21 – 370.1 Elaborada por Marcileia Seibert de Barcellos – CRB-6/ES - 656

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Aos educadores que resistem e lutam cotidianamente para que a educação seja caminho para emancipação e libertação humana.

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À minha família, em especial meus pais Aracy e Wilson que sempre me ensinaram amorosamente a questionar as injustiças e a buscar ser instrumento de transformação no mundo

À minha orientadora, Eliana Kuster, pelos ensinamentos e trocas nesse caminho. Obrigada por acreditar em mim como pesquisadora e por me abrir o olhar sobre a poesia e a arte na cidade.

Aos professores do PPGEH, pelo compromisso verdadeiramente humano na formação de professores, gratidão pela oportunidade de fazer parte desse programa.

À querida turma de Humanidades 2018, em especial às amigas Ariane, Rafaela, Marcela e Lysia, com quem partilhei angústias e alegrias e ouvi excelentes conselhos durante todo meu percurso.

Aos pesquisadores e professoras do GEPECH, pelas leituras e discussões que incentivaram meu interesse pelo estudo da cidade e me ensinaram a buscar ir além no processo de pesquisa

Às minhas amigas e parceiras de formação Alexsandra e Raquel, pela partilha dos caminhos de pesquisa, solidariedade e confiança.

Aos professores cursistas da turma “Educação na cidade”, obrigada por darem sentido à nossa proposta de ensino e partilharem significados e aprendizados essenciais para a minha caminhada profissional

Aos professores da banca: professora Eneida Mendonça, que me inspira a compreender os processos da cidade desde a época da graduação; professor Leonardo Bis, que propôs leituras e discussões essenciais à minha formação profissional durante os estudos do mestrado; professora Sandra Della Fonte, que me inspira no estudo do materialismo histórico-dialético com sua forma amorosa de compartilhar o conhecimento.

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buscando soluções e nos apoiando nos momentos que mais precisamos. Muito obrigada.

Aos meus amigos e amigas da vida, impossível citar todos sem cometer injustiças. Obrigada pelo apoio emocional incansável nos momentos de ansiedade e cansaço nesses últimos anos. Vocês habitam meus melhores sentimentos.

Às mulheres da minha vida, matriarcas, amigas e irmãs que me salvam, protegem e apoiam todos os dias.

À Carolina Piazzarollo, por sempre me lembrar de quem eu sou nesses mais de 20 anos de amizade.

Às escolas estaduais Fernando Duarte Rabelo e Aflordízio Carvalho da Silva, onde vivenciei a maior parte dos meus momentos como professora nos últimos 10 anos e onde reafirmei minha convicção no ensino público.

Aos meus alunos e alunas queridos, por reforçar em mim a convicção no caráter dialógico do ensino e por me inspirar a enxergar o mundo com mais esperança, diversidade e amor. Esperança que renovo em acreditar no nosso reencontro depois desses tempos de pandemia.

Às psicólogas Carol Leão, essencial para que eu conseguisse retornar à vida acadêmica; e Lívia Cardoso, que me deu todo suporte para concluir essa tarefa. Obrigada pelo comprometimento e por toda ajuda durante meu processo terapêutico.

Às companheiras e companheiros de militância por um mundo sem opressão e sem classes.

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De uma cidade, não aproveitamos as suas sete ou setenta e sete maravilhas, mas a resposta que dá às nossas perguntas.

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A pesquisa a seguir articula o conceito de percepção da cidade ao processo de ensino-aprendizagem nas perspectivas do direito à cidade e da atividade de ensino como unidade formadora. Seu objetivo é defender a percepção do espaço associada à topofilia como um instrumento de ensino que contribui na formação de uma cidadania crítica e emancipatória e de um reencontro com a cultura popular local, podendo sua metodologia ser aplicada a outros espaços da cidade. A proposta foi testada e validada em curso de formação continuada de professores de 80 horas de duração desenvolvido por projeto de extensão do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Educação na Cidade e Humanidades (GEPECH) do Ifes, ofertado gratuitamente em edital intitulado “Educação na cidade: percepção, contradições e sensibilidade na cidade de Vitória”. Participaram professores do ensino básico de diversas áreas interessados nas potencialidades pedagógicas da cidade e do entorno da escola para além dos roteiros turísticos e monumentos históricos. O local escolhido para colocar em prática a proposta pedagógica foi o tradicional mercado popular da Vila Rubim em Vitória-ES, em busca de valorização do potencial educativo deste espaço que hoje se encontra marginalizado e desvalorizado pelos agentes da cidade e pelas representações sociais midiáticas. O produto educativo do curso é o caderno de possibilidades pedagógicas “Vamos ao mercado? Percepção da cidade e o Mercado Popular da Vila Rubim em Vitória, ES” no formato ebook que foi validado junto aos professores cursistas.

Palavras-chave: Percepção da cidade. Topofilia. Direito à cidade. Representações sociais. Formação de professores. Vila Rubim.

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This research articulates the concept of the perception of the city to the teaching-learning process from the perspective of having a right to the city, and the teaching activity as a forming unit. The objective of this study is to defend the perception of space associated with topophilia as a teaching tool that contributes to the formation of a critical and emancipatory citizenship, and a reencounter with the local popular culture, being adaptable in methodological terms and applicable to other spaces in the city. The proposal was tested and validated in an 80-hour teacher education course developed by an extension project of the City and Humanities Education Study and Research Group (GEPECH) of the Federal Institute of Espírito Santo (Ifes), offered free of charge in a public notice entitled “Education in the city: perception, contradictions and sensitivity in the city of Vitória”. Elementary school teachers from all areas attended the course interested in the pedagogical potential of the city and the school surroundings besides the tourist routes and historical monuments. The chosen site to put the pedagogical proposal into practice was the traditional popular market of Vila Rubim in Vitória-ES, seeking enhancement of the educational potential of this area, which is now marginalized and devalued by the agents of the city and the social media representations. The educational product of the course is a pedagogical notebook “Let’s go to the market? Perception of the city and the popular market of Vila Rubim in Vitoria, ES” in e-book format that has been validated along with the teachers who participated in the course.

Keywords: Perception of the city. Topophilia. Right to the city. Social representations. Teacher training. Vila Rubim.

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Figura 1 - Planta da Cidade de Vitória em 1895 ... 42

Figura 2 - Estratégia de formação de professores do GEPECH ... 65

Figura 3 - Cartaz de divulgação do curso de formação ... 71

Figura 4 - Divulgação institucional do IFES ... 72

Figura 5 - Sumário do protótipo do material educativo ... 85

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Fotografia 1 - Pixo é Arte ... 32

Fotografia 2 - Avenida Capixaba no início do séc. XX ... 43

Fotografia 3 - Ponte Florentino Avidos ... 44

Fotografia 4 - Avenida Duarte Lemos ... 45

Fotografia 5 - Incêndio na Vila Rubim, 1994 ... 47

Fotografia 6 - Imagem de Iemanjá na Vila Rubim ... 48

Fotografia 7 - Murais Cidade Quintal na Vila Rubim ... 49

Fotografia 8 - Diversidade de produtos em loja na Vila Rubim... 50

Fotografia 9 - Desfile da escola de samba Unidos da Piedade de 2016 ... 55

Fotografia 10 - Pesquisadoras em formação... 63

Fotografia 11 - Professora Eliana Kuster ... 79

Fotografia 12 - Monitoras do curso ... 80

Fotografia 13 - Apresentação musical ... 80

Fotografia 14 - Apresentação Professor Donizetti ... 81

Fotografia 15 - Professora Dilza Coco ... 81

Fotografia 16 - Professora Sandra Della Fonte ... 82

Fotografia 17 - Aula inaugural ... 82

Fotografia 18 – Segundo episódio de formação ... 84

Fotografia 19 - Terceiro encontro ... 86

Fotografia 20 - Episódio 4: apresentação cidade e literatura ... 87

Fotografia 21 - Início do percurso da viagem formativa 1 ... 90

Fotografia 22 - Ponto B: Convento São Francisco ... 91

Fotografia 23 – Ponto C: Viaduto Caramuru ... 91

Fotografia 24 – Avenida Francisco Araújo ... 92

Fotografia 25 - Obra Capuaba de João César de Melo ... 92

Fotografia 26 – Ponto D: Intervenções na Escadaria Carlos Messina ... 93

Fotografia 27 - Escadaria Carlos Messina ... 94

Fotografia 28 – Ponto A - Ocupação do Edifício Santa Cecília ... 96

Fotografia 29 - Ponto B: Santa Casa da Misericórdia ... 96

Fotografia 30 – Ponto C: Vila Rubim ... 97

Fotografia 31 - Exposição pesquisadora Raquel Passos ... 100

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Fotografia 35 - Profª Eliana Kuster abrindo o evento ... 107

