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Antes dos últimos 30 anos

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ABEP 30+

Os primeiros 30 anos da Associação

Brasileira de Estudos Populacionais

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Antes dos últimos

30 anos

Q

uando começa a demografia no Brasil? Apesar do primeiro censo

nacional ter ocorrido ainda no século XIX, em 1872, dificilmente seria possível reconhecer, já naquele momento, indícios de uma demografia brasileira, mesmo que incipiente. Um marco importante foi, sem dúvida, o Censo de 1940, precedido pela criação do IBGE, na década de 1930. Assim, o IBGE foi o ponto de partida da demografia brasileira. Cabe ressaltar, ainda, a chegada ao Brasil, em outubro de 1939, do italiano Giorgio Mortara. Com uma enorme produção acadêmica, mesmo sem ter criado escola, Mortara deixa sua marca nos censos dos quais cuida, todos de qualidade indiscutível. José Alberto Magno de Carvalho, meu eterno professor, gosta de dizer que o tempo atribuiu ao Mortara uma série de inovações introduzidas no Censo de 1940. No entanto, sua chegada, às vésperas da realização do Censo, sugere que o IBGE já possui, naquele momento quadros de enorme competência, que pensam a demografia de uma forma então inovadora. Este fato, obviamente, não tira o brilho de Giorgio Mortara, cuja contribuição é fundamental para o sucesso dos censos demográficos deste País e, consequentemente, da demografia brasileira.

“(...) O concurso anual de pesquisas em Demografia patrocinado pela Fundação Ford será doravante administrado pela ABEP, com o apoio do Comitê de Assessoria da Fundação Ford para Estudos de População (CAEP). O concurso continuará contemplando propostas destinadas à obtenção de financiamento para a elaboração de teses de mestrado e para a realização de pesquisas de nível profissional.” (Informativo Abep, n°2, abril-junho/1979, p.1).

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Em termos do ensino de Demografia, neste momento já havia, segundo Elza Berquó, uma ou outra disciplina na Faculdade de Filosofia da USP que tratava, ainda que superficialmente, de alguns aspectos ligados ao crescimento populacional. Muitos anos mais tarde, Elza Berquó, já professora na Faculdade de Saúde Pública da USP, identifica uma enorme lacuna em termos da compreensão da dinâmica demográfica e de seus componentes, elementos fundamentais para as suas aulas na área de Bioestatística. É a partir desta lacuna que Elza Berquó decide solicitar à Organização Pan-Americana de Saúde a vinda, a São Paulo, de um consultor para que, juntos, pudessem elaborar uma proposta para o ensino e a pesquisa em Demografia, que envolveria a formação de jovens demógrafos no exterior. A consultora enviada ao Brasil é a eminente demógrafa americana e professora Irene Tauber. Os jovens escolhidos para ir aos Estados Unidos são a socióloga Neide Patarra, o físico Jair Lício Ferreira Santos e o médico João Yunes, além do economista Paul Singer.

Elza Berquó – Isso tudo é quando está na verdade se pensando no que

resulta no Cedip. A gente, com isso, tem as bases para criar, na Faculdade de Saúde Pública, um centro de estudos de população. E que já era um centro interdisciplinar, porque tinha ficado bem claro que demografia só se fazia à

Hélio Moura, Tom Merrick, Coleta Oliveira, Elza Berquó e José Alberto Magno de Carvalho, II Encontro Nacional de Estudos Populacionais, Águas de São Pedro, São Paulo, 1980

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custa de um enfoque interdisciplinar. Então, nós precisaríamos ter, integrando este novo ente que a gente estava a fim de criar, sociólogos, antropólogos, estatísticos, médicos. E preparar essa gente na área de demografia, porque não tinha ainda como você preparar no Brasil. Aí foi que a gente conseguiu com a Organização Mundial de Saúde que haveria um convênio, que durante cinco anos esse grupo de pesquisadores, [alguns] recém (...) formados, que eles iriam para fora do Brasil, para universidades que um pouco ela [Irene Tauber] nos ajudou a escolher, para fazer um doutorado, ou uma preparação, pelo menos inicial, para depois terminar um doutorado no Brasil. Essas pessoas foram Neide Patarra, que estava na área de ciências sociais; o João Yunes, médico, (...); o Jair Lício Ferreira Santos, estatístico, que foi também; o Paulo Singer, economista, que integrou esse grupo. Então você tinha um economista, tinha um sociólogo, tinha um médico, tinha um estatístico (...). E tínhamos o Cândido Procópio Ferreira de Camargo, sociólogo também, mas que já era uma pessoa de notório saber, e que, portanto, não iria fazer um doutorado ou uma pós-graduação no exterior, como os outros foram. Mas ele teve a incumbência de visitar centros na Europa, nos Estados Unidos etc, centros de demografia e população, para um pouco entender como isso se dava, vários centros, perspectivas, estratégias, áreas de cobertura etc. Com isso foi criado o Cedip. E o compromisso da universidade, através da Faculdade de Saúde Pública, que nós teríamos um recurso para cinco anos, para preparar quatro pessoas no exterior, mais um que iria dirigir esse novo centro, que era o Procópio, que estaria viajando para colher visões, e colher produções a respeito do assunto. Além disso haveria uma pesquisa, que começaria a ser iniciada, e que, na volta desses pesquisadores, nós teríamos uma pesquisa definida e pesquisadores preparados. A Neide e o Jair foram a Chicago. O João Yunes foi a Michigan. O Paulo Singer foi a Princeton. E o Cândido Procópio, como falei, ficou viajando. Com isso, quando eles estão voltando, e esse projeto começa a se materializar, vem 69 e vem o Ato Institucional nº 5, e eu sou aposentada compulsoriamente pela USP. (...) o Cedip continua funcionando, as pessoas já tinham voltado. Aí eu já não podia mais participar, mas cria-se, quase que imediatamente, o Cebrap. O Cebrap é criado muito em seguida. Nós fomos aposentados em 31 de março de 69, o Cebrap é fundado ainda em 69. Aí vem para cá, o Paulo Singer e eu, para o Cebrap, e ficam lá Cândido Procópio, Neide, Jair, João Yunes, e alguns satélites, que já estavam se desenvolvendo. Nós já tínhamos a pesquisa nacional de reprodução humana, que já era uma pesquisa moldada para caracterizar a criação desse centro e essa interdisciplinaridade. E ela tinha recebido um financiamento

