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Estética negra: Um estudo contemporâneo sobre o cabelo da mulher negra na Serra do Cajueiro - Florânia RN

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Estética Negra: Um estudo contemporâneo sobre o cabelo da mulher negra na

Serra do Cajueiro – Florânia RN

3 ESTÉTICA NEGRA:

UM ESTUDO CONTEMPORÂNEO SOBRE O CABELO DA MULHER NEGRA NA SERRA DO CAJUEIRO – FLORÂNIA RN

1

Maricélia dos Santos Idalina Maria Almeida De Freitas – Orientadora2

RESUMO

O presente trabalho tem por objetivo compreender a partir de relatos orais, como um grupo de mulheres negras residentes na comunidade rural da Serra do Cajueiro município de Florânia, RN, convive nos dias atuais com seus cabelos, identificando práticas cotidianas que adquirem sentidos diversos para elas quando resolvem prendê-los, alisá-los, ou simplesmente , cuidar dos cachos que são reflexo de como elas veem seu tipo de cabelo ou como se relacionam com ele. Percebe-se em alguns relatos, interiorizações negativas acerca da própria estética negra, devido atitudes racistas , o que acaba por afetar a quem sofreu a experiência a ponto de fazê-la negar o seu pertencimento étnico para assumir outro modelo considerável mais aceito e mais “belo” socialmente. Há também mulheres que se dizem felizes com seu tipo de cabelo, e o manipulam de maneira a valorizar a peculiaridade do mesmo. A pesquisa nos mostra que, escrever acerca das mulheres negras residentes naquele espaço, e a sua estética capilar atualmente, tem sido um desafio, na medida em que para obter respostas, precisa-se de muita sensibilidade em captar tanto em suas vozes, quanto em seu silencio, traços de um racismo tornado naturalizado, e o que é mais preocupante, camuflado, invisível ou por vezes desconhecido por aquelas personagens de uma trama ainda pouco explorada, num espaço rural, que inicia seu processo de abertura a discussão do tema pela própria academia.

PALAVRAS-CHAVE

Mulheres negras. Estética capilar. Sentidos diversos. Contemporaneidade.

1 Discente do Curso de Especialização em História e Cultura Africana e Afro-Brasileira – Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Centro de Ensino Superior do Seridó (CERES), Campus de Caicó, Departamento de História (DHC). Graduada em História pela UFRN, CERES, Campus de Caicó. Professor da Rede Municipal de Ensino, na Escola Municipal Professora Antônia Maria de Lima (Assentamento Acauã, Santana do Matos RN), onde ministra a disciplina de História. E-mail: mariceliacaio@yahoo.com.br.

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Serra do Cajueiro – Florânia RN

4 1. INTRODUÇÃO

Nos dias atuais, convive-se ainda sob efeitos de certos estigmas utilizados com relação ao cabelo da mulher negra, na maioria das vezes associado ao tipo crespo, cacheado, dentre outros representados quase sempre de forma negativa, como algo que é inferior, ruim, feio, deixando nas entrelinhas, que tem - se que buscar a todo custo se igualar a outro padrão ideal de beleza bastante associado ao tipo de cabelo liso, supostamente tido como o tipo “natural” para pele clara.

Tais ideias disseminam-se, tornam-se naturalizadas e entranham-se na mentalidade das pessoas, que muitas vezes, tendem a achar mesmo que o cabelo crespo é o que os estigmas negativos sugerem ,não esquecendo de salientar que também já há certa preocupação em construir ideias mais positivas com relação ao cabelo afro à medida que existem tentativas de desnaturalização de ideias negativas acerca dessa estética capilar .

Adentrando aquele espaço, refiro-me a um traço de identidade marcante, que é o cabelo feminino, colocado em ênfase, também por ter caráter exterior e visível , assim como pelo desejo de entender como aquelas mulheres convivem com suas madeixas? Como costumam mantê-los diariamente? Há preocupação ou intenção de escondê-los? Sob quais recursos? Afinal de contas, quais são os sentidos ou significados de manter os cabelos alisados, cacheados, trançados, curtos, compridos, presos ou soltos?

Na tentativa de compreender tais questões e de construir uma fonte escrita que dê subsídios à pesquisa local, regional e nacional acerca das mulheres negras desta comunidade, me propus a esse estudo, com a constatação de que convivemos ainda com uma escassez considerável de bibliografias que tratem da História das mulheres negras, principalmente no espaço estudado, local esse que dispõe apenas de um trabalho monográfico meu e de outro historiador local .3

3

Tais trabalhos são: SANTOS,Maricélia dos – A contemporaneidade da mulher na Serra do Cajueiro – Florania RN: Cotidiano e história. Caicó R/N, 2009, Monografia – Centro de ensino Superior do Seridó, Universidade Federal do Rio Grande do Norte ; SENA Neto,Bernardino Galdino de.Espaço e Memória: O povoamento da Serra do Cajueiro - Florânia R/N no período de 1920 – 1940. Caicó R/N, 2006, Monografia – Centro de ensino Superior do Seridó, Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

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Tenho raízes naquele espaço, onde convivo atualmente e nos dias de hoje, observo a permanência e naturalização de conceitos na maioria das vezes, negativos sobre a estética e, sobretudo o tipo de cabelo das mulheres negras ali residentes - estereotipados como “cabelo ruim”-, fazendo-as por vezes negarem seu pertencimento étnico afim de assumirem outros modelos tidos como “belos” e mais aceitáveis.