Fotografia 36 - Saudação do Fórum de Humanidades ... 107

Fotografia 37 - Participação no Sarau de Humanidades ... 108

Fotografia 38 - Sarau de Humanidades ... 108

Fotografia 39 - Ebenézer Martins e Claudio Vereza ... 109

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Gráfico 1 - Análise temática de reportagens sobre a Vila Rubim ... 51 Gráfico 2 - Área de formação dos participantes do curso ... 77

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Mapa 1 - Trecho Cidade Alta... 89 Mapa 2 - Trecho Moscoso e Vila Rubim ... 95

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Quadro 1 - Reportagens analisadas ... 52

Quadro 2 - Pesquisadoras envolvidas no curso ... 64

Quadro 3 - Estratégia avaliativa do curso de formação ... 73

Quadro 4- Organização do curso ... 74

Quadro 5 - Apresentações do Sarau de Humanidades ... 106

Quadro 6 - Avaliação final dos professores cursistas sobre o curso ... 110

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Tabela 1 – Carga horária do curso de extensão ... 71 Tabela 2 - Tabela 2 - Relação quantitativa dos professores cursistas ... 76

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CEFOR Direx FIC GEPECH GEPAPe GFDE Ifes MNLM MTST PPGEH

Centro de Referência em Formação e em Educação à Distância Diretoria de Extensão

Formação Inicial Continuada

Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Educação na Cidade e Humanidades

Grupo de Estudos e Pesquisas sobre a Atividade Pedagógica Gerência de Formação e Desenvolvimento da Educação Instituto Federal do Espírito Santo

Movimento Nacional de Luta pela Moradia Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto

Programa de Pós-Graduação em Ensino de Humanidades PMV

SEDU SEME TCLE

Prefeitura Municipal de Vitória Secretaria Estadual de Educação

Secretaria Municipal de Educação de Vitória Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

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1 INTRODUÇÃO – SOU PROFESSORA, A FAVOR DA ESPERANÇA ... 20

1.1 OBJETIVOS ... 23

1.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS ... 25

2 REFLEXÕES SOBRE A CIDADE E O URBANO ... 27

2.1 EDUCAÇÃO NA CIDADE E A PERCEPÇÃO COMO ELEMENTO FORMADOR ... 29

2.2 O PAPEL DA MÍDIA NA CONSTRUÇÃO DO IMAGINÁRIO POPULAR ... 35

3 A CIDADE PARA ALÉM DOS MONUMENTOS ... 38

3.1 A CIDADE DE VITÓRIA NO PROCESSO DE URBANIZAÇÃO ... 39

3.2 HISTÓRIAS DA VILA RUBIM ... 43

3.2.1 Cobertura Midiática sobre a Vila Rubim – Análise de Dados ... 50

3.3 AS VOZES QUE RESISTEM E AS POSSIBILIDADES DO CAMPO CEGO 53 4 ATIVIDADE DE ENSINO NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES ... 59

4.1 A IMPORTÂNCIA DA COLETIVIDADE NA FORMAÇÃO – CONTRIBUIÇÕES DO GEPECH NO ENSINO SOBRE A CIDADE ... 61

4.1.1 Metodologia de Ensino ... 64

4.1.2 Estrutura de Avaliação do Curso ... 66

4.2 PRODUÇÃO DO MATERIAL EDUCATIVO ... 67

5 CURSO DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES – EDUCAÇÃO NA CIDADE.... ... 69

5.1 PARCERIAS E VIABILIZAÇÃO DO CURSO DE FORMAÇÃO ... 69

5.2 PROCESSO SELETIVO ... 72

5.3 CRONOGRAMA DO CURSO E ORGANIZAÇÃO DOS ENCONTROS ... 73

5.4 PERFIL DOS PARTICIPANTES DO CURSO E EVASÃO ... 75

5.5 EPISÓDIOS DO CURSO ... 77

5.5.1 Episódio 1 – 20/08 – Aula inaugural ... 78

5.5.2 Episódio 2 – 28/08: "Vitória: história, imaginário e devires" ... 83

5.5.3 Episódio 3 – 04/09: Percepção da cidade no ensino e o potencial educativo da Vila Rubim ... 84

5.5.4 Episódio 4 – 11/09: Espaço, lugar e a cidade na literatura ... 86

5.5.5 Episódio 5 – 14/09: Viagem formativa “Cidade Alta e o Mercado Popular da Vila Rubim para além dos monumentos” ... 87

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5.5.7 Episódio 7 – 25/09: Reflexões sobre direito à cidade ... 100

5.5.8 Episódio 8 – 28/09: Viagem formativa 2 ... 102

5.5.9 Episódio 9 - 02/10: Sarau Cultural ... 104

5.5.10 Episódio 10 – 09/10: Despedida e avaliação do curso ... 109

5.6 AVALIAÇÃO DO COLETIVO ORGANIZADOR DO CURSO ... 112

5.7 MODIFICAÇÕES NO MATERIAL EDUCATIVO ... 114

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 117

REFERÊNCIAS ... 120

APÊNDICES ... 127

APÊNDICE A – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO ... 127

APÊNDICE B – TERMO DE CESSÃO DE IMAGENS E VOZ ... 130

APÊNDICE C – EMENTA DO CURSO DE EXTENSÃO ... 131

APÊNDICE D - ATIVIDADES NÃO PRESENCIAIS DO CURSO ... 134

APÊNDICE E – DIÁRIO DE PERCURSO VIAGEM FORMATIVA 1 ... 135

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1 INTRODUÇÃO – SOU PROFESSORA, A FAVOR DA ESPERANÇA

Esse projeto nasce da motivação pessoal de uma professora que a partir do exercício da sua profissão detectou a necessidade de um processo formativo que a reaproximasse do significado do seu trabalho em sala de aula. Viver o espaço escolar é mergulhar em uma rotina de trabalho intensa, tanto nas interações humanas quanto nas demandas pedagógicas e sociais. Muitas vezes essa dinâmica nos envolve de tal forma que temos poucas oportunidades para refletir e sintetizar as experiências que desenvolvemos com nossos alunos cotidianamente.

Ao mesmo tempo, somos também demandados pela estrutura burocrática do ensino, registro de notas e organização curricular em um contexto de constante desvalorização profissional e ataque aos direitos dos trabalhadores. Esse conjunto de fatores acaba muitas vezes nos afastando da construção de um processo de ensino-aprendizagem coletivo e refletido, conduzindo a uma reprodução do que já existe ou do que é visto como mais prático. Esse afastamento da atividade de ensino consciente, que também podemos chamar de alienação, muitas vezes cria um cenário incoerente, no qual podemos estar mergulhados na rotina escolar e ao mesmo tempo afastados do significado do nosso trabalho como professores.

