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A População Escrava no Município de Franca 1836-1888

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A População Escrava no Município de Franca

1836-1888

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Maísa Faleiros da Cunha

UNICAMP/IFCH/NEPO

Palavras chaves: Demografia histórica, Franca (SP), População Escrava.

Introdução

São Paulo foi a região do Brasil que conheceu as mais profundas transformações demográficas, ao longo do século XIX, vinculadas principalmente à expansão da cafeicultura. Neste período, a população paulista em geral diversificou e mostrou um grande crescimento. Este, no entanto, não se processou de forma homogênea em todo território da Província. O peso da migração/imigração e do crescimento natural responsáveis por este incremento populacional variaram no espaço e no decorrer do tempo. Parte integrante desse processo, a população escrava, em São Paulo também apresentou variantes em seu crescimento, estrutura e dinâmica ainda não apreendidas em sua totalidade.

Na tentativa de resgatar informações que permitam ampliar um pouco mais o conhecimento sobre tais variantes, optamos por estudar a população escrava no município de Franca e ao mesmo tempo, verificar as possibilidades e dificuldades oferecidas por fontes de época como: levantamentos populacionais nacionais e regionais publicados para São Paulo no século XIX registros paroquiais debatismo, almanaques assim como o Recenseamento Geral do Império de 1872 etc.

Nosso objetivo é caracterizar a população escrava de Franca e, na medida do possível, verificar suas relações com o contexto sócio-econômico local à luz da bibliografia recente sobre o local e o período e, principalmente, sobre a população escrava.

Nosso estudo inicia-se em 1836 - ano de realização do primeiro Levantamento

* Trabalho apresentado no XIII Encontro da Associação Brasileira de Estudos Populacionais, realizado

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de População publicado para a Província de São Paulo (MÜLLER, 1923) - e encerra-se em 1888, com a abolição da escravatura no Brasil.

Por questões de comparabilidade dos dados, o espaço privilegiado nesta pesquisa foi o território de Franca em 1836, o que significou agregar para períodos posteriores as informações para os municípios desmembrados do original. Utilizaremos as expressões “território”, “conjunto territorial”, “território base ou original” para fazer referência a este espaço (Mapa 1).

Nesse período, o município de Franca, localizado na rota de tropeiros vindos de Minas Gerais e da Província de São Paulo que se dirigiam a Goiás e Mato Grosso, apresentou uma população considerável, tanto de livres quanto de escravos. Mesmo não estando inserido diretamente na grande lavoura de exportação, possuía uma economia dinâmica de produção de bens para o mercado interno, o que justifica um crescimento razoável da população escrava.

Origem e evolução do município de Franca

Franca surgiu na virada do século XVIII para o século XIX no extremo nordeste de São Paulo em terras então administradas pela Vila de Mogi Mirim.

Nesse povoado criou-se em 1804 a Freguesia de Nossa Senhora da Conceição de Franca e Rio Pardo que em 1821 transformou-se na Villa Franca d’El Rey. O território dessa Vila incluía também a Freguesia de Batatais e um conjunto de pequenas localidades que se formaram nos arredores do Rio Pardo. Com a Independência do Brasil (1822) seu nome foi alterado para Vila Franca do Imperador em 1824.

As atividades desenvolvidas na região, nas primeiras décadas do século XIX, eram a pecuária e a produção de gêneros (arroz, milho, feijão, mamona, cana, algodão, dentre outros) (MÜLLER, 1923). Além destas, destacavam-se também a produção têxtil (tecelagem de algodão e tear) e o comércio do sal.

Em 1839 Batatais (ex Cana Verde) também tornou-se Vila. A elevação da Franca do Imperador à categoria de cidade ocorreu em 1856. No decorrer do tempo, Franca e Batatais terão seus municípios reduzidos. Em 1865 Cajuru desmembrou-se de Batatais e em 1866, Franca perdeu para Passos (MG) o território denominado Aterrado (MOREIRA, 1943: 23).

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elevações de freguesias a Vilas, intensificando os desmembramentos a partir dos anos 70. Igarapava (ex Santa Rita do Paraíso) desmembrou-se de Franca em 1873 e aparece, pela primeira vez, como município no levantamento de 1886 com duas paróquias: Santa Rita e Santo Antonio da Rifaina. Ituverava (ex Carmo de Franca) e Patrocínio Paulista (ex Santa Bárbara das Macaúbas) desmembraram-se de Franca em 1885, e em 1886 apresentavam (ambos) apenas uma paróquia: Nossa Senhora do Carmo e Nossa Senhora do Patrocínio, respectivamente. Como Igarapava, as duas últimas localidades apareceram como municípios, pela primeira vez, no levantamento de 1886. No Relatório de 1886, o município de Franca é constituído por apenas uma paróquia: Nossa Senhora da Conceição (Mapa 1).