A partir de entrevistas de histórias de vida, feitas em cada domicílio dessas mulheres, tentou-se identificar nas entrelinhas orais, como elas convivem com seu próprio cabelo, como cuidam dele, como usam (naturais, soltos, presos, curtos), enfim, como estão lidando nos dias de hoje com o próprio tipo e o que estão fazendo ou não para adequá-los a padrões de beleza naturalizados no seio da sociedade.

Permeando por entre as vozes de algumas mulheres negras, de uma faixa etária de 13 a 69 anos residentes na Serra do Cajueiro, percebe-se que elas convivem atualmente sob possíveis efeitos de um racismo naturalizado e talvez por isso mesmo, velado e quase invisível aos olhos despidos de lentes curiosas e investigativas em observância atenta a qualquer sinal, a qualquer ruído ou até mesmo, silêncios gritantes em uma trama cheia de suposições e estórias a serem descortinadas e contadas.

Para tanto, o presente trabalho está dividido em três capítulos: O primeiro intitula-se em (ABRINDO “CAMINHOS”/ VISLUMBRANDO CONCEITOS: Localização espacial e “identidades” negras)No mesmo tentou-se localizar geograficamente o território estudado, assim como a discussão teórico-conceitual que busca entender a identidade negra enquanto algo móvel em oposição ao estático.

No segundo capítulo –(CABELOS “PRESOS”: Embebendo-se em alguns sentidos.) faz-se alusão a alguns sentidos delas conviverem com seus cabelos,com tranças, usados basicamente, presos com “xuxinhas”tanto em casa, quanto fora de casa.

No terceiro e último capítulo que recebe o título de (TER CABELOS LISOS: Desejo comum e subjetivo), Discute-se alguns significados expressados por elas no que concerne a buscas pelo cabelo liso ou alisado como forma de quem sabe se sentir melhor ou de se enquadrar no padrão “ideal”, por vezes subjetivado em suas entranhas.

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6 2 . DESENVOLVIMENTO

2.1. ABRINDO “CAMINHOS”/ VISLUMBRANDO CONCEITOS: Localização espacial e “identidades” negras

Os lugares são histórias fragmentárias e isoladas em si, dos passados roubados a legibilidade por outro, tempos empilhados que podem se desdobrar, mas que estão ali antes como histórias a espera e permanecem no estado de quebra-cabeças, enigmas ,enfim simbolizações[...]

Certeau, 1994.

Para adentrarmos em lugares enigmáticos, que guardam em seus recantos, significados singulares, precisamos ter a coragem de ir ao encontro de realidades que serão desveladas; ou seja, estaremos retirando do silêncio ou do anonimato personagens de uma trama ainda pouco explorada no campo da pesquisa histórica, à medida que se trata de linhas soltas de um novelo emaranhado e muitas vezes permeado por vozes ocultas ou não ouvidas.

Nessa busca por emendar os fragmentos históricos, tenta-se fiar essa malha discursiva que se encontra principalmente na oralidade daquele povo já que: no município de Florânia [...] “a tradição oral permeia por entre os recantos sendo geradora de significados e espaço de preservação de sentidos e identidades culturais que vão passando de geração a geração.” 4

Não sejamos ingênuos em continuar com esse discurso de que os sentidos identitários de uma cultura ou de uma comunidade vão passar de uma geração a outra da mesma forma como se fosse algo inerte, sem vida, um bloco de pedra, e sim, pensar em algo muito mais líquido, que chacoalha , vai para um lado e para o outro, não permanecendo assim fixa em local nenhum, configurando-se em possibilidades de identidades sempre vivas e ativas.

4 Citação extraída de um resumo feito por Albery Lúcio da Silva e Maria Hozanete Alves de Lima (estudantes do curso de Letras pela UFRN) com o título Memória e Oralidade no Sertão Potiguar examinado pela presente pesquisadora na internet no dia 22 de maio de 2009 às 14:41 , disponível em www.google.com.br tradição + Florânia .

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7 FIGURA 01

Vista panorâmica de um dos Mirantes da Comunidade Cajueiro disponível em: pt.foursquare.com/v/mirante-e-bar-cajueiro-org-edson--familia/ Acesso em 09 de maio de 2016.

O espaço referendado neste artigo está situado na parte serrana, zona rural do município floraniense localizando-se a Norte, está distante 12 quilômetros da Sede, e configura - se como uma comunidade ainda muito ligada a agricultura de subsistência e a pecuária, assim como ao comércio local ,sem esquecer dos que saem para vender suas frutas5 nas cidades próximas, como: Caicó, Jucurutu, etc, como forma de obterem o sustento familiar.

Segundo um historiador local, a confirmação de seu povoamento veio ocorrer a partir da década de 20 do século passado, quando o homem branco começou a se fixar naquelas terras buscando, entre outras coisas, um lugar propício para a criação do gado bovino; ou seja, “da década de 20 a 40,foi o período em que se perscrutaram as transformações e mudanças territoriais e ocupacionais no território da serra do Cajueiro, Florânia RN” . (SENA NETO, 2006, p.11).

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Faz parte desse tipo de comércio, a fruta que estiver em seu período de safra no momento. Ex: Pinha , jaca,manga,caju,abacate,goiaba, enfim, a fruta do momento é tirada por um “mangaieiro” local que compra do proprietário e revende nas cidades mais próximas.

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Mas com relação aos negros? Quando eles começaram a habitar aquele espaço? Como podemos fazer referência a eles? Buscando respostas satisfatórias acerca da presença negra na serra do Cajueiro, nos voltamos à oralidade local para entender que: Tendo sido povoada através da agropecuária, alguns negros se deslocaram para lá na condição de trabalhadores braçais, e logo após, fixaram-se naquelas terras como posseiros em terras pertencentes aos sesmeiros- O que era comum nos solos floranienses e seridoenses- e a partir de muito trabalho, constituíram suas famílias.

