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Normas de gênero e a heterogeneidade das mulheres: vivências distintas no mercado de trabalho e nos cuidados

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Academic year: 2021

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Grupo de trabalho 32

Articulação entre trabalho e família: novas demandas ou velhos problemas?

Normas de gênero e a heterogeneidade das mulheres: vivências distintas no mercado de trabalho e nos cuidados

Luana Passos1 Lorena Souza2

1 Doutora em Economia pela Universidade Federal Fluminense e pós doutoranda na demografia pela UFMG. 2 Licenciada em Biologia pela Universidade Federal do Recôncavo da Bahia.

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Normas de gênero e a heterogeneidade das mulheres: vivências distintas no mercado de trabalho e nos cuidados

Resumo

Pensar em termos de uma divisão sexual do trabalho tem elucidado a posição diferenciada que homens e mulheres ocupam na sociedade. Todavia, os avanços possibilitados pela teorização e exposição de uma divisão sexual do trabalho não dispensam a demanda pela compreensão de como a raça e classe comparecem como princípios reguladores nas relações sociais entre os sexos. O objetivo desse artigo é investigar a experiência brasileira no mercado de trabalho e nas atividades domésticas interseccionando gênero, raça e classe, de modo a elucidar a heterogeneidade das mulheres. Para tanto, a pesquisa se valerá da análise descritiva dos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de domicílio (PNAD), anos de 2005 e 2015. Os resultados apontam que as mulheres negras e pobres brasileiras encontram-se em situação mais precarizada frente às mulheres brancas e ricas, em um amplo leque de indicadores. Portanto, em que pese às normas de gênero alcançarem todas as mulheres, os dados evidenciam que os efeitos comportam gradações de acordo com a cor e a classe social a qual elas fazem parte.

Palavras-Chave: gênero; divisão sexual do trabalho; heterogeneidade; interseccionalidade.

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1. Introdução

As mulheres tiveram sua participação no mercado de trabalho e sua atuação fora da família constrangidas, devido às atribuições sociais que lhes conferiram a função de cuidadoras do lar na contrapartida da provisão financeira dos maridos. Embora o modelo de homem provedor e mulher cuidadora não seja mais a marca das sociedades ocidentais, as dissimetrias de papéis sociais permanecem, fazendo com que as mulheres tenham sua trajetória marcada por vulnerabilidades.

As evidências são contundentes em relação às limitações que a mulher enfrenta em sua sociabilidade ora devido às próprias responsabilidades familiares que elas assumem, ora pela discriminação e preconceito que modulam relações no mercado de trabalho, ora pela sobreposição dos efeitos domésticos e discriminatórios.

Tem de se destacar, no entanto, as assimetrias entre as mulheres. A realidade revela uma experiência social diversificada feminina, o que coloca em xeque a ideia de categoria homogênea que por longa data orientou a ação do movimento feminista.

O feminismo negro teve nesse percurso, de questionamento da homogeneidade das mulheres, um proeminente papel. As feministas negras questionaram o feminismo vigente dado que, a despeito de perceber as inter-relações entre gênero e classe, desconsiderava outras inter-relações relevantes como o racismo e a homossexualidade na definição de desigualdades.

Interseccionar gênero, raça e classe presta, portanto, uma avultada contribuição no entendimento de como outros fatores identitários organizam, ou até mesmo hierarquizam, as experiências sociais. Ter as mulheres como categoria homogênea pode escamotear no privilégio de algumas as desigualdades latentes na vida de tantas outras, sendo relevante desnudar as assimetrias intra gênero e buscar seu enfrentamento tanto quanto o embate das dissimetrias intergênero.

No caso do Brasil, os dados elucidam padrões diferenciados no mercado de trabalho e nos cuidados que comprometem de forma específica as negras e as pobres. As desvantagens vivenciadas pela população negra e pobre demandam, portanto, que as políticas para as mulheres não sejam cegas ao atributo racial e econômico como potencializador das desigualdades.

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O objetivo desse artigo é investigar a experiência brasileira no mercado de trabalho e nas atividades domésticas interseccionando gênero, raça e classe. Para tanto, o artigo está dividido em duas seções além desta introdução e das considerações finais. Na primeira seção se discute as interfaces entre gênero, raça e classe como princípios organizadores na vida das mulheres. E na segunda seção são apresentados dados brasileiros que corroboram a experiência diversificada das mulheres no mercado de trabalho e na função de cuidar.

2. Interfaces entre gênero, raça e classe

Em sintonia com a ideia de que as diferenças biológicas definem as habilidades modularam-se socialmente funções assimétricas de acordo com o sexo. Sendo assim, as relações sociais circunscreveram as aptidões femininas ao espaço privado e as masculinas a vida pública, perpetuando-se por gerações a obrigação moral da mulher com a família e a dos homens com as responsabilidades de provisão material.