Mapa 1. Localização do Território de Franca em 1836 e respectivos deslocamentos territoriais. Franca 1836 - 1886 1 2 3 4 5 6 N E W S 1. Franca 2. Batatais 3. Cajuru 4. Igarapava 5. Ituverava 6. Patrocínio Paulista Legenda:

A malha ferroviária da Mogiana atingiu primeiro Batatais em 1886 e, um ano depois, Franca (1887). A chegada da ferrovia e da nova ordem econômica agroexportadora, com a formação das grandes lavouras de café nos municípios do território de Franca contribuíram para o declínio do comércio de sal e da pecuária na

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região no final do século XIX.

Juntamente com a chegada da ferrovia e agricultura mono-exportadora à região, as mudanças não se limitaram somente ao aspecto econômico, mas também ao demográfico e ao cotidiano local. O ritmo de vida alterou-se, tornando-se mais dinâmico. A passagem do trabalho escravo para o livre, a chegada de imigrantes nacionais e estrangeiros (na maioria italianos) para atender as necessidades de mão de obra nas lavouras de café, a expansão do setor de comércio e serviços na região modificaram o quadro tradicional da sociedade francana no último quartel do século XIX e na passagem para o XX.

Evolução Demográfica

Em 1809 havia 1.279 habitantes na freguesia de Franca (MOREIRA, 1943: 15). O crescimento populacional de Franca nas primeiras décadas do século XIX deveu-se muito aos mineiros que migraram em busca de novas terras na Província de São Paulo. Em princípios do século XIX, 1/3 da população de Franca era mineira, em 1824 2/3 (TOSI, 1998: 38). Em 1829, Vila Franca do Imperador já contava com 9.247 habitantes (5.026 homens e 4.221 mulheres)(MOREIRA, 1943: 15).

Em 1836, ano da realização do “único censo publicado para São Paulo na primeira metade do século XIX” (BASSANEZI, 1998 Vol. I: 11), Franca que compreendia em seu território a Freguesia de Batatais possuía uma população significativa, ou seja, 10.664 habitantes. No conjunto dos 40 municípios existentes no território do atual Estado de São Paulo, Franca estava entre os 11 cuja população ultrapassava a casa dos 10.000 habitantes. Entre estes 11 municípios, ocupava a quarta posição em número proporcional de escravos no conjunto da população (32,30%) e estava entre os nove municípios da Província que possuíam mais de 3.000 escravos (Tabela 1). Nessa ocasião, contava com 885 fogos e um número médio de 12,10 pessoas livres e escravas em cada fogo (8,20 livres - o que, se os dados estiverem corretos, é considerado alto no período - e 3,90 escravos).

Os dados demográficos deste município são bastante significativos, pois refletem o dinamismo econômico de um município não agro-exportador como os do Vale do Paraíba e do quadrilátero do açúcar.

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muito semelhantes à de Porto Feliz e Piracicaba (municípios pertencentes ao quadrilátero do açúcar).

Tabela 1

Municípios paulistas com mais de 3.000 escravos e porcentagem de escravos no total da população - 1836

População Escrava

Municípios Total % de escravos na população total

Areias 3.846 40,60 Bananal 3.470 51,70 Campinas 3.917 58,60 Franca 3.440 32,30 Itú 5.433 48,70 Lorena 3.834 40,90 Piracicaba 3.483 33,90 Porto Feliz 4.171 36,90 São Paulo 5.319 24,30

Fonte: BASSANEZI, M. S. C. B. (org). São Paulo do Passado: Dados Demográficos. Nepo/Unicamp , 1998.Vol. I.

A população total do território de Franca em 1836 (que correspondia em 1872 aos territórios de Franca mais Batatais e Cajuru) cresceu cerca de quatro vezes em 36 anos, passando de 10.664 habitantes em 1836 a 40.227 em 1872. Conseqüentemente, as populações livre e escrava também cresceram, mas em ritmos desiguais. A população escrava no território de Franca dobrou de tamanho entre 1836 e 1872, passando de 3.440 escravos para 6.461, enquanto a livre quase quadruplicou aumentando de 7.224 habitantes para 33.816 (Tabela 2). No entanto, a participação dos cativos no conjunto da população total decaiu para 16% em 1872.