Há portanto , uma ramificação de famílias negras no território serrano vindas de seis “troncos” familiares principais que são assim descritas: Tomáz, Rosendo, Brasão, Marques, André e Souza. Tais ramos se espalharam, alguns migraram para outros estados em busca de melhores condições de vida, outros para o Assentamento João da Cruz6,onde vivem basicamente da agricultura de subsistência , de aposentadorias por idade, pensões pelo INSS , assim como outras profissões como professoras, merendeiras, etc, mantendo ligações afetivas familiares na serra do Cajueiro já que: A maioria das pessoas construíram suas famílias alí naquele espaço.

Fato é que essa migração contribuiu e contribui para que a comunidade do Cajueiro venha se tornando cada vez mais desabitada, pois ao se deslocarem, a maioria dessas famílias beneficiadas com os lotes de terras deixaram suas casas abandonadas contribuindo para um processo de despovoamento do solo serrano , não esquecendo que muitos “troncos” familiares negros já faleceram, continuando porém, os filhos e netos.

Essa descendência se materializa também7 em mulheres fortes, que com bastante dignidade, vão escrevendo suas histórias enquanto matriarcas, mães, esposas, filhas, ou simplesmente mulheres negras que de forma peculiar deixam suas pegadas naquele chão, naquela terra vivida e sentida por todas elas.

Toma- se como suporte teórico fundamental as análises de Nilma Lino Gomes, que em 2002, discute as particularidades e possíveis relações entre Educação, Identidade Negra e formação de professores, enfocando a corporeidade e a estética. Em suas reflexões que são fruto de sua tese de doutorado, a autora discute as representações e concepções sobre o corpo

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Comunidade vizinha , fruto de apropriação pela reforma agrária, onde em 1999,duzentas famílias que moravam na serra do Cajueiro ,foram contempladas com lotes de terras e para lá se mudaram para cuidar de suas terras.

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É evidente que na comunidade em ênfase,não vivem somente mulheres. Também homens, crianças que juntos constituem famílias aparentemente guardiãs do modelo tradicional patriarcal, mas meu enfoque recai apenas na parte feminina ,nas mulheres.

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negro e o cabelo crespo, construídos dentro e fora do ambiente escolar a partir de lembranças e depoimentos de homens e mulheres negros entrevistados durante uma pesquisa etnográfica em salões étnicos de Belo Horizonte.

Para essas pessoas, a experiência com o corpo negro e o cabelo crespo não se resumem a família, a militância, ou aos relacionamentos amorosos. A escola aparece em vários depoimentos como um importante espaço no qual também se desenvolve o tenso processo de construção da identidade negra, o negro e seu padrão estético.

Consciente da distância entre o trabalho de Nilma e o nosso, nos apropriamos de alguns conceitos como forma de aproximação e encorajamento para discutir e pensar os traços identitários fenotípicos biológicos, não como determinantes, mas aliados ao meio social e cultural nos quais os sujeitos encontram-se inseridos e atuam ativamente para que se torne possível a construção de suas próprias identidades a partir de suas escolhas ou possibilidades atuais.

Nesse sentido, pensa-se identidade negra como algo construído pelo negro, “não só por oposição ao branco, mas, pela negociação entre os dois, pelo diálogo e pelo conflito entre ambos aonde as diferenças são imprescindíveis na construção da nossa identidade. (GOMES , ,2003 , p.8) .” Trata-se de algo mais plural, complexo e instável ,a medida que nós criamos varias identidades.

Nesse universo teórico conceitual, em que tenta - se entender e rodear o tema em questão de companhias coerentes , pode-se vislumbrar que:

A identidade e a diferença tem que ser ativamente produzidos. Elas não são criaturas do mundo natural ou de um mundo transcendental, mas do mundo cultural e social. Somos nós que as fabricamos no contexto de relações culturais e sociais. (SILVA ,2000).

Vê-se que inseridos em um contexto sócio - cultural, nós criamos não só uma, mas várias identidades que andam juntas com a diferença à medida que se traduzem em declarações sobre quem pertence e sobre quem não pertence. Afirmar identidades , significa demarcar fronteiras, fazer distinções entre o que fica dentro e o que fica fora, afirmando e reafirmando relações de poder.

Portanto, não se pode pensar os traços identitários de uma comunidade ou de determinado grupo étnico social enquanto fixos ou afixados em uma característica ou local. É

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bem provável que a dinâmica da identidade carregue os sujeitos em viagens por vezes transitórias por outras identidades conforme a necessidade, ou o bem estar, pois: “A possibilidade de cruzar fronteiras e de „estar na fronteira‟, de ter uma identidade ambígua, indefinida, é uma denominação do caráter „artificialmente‟ imposto das identidades fixas.”( SILVA,2000)

Reflexões como essas, fazem-nos acreditar que escrever acerca das mulheres negras e a sua estética atualmente tem sido mesmo um desafio, na medida em que para obter respostas, precisamos de muita sensibilidade em captar tanto em suas vozes, quanto em seu silencio, traços de um racismo tornado naturalizado, e o que é mais preocupante, camuflado, invisível ou por vezes sequer conhecido por aquelas personagens de uma trama ainda pouco explorada, num espaço pequeno, que inicia seu processo de abertura a discussão do tema pela própria academia.