A gênese da concepção de que certas atividades são produtivas e outras reprodutivas ampara-se justamente na definição de espaços e funções sociais díspares conforme o sexo. A distinção entre produção e reprodução é uma forma de afirmar as diferenças sociais nas peculiaridades biológicas, de forma a designar às mulheres, as únicas capazes de reprodução biológica, as atividades reprodutivas e aos homens, que fisicamente não dispõem dessa habilidade, as tarefas produtivas. Essas atribuições sociais tiverem como efeito a vivência por parte das mulheres de uma posição social mais precarizada, em especial nas relações de trabalho. Assim, as pesquisas sobre gênero e trabalho compartilham o pensamento de que a divisão sexual do trabalho atravessa e é fundamental nas relações sociais (BIROLI, 2016), sendo orientadas por dois princípios: “o de separação (existem trabalhos de homens e outros de mulheres) e o da hierarquização (um trabalho de homem “vale” mais do que um trabalho de mulher)” (KERGOAT, 2009, p.67).

Todavia, cabe ponderar que, a despeito dos prejuízos sociais comuns as mulheres, raça e classe comparecem como atributos diferenciadores ou potencializadores de desvantagens. De forma antagônica sempre se deu as análises a respeito das relações sociais de sexo e as relações de classe e raça. Por muito tempo essas relações foram investigadas de modo separado, como se um tipo de relação não gerasse nem fosse engendrado no outro.

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Kergoat (2010) advoga que as relações sociais devem ser entendidas como consubstanciais e coextensivas, o que implica em fazer uma leitura da realidade social percebendo e concedendo relevo ao entrecruzamento dinâmico e complexo do conjunto de relações sociais. Os termos consubstancialidade e coextensividade chamam atenção para o fato de que as relações sociais se interagem, se estruturam e se imprimem mutuamente, havendo um relacionamento intrínseco de umas com as outras a despeito de serem componentes de um sistema contraditório e marcado por tensões.

A realidade social pode também ser lida operacionalizando o conceito de interseccionalidade. O conceito de interseccionalidade chama atenção para o fato de que as vulnerabilidades femininas são mais pujantes que a simples soma do racismo com o sexismo e classicismo. A interseccionalidade, portanto, procura abarcar múltiplas formas de identidade, e, a forma que as relações sociais se transversalizam. Esse conceito tenta atar os efeitos estruturais e dinâmicos da interação entre dois ou mais eixos da subordinação, com relevo para o modo pelo qual o racismo, o patriarcado, e outros sistemas discriminatórios concebem dissimetrias básicas entre as mulheres (CRENSHAW, 2002).

Para Crenshaw (1989), uma interdependência marca as relações de poder de raça, sexo e classe, fazendo com que relações interseccionais restrinjam ou potencializem as trajetórias de vulnerabilidade das pessoas.

A analogia dos indivíduos como vias de trânsito possibilita a compreensão de que diferentes opressões se cruzam, sendo a posição social das pessoas produzidas nesse entrecruzamento (CRENSHAW, 2002). Notadamente, atributos como raça, classe, gênero, sexualidade, etnicidade, nação, habilidade e idade operam como fenômenos que se delineiam de modo recíproco, dando forma as desigualdades sociais complexas (COLLINS, 2009, 2015).

Para Collins (2015) a interseccionalidade, como uma espécie de guarda-chuva, abriga uma variedade de estudos pautados em motivações e problemas distintos. Conforme a autora, nesse amplo leque de intervenções a interseccionalidade pode ser lida a partir de três eixos: i) a interseccionalidade como campo de estudos; ii) a interseccionalidade como estratégia analítica; e iii) a interseccionalidade como uma forma de práxis social.

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Hirata (2014) aponta que tanto o conceito de Kergoat (2010) como o de Crenshaw (1989), a despeito de suas diferenciações e controvérsias, possibilitam o avanço no conhecimento da dinâmica e das interfaces das relações sociais e o enfrentamento as polivalentes formas de opressão. Todavia, Kergoat (2010) ressalta que o conceito de interseccionalidade é limitado, uma vez que alguns aspectos das relações sociais são desconsiderados ou considerados de forma insuficiente. A autora aponta que o conceito de interseccionalidade de Crenshaw dificulte pensar que as relações sociais são moveis e historicamente determinadas.

Em que pese às críticas de Kergoat (2010) ao conceito de interseccionalidade, este, aparentemente, facilita a análise da realidade social, sendo adotado nesse artigo.

Hierarquias marcam a vida das mulheres, dado o privilégio de classe as posicionar diferentemente (BIROLII; MIGUEL, 2015). Esse fato fica claro, por exemplo, na experiência feminina em relação ao trabalho não remunerado. Para Sorj (2013), a divisão sexual do trabalho doméstico se apresenta de forma tão desigual e desfavorável às mulheres que muitas das vezes se considera que a categoria gênero consegue dar conta da organização do trabalho doméstico. Aponta a autora que ao introduzir outras dimensões na análise, como renda, fica clara, a heterogeneidade das mulheres, revelando que o trabalho doméstico comporta experiências sociais diversificadas.

Comumente ocorre uma redução do tempo gasto pelas mulheres com tarefas domésticas à medida que se ascende nos estratos de renda, não sendo válida a afirmação para os homens cujo o estrato de renda não exerce muita influência no tempo que é dedicado ao lar. Comparecem como elemento definidor na divisão sexual do trabalho o acesso diferenciado das famílias aos serviços de cuidados, estando muito da desigualdade intra gênero imbricado nessa diferenciação.