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muito grande da Fundação Ford. Quando eu venho para cá, logo depois que eu saio, o diretor da faculdade, o mandato dele [termina], o professor Mascarenhas também sai da direção. E a nova direção não honra o compromisso de assumir esses professores e pesquisadores, passados os cinco anos. Então praticamente acabam, na Faculdade de Saúde Pública, com o Cedip. O João Yunes vai para a Faculdade de Medicina, o Cândido Procópio vem para cá – aliás, ele é o primeiro presidente do Cebrap –, o Jair fica na própria faculdade, integrando um departamento de epidemiologia, e a Neide vai, já com o grupo que estava junto com ela, Coleta é dessa época também, eles acabam indo para a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, e criam lá o Prodeur, um pequeno programa lá. (...). Concomitantemente às coisas que estou contando aqui, surge o Cedeplar. O Cedip, com seus cursos de especialização, é o primeiro centro a formar demógrafos no Brasil. Pelas salas de aula do Cedip, passam nomes ilustres da Demografia brasileira, incluindo dois presidentes da ABEP, Coleta Oliveira e Paulo Paiva.

Neide Patarra – (...) no Cedip (...) inauguraram os cursos de tempo integral,

de especialização. Você sabe que nessa época a pós-graduação ainda não estava sistematizada, o que existia eram cursos de especialização. O que havia na pós-graduação eram cursos de especialização. Você fazia, tinha aquele diploma de especialização. (...). No Cedip, a Elza [Berquó] e a equipe toda, essa, começaram com aqueles cursos de especialização. E foi um sucesso. Vinham pessoas das mais diferentes áreas (...) com laboratório, com seminários. E nós lá, estudando. Quando a gente está voltando, o Jair [Santos] ficou um ano em Chicago, ele foi pra Berkeley. Eu continuei em Chicago. Quando nós terminamos o mestrado, tínhamos que voltar, (...) [aposentaram vários] professores da USP, que atingiu diretamente a Elza e o Paulo [Singer], e não atingiu diretamente o Procópio [Camargo], mas envolveu o Procópio num compromisso muito forte na formação do Cebrap junto com os aposentados (...). Então, nós voltávamos para segurar isso e nos preparar. Mas [éramos] muito jovens. E a Elza e o Paulo saindo, principalmente a Elza. Eles vão para o Cebrap.

Paulo Paiva – O meu contato com Demografia foi ainda em 1967, quando eu

fui fazer o curso do Cedip. Na época, a Faculdade, Escola de Saúde Pública de São Paulo criou um curso de demografia de curta duração, era a Elza que dirigia, com os professores (...) Juarez Brandão Lopes, o pessoal da saúde pública de São Paulo. Eu e Clotilde [Paiva] decidimos... Nós tínhamos uns amigos que

Financiamento de pesquisas sobre migrações internacionais

“A Fundação Ford (Nova Iorque) está anunciando o lançamento de um programa de financiamento de pesquisas no campo da migração internacional.” (Informativo Abep, n° 2, abril-junho-1979, p.1).

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estavam na Escola de Saúde Pública (...). Nós nos casamos em julho de 67. No dia do casamento, (...) trouxe um formulário para esse curso, que me interessou, porque eu tinha estudado Geografia. Me interessei. Foi quando tivemos o primeiro contato com a demografia, e com esse grupo de São Paulo, que depois, com a cassação da maioria deles da USP, foi para o Cebrap.

Além do Cedip, no final da década de 1960, surge também o Cedeplar, com sua pós-graduação em Economia, com uma área de concentração em planejamento regional.1

José Alberto Carvalho – No caso do Cedeplar, na verdade [a Demografia] se

iniciou logo no começo do centro, que era dedicado principalmente à análise regional urbana, mais regional, e se chegou à conclusão de que se deveria dar uma atenção especial à demografia, dada a importância dos movimentos populacionais na economia regional. E como eu era um dos poucos, então, do pequeno grupo de fundadores do Cedeplar, eu fui incentivado a me dedicar à demografia. Coincidentemente, a Fundação Ford estava começando a incentivar a demografia no Brasil, e teve um programa especial de bolsas no exterior para jovens que quisessem se especializar em demografia. Na verdade, eu fui o primeiro a ir para o exterior para fazer o doutorado em demografia, em 70. E quando retornei, em final de 73, já tinha sido criada aqui [no Cedeplar] uma área de concentração em demografia econômica, de novo com o apoio da Fundação Ford, que já tinha garantido a estadia aqui, por 2 ou 3 anos, do Thomas Merrick, que retornou aos Estados Unidos logo depois que eu voltei da Inglaterra. E logo em seguida também enviou o professor Charles Wood, que também ficou aqui 3 ou 4 anos.