Mas baseados em quem podemos falar de cabelo nos dias de hoje? E mais, que sentidos são adquiridos e vividos por aquelas mulheres para se auto - denominarem ou não enquanto mulheres negras de cabelos crespos no espaço agora estudado? Quais os elementos possíveis de relacioná-los com o pertencimento étnico-racial?

Os estudos referentes ao cabelo crespo despontam no cenário historiográfico de forma bastante tímida e lenta à medida que [...] Antes de 2002, o tema aparece tangencialmente em alguns trabalhos, como o de Muniz Sodré(1999), e o de Jocílio Teles dos Santos (2000) discutindo como é elaborada a imagem negra positiva em oposição as representações negativas dominantes.

Caminhando para uma compreensão acerca do conceito em si, para que seja possível uma problematização necessária, e assim possa surgir o significado mais coerente à realidade da Comunidade em ênfase, vagueia-se entre suportes teóricos interessantes e examinados pela pesquisadora que agora escreve. Dentre os quais, emana de algumas de suas páginas que:

O corpo é uma linguagem e a cultura escolheu algumas de suas partes como principais veículos de comunicação. O cabelo é uma delas[...] É um dos elementos mais visíveis e destacados do rosto. Em todo e qualquer grupo étnico ele é tratado e manipulado, todavia a sua simbologia difere de cultura para cultura. Esse caráter universal e particular do cabelo atesta a sua importância como símbolo identitário.(GOMES, 2003,p.8).

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A citação acima nos faz pensar que, sendo um elemento visível do corpo, o cabelo comumente apresenta-se como alvo de preconceitos, olhares e discursos racistas, assim como de inúmeras preocupações com relação ao cuidado dispensado a ele e as formas de manipulá-lo cotidianamente pelas mulheres.

Na realidade, “o cabelo é um dos principais focos de preocupação estética entre as negras [...],ele deixa de ser um simples traço fisiológico uma vez que carrega um sentido social”,o que nos faz perceber que enquanto signo de identidade , o mesmo encontra-se inserido na própria ideia de cultura de um dado espaço ou de uma dada comunidade; ou seja, as formas de manipulá-lo, o jeito como o mesmo é usado, se solto, se preso, se cacheado, se alisado, se coloridos, etc, diz muito de como ele é visto e o que significa a cada grupo social(MESCER apud CARNEIRO,2005.)

Ainda em busca de pistas relevantes que possam se aproximar de meu objeto visita-se peças teóricas do acervo brasileiro, em que uma delas vai reforçar alguns discursos negativos com relação ao cabelo dos negros: Trata-se do trabalho de Lúcia Loner Coutinho, que em sua dissertação de mestrado ,defendida em 2010, afirma que:

O cabelo dos negros é[...] o maior símbolo estético de estigma, sofrendo uma desvalorização evidente. O cabelo crespo é frequentemente chamado „cabelo ruim‟, enquanto o „cabelo bom‟ é europeizado, liso ou ondulado( COUTINHO , 2010,p.73)

Os estigmas negativos que recaem sobre o cabelo crespo são fruto do processo de europeização no período colonial brasileiro, que legitimava o modelo ideal de beleza como sendo o da mulher branca, o que acabava por colocar a mulher negra e seu corpo as margens de um sistema de dominação que oprimia este modelo estético tido como feio, fora dos moldes.

Nesse sentido, Sueli Carneiro8 deixa claro que essas ideias permanecem vivas no imaginário social, e o que poderia ser considerado como história ou reminiscências do período colonial, permanece, entretanto, vivo no imaginário social causando efeitos na busca e aceitação da própria identidade feminina das mulheres negras.

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Sueli Carneiro é fundadora e coordenadora executiva do Geledés – Instituto da Mulher Negra em São Paulo, SP.

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Em um terreno movediço, cheio de possibilidades, e refletindo acerca dos sentidos da estética capilar, nos perguntamos: Como as negras da comunidade em estudo constroem suas identidades? Que sentidos são atribuídos por elas sobre seus cabelos nos dias de hoje? Como se pode identificar ou caracterizar as práticas cotidianas com relação ao cabelo da mulher negra naquele espaço serrano? Quais são os significados vivenciados por aquelas mulheres em suas escolhas em permanecerem com os cabelos crespos, presos, alisados? Afinal de contas o que as influenciam agir de tal forma? É o que tentaremos entender a partir de agora.

Em busca de respostas ou suposições satisfatórias acerca desses sujeitos, convido-os a entrarem comigo naquele universo cheio de curiosidades e versões a serem problematizadas e abordadas, para tentarmos compreender um pouco daquele universo singular .Adentremos no próximo capítulo.

. 2.2.CABELOS “PRESOS”: Embebendo-se em alguns sentidos.

Eu uso meu cabelo preso, porque ele é muito volumoso, ele fica bem altão[...] Quando eu vou sair eu uso umas “xuxas”.(Ana Célia da Silva)

Eu só solto ele quando eu lavo ,quando enxuga ,eu prendo, não gosto de viver com ele solto.( Maria do Socorro Silva Nunes)

Na companhia daqueles sujeitos, permeando por entre suas vozes, vislumbra - se algumas práticas tornadas cotidianas na comunidade em estudo como forma de conter o volume dos cabelos por meio de presilhas. Uma dessas práticas é citada por uma das entrevistadas, como podemos observar a seguir.