A renda cria clivagens objetivas entre as famílias, nas quais os homens de classe média e alta também compartilham da experiência ao vivenciar a redução da tensão com as mulheres que acessam no mercado os serviços de cuidado e de atividades domésticas (BIROLI, 2016; PEREIRA, 2016; HOOKS, 1984).

A condição econômica concebe privilégio, para um grupo de mulheres, ao possibilitar suavização, simultaneamente, das tensões nos dois polos da divisão

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sexual do trabalho. A renda propicia a mitigação das responsabilidades familiares e abre brechas para maior e melhor inserção feminina no mercado de trabalho.

Há também uma divisão racial do trabalho reprodutivo que provém das interfaces entre gênero e raça enquanto princípios que regulam as atividades de cuidado (PEREIRA, 2016). Permanece vivo no imaginário social configurações ancoradas em relações de gênero segundo a cor ou a raça instituídas no período da escravidão, o que marca uma experiência histórica das mulheres negras bem distinta do discurso clássico de opressão feminina (CARNEIRO, 2001; DAVIS, 2016).

A conjunção do racismo e do sexismo perpetua uma imagem da mulher negra, na consciência cultural coletiva, de que sua presença no planeta é principalmente para servir aos outros (HOOKS, 1995), estando no imaginário social brasileiro a perene associação entre as mulheres negras e papéis sociais específicos, dos quais se destaca a atividade de empregada doméstica (CARNEIRO, 2003; LIMA; RIOS; FRANÇA, 2013).

Abramo (2006) aponta que as mulheres e os negros brasileiros apresentam, de forma sistemática, maiores taxas de desemprego, sendo que as mulheres negras estão largamente em pior situação que a dos homens brancos. Ademais, a autora pontua que as mulheres negras estão concentradas em trabalhos mais precários, e que persistem diferenciais de remuneração que coloca as mulheres negras na posição mais desvantajosa cotejada aos demais grupos populacionais. A autora sublinha que nem mesmo os diferencias de educação são suficientes para justificar tão hierarquizado posicionamento no mercado de trabalho. Aventa-se que muito do espaço que as mulheres negras ocupam são provenientes da dupla discriminação, ser mulher e negra (RAZAVI, 2007; HOOK, 1984; COLLINS, 2009; SAUNDERS; DARTY, 2003).

É premente, portanto, o reconhecimento não só da maior vulnerabilidade social das mulheres frente aos homens, mas um sistema de reconhecimento cruzado de vulnerabilidades de raça e gênero. O recorte de raça e gênero permite concluir que as mulheres negras em todas as regiões do Brasil são as mais vulneráveis no mercado de trabalho (PAIXÃO; GOMES, 2008). Esse grupo é o que recebe os rendimentos mais baixos, indicando que gênero e raça hierarquizam as desigualdades sociais (LAVINAS, 1996; SILVA, 2013).

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No cenário de sociedades multirraciais, pluriculturais e racistas – como são as sociedades latino-americanas – comparece como eixo basilar na definição de hierarquia de gênero o racismo e seu efeito sobre as relações de gênero (CARNEIRO, 2001). Logo, as assimetrias provenientes da histórica hegemonia masculina não são capazes de serem equacionadas sem a superação de ideologias complementares do sistema de opressão, como o racismo (CARNEIRO, 2001; CRENSHAW, 1989).

3. Mercado de trabalho e cuidados do lar: a experiência diversificada entre as mulheres

A divisão sexual do trabalho pode melhor ser entendida a partir da consideração de que as mulheres compõem um grupo heterogêneo, existindo assimetrias de classe e cor que configuram atuação econômica e responsabilidades familiares distintas para mulheres pobres e ricas, brancas e negras, o que é envidado nessa seção. Para tanto, serão apresentadas estatísticas descritivas, com os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD), dos anos de 2005 e 2015, para as mulheres de 16 a 60 anos, por cor e condição econômica. Serão cotejadas mulheres brancas e negras, e as mulheres pobres (as que se encontravam nos domicílios 20% mais pobres) e ricas (as que se encontravam nos domicílios 20% mais ricos).

3.1 Assimetrias raciais

A despeito dos avanços galgados pelas mulheres em sua atuação econômica, há padrões diferenciados de inserção laboral percebidos na interseccionalidade de gênero e raça. Fonte: PNAD, 2005 e 2015. Elaboração Própria 64% 66% 65% 62% 66% 64%

Mulhere negras Mulheres brancas Mulheres geral Gráfico 1

Taxa de participação feminina no mercado de trabalho, por cor, Brasil-2005-2015

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A taxa de participação das mulheres negras no mercado de trabalho fica abaixo da das mulheres brancas e da média geral das mulheres, como mostrado no Gráfico1. Em 2015, a diferença de participação econômica das mulheres negras para as brancas foi de 4 pontos percentuais (p.p.) a menos para as primeiras. Cotejando 2005 com 2015 percebe-se uma queda da participação feminina no mercado de trabalho para as negras de 2 p.p.