Tabela 2 População segundo condição social - 1872

População segundo condição social

Municípios Livre Escrava

Total Batatais 9.095 2.160 11.255 Cajuru 6.700 903 7.603 Franca 18.021 3.398 21.419 Território 33.816 6.461 40.277

Fonte: BASSANEZI, M. S. C. B. (org). São Paulo do Passado: Dados Demográficos. Nepo/Unicamp, 1998.Vol. II.

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de Franca para o segmento livre é de 4,38% e para o escravo 1,77%. Na Província de São Paulo como um todo, a taxa de crescimento ao ano entre a população livre no período de 1836 a 1872 é de 3,46% (havia na Província de São Paulo 200.129 habitantes em 1836 e 680.742 em 1872) e para a população escrava é de 1,75% (a Província possuía 83.883 escravos em 1836 e 156.612 em 1872).

Os municípios paulistas somavam 89 no ano de 1872 (em 1836 eram 40). Dentre os seis municípios da Província de São Paulo com população superior a 20.000 habitantes, o município de Franca ocupava a quinta posição. Os escravos francanos representavam 2,17% dos cativos da Província - percentual inferior ao encontrado para os municípios de Campinas, Bananal, Piracicaba, Mogi Mirim, Guaratinguetá, Rio Claro, São Paulo, Pindamonhangaba, Taubaté, Itu e Sorocaba (Tabela 3).

Tabela 3

Municípios paulistas com população superior a 20.000 habitantes segundo condição social/ Porcentagem - 1872

População

Municípios Livre % Escrava %

Total % Campinas 17.712 56,40 13.685 43,60 31.397 100,0 Franca 18.021 84,10 3.398 15,90 21.419 100,0 Guaratinguetá 16.485 79,10 4.352 20,90 20.837 100,0 Itapetininga 19.603 91,50 1.823 8,50 21.426 100,0 Mogi Mirim 16.462 76,70 5.006 23,30 21.468 100,0 São Paulo 27.557 87,80 3.828 12,20 31.385 100,0

Fonte: BASSANEZI, M. S. C. B. (org). São Paulo do Passado: Dados Demográficos. Nepo/Unicamp, 1998.Vol. III.

Em 1872, a participação do segmento cativo no total da população do município de Franca é a segunda menor dentre os 15 municípios paulistas com mais de 3.000 escravos, mas o município com 3.398 escravos ainda figurava como localidade escravista de destaque dentre os municípios paulistas. No entanto, é preciso considerar que o município de Franca sofreu dois desmembramentos, o de Batatais em 1839 e o de Cajuru em 1865, o que acarretou perda de população livre e escrava (o total de cativos presentes em Franca, Batatais e Cajuru em 1872 era de 6.461).

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Tabela 4

Municípios paulistas com mais de 3.000 escravos/ Porcentagem - 1872 População Escrava

Municípios Total % de escravos na população total

Bananal 8.281 53,10 Campinas 13.685 43,60 Capivari 3.189 38,90 Franca 3.398 15,90 Guaratinguetá 4.352 20,90 Itu 3.498 32,30 Limeira 3.054 21,40 Mogi Mirim 5.006 23,30 Pindamonhangaba 3.718 25,40 Piracicaba 5.414 28,50 Rio Claro 3.935 26,20 São Paulo 3.828 12,20 Sorocaba 3.456 24,70 Taubaté 3.708 19,60 Tietê 3.276 32,70

Fonte: BASSANEZI, M. S. C. B. (org). São Paulo do Passado: Dados Demográficos. Nepo/Unicamp, 1998.Vol. III.

O menor crescimento da população escrava e seu declínio, a partir dos anos 70 do século XIX, certamente esteve relacionado a um conjunto de fatores. Entre eles, a proibição do tráfico transatlântico de escravos em 1850. Esta proibição estimulou o comércio inter provincial e municipal de escravos e o conseqüente deslocamento de mão de obra cativa para as áreas de plantation - Franca, muito provavelmente, perdeu escravos para as regiões cafeeiras da Província de São Paulo e/ou não conseguiu atrair a vinda de grande número de cativos então desviados para aquelas regiões. Por outro lado, a Lei do Ventre Livre de 1871 retirou as crianças da contagem da população escrava.

A Lei dos Sexagenários (1885), o aumento de alforrias e a divulgação dos ideais abolicionistas na região também se encontravam entre os fatores que interferiram no declínio da população escrava local. Apesar desse declínio, Franca e localidades vizinhas persistiram na utilização do trabalho escravo até o fim da escravidão em 1888.

De 1872 a 1888, na Província de São Paulo registrou-se apenas um levantamento regional de população realizado em 1886. Este levantamento, no entanto, não discrimina para algumas localidades (como Patrocínio Paulista que integrava o território de Franca) a população segundo condição social. Nesse ano, a população para o território original de Franca (de 1836) chegava a 41.371 habitantes, sendo 10.040 no município de Franca. A Matrícula de Escravos de 1887 apontava a existência de 3.912 escravos no conjunto do território e 1.283 no município de Franca.