Ensino e pesquisa caminham lado a lado. Entre 1965 e 1966, o Cedip leva a campo, no município de São Paulo, uma pesquisa domiciliar longitudinal sobre reprodução humana, na qual são entrevistadas 3 mil mulheres em idade reprodutiva. O Cedeplar, na década de 1970, concentra seus esforços de pesquisa na Amazônia.

Neide Patarra – No Brasil, você também sabe disso, as atividades [de pesquisa]

começaram com uma pesquisa da doutora Elza Berquó na Faculdade de Saúde Pública, onde ela havia se tornado, um pouco antes, catedrática. E foi no

 Só em 985, o Cedeplar passa a ter um programa de Pós-Graduação em Demografia, mas ainda ligado

ao Departamento de Ciências Econômicas. Em 992, é criado o Departamento de Demografia, cujo primeiro chefe é José Alberto Magno de Carvalho.

teresópolis ii

“Realizou-se de 13 a 18 de maio, em Teresópolis, o encontro denominado Teresópolis II que teve como objetivo principal o exame e discussão do ‘Relatório Preliminar’ sobre os padrões, níveis e tendências da mortalidade na infância, da mortalidade adulta e da fecundidade no Brasil de 1950 a 1976.” A ABEP foi uma das instituições patrocinadoras do evento. (Informativo Abep, n° 2, abril-junho/1979, p.1).

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município de São Paulo, numa pesquisa muito inovadora, com financiamento alto, e aonde, se de um lado a gente tinha o modelo (...) para fazer o (...), do outro lado, a gente também tinha uma postura crítica em relação a esse modelo. Era um equilíbrio entre um financiamento que já trazia um questionário pronto, que o Celade tinha usado, e a gente tentar reformular, ou colocar dimensões nesse modelo que fossem mais condizentes com a nossa postura. (...). Então, o que estava por trás? Era o fato de ser (...) de área rural? Era o nível de educação? Era a religião, que tinha muito a ver com isso? Era a ocupação? Essas dimensões todas foram sendo levantadas nessa pesquisa. E ela era muito inovadora, porque contou desde o começo com uma psicóloga, Arakcy Martins Rodrigues, que introduziu uma metodologia muito refinada em captar a percepção da mulher sobre aborto, sobre controle da natalidade, que eram as técnicas projetivas (...). E era o recurso para entrar nessa questão de (...) valores de uma forma mais sofisticada e mais coerente com a visão de mundo que a gente tentava trazer.

Elza Berquó – (...) a pesquisa floresce aqui no Cebrap, mas mantendo, na

verdade, a participação desses pesquisadores [que permanecem na USP]. É a primeira pesquisa de cunho nacional, chamada de Reprodução Humana, onde, na verdade, você tem os vários componentes, estão lá, mas se esgota a história de vida, a história reprodutiva das pessoas e tal.

Diana Sawyer – [Em meados da década de 70], aqui [Cedeplar] já estava

começando a concentração em demografia. Já estava começando a se consolidar. Eles estavam também com interesse em pesquisas na Amazônia.

No meio deste processo, acontece o AI 5 e os planos mudam radicalmente. Elza Berquó é aposentada compulsoriamente e, sem ela, o Cedip não resiste por muito tempo. Apesar disso, quase 40 anos depois, pode-se dizer que a Demografia sai fortalecida. Alguns aposentados da USP, incluindo Elza Berquó, criam o Cebrap, que se torna um elemento crucial na história da Demografia no Brasil. O que dizer de um centro de pesquisa dotado de recursos e que, além disso, reúne um time de primeiríssima linha, não só de demógrafos, mas de cientistas sociais? A existência de recursos para pesquisa faz com que todos se envolvam com a Demografia.

Neide Patarra – (...) [o] Cebrap era uma coisa fantástica, porque todo mundo

virou demógrafo. Fernando Henrique, Juarez Brandão Lopes, Octávio Ianni, [José Arthur] Gianotti, Procópio [Camargo], Paulo Singer, Elza Berquó. (...) ela

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era o esteio, mas como agregou os economistas e os cientistas sociais, perseguidos politicamente e que estavam na resistência, no Cebrap. E chegávamos nós, [João] Yunes, Jair [Santos], eu (...). Nós éramos três jovenzinhos, perdidos, era daquilo que a gente se alimentava (...).

Além do Cebrap, do Cedeplar e do IBGE, há, naquele momento, outros grupos ou indivíduos trabalhando em temas demográficos em outras partes do Brasil. Há toda uma área de produção e divulgação de dados e estatísticas, a cargo das fundações estaduais. Hélio Moura é sempre mencionado como uma liderança importante no Nordeste. No final da década de 1960, surge o CRH, da UFBA. A UFPR dá início ao seu mestrado com área de concentração em Demografia Histórica já no início da década de 1970. Em 1974, há disciplinas de introdução à Demografia no mestrado em Ciências Sociais da Unicamp.2

Apesar de já haver este número relativamente grande de grupos e indivíduos trabalhando em demografia, há um certo isolamento.