O espaço ocupado pelas mulheres nas relações de trabalho está correlacionado com a divisão do trabalho doméstico não remunerado, a divisão do trabalho remunerado e as relações de poder nas sociedades contemporâneas (BIROLI, 2016). Portanto, a menor taxa de participação das mulheres negras na atividade econômica sinaliza que esse grupo de mulheres se depara com maiores barreiras para a inserção profissional.

E os obstáculos são erguidos não apenas na disposição a atuar no mercado de trabalho, mas também na proporção da ocupação. O Gráfico 2 mostra que as mulheres negras, em 2005 e 2015, apresentavam menor proporção de ocupação frente as mulheres brancas e a média geral das mulheres. Em 2015, a distância entre as negras e as brancas foi de 5 p.p a menos para as primeiras. Entre 2005 e 2015 houve uma suave queda na proporção de ocupação das mulheres negras, passando de 55% para 54%, e entre as mulheres brancas os dois anos apresentaram a mesma taxa, 59%.

Fonte: PNAD, 2005 e 2015. Elaboração Própria

Em relação à formalização no trabalho, as negras estavam também em desvantagem frente às brancas e a média geral das mulheres. Em 2015, a proporção de formalização das mulheres negras foi 18%, enquanto para as brancas esse número foi de 27%. De 2005 para 2015 ocorreu avanço na formalização das mulheres, contudo para as mulheres brancas o aumento foi de 5 p.p e para as mulheres negras 3 p.p. 55% 59% 57% 54% 59% 56% Mulhere negras Mulheres brancas Mulheres geral Gráfico 2

Proporção de ocupação das mulheres em relação às em idade ativa, por cor, Brasil-2005-2015

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8 Fonte: PNAD, 2005 e 2015.

Elaboração Própria

Os dados do Gráfico 3 revelam o quanto as mulheres ainda têm uma atuação econômica precarizada, em especial as negras, o que corrobora a demanda pela atuação pública no enfrentamento das assimetrias inter e intra gênero na vida laboral.

As desvantagens das mulheres negras prosseguem à medida que se debruça sobre outros indicadores do mercado de trabalho, como a proteção previdenciária e a posição na ocupação.

Pelo Gráfico 4, em 2015, a proporção de contribuição à previdência das mulheres negras foi 12 p.p. menor que a das mulheres brancas. Cotejando 2005 com 2015 percebe-se avanços na contribuição previdenciária feminina, mas ainda se tem um longo trajeto a percorrer para a universalização da proteção. As mulheres negras saíram de um patamar de taxa de contribuição, em 2005, de 22%, para, 31%, em 2015, por seu turno, as mulheres brancas saíram de um nível de 33%, em 2005, para 43%, em 2015. De modo geral, a proporção de contribuição previdenciária feminina ainda é pífia, 37%, em 2015.

Fonte: PNAD, 2005 e 2015. Elaboração Própria

Em relação a posição na ocupação, mostrada na Tabela 1, as mulheres negras tinham maior representação, em 2015, em atividades tidas como mais precárias tais como, trabalho doméstico (18,17%) e conta própria (17,24%), frente as mulheres brancas nas mesmas ocupações cujos valores, respectivamente, foram

15% 18% 22% 27% 19% 24%

Mulhere negras Mulheres brancas Mulheres geral Gráfico 3

Proporção de formalização feminina em relação às em idade ativa, por cor, Brasil-2005-2015 2005 2015 22% 33% 28% 31% 43% 37% Mulhere negras Mulheres brancas Mulheres geral Gráfico 4

Proporção de contribuição a previdência feminina em relação às em idade ativa, por cor, Brasil-2005-2015

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10,15% e 15,46%. As mudanças não foram significativas, de 2005 para 2015, na forma de distribuição da posição de ocupação para essas categorias de mulheres, revelando a resiliência das assimetrias.

A grande concentração de mulheres negras no emprego doméstico é tida como uma herança arcaica da escravidão que não dá sinais de desaparecer em curto tempo (DAVIS, 2016). Por ser um emprego mais manual, pouco remunerado, com forte presença de informalidade coloca as negras em uma posição precarizada na estrutura ocupacional.

Uma rigidez racial parece imperar no Brasil, percebida nas menores chances de mobilidade dos negros, na maior desigualdade racial na escolaridade, e nas menores oportunidades de alcançar posições ocupacionais de maior status pela população negra (OSÓRIO, 2004)

Tabela 1

Porcentagem de posição na ocupação das mulheres, por cor, Brasil, 2005-2015

Ano 2005 Ano 2015 Mulheres negras Mulheres brancas Mulheres negras Mulheres brancas Empregado com carteira de trabalho assinada 21.64% 33.59% 32.79% 41.90% Outro empregado sem carteira de trabalho assinada 13.95% 13.10% 12.27% 10.75% Trabalhador doméstico com carteira de trabalho assinada 5.36% 3.80 % 5.46% 3.44% Trabalhador doméstico sem carteira de trabalho assinada 16.72% 9.49% 12.71% 6.71%