Diante dessas inquietações, me reaproximar do significado do trabalho como professora é um exercício dialético, de retorno à teoria e reflexão sobre a prática, nesse processo formativo continuado essencial ao ensino. Sabemos que existem diversos fatores que determinam essa alienação, mas uma vez que nos conscientizamos sobre ela, o que fazer? Acredito que a formação continuada de professores além de contribuir para a construção de um cenário mais amplo de Sou professor a favor da esperança que me anima apesar de tudo. Sou professor contra o desengano que me consome e imobiliza. Sou professor a favor da boniteza da minha própria prática, boniteza que dela some se não cuido do saber que devo ensinar, se não brigo por este saber, se não luto pelas condições materiais necessárias sem as quais meu corpo, descuidado, corre o risco de se amofinar e de já não ser o testemunho que deve ser de lutador pertinaz, que cansa mas não desiste. Paulo Freire, 1996

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criticidade e questionamentos, também é capaz de oferecer um respiro criativo e uma oportunidade importante para a síntese de ideias e possibilidades que desafiem o automatismo e a desmotivação causados pela alienação do trabalho.

Como professora de geografia na escola pública estadual há cerca de 10 anos, enxerguei essa demanda no meu próprio exercício profissional. Essa inquietação com o estado das coisas foi fortemente inspirada por diálogos em sala de aula e experiências que tive o privilégio de construir com meus alunos e alunas ao longo dessa caminhada. Nos debruçando sobre o estudo do espaço geográfico nas suas multiplicidades, percebi um enorme potencial dialógico na abordagem de um tema que sempre foi especial para mim enquanto pesquisadora: a cidade.

A escola pública é um correspondente direto das contradições, limitações e também potencialidades do espaço urbano, pois se apresenta rica em potencial dialógico e diversidade, sobretudo pelo público que a frequenta. Entretanto, a prática do ensino muitas vezes ignora o que o aluno tem a dizer sobre sua percepção acerca do espaço que habita, apresentando diversos entraves a ações emancipatórias que caminhem em direção ao desenvolvimento de uma percepção crítica, objetiva e ativa do sujeito em relação ao mundo.

Partindo da concepção de atividade de ensino como unidade formadora do aluno e do professor e da compreensão acerca das condições objetivas para sua realização, acreditamos na possibilidade de articulação dessa perspectiva com a pedagogia freiriana, principalmente no que diz respeito à partilha de significados através de uma maneira transformadora de ser e fazer no mundo, que só é possível em uma concepção emancipadora da educação.

Sobre o conceito de emancipação através da educação, se faz importante considerá-lo inserido no sentido de emancipação humana na sua visão totalizante, Em “A questão judaica” (2010), Karl Marx deixa nítido que a verdadeira emancipação humana só pode ocorrer em consonância com a emancipação política. Dessa forma:

A emancipação humana só estará plenamente realizada quando o homem individual real tiver recuperado para si o cidadão abstrato e se tornado ente genérico na qualidade de homem individual na sua vida empírica, no seu

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trabalho individual, nas suas relações individuais, quando o homem tiver reconhecido e organizado suas “forces propres” [forças próprias] como forças sociais e, em consequência, não mais separar de si mesmo a força social na forma da força política (2010, p.54).

Portanto, se indicamos a educação emancipatória enquanto horizonte, negamos uma suposta neutralidade do processo educativo e afirmamos também o seu caráter político que tem como fim a emancipação humana. Partindo da ideia de emancipação enquanto fim, mas também como processo, a atividade de ensino tem um importante papel de afirmar essa relação entre a emancipação humana e política. No espaço urbano, isso se faz através da retomada da escala humana como referência na redução da distância entre a cidade que herdamos e a que desejamos. Em oposição à homogeneização desumanizadora do capitalismo, a percepção crítica; em oposição ao individualismo segregacionista neoliberal, a identidade coletiva comunitária e popular.

Um exemplo são as experiências de protagonismo cultural desenvolvido pelos jovens na cidade, como as batalhas de rap, em resistência e à revelia do processo excludente e invisibilizante que vivenciam. Por isso, se torna desafiador e fascinante formular e desenvolver práticas e reflexões pedagógicas acerca da questão urbana em sala de aula e em campo. De acordo com os professores Priscila Chisté e Donizetti Sgarbi:

Todo espaço da cidade é potencialmente educativo. O que torna espaços efetivamente educativos, como bairros, ruas, casas, prédios, mercados, praças, árvores, praias, recantos, bares, igrejas, campos de futebol etc., é o olhar que se tem sobre eles. Quem se interessa pela educação tem um olhar pedagógico diante das coisas, assim como um filósofo que se espanta diante das coisas, ou um artista que capta a totalidade do real, enxergando aquilo que está além das aparências. Assim, aquele que tem um olhar pedagógico percebe logo o potencial educador de um espaço ou de uma situação. (2015, p. 94)

Foi com esse pensamento sobre o potencial pedagógico da percepção da cidade e a importância da formação de professores para além da minha própria, que ingressei no Programa de Pós-Graduação em Ensino de Humanidades (PPGEH) do Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes), na linha de pesquisa de formação de professores, passando a me dedicar aos estudos da educação na cidade no Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Educação na Cidade e Humanidades (GEPECH).

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Partindo dessa narrativa pessoal no singular misturada à coletividade plural de tantos outros professores na busca por uma ação pedagógica transformadora, essa pesquisa se desenvolveu dentro dos parâmetros que se seguem.

1.1 OBJETIVOS

Para melhor delimitar os objetivos da pesquisa, é importante destacar que o PPGEH é um programa de mestrado da modalidade profissional. De acordo com a CAPES (2001):

O Mestrado Profissional (MP) é uma modalidade de Pós-Graduação stricto sensu voltada para a capacitação de profissionais, nas diversas áreas do conhecimento, mediante o estudo de técnicas, processos, ou temáticas que atendam a alguma demanda do mercado de trabalho (Resolução CNE/CES nº 1/2001).

Dessa forma, o PPGEH nasce com a perspectiva de atender a necessidade de formação continuada de professores das áreas de humanidades do ensino básico, possuindo duas linhas de pesquisa: práticas educativas e formação de professores. Esta pesquisa se enquadra na segunda proposta, de acordo com a definição do próprio programa:

Trata do estudo e investigação sobre a formação inicial e continuada do professor de Ensino de Humanidades, tendo como foco o trabalho didático-pedagógico do professor que atua na Educação Básica com objetivo de sistematizar e implementar cursos de formação de professores com vistas a produção de material educativo (PPGEH, 2019)1.

Estando enquadrado dentro das definições acima, este trabalho é uma pesquisa aplicada que desenvolve uma proposta de ensino na área de formação de professores com um produto educativo como resultado deste processo.

Após estabelecer os parâmetros fundamentais desse trabalho, chegamos finalmente à pergunta da pesquisa: como o olhar investigativo sobre o espaço urbano pode contribuir na formação de uma cidadania crítica emancipatória e de um

1 PPGEH – Programa de Pós-Graduação em Ensino de Humanidades. Linhas de Pesquisa. Vitória, ES: PPGEH, 28 mai 2019. Disponível em: https://ppgeh.vitoria.ifes.edu.br/index.php/linhas-de-pesquisa. Acesso em: 20 de Maio de 2020.

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reconhecimento da cultura popular local a partir do ensino na escola pública? Acreditamos que a percepção da cidade pode ser um elemento que aproxime o professor dessa resposta, sendo adaptável em termos metodológicos a diversos espaços da cidade.

O objetivo geral dessa pesquisa, portanto é propor o desenvolvimento da percepção da cidade como instrumento de ensino, na medida em que contribui para uma leitura de mundo humanizada, colaborativa e coletiva, a partir das diferentes visões de mundo que existem dentro da comunidade escolar.

Para validação dessa proposta e demanda prática do próprio curso precisamos determinar um espaço específico onde realizamos a parte prática da formação, com aulas teóricas e de campo e vivências coletivas. O PPGEH está localizado no Ifes campus Vitória, que é uma cidade múltipla em possibilidades de estudo e potencial pedagógico, além de ser relevante historicamente para a compreensão da produção do espaço no Espírito Santo. Por isso, decidimos buscar dentro da capital capixaba um lócus de pesquisa que auxiliasse nos objetivos da proposta pedagógica.