Daniel Hogan – (...) o meu trabalho era cada vez mais na direção de uma

sociologia urbana do que de uma demografia. Isso, para mim, só ia mudar no momento da criação do Nepo, em 82. (...) estava pensando, vindo para cá, na diferença, quando a gente está chegando nos 30 anos, da demografia antes e depois da pós-graduação. Porque em 76 (...). Tinha esse grupo [na Economia], com área de concentração [em Demografia] em Minas [Cedeplar]. Tinha alguns ainda na saúde pública de São Paulo, depois que a Elza e outros foram expulsos, em 68, 69. Tinha, nesse período, Neide e Coleta, criando, consolidando uma área na FAU, na USP, de demografia urbana também. Tinha a Maria Luiza

2 O Nepo só é criado 8 anos mais tarde, em 982.

DIVULGAÇÃO DA AMOSTRA DE 1% DO CENSO DEMOGRÁFICO DE 1970 “Em sua última reunião, decidiu a Diretoria da ABEP sugerir à Fundação IBGE que, no sentido de ampliar as facilidades de acesso dos pequenos usuários à fita computadorizada de uma mostra de 1% extraída do Censo Demográfico de 1970, sejam depositadas cópias da referida fita em centros e institutos universitários de pesquisa localizados em vários pontos do País. A ABEP assumiria os custos relativos à elaboração dessas cópias. (...)” (Informativo Abep, n° 3, julho-setembro/1979, p. 19).

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Marcílio na história, tinha um pessoal do Paraná. Mas o que tinha eram grupos relativamente pequenos, espalhados pelo território. Então, a criação da ABEP veio criar um ponto de encontro, e um ponto de consolidar uma disciplina.

Elza Berquó – (...) era uma vinculação meio distante (...) as comunicações

não eram tão simples como são agora. Você não tinha internet, não tinha nada disso. Então, era uma vivência muito distante de cada um dos poucos grupos que estavam por aqui.

Neide Patarra – Quando todo esse movimento se dá, a gente tem que

reconhecer que a demografia histórica tinha um desenvolvimento relativamente paralelo. Maria Luiza Marcílio, já o Cedip produzia muito, [tinha o] Ipardes em Curitiba. Depois vem Sérgio [Nadalin na UFPR] (...) posteriormente, tinha alguma coisa do Cedhal, na USP.

Em parte devido a esse isolamento, surge a necessidade de se fazer uma maior articulação desses grupos. Além disso, há, por parte da Fundação Ford, um esforço de reparação de uma política adotada anteriormente, no sentido de contemplar todos os estudiosos de uma determinada área de uma maneira geral, e não apenas aqueles oriundos de centros de excelência apoiados pela Fundação Ford.

No entanto, a situação política da década de 1970 parece desfavorável ao desenvolvimento das atividades científicas – ditadura, repressão, falta de liberdade de expressão. Não para vários grupos de acadêmicos que, em plena ditadura, se unem para criar associações, com o apoio da Ford. Entre elas está a ABEP.

GRUPOS DE TRABALHO PREPARATÓRIOS AO II ENCONTRO DA ABEP 1. Expansão da Fronteira Agrícola e População ;

2.Crescimento Urbano e População;

3. Evolução Recente das Variáveis Demográficas: mortalidade, fecundidade, nupcialidade e migração-avaliação crítica das fontes e das técnicas;

4. Aspectos Metodológicos da Utilização de Dados de ‘Surveys’ na Análise do Ciclo Vital. (Informativo Abep, n° 4 outubro/79-janeiro/80, p.4).

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Elza Berquó – Porque, quando eu fui escrever esse artigo [para o volume

comemorativo da Rebep], eu me perguntava assim: Meu Deus, nunca tinha parado para pensar que a gente nasceu durante o período autoritário, a ABEP. As coisas vão acontecendo, e você só pára para pensar quando você tem que escrever.

Uma diferença importante entre a ABEP e outras associações criadas na mesma época – por exemplo, Anpec, Anpocs e Anped – é que a ABEP é uma associação de indivíduos, enquanto as demais são associações que reúnem programas de pós-graduação. Dadas as especificidades da demografia, cujos profissionais encontravam-se pulverizados em várias instituições, e o fato de que a pós-graduação na área estava apenas engatinhando, não poderia ter sido diferente.

Daniel Hogan – A verdade é que nos anos 70 foi um período em que as

disciplinas de todas as nossas áreas criaram as suas associações científicas. Antes o SBPC foi o grande guarda-chuva, e foi muito importante durante um bom tempo. Depois dos anos 70, se cria a Anpocs, Anpec etc., se cria a ABEP. Mas olha a diferença entre as outras e a ABEP. Não é a associação nacional de pós-graduação e pesquisa em demografia.

seminÁrio teresópolis iii

“desta vez, o referido encontro será dedicado ao estudo das migrações internas, notadamente no que concerne a técnicas e métodos de mensuração desse fenômeno.” (Informativo Abep,

n° 4. outubro/79-janeiro/80, p. 5).

George Martine, José Albero Magno de Carvalho, Coleta Oliveira (ao fundo), Elza Berquó e Daniel Hogan, Encontro da IUSSP, Florença, Itália, 1985

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Eduardo Rios-Neto – (...) apesar de não ser uma associação de centros, a

maioria das outras são associação de centros, uma das riquezas da ABEP é que ela é uma associação de pessoas.

As entrevistas deixam claro que a iniciativa da criação da ABEP é da Fundação Ford. Fica evidente, também, que a Ford jamais teria feito tal proposta caso não houvesse profissionais capacitados e uma massa crítica que permitisse a continuidade desta iniciativa, através da consolidação da associação.