Conta própria 16.34% 15.10 % 17.24% 15.46%

Empregador 1.35% 3.68% 1.34% 3.27 %

Outros 26,64% 30,73% 30,90% 18,47%

Fonte: PNAD, 2005 e 2015. Elaboração Própria

Nos rendimentos do trabalho a desvantagem das mulheres negras é pronunciada na Tabela 2. As mulheres negras tiverem menor rendimento laboral que as mulheres brancas e que a média geral das mulheres, tanto em 2005 quanto 2015. A diferença de ganhos entre as mulheres negras e brancas, em 2015, foi de R$ 731,96 a menos para as primeiras. O crescimento do rendimento do trabalho, na última década, foi mais apropriado pelas mulheres brancas: o ganho real das mulheres brancas, entre 2005 e 2015, foi de R$ de 1.093,84 e das mulheres negras de R$ 423,82.

Mesmo quando se calcula o rendimento do trabalho controlado pelo nível de escolaridade comparecem diferenças entre as mulheres brancas e negras. Para as mulheres com 12 anos ou mais de escolaridade, o ganho laboral das brancas, em

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2015, foi de R$ 2.181,32 contra R$ 1.394,09 das negras, uma diferença de R$ 787,23. Sendo essa distinção mais acentuado do que a entre as mulheres com até 4 anos de estudo (R$ 206,08).

Tabela 2

Média de rendimento real3 do trabalho principal das mulheres, por cor, Brasil, 2005-2015

Ano Mulheres negras Mulheres brancas Total

2005 623,77 685,71 939,22

2015 1.047,59 1.779,55 1.406,69

Fonte: PNAD, 2005 e 2015. Elaboração Própria

Com efeito, as desigualdades raciais e de gênero definem hierarquias marcantes no mercado de trabalho até mesmo entre grupos com mesma escolaridade (SILVA, 2013). Em tese, a escolaridade deveria posicionar os indivíduos de modo similar nas atividades laborais, mas na prática ainda se presenciam dissimetrias salarias dado atributos de gênero e raça.

Os dados sinalizam que o avanço na escolaridade não foi capaz de reverter os diferenciais salariais, vivenciando as mulheres negras mais escolarizadas de modo mais acentuado as assimetrias intra gênero.

Tabela 3

Horas trabalhadas das mulheres, por cor, Brasil, 2005-2015

Ano Mulheres negras Mulheres brancas Total

2005 35 36 35

2015 34 36 35

Fonte: PNAD, 2005 e 2015. Elaboração Própria

No quesito tempo de trabalho remunerado, conforme a Tabela 3, a diferença, em 2015, entre as mulheres negras e brancas foi de 2 horas trabalhadas a menos para as primeiras. Essa assimetria nas horas trabalhadas não parece ser suficiente para explicar as diferenças de rendimentos supracitadas. De 2005 para 2015, não houve muitos avanços nas horas de trabalho remunerado das mulheres, estando a jornada feminina ainda abaixo da jornada em tempo integral, que pela legislação brasileira é de 40 a 44 horas.

Os dados apresentados permitem inferir que as mulheres brancas e negras vivenciam de forma distinta a vida profissional, sendo que os padrões diferenciados de participação no mercado de trabalho brasileiro comprometem de forma específica as mulheres negras (LIMA; RIOS; FRANÇA, 2013; ABRAMO, 2006)

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Nos cuidados do lar será que a experiência também é diferenciada pela cor? A despeito de serem os estudos sobre uso do tempo que tira da penumbra a dupla jornada de trabalho feminino, possibilitando a investigação dos cruzamentos entre trabalho remunerado e não remunerado, e, a vida cotidiana das mulheres (CARRASCO, 2006; DONATH, 2000; FONTOURA et al, 2010), o Brasil ainda não conta com uma ampla pesquisa de uso do tempo.

O que se tem à disposição nas pesquisados domiciliares do Brasil são apenas duas perguntas sobre afazeres domésticos. Certamente, as poucas informações disponíveis impedem uma melhor configuração da situação dos cuidados, e sua diferenciação entre as mulheres.

O Gráfico 5 mostra uma maior proporção de participação das mulheres negras nos afazeres domésticos que as brancas, uma diferença, em 2015, de 3 p.p. Cotejando 2005 com 2015 percebe-se uma suave queda na proporção de participação feminina nos afazeres domésticos, de 2 p.p. para as mulheres negras e brancas.

Fonte: PNAD, 2005 e 2015. Elaboração Própria

No tempo de afazeres domésticos, mostrado na Tabela 4, a diferença, em 2005 e 2015, foi de 1 hora a mais de afazeres domésticos para as mulheres negras frente as brancas. Para ambas categorias, de 2005 para 2015, houve uma mitigação do tempo de cuidado do lar em 3 horas.

Tabela 4

Horas de afazeres domésticos das mulheres, por cor, Brasil, 2005-2015

Ano Mulheres negras Mulheres brancas Total

2005 27 26 27 2015 24 23 24 Fonte: PNAD, 2005 e 2015. Elaboração Própria 94% 91% 93% 92% 89% 91%

Mulhere negras Mulheres brancas Mulheres geral Gráfico 5

Proporção de participação feminina nos afazeres domésticos em relação às em idade ativa, por cor, Brasil-2005-2015

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Os dados apresentados atestam assimetrias do trabalho doméstico intra gênero, de forma análoga à atuação profissional, embora seja menos acentuada.