Refiro-me ao uso da trança9, referenciada aqui como exclusividade das noites rurais de Dona Francisca. A mesma nos diz que: “De noite , quando eu vou dormir, eu costumo fazer

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A tradição das tranças veio da África, onde elas eram bem mais do que simples adornos para a cabeça. A maneira de trançar os cabelos tinha vários significados: podia indicar status social e até sinalizar que a pessoa em questão estava interessada em se casar. No Brasil, as tranças estão ligadas ao mundo black, da música, da moda, e fazem sucesso com negras e brancas. Além de modernizar a cabeça, elas dão um jeito no volume excessivo dos cabelos crespíssimos e ajudam os fios a crescer, pois previnem que eles sofram com as agressões do dia-a-dia.Disponível

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uma trança, para que ele (o cabelo), amanheça menos assanhado .(PEREIRA , 69 anos , 03 de março de 2016).

Segundo ela, ao trançar o cabelo, este permanece impossibilitado de se assanhar totalmente e ao amanhecer, dará menos trabalho em arrumá-lo para o dia que se inicia.

FIGURA 02 - Francisca das Chagas Pereira

Fonte: Acervo particular da autora

A referida senhora, reside na comunidade desde criança e é testemunha ocular e auditiva de discursos negativos acerca da estética negra, que certamente lá pela década de 50 do século XX, eram sentidos em forma de apelidos principalmente na escola pelos colegas de pele mais clara. É o que percebe-se em sua fala quando a mesma diz que: “sofreu com os apelidos na Escola, „nega do cabelo duro‟, o que nos faz pensar que a sua mãe sempre fazia tranças nela como forma de evitar a exposição de seu cabelo e livrá-la de situações constrangedoras que se repetiam cotidianamente na vida escolar de Dona Francisca.

em<http://segredosafricanos.pbworks.com/w/page/7055392/est%C3%A9tica_cabelos>Acesso em 08 de maio de 2016.

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O uso da trança também nos remete a um costume comum e segundo a referencia acadêmica, entre os negros “além de carregar uma simbologia originada de uma matriz africana ressignificada no Brasil, é também um dos primeiros penteados usados pela criança negra [...] (GOMES, 2003.)”.

Continua-se entrevendo que durante o dia ela o mantem sempre preso com xuxinhas.10 devido ao calor excessivo que sente quando está concentrada nos afazeres domésticos de cada dia por isso prefere sempre deixar ele envolto em seus rabicós.11

Inclusive mantê-los presos parece mesmo ser uma prática quase que unânime entre elas, pois todas as entrevistadas declaram que não os deixam soltos, nem quando vão sair e que entre os motivos estão o fato de que não gostam de vê-lo assanhados, por que sentem muito calor, ou por que acham “feio”, ou ainda por pensarem que as outras pessoas vão falar mal , estigmatizá-lo de alguma forma.

Sendo assim, ouve-se atentamente outra personagem relatando que seu cabelo sempre está preso “tanto quando está em casa, quanto quando sai pra ir à cidade, pra uma missa, enfim, quando precisa se ausentar de seu lar, sempre o mantém preso.” ( SOUZA, 60 anos,28 de fevereiro de 2016) .

FIGURA 03- Sebastiana Américo de Souza

Fonte:www.facebook.com/photo.php. Acesso em:09 de maio de 2016.

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De acordo com a tradição oral, “xuxinhas” quer dizer o instrumento utilizado para juntar os cabelos longos evitando que eles fiquem soltos .

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Na imagem acima Dona Sebastiana encontra-se com o cabelo um pouco preso, um pouco solto, pois era dia da Formatura de um sobrinho dela , e ,indo a uma festa, preferiu fazer um penteado diferente do corriqueiro. Ela deixa claro que se não for uma festa especial ,o mantém sempre preso.

Entremeando agora na oralidade de mulheres filhas de décadas mais recentes , vê-se que alguns sentidos permanecem e que outros significados surgem no horizonte da pesquisa como sendo fruto de uma pluralidade de vivencias e particularidades sentidas e observadas atentamente por esta pesquisadora que agora vos escreve.

Faz-se alusão a historia de vida de Ana Célia da Silva, que com 37 anos de idade, casada, mãe de duas filhas – uma com 21 outra com 13- vive basicamente para a sua casa e a sua família, considera-se morena, e tem o cabelo “um pouco cacheado”. A mesma demonstra imprecisão quando diz que gosta de seu cabelo como ele é. É o que observa-se a seguir:

[...]Gosto dele .As vezes, eu penso em fazer algum tratamento de alisamento, mas tenho medo de não dar certo. As vezes eu penso mais volto atrás. Eu penso em ficar pior do que ele já é né? Ficar mais “fêi” porque eu nunca dei nada, nunca pintei[...] as vezes o que eu faço é dar a prancha somente.( SILVA , 37 anos,18 de março de 2016).

Há aqui uma contradição. Como ela diz que gosta de seu cabelo, mas tem o desejo de torna-lo mais liso? Ao dizer que teme dele ficar mais “feio” do que já é, afirma claramente que não é satisfeita com o tipo de seu fios capilares. Será que o uso da prancha a assegura de que ele voltará a ser como é? Seria essa uma tentativa de manter sua identidade negra preservada? Ou o medo do desconhecido, de supor que um tratamento alisante não é definitivo pelo fato de que novas raízes irão nascer como ela é a faz recuar?

A personagem referenciada ainda deixa claro que a forma de manipulá-lo restringe-se a prendê-lo com xuxas em casa e fora de casa devido ao próprio volume excessivo que a faz não ter coragem de deixa-lo solto hora nenhuma.