Coleta Oliveira – (...) na minha cabeça, toda iniciativa da reunião, toda

correspondência, eu fui incluída no mailing list e convocada porque era uma ex-bolsista, não porque eu estava na Faculdade de Saúde Pública. Foi porque eu era ex-bolsista da Ford, estava chegando, e tinha recebido bolsa da Ford para estudar fora.

José Alberto Carvalho – (...) a criação da ABEP, eu até diria que a primeira

idéia surgiu entre aqueles da Fundação Ford que ou trabalhavam no Brasil ou tinham tido experiência no Brasil, como é o caso do Tom Merrick, que então estava nos Estados Unidos, como uma maneira de dar auto-sustentação para o estudo demográfico no Brasil, porque já preocupava à Ford essa dependência muito grande nossa dos recursos deles. Eu diria, ainda que eu tenha sido procurado antes da criação da ABEP, para ver se apoiava o projeto, a criação da associação, a Elza também foi, mas tenho quase certeza que a idéia original partiu da Fundação Ford. (...). Na verdade, a questão que você está colocando, eu mesmo me perguntei quando fui procurado, não sei se foi pelo Tom Merrick, ou pelo Charles Wood, para discutir a idéia da fundação [da ABEP]. É claro que nesse universo havia necessidade, mas nós éramos muito poucos, distribuídos em alguns centros, principalmente localizados em Belo Horizonte, São Paulo e o Rio, IBGE. E com algumas outras pessoas, mas espalhadas por esse Brasil afora, como é o caso do Hélio Moura, do Nordeste. A associação seria o locus em que essas pessoas se encontrariam de tempos em tempos, seria uma maneira de manter uma rede informativa continuada entre os membros. Não nos esqueçamos de que naquela época essa parafernália [internet] não estava tão desenvolvida. Eu acho que houve, na análise retrospectiva, me parece que a criação da associação era imprescindível. Eu confesso que não era dos mais convictos, pelo menos na minha primeira reação, mas isso hoje parece muito claro. Aliás, foi uma época também em que foram criadas as diversas

ocorrerÁ, no brasil, reuniÃo de grupo de trabalHo do clacso “a abep co-patrocinará a sexta reunião do grupo de trabalho do clascso (comitê latino americano de ciências sociais) sobre o ‘processo de reprodução da população” (Informativo Abep, n°

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associações científicas no Brasil, nas áreas mais próximas da gente, Anpec, no caso da economia, Anpocs, Ciências Sociais, e assim por diante.

Elza Berquó – Pela experiência de ver associações internacionais, de viajar e tudo

mais, a gente sentia nitidamente que era preciso juntar. Mas o que acontece – é o que eu mostro nesse artigo aqui [da Rebep], com a Bel [Baltar] – é que havia, na Fundação Ford, um interesse muito grande. Como a Fundação Ford havia investido em vários países, inclusive aqui, em grupos de excelência, ela percebeu que, ao fazer isso – isso está naquele trabalho do Sérgio Miceli, na comemoração da Fundação Ford –, ela percebeu que, ao privilegiar grupos de excelência, havia ficado uma certa massa que não pertencia. Ficou como a periferia da excelência, vamos dizer assim, sem menosprezar nada. Isso em várias áreas. Fazendo um estudo retrospectivo, ela achava que era através da criação de associações que você poderia reunir tanto as massas críticas de excelência, como todos os demais que ainda estavam (...). Agregar tudo isso num projeto maior, que uma associação científica seria capaz de fazer. (...). E essa política da Fundação Ford se expressou não só ajudando na criação da ABEP, como da Anpocs, da Anpec e da outra de educação, (...). Anped. São quatro que são criadas ao mesmo tempo, praticamente.

Diana Sawyer – Depois que o Robert McLughlin, que era o representante

(...) [da Ford] saiu, veio o Axel [Mundigo] como representante. E ao mesmo tempo veio para o Cedeplar [o Charles Wood]. E os dois estavam sempre em discussão sobre o que fazer. Porque a Ford dava apoio, tinha um programa de pesquisa, de apoiar pesquisas etc. Depois você pode olhar nos relatórios quantas pesquisas em população eles realizaram. Eu me lembro até que morava ainda em São Paulo, eu já estava para vir para cá, estava em São Paulo quando o Axel e o (...) foram lá em casa para conversar sobre o que fazer para tornar essa coisa mais permanente aqui. Nós começamos a

abep lança ii concurso de pesquisas sobre assuntos populacionais no brasil.

“a abep lançará o seu ii concurso para bolsas de pesquisas sobre assuntos populacionais, o qual sucede ao antigo programa de pesquisas sobre assuntos populacionais no brasil da Fundação Ford. (...).” (Informativo Abep, n° 4,

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falar que teria que ter uma associação. Eles perguntaram qual era a minha opinião. “Eu acho ótimo, mas vocês têm que fazer parecer que a idéia nasceu da gente, que não seja uma imposição da Fundação Ford, porque não fica muito bem, por ser uma associação científica.” E acho que assim eles levaram adiante. Houve aquele encontro lá no IBGE, que foi o primeiro encontro da fundação, quando foi fundada a ABEP. Eu não estava nesse encontro, porque eu estava nos Estados Unidos. Eu passei um período nos Estados Unidos e não participei. (...). Então, eu participei de todas as discussões. (...). E assim foi fundada a ABEP. E certamente eram as pessoas que fundaram, ou que começaram a disseminação da demografia aqui no Brasil, que seriam a Elza [Berquó] e o Zé Alberto [Carvalho], fortes candidatos à presidência, naturais candidatos à presidência, mais o Lyra Madeira.