Assim, a pesquisa foi desenvolvida a partir de um espaço com significativo potencial educativo para a cidade de Vitória: o mercado popular da Vila Rubim. Em meio às suas raízes históricas ligadas ao tradicional mercado de cabotagem nas proximidades do porto, seu entorno se desenvolve na relação com as consequências do processo de modernização da cidade de Vitória.

Essa realidade imprime na paisagem suas contradições e riquezas, tornando este espaço de interesse especial para reflexão e validação da proposta pedagógica desta pesquisa. Para além dos monumentos históricos e museus da cidade, o que a Vila Rubim nos diz sobre Vitória?

No decorrer da pesquisa a Vila ultrapassou seu papel de lócus da pesquisa para adquirir uma maior relevância na defesa da valorização desse espaço para o ensino na cidade de Vitória. Sua existência se mistura à formação da identidade do povo capixaba, seus hábitos culturais, culinária, religiosidade e formas de resistência. Ao mesmo tempo, a especulação imobiliária e os interesses político-empresariais em

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torno da expansão dos limites da cidade produzem um cenário contraditório, em que abandono e violência convivem com a efervescência cultural ancestral de uma cidade. Esse cenário é de especial interesse para o desenvolvimento da proposta de ensino a partir da percepção da cidade.

1.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS

Os objetivos específicos que auxiliaram na delimitação deste tema e os processos necessários para a realização do trabalho são:

 Incentivar práticas de ensino dentro da cidade de Vitória com os professores inseridos em sua realidade local para a compreensão das constantes transformações no espaço urbano e os diversos interesses que nele se cruzam.

 Planejar, acompanhar e executar uma proposta colaborativa de formação de professores a partir da utilização da percepção da cidade como elemento formador.

 Desenvolver um produto educativo no formato de um caderno pedagógico paradidático para professores construído coletivamente com a síntese das atividades realizadas.

Partindo dos objetivos da pesquisa, elaboramos o curso de formação continuada para professores do ensino básico: “Educação na cidade: percepção, contradições e sensibilidade na cidade de Vitória”. O curso oferecido pelo GEPECH percorreu um caminho pedagógico que se iniciou na discussão sobre percepção da cidade, imaginário e representações sociais, onde foi inserido o módulo correspondente aos objetivos dessa pesquisa. Além desse módulo, foram também abordados temas relacionados a outros olhares sobre a cidade, na literatura e na música. Dessa forma, o curso trouxe uma proposta abrangente sobre como desvelar e expressar os espaços da cidade nas mais diversas formas e áreas de conhecimento.

Considerando essa delimitação, achamos necessário expor a fundamentação teórica sobre a qual a pesquisa foi desenvolvida em conjunto com seus procedimentos metodológicos, já que defendemos sua possibilidade de adaptação neste sentido. Assim, no próximo capítulo serão expostos os conceitos chave que guiaram a

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pesquisa. Nesse sentido, abordaremos as teorias do sociólogo Henri Lefebvre (2009) e a diferenciação entre cidade e urbano, além de apresentarmos a concepção emancipatória de educação na cidade aliada à percepção topofílica do geógrafo Yi Fu Tuan (2012) como instrumento de ensino. Também delimitamos os elementos de percepção analisados nessa pesquisa, a partir das representações sociais e da construção do imaginário popular em Castoriadis (1995) e nas análises de José Arbex Junior (2001) sobre a representação midiática da realidade.

No capítulo seguinte intitulado “A cidade para além dos monumentos” destacaremos o recorte espacial da pesquisa que fundamentou o material educativo, abordando os aspectos históricos da cidade de Vitória e o processo de desenvolvimento da região da Vila Rubim. Também daremos destaque ao imaginário popular sobre a região e o mercado popular desenvolvido ao longo do tempo, com foco especial na cobertura midiática como representação social e sua influência na produção do espaço da cidade. Ao fim dessa análise faremos algumas reflexões com base nas manifestações de pertencimento, afeto e memória coletiva sobre o espaço que aparecem em outras representações sociais.

O capítulo seguinte explicita os procedimentos metodológicos da proposta de ensino na linha de formação de professores que foi desenvolvida no curso de extensão, baseada no conceito de atividade de ensino em Leontiev (1964) e nas experiências e metodologias de formação de professores realizadas pelo GEPECH. Também é detalhado o processo de elaboração dos módulos do curso, seleção do público alvo, metodologias de análise e registro da formação inspiradas nas experiência do professor Manoel Oriosvaldo de Moura (2002) e demais pesquisadores do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre a Atividade Pedagógica da USP (GEPAPe-FEUSP). Ao fim destacamos a formulação do protótipo do material educativo que foi modificado e validado pelos professores no decorrer do curso.

O último capítulo trará detalhes sobre o processo de execução do curso de formação, como parcerias, cronograma, perfil dos participantes, relato dos encontros, avaliação do curso e os resultados obtidos, como a discussão e reformulação do material educativo validado coletivamente.

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2 REFLEXÕES SOBRE A CIDADE E O URBANO

Na cidade moderna que tem como marco histórico o processo de industrialização do séc. XIX, surge uma nova realidade social que definimos como sociedade urbana. Em torno dela, a lógica na produção do espaço passa a se desenvolver de forma diferente da que existia anteriormente no campo. As cidades passam a ser centro de vida social e política onde se acumulam não apenas as riquezas como também os conhecimentos, as técnicas e as obras.

A cidade é também e sobretudo uma obra, e a análise das relações entre o homem e as obras pelas quais realiza sua natureza através do trabalho, revela que essas obras tendem a lhe escapar, implicando assim num empobrecimento da realização do humano (LEFEBVRE, 2008, p.12). Em resumo, surge uma cidade moldada e idealizada de acordo com os interesses econômicos que passa então a excluir e segregar grupos, classes e o próprio indivíduo.

Investigando os eixos temáticos da disciplina de geografia nas orientações curriculares para ensino médio do Ministério da Educação (MEC, 2006), a cidade pós industrial frequentemente é vista como resultado do modo de produção capitalista moderno e o urbano é tratado como a expressão espacial e social desse processo, ou seja, tudo o que diz respeito à cidade:

Há uma tendência à homogeneização do espaço urbano que afeta também as cidades médias, as quais também passam a sofrer com os “problemas urbanos” semelhantes aos das grandes cidades (violência, poluição, desigualdades sociais) (2006, p.57).

Acreditamos que ampliar o conceito de urbano seja necessário para apontar as contradições advindas da apropriação capitalista na produção do espaço, mas também para estabelecer um horizonte de mudança e reconexão com o sentido original da urbanidade.

A cidade repete seus ciclos, ano após ano. Como reconhecê-los? Como explicá-reconhecê-los? Essa é a tarefa que temos pela frente. Desvendar a cidade com múltiplos olhares: o olhar afetuoso e o olhar indiferente; o olhar do presente e o olhar do passado; o olhar do professor e o olhar do aprendiz.

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Lefebvre (2008), distingue cidade e urbano da seguinte forma:

cidade, realidade presente, imediata, dado prático-sensível, arquitetônico – e por outro lado o ‘urbano’, realidade social composta de relações a serem concebidas, construídas ou reconstruídas pelo pensamento (LEFEBVRE, 2008, p.54).

A alienação do espaço urbano ocorre quando o espaço – a cidade – deixa de expressar o trabalho do ser humano enquanto sociedade e passa ser concebido, moldado e ordenado de acordo com parâmetros de funcionalidade e organização que atendem aos interesses de acumulação do capital. Dessa forma, surge o uso maciço dos automóveis, o isolamento travestido de proteção dos condomínios fechados, a ampliação das periferias e a dissolução da convivência em vizinhança e dos encontros. O urbanismo apropriado e transformado em ideologia e estratégia de classe baseado numa racionalidade fragmentadora intensifica as segregações através da separação funcional das atividades e da sociedade no espaço. Segundo Lefebvre

A vida urbana pressupõe encontros, confrontos das diferenças, conhecimentos e reconhecimentos recíprocos (inclusive no confronto ideológico e político) dos modos de viver, dos “padrões” que coexistem na Cidade. No transcorrer do século XIX, a democracia de origem camponesa, cuja ideologia animou os revolucionários, poderia ter se transformado em democracia urbana. Como a democracia urbana ameaçava os privilégios da nova classe dominante, esta impediu que a democracia crescesse. Como? Expulsando do centro urbano e da própria cidade, o proletariado, destruindo a “urbanidade” (2009, p.22-23).