O cotidiano acima descrito, faz parte da vida de Maria do Socorro Souza Nunes, também casada, mora com o esposo e um único filho, o que a torna a principal responsável por toda a organização da casa. Esta se considera morena com cabelos crespos vinda de uma

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família negra que é descendência dos “Souza,” onde a maioria tem esse tipo de cabelo em seu fenótipo e pele negra. Em nossa entrevista a mesma diz que:

Eu gosto do meu cabelo e me sinto bem, assim, eu só não gosto de viver com ele solto, eu só solto quando eu lavo,ele fica bem cacheadim ,aí quando enxuga, aí eu vou e prendo. Só não gosto de viver com ele solto[...] porque eu acho fei[...]quando começa a secar ,a assanhar um pouquinho ,aí eu vou e prendo(NUNES, 39 anos,04 de abril de 2016).

FIGURA O4 – Maria do Socorro Souza Nunes

Fonte: Acervo particular da autora

Parece que a opção por prendê-lo é uma forma de “disciplinar” o cabelo, de tentar esconder o volume excessivo, o que aponta para uma não aceitação dele enquanto signo de identidade ou de matriz africana a qual ao que parece, não quer ser herdeira ou fazer parte.

A personagem descrita, em seu íntimo sabe ou sente que “A mulher negra é vítima de uma forte desvalorização em vários níveis, inclusive esteticamente.”(CARNEIRO,2005),o que talvez venha a contribuir para que ela se afirme enquanto “morena” e não como negra e

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que pareça alheia ao problema do racismo a medida que afirma que nesses trinta e sete anos vividos, nunca se deparou com algum tipo de preconceito racial. Será que eventualmente tendo sofrido a violência, ela negaria a experiência de racismo ,mostrando o quão é forte é o processo de “ invisibilização do mesmo?”(OLIVEIRA,2009,p.270).

Ainda a historiografia vem afirmar que “o negro vive cotidianamente a experiência de que sua aparência põe em risco sua imagem de integridade” dizendo também que hoje vive -se o que ela chama de

Racismo camuflado, um problema social que produz efeitos sobre o negro afetando sua própria possibilidade de se constituir como indivíduo no social; não se discute racismo que, na condição de um fantasma, ronda a existência dos negros (NOGUEIRA,p.42).

Se faz necessário que esse “fantasma” se materialize e que possa ser combatido. Nesse sentido, a invisibilidade torna quase impossível uma atitude de combate ao racismo, pois como se pode reagir a partir de algo oculto, incutido na mentalidade das pessoas racistas que não expressam oralmente o que pensam?

A mulher referenciada, mesmo demonstrando recusa com seu cabelo, não pensa em fazer tratamento de relaxamento ou alisamento alegando que tem medo dos fios ficarem fracos e caírem. Ainda utiliza a prancha de vez em quando pois “Nem prancha eu gosto de dar direto .Eu dou uma vez, passo outo tempo sem dar. Queima o cabelo dando muita prancha. E quando eu vou dar, eu dou um banho de creme u um banho de óleo pra poder eu dar.”

Seria mais fácil ter os cabelos lisos? O que fazer para que eles se tornem menos crespos e cacheados? O que esse racismo tornado natural e quase invisível é capaz de causar nas negras de cabelos crespos da comunidade do Cajueiro? É o que observa - se nesse momento específico do texto:

2.3.TER CABELOS LISOS: Desejo comum e subjetivo

É mais fácil funcionar nessa sociedade com o cabelo alisado [...] dá menos trabalho por ser mais fácil de controlar e por isso toma menos tempo( HOOKS, 2005).

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18 Não gosto do meu cabelo porque dá trabalho pra pentear, pra lavar, pra tudo. Se ele fosse mais liso até com as mãos se modela. Já ele cacheado tudo precisa mais,creme pra pentear, condicionador[...] (Tatianny Pereira da Silva,25 anos)

Assim como Bell Hooks, algumas perguntas frequentes se tornam coerentes: Os cabelos crespos precisam mesmo ser controlados ?Há realmente um desvio de normas estabelecidas , ou esses fios necessitam de mais tempo para serem arrumados? O corpo e o cabelo negros precisam mesmo se adequar a outros padrões?

As referencias de epígrafes acima citadas sugerem que a maioria das mulheres negras ainda não conseguem se aceitarem e se amarem , buscando se enquadrar no modelo ideal branco porque a opressão sofrida com relação a estética negra deixa marcas em seu psicológico e elas interiorizam a ideia de que não são belas, que estão inadequadas e que precisam se adaptar para serem melhores aceitas na sociedade , o que de certa forma torna tão histórico como atual o sistema de dominação racial.

Nesse sentido,

Além do fato de escolhermos a maneira como usar o cabelo, é fato que o grau de opressão influencia a capacidade de auto - amor. As preferências individuais perpassam pela realidade em que nossa obsessão coletiva com alisar o cabelo negro reflete psicologicamente como opressão e impacto da colonização racista. (HOOKS,2005).

Guardando-se as devidas distâncias e na tentativa de aproximar meu objeto de pesquisa, continua-se vislumbrando na fala de algumas entrevistadas que afirmam claramente que não gostam de seus cabelos crespos, que não são felizes com o tipo deles. Assim nos relara Tatianny Pereira da Silva:

Me sinto melhor quando ele tá liso ,até porque ele cacheado ou crespo, hoje em dia ainda tem muito preconceito né? Você vê uma de cabelo liso, olha que cabelo lindo maravilhoso! Vê uma de cabelo crespo, minino, parece uma bucha de Bombril[...] Tudo isso é uma dificuldade[...] Incomoda por mais que agente tente não se sentir incomodada[...] eu mesmo não sou feliz com o meu não.(SILVA,25 anos,04 de abril de 2016).