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A participação de cativos no total da população do território base declinou de 32,30% em 1836 para 16% em 1872 e em 1887 chega em 9,5%. Ao analisar os resultados para os municípios do antigo território, podemos perceber que Franca em 1887 era o município que mantinha a maior porcentagem de cativos no total população (12,80% de sua população é composta por escravos), apesar de Batatais apresentar maior número absoluto de cativos em relação a Franca. É importante ressaltar que entre 1872 e 1886 o município de Franca teve desmembrado de seu território três localidades: Igarapava (1873), Ituverava e Patrocínio Paulista (1885).

Tabela 5

População segundo condição social / Porcentagem - 1886

População Segundo condição social/ %

Municípios Livre % Escrava % Total %

Batatais 11.239 89,10 1.372 10,90 12.611 100,0 Cajuru 5.900 90,80 597 9,20 6.497 100,0 Franca 8.757 87,20 1.283 12,80 10.040 100,0 Igarapava 7.208 94,40 430 5,60 7.638 100,0 Ituverava 4.355 95,00 230 5,00 4.585 100,0 Total 37.459 90,50 3.912 9,50 41.371 100,0

Fonte: BASSANEZI, M. S. C. B. (org). São Paulo do Passado: Dados Demográficos. Nepo/Unicamp, 1998.Vol. III.

Gráfico 1 - Tendência de Crescimento da População segundo Condição Social - Franca - 1836 a 1886

15.630 7.224 37.459 33.816 3.440 4.714 6.461 3.912 0 5.000 10.000 15.000 20.000 25.000 30.000 35.000 40.000 1830 1836 1842 1848 1854 1860 1866 1872 1878 1884 1890 Livre Escrava

Fonte: BASSANEZI, M. S. C. B. (org). São Paulo do Passado: Dados Demográficos. Nepo/Unicamp , 1998. Nota: Os dados para a população livre e escrava para 1854 foram obtidos através de cálculo de projeção, uma vez que o levantamento de 1854 não traz

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informações para as sedes dos municípios de Franca e Batatais, mas apenas para as Freguesias de Carmo da Franca(Ituverava), Santa Rita do Paraíso (Igarapava) e Cajuru.

Em 1836, havia no município de Franca mais homens (55,70%) que mulheres (44,30%) na população escrava. A razão de sexo, 126, não era das mais altas, era menor que a apresentada na Província como um todo (134).

Embora os dados tenham que ser olhados com cautela, o perfil da pirâmide etária, deixa entrever a ocorrência de uma reprodução natural razoável, demonstrada pela faixa de idade entre 0 e 9 anos com 25,10% da população cativa e razão de sexo 101. Como era de se esperar, também revela uma população escrava com um apreciável componente migratório, principalmente de homens nas idades produtivas e reprodutivas, especialmente na faixa de 20-29 anos de idade. Cerca de 71,20% da população escrava tinha idade inferior a 30 anos. As idades média e mediana dos homens eram 24 e 22 anos respectivamente, e feminina 22 e 20 anos.

Franca - População Escrava 1836 25 20 15 10 5 0 5 10 15 20 25 0-9 10-19 20-29 30-39 40-49 50-59 60-69 70-79 80 e mais Idade Homens Mulheres

O Censo de 1836 não apresenta informações referentes ao estado civil da população, apenas o número de casamentos realizados em cada município. Dos 169 casamentos formais, isto é, sancionados pela Igreja, realizados em 1836, 31,40% foram de casais escravos. É importante ressaltar que em Franca a maioria dos senhores de escravos tinham pequenos plantéis como demonstrou Oliveira (1997: 83) a partir dos

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inventários da Comarca de Franca pesquisados no período entre 1822 a 1830, nos quais, 73,40% dos proprietários possuíam de 1 a 5 escravos e 13,40% destes apareciam como proprietários de apenas um cativo. Franca foi a segunda localidade paulista com maior número de casamentos escravos no total da Província de São Paulo em 1836, ficando atrás apenas de Pindamonhangaba com 58 casamentos.

O Censo de 1836 não desagregou informações sobre a ocupação segundo condição social.