Desse ponto de vista, o estudo da produção do espaço através da história ajuda na compreensão do processo de formação e constituição do espaço urbano, não só como palco privilegiado de uma nova fase da economia capitalista que nasce a partir do processo de industrialização, mas como expressão das contradições sistemáticas, sociais e estruturais de um mundo cada vez mais desigual. Segundo o professor Milton Santos,

A cidade em si, como relação social e como materialidade, torna-se criadora da pobreza, tanto pelo modelo socioeconômico, de que é suporte, como por sua estrutura física, que faz dos habitantes das periferias (e dos cortiços) pessoas ainda mais pobres. A pobreza não é apenas o fato do modelo socioeconômico vigente, mas, também, do modelo espacial (2013, p.10).

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Diante dessa problemática atual, Lefebvre entende que o urbano não se define somente enquanto realidade acabada, mas como horizonte, como virtualidade iluminadora (LEFEBVRE, 2008, p.26). Se a cidade se manifesta enquanto a aparência de um fenômeno em curso, os elementos da vida urbana se constituem enquanto objeto mas também como potência de uma outra prática urbana que produza sentidos diferentes e seja capaz de construir o espaço sob outra lógica. Assim, o urbano seria uma relação dialética entre o real, o possível e o impossível (utópico), que pode tanto englobar um urbanismo positivista coercitivo quanto um projeto de transformação de cotidianidade com base na iniciativa popular. Ao falar sobre a rua enquanto local de encontro e apropriação popular em oposição ao local de passagem, Lefebvre afirma:

O espaço urbano da rua não é o lugar da palavra, o lugar da troca pelas palavras e signos, assim como pelas coisas? Não é o lugar privilegiado no qual se escreve a palavra? Onde ela pode tornar-se ‘selvagem’ e inscrever-se nos muros, escapando das prescrições e instituições? (LEFEBVRE, 2008, p. 28).

Sinalizando ainda mais o urbano no campo das possibilidades, continua:

As relações sociais continuam a se tornar mais complexas, a se multiplicar, a se intensificar, através das contradições mais dolorosas. A forma do urbano, sua razão suprema, a saber a simultaneidade e o encontro, não podem desaparecer. (...) O uso (o valor de uso) dos lugares, dos monumentos, das diferenças, escapa às exigências da troca, do valor de troca. (...) o urbano se torna aquilo que sempre foi: lugar do desejo, desequilíbrio permanente, sede da dissolução das normalidades e ações, momento do lúdico e do imprevisível. (...) Desta situação nasce a contradição crítica: tendência para a destruição da cidade, tendência para a intensificação do urbano e da problemática urbana (LEFEBVRE, 2008, p. 84-85).

É a partir desse posicionamento crítico acerca do processo de apropriação capitalista do espaço urbano e da constituição da cidade moderna que pretendemos desenvolver o presente estudo, sem perder o horizonte, entretanto, das práticas que desafiem o atual estado das coisas e afirmem as possibilidades de construção de um sentido urbano renovado.

2.1 EDUCAÇÃO NA CIDADE E A PERCEPÇÃO COMO ELEMENTO FORMADOR

Diante do cenário de naturalização das desigualdades produzidas pelas relações capitalistas, as contradições contidas na produção do espaço urbano nem sempre se

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revelam diante dos nossos olhos. Por isso, é necessário um exercício crítico e investigativo de desvelamento daquilo que se esconde. No ambiente escolar, essa tarefa é coletiva. Mais do que um palco dos acontecimentos sociais, acreditamos que a cidade pode revelar elementos importantes para o processo pedagógico:

(...) compreendemos que Educar na Cidade implica mais do que uma simples maquiagem, embelezamento oriundo de ações instituídas por organizações, as quais não visam contribuir para o conhecimento da realidade. Cabe pensar e implementar, pela via de uma educação prioritariamente pública, formas de promover o desvelamento dos espaços citadinos, muitas vezes configurados para reproduzirem a sociedade desigual na qual vivemos (COCO; CHISTÉ; DELLA FONTE, 2019, p. 61).

Assim, é papel do professor desenvolver em seus alunos o olhar crítico acerca das cidades construídas através do interesse privado e não vivenciadas pela maioria da população cujos interesses são subjugados pelo poder econômico e sua forte influência na produção do espaço público. A inequidade no acesso aos serviços públicos e a diversos espaços na cidade impede o indivíduo de se enxergar como “alguém” em uma cidade que nega sua identidade coletiva como cidadão e a expressão da sua singularidade como pessoa.

A retomada da escala humana como referência exige uma diminuição da distância entre a cidade que herdamos e a que desejamos, trazendo para o centro a percepção coletiva e afetiva em oposição à homogeneização desumanizadora da globalização ou à individualidade segregacionista própria do neoliberalismo, atual estágio do capitalismo.

Por isso, a tarefa de “navegar” criticamente no espaço urbano exige um trabalho conjunto e curioso de investigação e desvelamento de respostas. É necessário ao professor, que se encontra no papel de mediador, um olhar apurado sobre as respostas que podem surgir no percurso e sobretudo como formular as perguntas à cidade.

Em busca desse olhar apurado se torna necessário fundamentar o conceito de Percepção, que de acordo com o geógrafo Yi Fu Tuan:

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compreende tanto a resposta dos sentidos aos estímulos externos, como a atividade proposital, um entender-se para o mundo, na qual certos fenômenos são claramente registrados, enquanto outros retrocedem para a sombra ou são bloqueados (TUAN, 2012, p. 18).

A percepção, segundo o autor, seria condicionada pela visão de mundo, que é a experiência conceitualizada e parcialmente pessoal, em grande parte social.

Em muitos momentos no processo pedagógico, é possível detectar que o olhar da população e especialmente dos jovens sobre a cidade é fortemente influenciado pelo sensacionalismo dos programas televisivos “fiscalizadores da cidade” e por uma visão superficial– mas não objetiva – acerca da realidade na qual estão inseridos. Pouco se articula em torno das demandas cotidianas da vida desses jovens, dos seus desejos e sobretudo das suas potencialidades como sujeitos.

Um exemplo são os “pixos” que se manifestam nos muros e fachadas das cidades em todo o planeta. Se partirmos do senso comum construído pela classe dominante e propagandeado no imaginário popular, pixo é um ato de vandalismo e desrespeito ao direito da propriedade privada e patrimônios da cidade. Porém se, partindo de outra perspectiva, investigarmos o fenômeno e a sua relação com o processo de urbanização, encontraremos o pixo enquanto afirmação de existência de milhares de jovens invisibilizados que gritam sua presença em códigos diversos nos muros das cidades capitalistas. No artigo intitulado "Pixo Arte. A escrita da presença”, Leandro Serpa (2019) destaca:

Mais ainda, o Pixo é uma marca nas páginas da cidade. É a ‘letra’ da contestação, do combate à alienação. Ao assumir-se legitimamente entre faróis e cartazes da cidade o Pixo impõe sua presença contestadora e ao mesmo questiona os códigos da civilização, que dividem, segregam, excluem e marginalizam parte da sociedade em detrimento de parcela menor da mesma. Pixo é Arte, pela recriação de códigos e elaboração que parte da escrita rúnica, mas também por ser uma ação politizada que confronta e mostra as contradições da cidade (SERPA, 2019).

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Fotografia 1 - Pixo é Arte

Muro da Igreja do Carmo, Centro de Vitória. Fonte: Arquivo pessoal de Raquel Passos, 15 jun 2019.