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19 FIGURA 05- Tatianny Pereira da Silva

Fonte: Acervo particular da autora

A referida mulher mora no Assentamento João da Cruz já mencionado no início do texto, é casada, tem uma filha de quatro anos e diz que sofreu com apelidos racistas já na Escola, e desde esse tempo, ela busca mudar o seu cabelo fazendo o possível para que ele sempre esteja arrumado para talvez evitar que esse relato que vamos ler, venha a se repetir. Segundo ela:

Quando eu era pequena escutei muito na escola, escutava muito, seu cabelo dá pra fazer Bombril, bucha, isso e aquilo outro. Desde aí, quando eu era pequena ,eu já fui me incomodando, né? Se eu tivesse cabelo liso eu não escutava isso.

Percebe-se nesse caso que o que os outros falam sobre seu cabelo não só a incomoda, assim como a afeta psicologicamente, a deixa triste, com raiva de sua fibra capilar a ponto de negá-la e até mesmo usar produtos químicos alisantes e a “chapinha”12 sempre que vai sair.

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Interessante que ela diz que mesmo quando ele está pranchado o mantém preso porque para ela vão olhar e dizer: “Olha o cabelo daquela mulher, tá muito volumoso, fico passando a mão”.

O seu relato nos leva a pensar que apesar dela sempre tentar mantê-lo liso, no fundo ela sabe que a medida que ele for crescendo, sua raíz brotará de seu couro cabeludo para confirmar a sua origem crespa. Parece que há uma interiorização do “feio” em oposição ao “belo”. Uma condição que a importunou e a importuna, a fez sofrer preconceito racial deixando resquícios e sendo sentida diariamente em sua pele a ponto dela achar que está e estará sempre fora de lugar, fora do eixo, fora do padrão mais aceitável socialmente ainda nos dias de hoje, já que:

A postura de alisarmos nossos cabelos representa uma imitação da aparência do grupo branco dominante, e com frequência indica um racismo interiorizado, um ódio a si mesmo que pode ser somado a uma falta de auto-estima. ( HOOKS,2005.)

A partir da interiorização de que o cabelo liso é mais “bonito”, é que algumas mulheres acham que alisar seria a solução como a personagem a seguir: Diz ela que ainda não alisou, mas

Se chegar a alisar é pela própria vontade, „porque eu gosto do meu cabelo‟, mas quando eu vejo uma pessoa cum o cabelo grande, bem lisinho, eu acho bonito. Quando eu era pequena, ele era liso, grande, a coisa mais linda do mundo. Aí mamãe mandou aparar as pontas, ficou desse jeito. Desgraçou meu cabelo. (SILVA , 37 ANOS,18 de março de 2016).

O desgosto demonstrado no relato e nos olhos dessa mulher, por não ter mais o cabelo liso, vai de encontro a ideia de que aceita seu cabelo crespo , causando sensação de que algo se perdeu pelo caminho e que hoje , ela encontra-se fora dos moldes buscados.

Outra mulher já referenciada diz que gosta de seus cabelos, mas que se pudessem escolher, eles seriam lisos. (SOUZA , 60 anos,28 de fevereiro de 2016).

Das entrevistadas ,duas delas se mostram mais felizes e ao que parece, aceitam suas madeixas como são. Uma delas se chama Maria Aparecida Silva, 29 anos, casada, uma filha e

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diz que “temos que nos aceitar do jeito que somos”. Ela não alisa, nem prancha, sequer pensa em mudar seu cabelo. Quando vai sair, opta por fazer tranças ou coques.13

FIGURA 06 – Maria Aparecida Silva

Fonte: Acervo particular da autora

Aparentemente, esta se sente muito bem com sua fibra capilar, demonstra auto-confiança e auto-amor, que com certeza a ajudam muito a enfrentar qualquer situação de racismo que possa cruzar o seu caminho, já que ela deixa claro que: “Nunca sofri preconceitos ou racismo ,mas se acontecer, eu não fico calada não. Eu me defendo.”

A outra se chama Graciele Oliveira, está com treze anos, e afirma que por mais que goste de usar seu cabelo preso, não faria alisamento pois segundo ela, “não acha legal as mudanças radicais, gosta de seus cachos e de seu cabelo “natural”.

Nesse universo também se encontra inserida a jovem Ádla Clarice- 16 anos- residente no Assentamento João da Cruz, solteira vivendo com seus pais e irmão. Ao que parece, ela exibe seus cachos feitos pelas mãos de sua mãe todos os dias e diz que não pretende alisá-lo ou fazer qualquer tratamento capilar que tire a característica principal e que ela mais gosta,

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pois ela sente prazer em arrumá-lo, mesmo confirmando-nos que dá bastante trabalho mantê-los “bonitos.”

FIGURAS 07 E 08 – Ádla Clarice

Fonte: Acervo particular da autora

A atitude dessas duas últimas personagens da nossa trama ,nos faz pensar que naquele espaço serrano inicia-se um processo de auto -valorização que se opõe a maioria das mulheres negras entrevistadas, que não se imaginam sem as “chapinhas”, ou de alguma forma procuram esconder os crespos com presilhas, só soltando eles no momento de lavar.

Finaliza-se por enquanto com uma frase bastante significativa que diz o seguinte:

É pela necessidade de construirmos uma autoestima desde cedo, que se faz necessário romper com esse padrão estético racista e a todo momento lutar contra a invisibilidade com que somos tratados, para que essa sociedade entenda, com muito amor, de uma vez todas: O NOSSO CABELO CRESPO

NÃO É RUIM.(Luara Vieira)14

14A invisibilidade da estética negra: a dor do racismo sobre nossos cabelos

Por Luara Vieira – Disponível em :<

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23 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Mergulhando por algumas páginas e permeando por entre as vozes irrompidas do silêncio em que encontravam - se imersas, tentou-se dar visibilidade ao cotidiano de algumas mulheres negras de idades diferentes da comunidade rural da Serra do Cajueiro, Florânia RN, referente à sua estética capilar, tentando entender como elas convivem com seus cabelos crespos e que sentidos são construídos,afim de colorirem o espaço com suas identidades peculiares daquela elevação serrana floraniense .