No Recenseamento Geral do Império em 1872, do total de 6.461 escravos no território original de Franca (de 1836), 53,20% eram homens e 46,80% mulheres (razão de sexo igual a 114). As crianças escravas de 3 a 10 anos correspondiam a 15,30% da população escrava e os menores de 30 anos, 55,10%. Cerca de quase um terço (30,30%) da população escrava concentrava-se nas faixas etárias 16-20 anos, 21-25 e 26-30 anos, ou seja, em plena capacidade produtiva e reprodutiva. Nos segmentos entre 16 e 30 anos, há apenas 3 cativos do sexo masculino a mais do que do feminino apresentando razão de sexo igual a 100.

Franca - População Escrava 1872 25 20 15 10 5 0 5 10 15 20 25 3-10 21-30 41-50 61-70 81 e mais Idade Homens Mulheres

Houve um envelhecimento da população escrava, pois em 1836, 71,20% dos cativos apresentavam idade inferior a 30 anos e em 1872, 55,10%. A porcentagem da população escrava no total da população também diminuiu, em 1836 chegava a 32,30%

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em 1872, 15,90%. É preciso ressaltar que a Lei do Ventre Livre (1871) retirou as crianças do conjunto da população escrava, o que pode ter resultado em idades média e mediana mais elevadas em 1872 em relação a 1836.

A idade média e mediana dos cativos elevou-se em 1872 quando comparamos com dados de 1836. Em 1836, a população escrava do total da Província de São Paulo mostrou-se mais velha do que a da Vila Franca do Imperador.

Tabela 6

População Escrava Idade Média e Mediana segundo o sexo - Municípios de Batatais, Cajuru e Franca - 1836 e 1872.

Municípios Idade Média Idade Mediana

1836 1872 H M Total H M Total

Franca 24 22 23 22 20 21

Província de São Paulo* 25 23 24 23 21 22

Batatais 37 32 35 31 27 29

Cajuru 34 41 38 28 40 33

Franca 32 31 31 27 28 27

Província de São Paulo 30 30 30 26 27 27

Fonte: BASSANEZI, M. S. C. B. (org). São Paulo do Passado: Dados Demográficos. Nepo/Unicamp, 1998.Vol. III. (*) Total Parcial

Em 1872, as idades média e mediana da população escrava de Batatais, Cajuru e Franca mostraram-se superiores em relação à Província de São Paulo como um todo. Batatais e Cajuru apresentaram escravos mais envelhecidos do que o município de Franca que manteve idades média e mediana mais próximas às da Província de São Paulo. Isto é um indicativo de que a economia do conjunto territorial francano não estava atraindo mão-de-obra cativa como outras localidades paulistas que despontavam como produtoras de café.

No Recenseamento de 1872 a população escrava do território de Franca com 11 anos ou mais segundo estado civil apresentou porcentagem de solteiros igual a 86,30%, de casados 12,20% e viúvos 1,5%. A alta porcentagem de solteiros estaria ligada a uniões consensuais, esporádicas ou permanentes? Para o mesmo período em Campinas, de um total de 11.193 escravos com 11 anos ou mais, 66,50% eram solteiros, 27,30% casados e 6,20% viúvos.

Segundo Oliveira (1997: 83), no período entre 1875 e 1885, 85,40% dos proprietários de escravos na Comarca de Franca possuíam até 10 cativos.

No conjunto territorial de Franca, 33,90% do total de cativos eram pardos e 66,10% pretos. O Censo de 1872 abriu-se também para o conhecimento das ocupações

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exercidas pela população escrava no período. Do total de cativos do conjunto territorial, 58,90% eram lavradores, 19,20% sem profissão (estão inclusas nessa categoria as crianças), 9,60% exerciam ocupações diversas: artistas (artesãos), pescadores, costureiras, profissões manufatureiras ou mecânicas (operários em tecidos, em madeira, em edificações etc.), 7,50% exerciam serviços domésticos (empregados provavelmente na tecelagem e produção de tear) e 4,80% eram criadores e jornaleiros.

A População Escrava na Paróquia Nossa Senhora da Conceição de Franca

Além dos recenseamentos publicados para o século XIX, buscamos verificar o que os registros paroquiais teriam a nos dizer sobre este segmento populacional que pudesse ampliar nosso conhecimento sobre a população escrava francana. Fixamo-nos, num primeiro momento, na Paróquia Nossa Senhora da Conceição de Franca no período de 1868 a 1874 e nos registros de batismos de filhos de mulher escrava. As datas balizas foram escolhidas tendo em vista que nesse período contamos com os dados censitários da paróquia (Censo de 1872) e foi promulgada a Lei do Ventre Livre (1871).