Dialogar na escola a partir dessa perspectiva que investiga as relações que produzem o espaço é um exercício de captar o fenômeno no seu movimento e portanto na sua potência. Dessa forma, os estudantes se tornam capazes de perceber a cidade pra além da sua aparência e dos valores incutidos e construídos em nossa visão pela lógica capitalista na produção do espaço.

Por isso, o uso da percepção enquanto instrumento de ensino tem enorme potencial dialógico na medida em que contribui para uma leitura de mundo colaborativa e coletiva, a partir das diferentes visões de mundo que existem dentro da cidade. Em oposição à ideia relativizante da realidade, a percepção como instrumento na atividade de ensino surge como um elemento humanizador e desmascarador daquilo que os interesses dominantes procuram esconder ou naturalizar no espaço urbano.

Como desdobramento da percepção, é necessário também considerar o conceito de atitude. De acordo com Tuan (2012), as experiências sensíveis nos motivam a assumir posições diante do mundo, gerando posturas culturais que chamamos de atitude. Ou seja, as atitudes que se iniciam como reação às experiências posteriormente são conceitualizadas na vida do ser humano em uma visão de mundo que passa a mediar a percepção que temos dos estímulos ao nosso redor.

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Para compreender esse processo e promover uma visão de mundo humanizada e crítica que reconstitua o urbano enquanto possibilidade, consideramos de suma importância o conceito de Topofilia também trazido por Yi Fu Tuan em sua obra homônima. Por isso, vamos à sua definição de acordo com o autor:

A palavra ‘topofilia’ é um neologismo, útil quando pode ser definida em sentido amplo, incluindo todos os laços afetivos dos seres humanos com o meio ambiente material. Estes diferem profundamente em intensidade, sutileza e modo de expressão. A resposta ao meio ambiente pode ser basicamente estética (...). A resposta pode ser tátil: o deleite ao sentir o ar, água, terra. Mais permanentes e mais difíceis de expressar são sentimentos que temos para com um lugar, por ser o lar, o lócus de reminiscências e o meio de se ganhar a vida (2012, p.135).

A topofilia, em resumo, associa sentimento com lugar, sendo o elo entre a pessoa e o lugar ou ambiente físico. Este sentimento tem relação com o pertencimento de uma pessoa ou povo por um espaço que tenha relação com a sua história e identidade individual e coletiva, como por exemplo o entorno da escola e os bairros em que nossos alunos moram.

Em “A importância do ato de ler”, Paulo Freire diz que “o ato de ler implica sempre percepção crítica, interpretação e "reescrita” do lido” (1989, p.14). Se a leitura do mundo conhecido antecede à leitura da palavra, essa leitura pode ser compreendida a partir da percepção do espaço em sua complexidade quando alunos e professores partilham significados acerca do mundo que os cerca.

Entretanto, a leitura de mundo na perspectiva freiriana e a percepção crítica dos lugares não ocorrem sem obstáculos. Como dito anteriormente, a percepção surge pela resposta dos sentidos aos estímulos do mundo e se constitui de fatores pessoais e em grande parte sociais, já que a maior parte da nossa vivência enquanto ser humano é desenvolvida em sociedade. A escola é uma das instituições que socializam o indivíduo e portanto contribui para coletivizar suas percepções acerca do mundo onde ele está inserido. Existem outras diversas instâncias e representações sociais que delimitam a percepção, como a Igreja, a família e a mídia/imprensa.

Essas instituições tem o poder de influenciar nas maneiras como um objeto é percebido e de instrumentalizar essa percepção em forma de discurso que tem o

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poder de julgar, por exemplo, se um lugar se apresenta relevante ou não para o ensino (se tem potencial educativo ou se é um espaço marginalizado sem valor pedagógico).

Nessa pesquisa que investiga a percepção da cidade como instrumento de ensino, se torna importante delimitar as instâncias que influenciam a percepção e formam um imaginário social de um lugar. Considerando a elaboração de Foucault (2008) sobre como se constrói um objeto vemos que:

As condições para que apareça um objeto de discurso, as condições históricas para que dele se possa "dizer alguma coisa" e para que dele várias pessoas possam dizer coisas diferentes, as condições para que ele se inscreva em um domínio de parentesco com outros objetos, para que possa estabelecer com eles relações de semelhança, de vizinhança, de afastamento, de diferença, de transformação - essas condições, como se vê, são numerosas e importantes. (FOUCAULT, 2008 [1969]. p.50)

Entendemos, portanto, que para a abordagem que nos interessa sobre esse tema, um dos elementos a compor e influenciar esse feixe de relações é exatamente o discurso da imprensa. Reconhecermos na imprensa uma dos maiores representações sociais da atualidade, pois seu discurso atinge pessoas de diversas religiões, localidades, núcleos familiares e tem grande poder de influência na percepção social. Além disso, a forma como a cidade é apropriada e produzida pelo poder econômico capitalista estabelece um sistema de influências que não se dá apenas no campo material, arquitetônico e morfológico, mas também nas relações secundárias como a estabelecida pelo poder do discurso midiático que articula esses interesses na produção do espaço.

Apontar essas relações secundárias contribui na compreensão do jogo das dependências reais que envolvem a formação da percepção e da própria cidade. Esta pesquisa apresenta o discurso como prática discursiva que busca consistência em sua proposta pedagógica, ancorada na defesa ideológica de um ensino libertador. A mídia, em contraponto, defende uma suposta neutralidade no discurso, o que não é possível, desde que todo discurso desenvolve e seleciona um complexo feixe de relações para analisar os objetos de que falam. Assim, a cobertura midiática como representação social dá origem à narrativas que reforçam a estrutura hegemônica e influenciam fortemente na nossa visão do mundo. Nesse sentido, é importante trazer

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alguns elementos conceituais que dão suporte a essa afirmação e auxiliam a compreender as relações entre a percepção da cidade e as representações sociais.

2.2 O PAPEL DA MÍDIA NA CONSTRUÇÃO DO IMAGINÁRIO POPULAR

A forma como se constitui o conjunto de sentidos e imagens de cada sociedade diz respeito à dimensão simbólica que produz efeitos materiais e objetivos na vida humana. Esse conjunto de sentidos e imagens é representado como o imaginário sobre o qual se constituem as representações sociais. Segundo Castoriadis,

Estendido da sociedade para os grupos, o imaginário grupal é a base para a produção das representações sociais. É preciso entender que o imaginário não é material, não pode ser contido, mas dele se podem obter evidências, que são as produções simbólicas de um grupo. Assim, a arte e a literatura, o cinema, a poesia, as possibilidades de entendimento do homem e da natureza, seja através das religiões, da ciência, ou das cosmologias propostas pela ficção cientifica, todas estas produções não são o imaginário, mas sim índices de sua presença: toda produção simbólica de um grupo é a materialização de seu imaginário (CASTORIADIS, 1995, p.31).

Dessa forma, as expressões não materiais, mas igualmente potentes dentro da constituição social, constituem um sofisticado sistema de representações que socialmente são capazes de influenciar o olhar de uma sociedade sobre si e gerar consequências deste olhar no mundo político. O poder em torno da construção desse imaginário é muitas vezes exercido pelas instituições de uma sociedade, como o Estado e a Igreja, mas também pode expressar a história e a ancestralidade de um povo que resiste à dominação política sobre suas relações.

É possível inferir, portanto, que a imprensa seja uma dessas instituições sociais que, objetivadas a partir do discurso jornalístico sob a forma de narrativa dos fatos, incorpora um papel de representação coletiva de uma sociedade e influencia na sua percepção da realidade. Entretanto, essa representação coletiva pode apresentar na sua origem contradições e interesses de quem percebe no controle da narrativa dos fatos, a possibilidade de exercício de poder sobre uma sociedade. Segundo questionamentos do jornalista José Arbex Junior (2001)

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Como a televisão e a imprensa escrita criam metáforas que "explicam" o mundo, transformando-as em convicções individuais? Até que ponto a mídia tem o poder de sedimentar "a" realidade (isto é, como "fatos realmente acontecem") na memória coletivas, as "suas" imagens dos eventos (isto é, as imagens por ela selecionadas e editadas)? (ARBEX, 2001, p.37).