No quadro global de gravíssimas desigualdades sociais existe uma nítida hierarquia onde, no topo, estão os homens brancos e que vai descendo para as mulheres brancas, homens negros e mulheres negras (QUADROS, 2004; BIROLI; MIGUEL, 2015). A experiência das mulheres negras é, portanto, marcada pelos imbricamentos das discriminações de raça e gênero, as quais lhes colocam de forma

perene na base da hierarquia social (SILVA, 2013).

3.2 Assimetria econômica

De longa data os indicadores socais sinalizam a marginalização e situação mais precarizada da população pobre no mercado de trabalho. Convém aqui sublinhar como a condição de pobreza pode delinear clivagens na experiência feminina no mercado de trabalho e nos cuidados.

Pelo Gráfico 6, a taxa de participação econômica das mulheres pobres é menos proeminente do que a das mulheres ricas, nos dois anos analisados. Em 2005, a taxa de atividade econômica das mulheres pobres foi de 55%, contra 72% das mulheres ricas. Em 2015, permanece uma ressaltada distância entre os grupos, mais com queda 8 p.p para as mulheres pobres comparada ao ano de 2005, e aumento de 3 p.p. para as mulheres ricas. Olhando para última década parece ter havido, para as mulheres de modo geral, uma estabilidade na taxa de participação econômica.

A menor disposição das mulheres pobres ao mercado de trabalho deve encontrar amparo na ausência de políticas públicas que possibilitem a conciliação entre trabalho e família. Como serviços privados de cuidados apresentam custos elevados, ao não contar com o aparato público, muitas das vezes, a opção mais factível para as mulheres mais pobres é não atuar no mercado de trabalho em prol do cuidado da família.

A divisão sexual do trabalho penaliza de modo mais acentuado as mulheres pobres, dado que as trabalhadoras com maior escolaridade dispõem de recursos para arcar com serviços de cuidados privados (GUEDES, 2015).

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13 Fonte: PNAD, 2005 e 2015.

Elaboração Própria

A proporção de ocupação, mostrada no Gráfico 7, também apresenta distinção entre as mulheres pobres e ricas. Em 2015, 33% das mulheres pobres estavam ocupadas contra 72% das mulheres ricas. Contrastando 2005 com 2015 houve uma queda de 9 p.p da taxa de ocupação das mulheres pobres, e um aumento de 5 p.p. das mulheres ricas. A decaída na taxa de ocupação das mulheres pobres deve ser reflexo da crise econômica que o país enfrenta, e seus efeitos deletérios que atingem primariamente e de forma mais robusta a população mais pobre.

Fonte: PNAD, 2005 e 2015. Elaboração Própria

Concernente a formalização no trabalho, mostrada no Gráfico 8, a diferença entre mulheres pobres e ricas de 27 p.p. a menos para as primeiras, em 2015, revela o quanto o mercado de trabalho brasileiro é excludente. Curioso é que em 2005 essa diferença pouco existiu.

Ademais, o fato de apenas 24% das mulheres pobres em idade ativa, de 16 a 60 anos, terem tido, em 2015, carteira de trabalho assinada coloca em relevo a desproteção trabalhista que pesa sobre as mulheres. Confrontando 2005 com 2015 percebe-se um avanço diminuto na proteção trabalhista para as mulheres pobres, e um avultado aumento para as mulheres ricas. Se com a legislação atual, tida como

55% 47% 72% 75% 65% 64%

Mulheres pobres Mulheres ricas Mulheres geral Gráfico 6

Taxa de participação feminina no mercado de trabalho, por condição econômica, Brasil-2005-2015 2005 2015 42% 67% 57% 33% 72% 56% Mulheres pobres Mulheres ricas Mulheres geral Gráfico 7

Proporção de ocupação feminina em relação às em idade ativa, por condição econômica, Brasil-2005-2015

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mais rígida, a proteção trabalhista não é uma realidade para muitas mulheres, é preocupante a majoração da precarização do trabalho feminino que deve acompanhar a reforma trabalhista aprovada, em 2017, no Congresso Nacional (Lei nº 6.787/16).

Fonte: PNAD, 2005 e 2015. Elaboração Própria

A situação na contribuição previdenciária é também embaraçosa, como pode ser visto no Gráfico 9. A diferença, em 2015, de proporção de contribuição à previdência entre as mulheres pobres e ricas foi de 51 p.p a menos para as primeiras. Olhando a última década não houve melhorias significativas na proporção de contribuição feminina, que passou de 28%, em 2005, para 37%, em 2015. Em que pese a contribuição das mulheres pobres ter crescido, entre 2005 e 2015, 4 p.p, entre as mulheres ricas o aumento foi mais acentuado, 11 p.p., mantendo robusta distância entre os grupos.