Diante de tanta luta antiimperialista e de brigas ideológicas contra os Estados Unidos, não soa contraditório aceitar o apoio exatamente de uma fundação norte-americana?

Coleta Oliveira – Fico às vezes pensando, a gente vai contar a história da

ABEP, a ABEP foi criada pela Fundação Ford. Que mico nós vamos pagar (...). Mas a fundação americana financiou o Cebrap, que eram os supostamente comunistas, expulsos da universidade. Eu acho que a Ford, não sei se ela ainda tem esse perfil, mas ela tinha o perfil muito pluralista. Eu não sei se é aquela coisa americana, aquele princípio liberal da liberdade de expressão, é muito diferente dessa linha bushiana que está no topo hoje, nos Estados Unidos. Mas aquela coisa dos intelectuais americanos, de uma certa ingenuidade até, mas que tem compromisso com a pluralidade. (...). Então, eu acho que a Ford tinha esse perfil. Assim como a Ford financiou a esquerda (...), ela financiou a ABEP.

José Alberto Carvalho – Alguns estudos, inclusive essa última publicação

da Revista da ABEP [comemorativa dos 20 anos] cita, discutem um pouco esse ponto. Eu acho que há duas coisas. Primeiro, a Fundação Ford, na época, passou a ser dirigida por ex-membros do famoso grupo do Kennedy no governo americano, que eram pessoas mais liberais. Mas, por outro lado, e há até um relatório preparado pelo famoso (...), que veio aqui ao Brasil fazer um diagnóstico para a Fundação Ford, parece que eles chegaram à conclusão que, no médio e longo prazo, a melhor maneira de influenciar a opinião pública no Brasil seria investir nos melhores centros de pós-graduação e de pesquisa do Brasil, obviamente centros universitários. Então, não parece contraditório do

editorial

“a abep, com seus cinco anos de vida, 250 associados, várias reuniões científicas e em sua terceira diretoria, representa hoje uma instituição importante e de grande responsabilidade no campo dos estudos de população no brasil. (...)” (Informativo Abep,

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lado deles, e a bem da verdade eu posso dizer, como presidente da ABEP que fui, que recebeu endowment da Fundação Ford, e também como membro do Cedeplar, que a Fundação Ford nunca tentou interferir nas nossas linhas de trabalho.

Elza Berquó – (...) [A Ford] é uma Fundação, assim como a MacArthur, são

fundações muito éticas. Pelo menos no nosso país.

O contexto político daquele momento teve um papel fundamental na definição das temáticas mais dominantes nas discussões e nos encontros, bem como nas posturas políticas e ideológicas, posturas estas que, vistas aos olhos de hoje, em muitos momentos ideologizaram o debate. Analisando o momento e as dificuldades políticas, tudo isso parecia absolutamente necessário.

José Alberto Carvalho – Na verdade, como a gente está se referindo ao início,

pelo menos da minha participação, início dos anos 70, obviamente era um período de guerra fria, ditadura militar no Brasil, um tremendo maquiavelismo entre os bons e os maus, entre a direita e a esquerda, entre a esquerda e a direita, dependendo o lado bom, de que lado você se incluía. E o tema população se encaixou inteiramente nesse mundo maquiavélico, absolutamente polarizado. Então, de uma certa maneira, nós, os primeiros demógrafos brasileiros, fomos sujeitos, mas também vítimas dessa situação. Na realidade, mais diretamente ligado aos problemas de população, o grande tema então discutido era o crescimento populacional ligado, como a gente sabe, antes de tudo, aos níveis de fecundidade. Havia, de um lado, aqueles chamados neomalthusianos, que defendiam o controle da natalidade. E como uma reação automática, porque no mundo polarizado sempre é o nosso adversário, para não dizer o nosso inimigo, que vai definir a posição da gente. A gente identifica primeiro a posição do outro. O que nos leva até, de uma certa maneira, a perder o direito

segundo encontro nacional abep

Áreas temáticas em torno das quais foi organizado o programa do encontro -expansão da Fronteira agrícola e população;

-evolução recente das Variáveis demográficas: mortalidade, fecundidade, nupcialidade e migração (avaliação crítica das Fontes e das técnicas); -aspectos metodológicos na análise do ciclo Vital

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ao exercício do livre arbítrio. Como havia grupo e compromissos, inclusive se recebia forte apoio dos países europeus, principalmente dos Estados Unidos, que então temiam que a explosão demográfica levaria o mundo ao caos social, o que provavelmente, pensavam eles, facilitaria o domínio comunista da União Soviética, os poucos demógrafos brasileiros de então, aqueles que tinham alguma liderança, que se encontravam mais do lado esquerdo daquele mundo polarizado, de certa maneira meio cegamente, se postaram diametralmente oposto não somente ao controle. E, enquanto controle, até hoje eu acho que a gente tem que ser contra, porque na realidade o controle de natalidade tem objetivos na área de fecundidade, e direta ou indiretamente os impõe à população, mas a gente era não somente contrário ao controle, mas também contrário a qualquer oferecimento de serviço de planejamento familiar. E era muito interessante, porque tanto os neomalthusianos, como nós, o nosso lado, a gente concordava em um aspecto, ainda que nunca tenhamos concordado que a gente concordava sobre aquilo. Ambos os lados negavam que pudesse haver no Brasil então uma demanda significativa por contracepção. Os neomalthusianos afirmavam que, como a maioria da população era constituída de pessoas pobres, elas nunca seriam capazes, dada uma certa irracionalidade, e isso seria peculiar, nunca seriam capazes de controlar o número de filhos. E, do nosso lado, a gente afirmava que, como o que estava havendo no país, naquela época, não era o verdadeiro desenvolvimento econômico, mas um simples crescimento econômico, taxa anual de 10, 12% de aumento do produto por ano, a gente negava que pudesse haver uma demanda. A gente afirmava que só haverá demanda de contracepção no Brasil o dia em que houver o verdadeiro desenvolvimento econômico. (...) a ABEP foi criada exatamente nesse período. [Para] Todos nós, dos dois lados da contenda, quando ficou claro que estava havendo um rápido declínio da fecundidade no Brasil. Era um ambiente de ditadura militar, vários de nossos colegas tinham sido aposentados à força das universidades, dos