Alguns desses questionamentos permeiam a jornada profissional do jornalista e geraram o livro “Showrnalismo – a notícia como espetáculo” (2001). Diante da cobertura de fatos históricos mundialmente relevantes, como a queda do Muro de Berlim, algumas preocupações passaram a se fazer presentes no seu trabalho, como a mediação do fluxo de notícias em tempo real e como retratar fielmente os acontecimentos sem reduzi-los a esquemas ou relatos meramente emocionais sem fins jornalísticos. Ele ainda discute as implicações políticas desse poder de interferir nos acontecimentos e determinar inclusive o que é ou não notícia.

Esses questionamentos se desdobram em outros mais complexos, como por exemplo a impossibilidade da existência de um observador neutro dos fatos. Se não existe um observador neutro e o jornalista desempenha um papel mediador entre os fatos e seu relato para o público, a mídia tem o poder de sedimentar como realidade, na memória coletiva, as imagens que fabrica dos eventos. Dessa forma, existe uma crise de memória em que aquilo que é televisionado passa a ser mais valorizado que o vivido.

A percepção, portanto, precisa ser refletida e considerar os fatores sociais que influenciam o olhar sobre o espaço geográfico e as representações sociais que constroem o imaginário popular. É necessário que o professor tenha condições no processo pedagógico de trabalhar de forma crítica com noticiários e coberturas midiáticas sobre os espaços, considerando que nessas representações se encontram interesses diversos na construção de uma narrativa específica sobre os fatos. Um exemplo de discurso hegemônico que esconde interesses do capital na produção do espaço são as inúmeras falas que repercutem na mídia sobre modernizar e “revitalizar” espaços marginalizados da cidade.

Esse discurso é frequentemente utilizado no urbanismo estatal como uma forma de adequar a cidade a um modelo que atende às necessidades de circulação e acumulação do capital, mesmo que às custas de despir o espaço de toda sua originalidade e ancestralidade.

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Ao contrário de uma percepção “pura”, idealizada e sem mediações sociais, buscamos então reconhecer criticamente os diferentes aspectos que mediam nossa visão de mundo e imaginário sobre o espaço em que vivemos, em busca de construir coletivamente atitudes e novas posturas culturais e pedagógicas. Para isso, vamos nos aproximar do espaço em que esse exercício de investigação foi desenvolvido durante a pesquisa.

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3 A CIDADE PARA ALÉM DOS MONUMENTOS

O espaço urbano (sua história, contradições e potencialidades) tem sido o objeto de muitas pesquisas acadêmicas nos últimos anos. A produção do espaço urbano brasileiro, mais especificamente da cidade de Vitória, exige um esforço de buscar na origem da constituição destes espaços os elementos formadores e articuladores de uma nova forma de organização espacial e social. Se pretendemos reunir instrumentos de percepção para enxergar a cidade na sua totalidade, investigar através da história as contradições que se acumulam no espaço é essencial para perceber o fenômeno no seu movimento atual.

De acordo com Marcelo Werner da Silva (2012) para ir ao encontro da interpretação dos lugares (que é o que buscamos fazer a partir da percepção), é papel da geografia considerar que as formas sociais são produtos históricos, resultado da ação humana sobre a superfície terrestre, e que expressam a cada momento as relações sociais que lhe deram origem. “Nesse sentido, a paisagem manifesta a historicidade do desenvolvimento humano, associando objetos fixados ao solo e geneticamente datados” (MORAES, 1988, p. 15).

A cidade como objeto de estudo se mostra como um amplo campo com muitas possíveis abordagens, por ser uma construção espacial e temporal passível de análise em momentos distintos a partir das metamorfoses influentes na sua configuração arquitetônica, social, econômica e cultural (QUINTÃO, 2015, p. 16).

Considerando o tempo como propriedade fundamental que indica o movimento do passado ao presente no espaço, limitando e dirigindo as transformações da sociedade, o estudo do espaço desde uma perspectiva histórica cumpre um papel importante na percepção não só das transformações da paisagem, mas também na

Sim, lê-se a cidade porque ela se escreve, porque ela foi uma escrita. Entretanto, não basta examinar esse texto sem recorrer ao contexto. Henry Lefebvre, 2008

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compreensão da estrutura socioeconômica que produz e transforma o espaço através do tempo.

Quando afirmamos que todos os espaços da cidade tem potencial educativo, ampliamos nossas possibilidades de trabalho pedagógico para além de uma visão escolar estática e contemplativa da cidade que muitas vezes reconhece como educativo somente os monumentos históricos, museus e espaços turísticos institucionalizados pelo Estado. Conhecemos a beleza e monumentalidade atribuídas a eles, assim como as histórias de monumentos erguidos em celebração à figuras políticas, religiosas ou instituições que protagonizaram a produção do espaço da cidade em determinado momento histórico. A história da cidade está em parte contida nessas construções, mas onde mais ela pode estar?

E a história que se espalha pelos lugares da cidade, dos comerciantes, trabalhadores que ocuparam os morros e locais isolados e fizeram surgir bairros populares? Os locais antigos e atuais de encontros de jovens, desde as paqueras do início do século XX na Praça Costa Pereira até os locais onde as batalhas de rap surgem e somem na mesma intensidade. Temos também outras incontáveis histórias que constituem a cidade, como a dos prédios vazios e reocupados pela mobilização popular de luta pela moradia; e até dos cemitérios, onde nomes importantes e anônimos se misturam em meio à memórias e histórias de quem já foi parte da cidade. É com essa cidade-amálgama de grandes e pequenas histórias que se sucedem umas às outras e deixam traços por onde caminharmos que queremos ensinar e aprender.

Diante dessa infinidade de possibilidades de espaços com potencial educativo, abordamos neste trabalho os aspectos históricos da formação da cidade de Vitória e mais especificamente na região da Vila Rubim, em busca de investigar os elementos que se combinaram na produção de um mercado que também tem em si grandes e pequenas histórias para nos contar.

3.1 A CIDADE DE VITÓRIA NO PROCESSO DE URBANIZAÇÃO

O processo de formação da cidade moderna capitalista tem como marco principal a Revolução Industrial, no séc. XVII. Sem negar que já houvesse algum nível de

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desenvolvimento em diferentes momentos da história, a cidade como estudamos e analisamos nos dias de hoje tem como marco o processo de industrialização, que se dá de forma diferente entre países desenvolvidos e em desenvolvimento. Esse espaço se forma em dois níveis: através do movimento migratório (êxodo rural) e da produção do espaço mediada pela técnica na economia capitalista.

De acordo com Marx ([1859] 1999, p.16): “Inicia-se a lenta marcha para a abolição do trabalho escravo, novas regras são estabelecidas para a circulação do capital, transforma-se o conceito e procedimento de apropriação da terra”. No Brasil e nos países em desenvolvimento e emergentes em especial, este processo expressa nitidamente as contradições do modelo socioeconômico do modo de produção capitalista, estando associado à desigualdade socioespacial e ao surgimento das grandes periferias.

Nesse sentido, é preciso destacar alguns agentes importantes que contribuíram na regulamentação e concepção do espaço urbano brasileiro de forma geral e em especial o capixaba, já que esses elementos explicam em grande parte que a apropriação do espaço público pelos interesses privados encontra raízes seculares na nossa história.

No Brasil, a institucionalização da Lei de Terras de 1850 foi o marco inicial no processo de urbanização brasileira. A abolição e a mudança na legislação afetam o ordenamento espacial e o quadro socioeconômico, ambos associados ao próprio desenvolvimento do modo de produção capitalista. A Lei de Terras (1850) considerou a concepção da terra enquanto um bem material inviolável, adquirido com base no poder do capital.