Para que uma parcela avultada de mulheres não tenha uma velhice desprotegida é premente o aumento, e em ritmo acelerado, da proporção de contribuição previdenciária feminina. O cenário fica mais crítico ao se ponderar a proposta de reforma previdenciária (PEC 287/16), que estabelece a elevação do tempo de contribuição feminina para 25 anos.

Estimativas feitas 3% 3% 19% 4% 31% 24%

Mulheres pobres Mulheres ricas Mulheres geral

Gráfico 8

Proporção de formalização feminina em relação às em idade ativa, por condição econômica, Brasil-2005-2015

2005 2015 4% 48% 28% 8% 59% 37%

Mulheres pobres Mulheres ricas Mulheres geral Gráfico 9

Proporção de contribuição a previdência feminina em relação às em idade ativa, por condição econômica, Brasil-2005-2015

2005 2015

Fonte: PNAD, 2005 e 2015. Elaboração Própria

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Mostafa e Theodoro (2017) mostram que tendo por base o perfil contributivo dos aposentados de 2014, entre 35,5% e 40,6% dos futuros aposentados do meio urbano certamente não atingirão a carência de 25 anos para acessarem a aposentadoria, sendo esse percentual mais destacado entre as mulheres (entre 45,6% e 56,2%).

Tabela 5

Porcentagem de posição na ocupação das mulheres, por condição econômica, Brasil, 2005-2015

Ano 2005 Ano 2015

Mulheres

pobres Mulheres ricas

Mulheres pobres

Mulheres ricas Empregado com carteira de trabalho assinada 4.19% 36.75% 11.07% 42.13%

Outro empregado sem carteira de trabalho assinada 10.40% 12.83% 12.30% 9.21% Trabalhador doméstico com carteira de trabalho assinada 2.00% 2.75% 2.63 % 2.32%

Trabalhador doméstico sem carteira de trabalho assinada 20.23% 4.36% 21.67% 2.53%

Conta própria 18.01% 14.10% 21.71% 15.54%

Empregador 0.15% 7.25% 0.22% 5.75%

Outros 45,02% 24,71% 30,40% 28,27%

Fonte: PNAD, 2005 e 2015. Elaboração Própria

Em relação à posição na ocupação, mostrada na Tabela 5, as mulheres pobres estavam mais representadas, em 2015, em atividades tidas como mais precárias tais como, trabalho doméstico (24,3%) e conta própria (21,71%), frente as mulheres ricas nas mesmas ocupações cujos valores, respectivamente, foram 4,85% e 15,54%. Não foram expressivas as alterações, de 2005 para 2015, na forma de distribuição da posição de ocupação das mulheres nessas categorias, o que revela a manutenção das desigualdades.

A diferença entre os rendimentos laborais das mulheres pobres e ricas é apresentada na Tabela 6. A assimetria salarial é expressiva nos dois anos analisados, contudo o ganho real, entre 2005 e 2015, foi de R$ 181,72 para as mulheres pobres frente a R$ 750,38 para as mulheres ricas. Em 2015, o rendimento médio das mulheres ricas foi de R$ 2.898,52, no contraponto as mulheres pobres receberam R$ 337,42, valor inferior ao salário mínimo daquele ano que era R$ 788,00.

As assimetrias salariais que marcam o mercado de trabalho brasileiro são a muito pronunciadas, o que chama atenção aqui é o fato de a média salarial das mulheres pobres não alçar se quer o salário mínimo dos anos investigados. O fato corrobora a demasiada precarização laboral desse grupo de mulheres, que não

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usufruem pelo seu trabalho remunerado do valor ao qual a Constituição de 1988 atribuiu como o mínimo social de sobrevivência.

Tabela 6

Média de rendimento real4 do trabalho principal das mulheres, por condição econômica, Brasil, 2005-2015

Ano Mulheres pobres Mulheres ricas Total

2005 155,70 2.148,14 939,22

2015 337,42 2.898,52 1.406,69

Fonte: PNAD, 2005 e 2015. Elaboração Própria

Essa distinção salarial tão altiva, em parte, deve ser explicada pelo fato de as mulheres pobres exercerem ocupações mais precarizadas (Tabela 5) e jornadas de trabalho parcial (Tabela 7). Em 2015, a diferença de jornada de trabalho foi de 10 horas a menos para as mulheres pobres. Contrastando 2005 com 2015 não houve mudanças expressivas nas jornadas de ambos os grupos, o aumento foi de 1 hora a mais trabalhada.

Tabela 7

Horas trabalhadas das mulheres, por condição econômica, Brasil, 2005-2015

Ano Mulheres pobres Mulheres ricas Total

2005 28 38 35

2015 27 37 35

Fonte: PNAD, 2005 e 2015. Elaboração Própria

Jornadas parciais, a despeito de resultarem em salários mais baixos, possibilitam uma melhor conciliação entre trabalho e família, o que deve amparar a inserção de muitas mulheres nesse tipo de jornada.

Os números apresentados evidenciam experiência bem diversificada das mulheres conforme a condição econômica. Aventa-se que a situação de pobreza do domicílio tanto reflete como é reflexo de uma inserção precarizada no mercado de trabalho, ou seja, as pessoas pobres ficam na franga do mercado de trabalho dado a pobreza da família limar oportunidades educacionais e de desenvolvimento profissional, e tem sua condição de pobreza perenizada uma vez que tem inserção laboral precarizada.