A paróquia Nossa Senhora da Conceição de Franca, em 1872, com 8.248 moradores (6.818 livres e 1.430 escravos) era a paróquia com maior número de habitantes do conjunto territorial de Franca de 1836. Os escravos representavam 17,30% do total da população da Paróquia sendo 751 homens e 679 mulheres (razão de sexo igual a 111). O valor desta variável no município de Franca chegava a 114 e no total da província, 128. A Paróquia e o município de Franca apresentavam valores de razão de sexo mais equilibrados em relação a outras localidades paulistas. Do total de cativos das cinco paróquias que compunham o município de Franca em 1872, 42% encontravam-se na Paróquia de Franca e os demais (58%) pertenciam às outras quatro paróquias (Nossa Senhora do Carmo da Franca - atual Ituverava, Santa Bárbara de Macaúbas - atual Patrocínio Paulista, Santa Rita do Paraíso - atual Igarapava e Santo Antônio da Rifaina - atual Rifaina).

Do total de 1.430 cativos da paróquia, 12,90% eram de crianças escravas entre 3 e 10 anos, 48,80% dos cativos possuíam até 30 anos, quase 1/10 dos escravos apresentava mais de 71 anos (uma proporção razoável de população se levarmos em conta a baixa expectativa de vida do escravo) e 19,20% eram escravos com mais de 61 anos. De 16 a 50 anos era maior o número de mulheres cativas - 366 mulheres e 316

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homens (razão de sexo 86). É interessante notar que há maior número de homens entre as idades 3-15 anos e 61-100 anos, sendo que entre 51-60 anos o número de homens e mulheres era igual. O maior número de mulheres entre as faixas etárias de 16 a 50 anos, leva-nos a pensar que a Paróquia de Franca perdeu mão de obra masculina em idade produtiva para outros locais mais dinâmicos através do tráfico intra-regional.

Na Paróquia de Franca, as crianças com até 15 anos [utilizamos esta idade para efeito de comparação com Simonato (1998)] representavam 22,10% dos escravos, os adultos (16 - 40 anos) 36,70% e os idosos (41 anos ou mais) 41,10%. Os resultados da Paróquia de Franca, de certa forma, são semelhantes aos encontrados por Simonato (1998) em 1860 na zona rural do Rio de Janeiro referentes aos médios plantéis onde os infantes (crianças com até 15 anos) correspondiam a 22,20% dos cativos, os adultos 36,70% e os idosos 41,10%. Segundo a mesma autora,

“os pequenos plantéis, de 1 a 9 escravos, tendem a concentrar menos adultos e infantes e mais idosos do que a população geral, embora os adultos continuem sendo maioria (40,3% contra 23,4% de infantes e 36,40% de idosos) (...) Nos plantéis médios (10 a 20 escravos), a lógica já muda um pouco: temos a maior parte da população destes plantéis localizada entre os idosos (39,4%, enquanto os adultos e infantes são respectivamente 36,5% e 24%)” (1998: 152-3).

Simonato também encontrou mais meninas do que meninos entre os infantes, e, na Paróquia de Franca, predominaram os meninos (esta predominância masculina também foi encontrada nos batismos recolhidos na mesma paróquia).

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Tabela 7

População escrava segundo sexo, grupo de idade e cor - Razão de Sexo. Paróquia Nossa Senhora da Conceição de Franca, 1872.

População escrava segundo sexo e cor Razão de

H M Grupos

de Idade Parda Preta Total Parda Preta Total

Total Escrava Sexo 0-5 20 38 58 13 26 39 97 149 6-10 21 32 53 11 24 35 88 151 11-15 24 49 73 26 32 58 131 126 16-20 16 36 52 15 44 59 111 88 21-25 32 29 61 23 41 64 125 95 26-30 14 55 69 34 43 77 146 90 31-40 22 46 68 27 51 78 146 87 41-50 25 41 66 24 64 88 154 75 51-60 16 63 79 34 45 79 158 100 61-70 13 64 77 23 33 56 133 137 71-80 12 29 41 32 4 36 77 114 81-90 6 36 42 4 4 8 50 525 91-100 3 4 7 2 0 2 9 350 +100 0 5 5 0 0 0 5 100 ND 0 0 0 0 0 0 0 0 Total 224 527 751 268 411 679 1.430 111

Fonte: BASSANEZI, M. S. C. B. (org). São Paulo do Passado: Dados Demográficos. Nepo/Unicamp, 1998.

Em relação ao estado civil, 90% dos cativos e 89,90% das cativas entre a população com 11 anos ou mais eram solteiros. Dentre os casados e viúvos, 10% eram homens e 10,10% mulheres. Em 1872, a Paróquia apresentou percentagens de casados e viúvos inferiores às encontradas para o território original de Franca de 1836, respectivamente 10% e 13,70%.