Entretanto, os prédios urbanos que pagavam o imposto conhecido como a Décima Urbana2 – e portanto não desenvolviam atividades agrárias – ficaram de fora dessa

obrigação do registro, permitindo uma apropriação privada de terras públicas para fins de ocupação sob regime de arrendamento. A décima urbana teve grande importância,

2 Imposto territorial urbano.

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pois ela tornou-se sinônimo de área urbana, ou seja, o espaço urbano da cidade foi delimitado e comercializado com base na área atingida pela décima urbana.

O século XX marca novas potencialidades entre as cidades e seus portos, pautadas em empreendimentos urbanos que vão construindo o espaço da cidade industrial mudando o perfil da economia nacional, que antes se apoiava na produção agrária-exportadora. Nesse contexto, a cidade de Vitória passa a sofrer grandes alterações, uma vez que a partir de 1908 se iniciam as obras de construção do porto e o saneamento da cidade, integradas ao quadro de transformação urbana. A urgência não estava apenas em urbanizar a cidade, e sim em urbanizar promovendo condições para o desenvolvimento e expansão do porto cafeeiro que atendia às tendências da economia agroexportadora brasileira.

Dessa forma, junto com a construção de obras públicas e edificações, se destacam o comércio de lotes urbanos a primeira intervenção planejada no espaço da Capital, batizada de Novo Arrabalde (Campos Junior, 1996) e desenvolvida a partir de um contrato assinado com a concessionária Companhia Torrens, cujo poder se estendia também para outros serviços na cidade.

O projeto consistia de um novo bairro que estendia a cidade à áreas antes desabitadas, ordenando uma ocupação de espaço de forma racional e criando um bairro destinado à elite urbana, com uma série de avanços em saneamento e iluminação, além de lotes espaçosos e vias largas. Uma dessas obras foi o Plano de Arruamento para a Vila Moscoso na região do centro conhecida como Lapa do Mangal, Mangal do Campinho ou Campinho, área alagada que sofreu sucessivamente vários aterros em nome da salubridade pública. Este contrato inseria-se, junto com a reformulação da Cidade Alta e a do Largo da Conceição, num projeto que se propunha a dar ares de modernização à capital capixaba dentro da ótica da nova ordem republicana.

Se anteriormente as decisões quanto à modificação do espaço público eram essencialmente centralizadas e executadas pelo governo estadual, a contratação da concessionária foi um marco importante para estabelecer a nova centralidade do capital privado na construção da cidade de Vitória.

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Segundo Campos Junior (1996), por intermédio do político Cleto Nunes, o governo assinou um contrato com a Companhia Torrens, concedendo-lhe uma série de privilégios, desde a construção de serviços de água e esgoto até aterros e construção e aluguel de casas na capital. Entre as vantagens contidas no contrato estão a exclusividade na exploração de serviços básicos de saneamento, isenção de tributos, e uma em especial chama atenção:

(...) O concessionário, ou empresa que organizar, também terá o domínio útil por 20 anos dos terrenos do Estado existentes na ilha em que se acha a capital. Salvo o sítio de Santo Antônio e bem assim os da Ilha do Príncipe.. (CAMPOS, 1996, p. 166).

Figura 1 - Planta da Cidade de Vitória em 1895

Fonte: CARLONI, 18953.

3 CARLONI, André. Planta Geral da Cidade de Vitória em 1895. 1895. 1 figura. Disponível em: http://legado.vitoria.es.gov.br/baiadevitoria/imagens/iph1895.jpg. Acesso em: abr. 2019.

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3.2 HISTÓRIAS DA VILA RUBIM

A partir momento, cresce o volume de iniciativas da empresa para garantir a obtenção do maior número de áreas possível na Capital, inclusive os terrenos do Estado que apresentavam proximidade com o porto e se localizavam em áreas por onde ainda não havia se concretizado a expansão horizontal da cidade, como Ilha do Príncipe, o Parque Moscoso e a Vila Rubim. Foi nesse contexto que surgiu o bairro da Vila Rubim no início do século XX, sobretudo devido à posição geográfica vista como passagem entre o continente e a Ilha, bem como a porta de acesso ao centro de Vitória. Na época o bairro era conhecido como Cidade de Palha, pois no local predominavam a pobreza e os casebres que abrigavam famílias de migrantes do interior do Espírito Santo e de outros estados. De acordo com a Prefeitura de Vitória:

O desenvolvimento da Vila Rubim sempre esteve relacionado à sua situação de passagem obrigatória para o continente e vice-versa e a expansão do Centro de Vitória. Depois da década de 20, com os aterros dos mangues que circundavam a Cidade Alta, a população da antiga Cidade Alta passou a ocupar outras áreas para moradia. Para a região da Vila Rubim dirigiram-se as famílias constituídas pelos portuários, dando origem à constituição do bairro (2011, s/p).

Fotografia 2 - Avenida Capixaba no início do séc. XX

Avenida Capixaba, atual Jerônimo Monteiro, na altura da FAFI, onde se vê o antigo prédio da Mesbla. Fonte: Acervo Digital Instituto Jones Santos Neves4, s.d.

4 1 fotografia. Disponível em: http://www.ijsn.es.gov.br/bibliotecaonline/Record/12217/Similar. Acesso em: abr 2019.

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Havia um ponto de desembarque de mercadorias que chegavam à baía de Vitória provenientes do interior do estado e eram comercializadas por pequenos mercadores. Nessa época, entretanto, a área não se constituía enquanto um mercado nos moldes clássicos, já que até o final do século XIX o principal mercado da cidade de Vitória estava localizado na Avenida Capixaba, atual Avenida Jerônimo Monteiro no centro da capital. O mercado foi demolido por não atender a demanda da cidade no início do século XX e em 1926 no mesmo lugar foi edificado um novo imóvel: o Mercado da Capixaba.

Em 1927, foi inaugurada a ponte Florentino Avidos, atual Ponte Seca. O Mercado da Vila Rubim surgiu na década de 40, nessa época as mercadorias eram vendidas ao ar livre. Recebeu o nome de Vila Rubim em homenagem ao coronel português Francisco Alberto Rubim que foi governador da capitania do Espírito Santo entre 1812 a 1819.

Fotografia 3 - Ponte Florentino Avidos

Ponte Florentino Avidos, atual Ponte Seca. Fonte: Mercado Livre5, s.d.

Até 1955, as mercadorias eram vendidas "a céu aberto" e, posteriormente começou a funcionar um mercado conhecido como Coréia. Os atuais galpões foram instalados na administração de Setembrino Pelissari. No início da década de 70 foram realizados

5 Produto à venda no site Mercado Livre, reprodução da fotografia digital disponibilizada na página, Disponível em: https://produto.mercadolivre.com.br/MLB-941037064-vix-2712-postal-vitoria-e-s-vila-rubim-_JM. Acesso em: abr 2019.

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aterros na região da Vila Rubim que resultou com o fim do cais, porém propiciou a valorização imobiliária da região.

Fotografia 4 - Avenida Duarte Lemos

Fonte: TATAGIBA6, 1929.

Na primeira metade do século XX a Vila era vista como o lugar mais animado de Vitória, não apenas pelo comércio varejista, mas também pela cultura. Lá existiam muitos clubes, bailes e outros eventos (PMV/SEDEC [s.d]). Para o padre Roberto Camilato, Reitor da Basílica de Santo Antônio e que nasceu na Vila Rubim, “o bairro foi sempre um centro irradiador de animação popular”. Lá estava a sede do Clube de Regatas Álvares Cabral que, além do remo, tinha quadras de esportes extensas a reunir a sociedade capixaba que se concentrava em finais de semana, fazendo da Vila Rubim um espaço cultural. Um exemplo é o Estrela Futebol Clube. Ele mantinha a Azul e Branco Escola de Samba Império da Vila (hoje Novo Império).

A partir de 1980, com o processo de expansão da malha urbana e crescente descentralização habitacional de Vitória, a cidade é ocupada para além do Centro e

6 TATAGIBA, José. Avenida Duarte Lemos, em 1929. À esquerda, fachada do Mercado da Vila

Rubim, já demolido. 1929. 1 fotografia. Disponível em:

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