A condição econômica da família, que cria clivagens no desenvolvimento profissional, também traça experiência diversificada entre as mulheres na função de cuidar. Pelo Gráfico 10, percebe-se que a proporção de mulheres que exerceram afazeres domésticos, em 2015, foi 7 p.p. maior entre as mulheres pobres do que entre as mulheres ricas. Cotejando 2005 com 2015 houve uma queda de 2 p.p na

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participação das mulheres pobres, enquanto entre as mulheres ricas a proporção permaneceu a mesma.

Fonte: PNAD, 2005 e 2015. Elaboração Própria

No que se refere ao tempo dispendido nos cuidados do lar, a diferença entre as mulheres pobres e ricas foi marcante nos dois anos analisados. Em 2015, as mulheres pobres gastaram 8 horas a mais de afazeres domésticos do que as mulheres ricas, e em 2005 a diferença foi de 9 horas. De 2005 para 2015 houve uma queda de 3 horas no tempo que as mulheres pobres dispenderam aos cuidados do lar, no caso das mulheres ricas a queda foi de 2 horas.

Tabela 8

Horas de afazeres domésticos das mulheres, por condição econômica, Brasil, 2005-2015

Ano Mulheres pobres Mulheres ricas Total

2005 31 22 27

2015 28 20 24

Fonte: PNAD, 2005 e 2015. Elaboração Própria

As desigualdades de classe e de posição profissional fazem com que algumas mulheres possam delegar a outras mulheres, em geral as mais pobres, as atividades domésticas e de cuidados. O grupo de mulheres que podem usufruir da delegação tem seu tempo de dedicação ao lar mitigado no contraponto da elevação do tempo de trabalho remunerado.

Pelo quesito condição econômica também se confirma os apontamentos feministas de que as mulheres representam uma categoria heterógena. Sendo, notório, que pesa sobre as pobres de modo mais acentuado os efeitos da desigual divisão sexual do trabalho.

4. Considerações Finais

Os estereótipos de gênero vêm sendo delineados nas relações desiguais. 96%

87%

93% 94%

87% 91%

Mulheres pobres Mulheres ricas Mulheres geral Gráfico 10

Proporção de participação feminina nos afazeres domésticos em relação às em idade ativa, por condição econômica, Brasil-2005-2015

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As atribuições socialmente estabelecidas, nessas relações assimétricas, relegam as mulheres um espaço subalterno frente aos homens, e em muitos casos a invisibilidade de suas demandas e reconhecimento social.

O discurso de fragilidade, carinho e docilidade como características inatas femininas escamoteia preceitos patriarcais que associam o ser mulher a uma função social específica-cuidadoras. Essa associação, socialmente construída, entre as mulheres e as responsabilidades de cuidados vem erguendo barreiras para atuação econômica e política das mulheres em condições de igualdade com os homens, dado os constrangimentos nela engendrada.

Todavia, deve-se ressaltar a heterogeneidade das mulheres. Os dados de mercado de trabalho e atividades domésticas mostram que as mulheres negras brasileiras se encontram em situação mais precarizada frente às mulheres brancas, em um amplo leque de indicadores. Certamente, a justaposição de preconceitos e discriminações, referentes a ser mulher e ser negra, deve amparar a desvantagem desse contingente populacional.

As mulheres ricas, embora, não escapem dos papéis sociais definidos ao ser feminino, podem se valer do modelo de delegação contratando outras mulheres para exercerem as atividades do lar e tem acesso à creche e escola privada para manter seus filhos, bem como podem acessar cuidados formais para os idosos. A possibilidade de comprar no mercado os serviços de cuidados atenua para mulheres mais bem posicionadas financeiramente as responsabilidades inerentes ao ser feminino, gerando experiências distintas nas assimetrias de gênero conforme a classe social. Em outras palavras, as mulheres pobres ao não ter à disposição robustas políticas públicas de conciliação entre trabalho e família encontram diversas barreiras para desenvolvimento profissional, tendo a disposição apenas limitado leque de oportunidades de inserção e permanência no mercado de trabalho. Em que pese às normas de gênero alcançarem todas as mulheres, os dados brasileiros evidenciam que os efeitos comportam gradações de acordo com a cor e a classe social a qual elas fazem parte. Essa experiência diversificada deve ser verberada, de modo que a atuação do Estado não seja cega ou neutra perante as desigualdades intra gênero. A promoção da cidadania inclusiva para as mulheres passa, portanto, pelo o enfrentamento das assimetrias inter e intra gênero e seus efeitos deletérios na vivencia social e profissional.

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A heterogeneidade das mulheres coloca em relevo que a ampliação da proteção dos direitos humanos para as mulheres demanda a percepção e compreensão de que a interseccionalidade do gênero com outros fatores identitários delineiam vulnerabilidades e experiências peculiares. Intervenções públicas e proteções mais eficazes passam, portanto, pela avaliação detalhada de como raça e classe posicionam as mulheres de modo distinto na sociedade.

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