Tabela 8

População escrava com 11 anos ou mais segundo sexo e estado civil - Paróquia N. Senhora da Conceição de Franca - 1872

População escrava segundo sexo e estado civil

Estado Civil H % M % Total

% Solteiro 576 90,00 544 89,90 1.120 90,00 Casado 61 9,50 60 9,90 121 9,70 Viúvo 3 0,50 1 0,20 4 0,30 Total 640 100,0 605 100, 0 1.245 100,0

Fonte: BASSANEZI, M. S. C. B. (org). São Paulo do Passado: Dados Demográficos. Nepo/Unicamp, 1998.

Como ocorre em outros lugares, na paróquia os cativos e cativas pretos eram maioria. Dentre os homens, 70,20% eram pretos e 29,80% pardos, e entre as mulheres,

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60,50% eram pretas e 39,50% pardas.

As ocupações que arrolaram maior número de escravos na Paróquia de Franca em 1872 era a de lavrador com 62,50% do total de cativos (71,40% homens e 52,70% mulheres), o serviço doméstico ocupava 32% das escravas (bem provável que muitas também eram alocadas na ocupação fiação e tecelagem), a atividade de costureira também ocupava 3,40% do total de escravas, 8,60% dos escravos eram operários (em metais, madeira, edificações etc), 9,60% dos escravos homens trabalhavam como jornaleiros ou criadores e 21,50% do total de cativos foram classificados “sem profissão” (nesta “categoria” estavam inclusas as crianças).

De um total de 1.430 cativos registrados na Paróquia de Franca em 1872, 84,80% eram crioulos (nacionais) e 15,20% africanos (havia mais homens africanos que mulheres). Cerca de 67,90% dos escravos da própria província de São Paulo, em segundo lugar, encontrava-se a Província da Bahia responsável por 20,40% dos cativos, portanto, um total de 88,30% dos cativos eram oriundos das províncias paulista e baiana.

Acima, esboçamos a estrutura da população escrava arrolada no Recenseamento de 1872. Em seguida, faremos uma comparação dos padrões de batizados de filhos de escravos e forros antes e após a Lei do Ventre Livre.

Batizados

Os assentos, com raras exceções, não são ricos de informações; eles anotam: data de celebração do sacramento, local onde se realizou, o prenome da pessoa batizada (do qual deduzimos o sexo), a idade do batizando, a legitimidade (filho legítimo ou natural), o nome dos pais, nome e sobrenome dos padrinhos (caso fossem livres), nome do proprietário dos pais do batizando, nome dos proprietários dos padrinhos (quando eram escravos), oficiante, a freguesia a que pertenciam os pais e padrinhos do batizando e ao término do assento a assinatura do padre. Informações como a cor dos pais, estado civil dos padrinhos e o nome dos proprietários dos padrinhos escravos foram mencionadas poucas vezes.

Ao todo foram recolhidos 620 assentos de batizados referentes à Paróquia de Franca. Anotamos batizandos de filhos de escravos (as) e forros (as) entre 1868 e 1874

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presentes nos livros 6, 7, 8 e 9 conservados na Cúria Diocesana de Franca. Desse total, encontramos oito filhos de forros (dois possuíam pai forro/liberto e mães escravas, quatro eram filhos ilegítimos de mães forras e dois eram filhos de pai e mãe forros) e o restante, ou seja, 612 batizados referiam-se a filhos de escravos. Dividimos os batizados em dois períodos: antes da Lei do Ventre Livre (1868-1871) e após esta mesma Lei (1871-1874), a fim de verificar se essa Lei influenciou nos padrões de batismo dos filhos de mulher escrava ou forra constatando as semelhanças ou diferenças quanto ao número de homens e mulheres batizados, a idade ao batizar, legitimidade, características dos pais, proprietários e padrinhos e a sazonalidade dos batizados.

Antes da Lei do Ventre Livre

Para este primeiro período, foram recolhidos 313 batizados (311 filhos de escravos e 6 de forros) entre janeiro de 1868 e setembro de 1871 (a Lei do Ventre Livre foi promulgada em 28 de setembro de 1871). Encontramos maior número de meninos (57,80%) do que de meninas (42,20%) entre os batizandos. A porcentagem de legítimos entre os batizandos era maior do que a de ilegítimos, 52,10% e 47,90% respectivamente. Havia menor número de meninos legítimos (49,70%) que ilegítimos (50,30%), e entre as meninas, a porcentagem de legítimas (55,30%) era maior que a de ilegítimas (44,70%).

Havia preferência dos escravos e forros em batizar seus filhos nos 30 primeiros dias de vida (78,30%), o restante dos batizandos tinham mais de 30 dias até um ano de idade no dia do batismo e em dois casos não havia informação da idade. Nenhum adulto foi batizado.