A partir dos novos paradigmas que as permitem falarem de si mesmas de forma direta, torna-se possível e prazeroso ter um contato mais íntimo com o objeto, tendo a oportunidade única de fazer interpretações reais ao vivo e a cores.

Sendo a interpretação um dos principais ofícios do historiador, tornou-se indispensável o olhar singular da presente pesquisadora sobre as entrevistas arroladas no decorrer da pesquisa a imprimir conclusões que carregam em si um pouco dela como uma tentativa de descortinar uma história, até então, oculta ou invisível ou quem sabe problematizar e incentivar novos olhares para aqueles sujeitos históricos.

Nesse sentido, pode-se dizer que àquelas mulheres, vivendo no contexto atual de um país marcado por resquícios de um sistema colonial racista, entranhado na mentalidade das pessoas, e interiorizado tanto pelos que agem ou pensam de forma negativa com relação aos negros, assim como por aqueles e aquelas que sentem na pele olhares racistas que por vezes falam mais do que as palavras e que deixam impregnadas e subjetivados sentimentos negativos com relação ao tipo de cabelo crespo, tido ainda como inferior ao liso.

É provável que tais subjetivações as façam pensar que seus cabelos são feios, e que por isso, elas não se sentem a vontade para soltar suas madeixas ,ao contrário ,preferem deixa-las a maioria do tempo, presas e quem sabe, protegidas contra possíveis olhares de reprovação que incomoda algumas delas e encoraja outras a afirmarem seu pertencimento étnico-racial frente a uma sociedade que ainda guarda em seus interstícios a “negrura” perversa do

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Racismo, que quanto mais velado, mais corrói .Assim como a ferrugem ,ele tende a tornar as pessoas negras com aparência feia, brilho ofuscado e auto - estima abalada.

Porém, essa realidade não impede algumas delas de se sentirem felizes com sua estética capilar e de se orgulharem de ter tais traços fenotípicos à medida que não querem mudar seus cabelos, nem mesmo alisá-los. Para essas, talvez seja mais importante cuidar deles com manuseios especiais, por vezes carinhosos,e específicos ao seu tipo do que buscarem se enquadrar em modelos pré-determinados e incoerentes a elas.

Dessa forma, conclui-se dizendo que em virtude do pioneirismo do trabalho, esteve presente por um lado, a dificuldade de interpretação das fontes e tomadas de posições como forma de construir essa história, assim como o desejo de vencer os obstáculos ora apresentados no caminho percorrido, através da dedicação e o cuidado em ouvir novas vozes e experiências a tornar colorido e, sobretudo visível esses traços de identidades negras que nos dias atuais está sendo mais valorizado e estudado por aqueles que pretendem inserir as vozes que faltavam na historiografia e para esse trabalho se confirmou como sendo o objeto chave para a resposta ou suposições às questões problematizadas no início do texto.

Portanto, espera - se com este, se não o esclarecimento dessas questões pelo menos o seu início, como também a ponte para outras indagações que possam surgir nas mais diferentes épocas e lugares pelos mais diversos pesquisadores a ser um caminho possível de trilhar, e a partir dele, haja a possibilidade de construção de novas pesquisas que com certeza enriquecerão a história das mulheres negras e a história local de forma bastante significativa, já que a narrativa histórica está sempre em contínua construção.

BLACK BEAUTY:

A CONTEMPORARY STUDY ON THE HAIR OF BLACK WOMAN IN CASHEW SERRA - Florânia RN

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This study aims to understand from oral accounts as a group of black women living in the rural community of Serra do Cajueiro municipality of Florânia, RN, live in the present day with her hair, identifying everyday practices that acquire different meanings for them when resolved to arrest them, smooth them, or simply take care of curls that are a reflection of how they see your hair type or how they relate to it. It can be seen in some reports, negative interiorizações about the very black aesthetic, because racist attitudes, which ultimately affect who suffered the experience enough to make her deny her ethnic group to take another handsome model more accepted and more " beautiful "socially. There are also women who say they are happy with your hair type, and manipulate it in order to appreciate the uniqueness of it. Research shows us that writing about the resident black women in that space, and its aesthetic currently hair has been a challenge, in that for answers, one needs a lot of sensitivity in capturing both in their voices, as in his silence, traces of racism become naturalized, and what is more worrying, stealthy, invisible or sometimes unknown by those characters in a plot little explored, in rural areas, which begins its process of opening the subject of discussion by the Academy.

Key words

Black women. Capillary aesthetics. Several directions. Contemporaneity.

FONTES ORAIS

Ádla Clarice, 16 anos, residente no Assentamento João da Cruz.

Ana Célia da Silva , 37 anos, residente na Serra do Cajueiro.

Francisca das Chagas Pereira , 69 anos, residente na Serra do Cajueiro.

Graciele Oliveira da Silva , 13 anos,residente na serra do Cajueiro.

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Maria do Socorro Souza Nunes,39 anos,residente no Assentamento João da Cruz.

Sebastiana Américo de Souza ,60 anos,residente na Serra do Cajueiro.

Tatianny Pereira da Silva ,25 anos, residente no Assentamento João da Cruz.

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Referências

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