editorial

“(...) nesse momento, quando a abep organiza seu iii encontro nacional, (...), vem a público os primeiros resultados do censo demográfico de 80, e por exemplo, as taxas de crescimento populacional diferenciadas entre as regiões, sugerindo uma importante redistribuição da população, nesta década de 80, e confirma-se uma acentuada queda da fecundidade. tudo isto confirma-se liga ao outro tema de grande atualidade, que são as propostas de políticas de população e práticas de planejamento familiar. (...)”(Informativo Abep, n°12, janeiro-março/1982, p.1).

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institutos de pesquisa. E como a ditadura brasileira era apoiada pelos Estados Unidos, todos nós éramos profundamente antiimperialistas. E como o governo americano apoiava o programa de controle de natalidade, uma reação normal a isso era negar qualquer demanda de contracepção, ser contra qualquer serviço de planejamento familiar. E esse clima, obviamente, permeava a ABEP nos seus primeiros anos. (...) seria um anacronismo a gente analisar o que aconteceu naquela época com os olhos de hoje, dentro da realidade de hoje. Então, quando eu faço autocrítica, de falar que a gente às vezes chegou a ser dogmático demais, ou maniqueísta em excesso, mas há de se reconhecer que o mundo realmente era dividido nessa área, em dois campos, independentemente da nossa vontade.

George Martine – (...) tem que situar isso em meados da ditadura, 1976.

Evidentemente que a maioria dos intelectuais da área social tinham uma postura mais progressista do que o governo militar que estava aí. Quase tudo se tornava uma reivindicação social, política, de alguma forma. Eu acho que a questão populacional era parte essencial, ou seja, a nossa reação às questões populacionais, particularmente com relação a crescimento populacional, era muito um produto de uma reação a uma postura do governo militar, que naquele momento, até 1976, era pró-natalista, posteriormente começou a ter maiores divergências. Eu acho que nós provavelmente tenhamos sido um pouco, eu diria até exagerados, um pouco radicais em algumas posturas, a ponto, por exemplo, de achar que uma pesquisa a ser realizada, patrocinada pela USAID era um instrumento do imperialismo. Eu acho que esse tipo de coisa se situa historicamente, embora tenhamos que fazer um pouco de autocrítica dessas atitudes. E na medida em que saímos da ditadura, nasceram naturalmente outras posturas. Por exemplo, eu acho que a postura com relação à sexualidade, formação de família, tem sido muito mais, como eu diria, progressista e abrangente do que tinha sido no passado, porque essas questões vieram à tona com muito mais ênfase do que quando o mundo era preto e branco. Nós éramos todos a favor, todos contra. Politicamente, hoje em dia cada um trilha mais ou menos a sua direção. Embora no meu entender pessoal, não tem nada a ver com a ABEP, eu acho que nós

conselHo nacional de desenVolVimento cientÍFico e tecnológico (cnpq) e demograFia

“pela primeira vez, o comitê assessor de economia, administração e demografia do cnpq passou a contar entre seus membros com um especialista em demografia. Foi nomeado como membro do comitê, o professor José alberto magno de carvalho”. (Informativo Abep, n°12, janeiro-março/1982, p.12).

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ainda temos algum caminho que caminhar para nos libertar desse certo ranço ideológico, que se explica no seu contexto histórico, mas que hoje em dia nós ganharíamos tendo maior objetividade.

Neide Patarra – (...) eu não gosto muito quando o George Martine e o Zé

Alberto [Carvalho] começam a fazer cobrança de mea culpa, dos erros. Eu acho que não são erros, acho que são momentos específicos. E aquele momento era de exacerbação nacionalista, era de um confronto ideológico muito forte com os Estados Unidos, inclusive com a academia norte-americana. Eram visões de mundo que se contrapunham. Isso era um pouco o nosso ethos naquele momento, e formava a nossa prática. Teve desdobramentos muito difíceis, porque depois, nos anos posteriores, na batalha contra o neomalthusianismo, chega um momento em que a gente tinha alianças terríveis, porque estávamos nós, a esquerda da demografia, os militares defendendo a soberania nacional, e a Igreja Católica. Eram esses três ganchos que defendiam o crescimento populacional, etc. Naquele contexto, e era ideológico sim, era o nosso compromisso inclusive com a academia, com a produção de conhecimento. É neste momento, na metade dessa década, ainda ditadura, que o pessoal monta a ABEP. Foi uma confluência de cabeças boas. Mas com o apoio da Ford, a idéia de formar a associação.

Paulo Paiva – (...) no âmbito nosso, do grupo dos intelectuais, você tinha

uma resistência muito grande à possibilidade de transformar o conhecimento demográfico em política de controle da população, com objetivo econômico, de meta de crescimento populacional. Esse era um pouco o conteúdo da discussão. E esses temas todos nos levavam para o debate ideológico. Me vem à cabeça a questão da educação, e da distribuição da renda. O Langoni, quando foi fazer sua tese em Chicago, apontava que a concentração de renda era por falta de investimento em educação etc. (...). Isso foi ideologizado de tal forma que a esquerda tinha uma resistência grande ao conceito de capital humano, todo conceito de investimento em educação (...).

PMR – Parece uma grande contradição.

Paulo Paiva – Exatamente. Você vê hoje o esforço que se faz. (...). Mas você

estava ideologizando o debate acadêmico (...). Não que não tivessem idéias interessantes, não que não tivessem idéias importantes, não que não fosse o início para a formação do conhecimento do que veio depois, mas era (...) um

abep recebe Fundos da Ford para manutençÃo de atiVidades

“com satisfação a diretoria da abep traz ao conhecimento de seus associados dos termos do documento ‘memorando de entendimento’, assinado por abep e Fundação Ford. este documento especifica as cláusulas do endowment, ou seja, como deverá ocorrer a constituição de um patrimônio destinado a gerar fundos para a manutenção da abep.” (Informativo Abep,

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momento diferente. As reuniões da SBPC eram reuniões políticas. Havia esse espaço, que eram também os espaços de fazer reunião política. (...). Enfim, você estava diante de um regime militar, que é difícil para as gerações novas entenderem, porque tiveram a felicidade de não viver sob esse contexto. (...) a manifestação política aparecia no espaço que lhe permitia aparecer. Então, uma reunião científica era a possibilidade de ter uma manifestação política. Um show da Elis Regina, era a possibilidade para ter uma manifestação política. Isso, nós temos que entender dessa forma. (...) o que podia ser feito era aquilo. Se, eventualmente, pudéssemos refazer a história, voltando lá, nós iríamos fazer tudo da mesma forma.

Daniel Hogan – (...) o que tinha importância para a demografia naquele

momento era a resistência generalizada dos acadêmicos ao controlismo barato que estava tomando conta da grande mídia nos anos 60-70. Tanto é que quando eu vim para o doutorado, de fato era com recursos da USAID, e me escolheram justamente por não trabalhar com fecundidade, para poder apoiar a demografia no país sem tocar nesse ponto sensível. Mas acabou sendo vetado qualquer apoio da USAID nesse campo, mesmo para estudar migração. Então, vim com outro recurso. Mas isso era muito freqüente ainda, durante muito tempo, e certamente isso marcou o discurso político da ABEP. (...) todo aquele primeiro período, é muito claro que quem fundou a ABEP tinha uma visão crítica da demografia latino-americana. Isso era importante na época. Essa fragilidade institucional da demografia – ainda não tinham cursos de pós-graduação, ainda não tinham centros consolidados – era geral na América Latina. E outra coisa geral, era que todos estavam alvos da mesma ideologia controlista da parte das USAIDs da vida.

O Zé Alberto (..) fazia pouco que tinha chegado da bolsa [doutorado em Londres], era jovem. Ele tinha um olhar neomalthusiano, eu achava que ele era agente neomalthusiano, o Zé Alberto. (...) e já tinha uma tensão nessa coisa. Era claramente dividido, os pró-neomalthusianos e o pessoal de São Paulo, que era visto como mais crítico. O Zé Alberto estava ali no meio.(...) eu tinha desconfiança de que ele era neomalthusiano. Mas eu, enfim, nem tinha informação. Nem o conhecia.

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E assim, nesse contexto político específico e complexo, com o envolvimento de vários atores, tanto individuais quanto institucionais, e com apoio da Fundação Ford, nasce a ABEP.

Neide Patarra – (...) a ABEP surge num momento de transição. Transição de

financiamentos; transição política, começávamos a ter mais abertura; transição demográfica, que entra em outro momento; transição no sistema de ciência e tecnologia do país. Esse é um momento muito forte.

Esse caso é clássico (...). Esses seminários que nós tivemos em Teresópolis, foi na época da criação da ABEP, ou um pouco antes. Mas isso já fazia parte da pré-ABEP. O saudoso Bill Brass (...) tinha sido meu professor e co-orientador do doutorado em Londres. Ele veio, inclusive um pouco por sugestão minha, duas ou três vezes ao Brasil, para a gente passar uma semana em Teresópolis, onde ele expunha, discutia com os jovens demógrafos brasileiros. Durante uma semana, a gente discutia as técnicas dele, num ambiente muito bom. Vários jovens do IBGE, alguns do Cedeplar, outros do Cebrap. E eu lembro que meus colegas estavam admirando, gostando tanto do Brass, que comentaram comigo que iam convidá-lo para tomar um uísque. Era uma época em que uísque no Brasil era caríssimo. É como se hoje um litro de uísque custasse 400, 500 reais [pouco menos de 1,5 salários mínimos de maio de 2006]. (...) na realidade, eu avisei para eles, primeiro, que o Brass, como bom escocês, gostava demais de uísque. Mas que ele, como bom escocês também, era extremamente pão-duro. Então, que tivessem cuidado, porque o uísque era muito caro. Eles convidaram o Brass. Na realidade nós consumimos, naquela noite, 4 litros de uísque, dos quais 80% foi o Brass quem tomou. Na hora de pagar o uísque, o Brass não pôs a mão no bolso. Nós tivemos que amealhar todo o dinheirinho que a gente tinha, e talão de cheque, para poder pagar a conta: Jair [Santos], Luiz Armando [Frias], eu (...).

Referências

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