A freqüência dos batizados concentrou-se principalmente nos meses de Junho (quando se realizaram 46), Janeiro (39) e Abril (32), ou seja, 37,40% dos batismos foram realizados em três meses.

Tabela 9

Filhos de pais escravos e forros segundo sexo e legitimidade - Porcentagem. Franca 1868-1871.

Legítimos Ilegítimos Total

Sexo N. % N. % N. %

Masculino 90 49,70 91 50,30 181 100,0

Feminino 73 55,30 59 44,70 132 100,0

Total 163 52,10 150 47,90 313 100,0

(17)

Das crianças legítimas, 98,80% eram filhas de pai e mãe escravos e os demais se referiam a um menino e uma menina filhos de pai e mãe forros. Os casais escravos pertenciam sempre ao mesmo proprietário.

Tabela 10

Filhos legítimos de pais escravos ou forros segundo sexo - Porcentagem. Franca - 1868-1871. Sexo Pai e mãe escravos % Pai e mãe forros % Total % Masculino 89 54,60 1 0,60 90 55,20 Feminino 72 44,20 1 0,60 73 44,80 Total 161 98,80 2 1,20 163 100,0

Fonte: Arquivo da Cúria Diocesana. Livros de Batizado n. 6 e 7.

A porcentagem de mães forras entre as crianças ilegítimas foi maior (2,70%) que entre as legítimas (1,20%). Cerca de 97,30% dos batizandos ilegítimos eram filhos de mães escravas.

Tabela 11

Filhos ilegítimos de mães escravas ou forras segundo sexo - Porcentagem. Franca 1868-1871.

Sexo escrava Mãe % Mãe forra % Total %

Masculino 88 58,60 3 2,00 91 60,60

Feminino 58 38,70 1 0,70 59 39,40

Total 146 97,30 4 2,70 150 100,0

Fonte: Arquivo da Cúria Diocesana. Livros de Batizado n. 6 e 7.

Ao todo, encontramos 166 proprietários de casais ou mães solteiras. Destes, 155 eram homens (18 proprietários eram donos de casais e mães solteiras) e 11 eram mulheres (das quais apenas 5 eram proprietárias de casais).

Os padrinhos livres foram os mais escolhidos para batizarem os filhos de escravos legítimos e ilegítimos. Cerca de 67,70% dos filhos legítimos de escravos e 77,40% dos filhos ilegítimos de mães escravas eram afilhados de homens livres. Padrinhos e madrinhas escravos (quando batizaram juntos) apadrinharam 18,60% dos filhos legítimos e 9,60% dos ilegítimos na paróquia de Franca.

Tabela 12

Filhos legítimos de pais escravos segundo condição social dos padrinhos. Franca - 1868-1871 Homens

Mulheres Escravo Livre S/I Total

Escrava 30 4 1 35

Livre 4 96 6 106

S/I 7 13 20

Total 34 109 20 161

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Tabela 13

Filhos ilegítimos de mães escravas segundo condição social dos padrinhos. Franca - 1868-1871 Homens

Mulheres Escravo Livre S/I Total

Escrava 14 2 16

Forra 1 1 2

Livre 2 104 106

S/I 3 19 22

Total 17 113 19 146

Fonte: Arquivo da Cúria Diocesana. Livros de Batizado n. 6 e 7.

De acordo com Metcalf (1989: 209)

“a estratégia (para escolha dos padrinhos) encaminhada pelos cativos consistia, aparentemente, em uma opção entre a vinculação horizontal de seus filhos a outros escravos, ou a vertical a indivíduos da classe senhorial. Cada estratégia comportava sua própria lógica: ao escolherem pessoas livres, e possivelmente senhores, para ser padrinhos de seus filhos os pais esperavam providenciar para estes acesso a indivíduos de maior poder na comunidade. Ao escolherem padrinhos escravos, por outro lado, uniam seus filhos à comunidade escrava. Estes vínculos serviam para reforçar os laços que os escravos tinham entre si. (...) Escravos tendiam a servir de padrinhos aos filhos de escravos casados, antes que aos filhos de mães solteiras”.

Os dois filhos de pai e mãe forros foram batizados por padrinhos e madrinhas livres. E dentre os quatro filhos de mães forras, três foram batizados por livres e um não constou informação sobre a condição social dos padrinhos.

Encontramos em apenas 9,60% do total de assentos a referência ao fato dos pais serem nascidos no Brasil ou cor dos mesmos. Em 29 assentos os pais ou somente pais e mães eram crioulos e um casal de forros foi descrito como pretos. Em apenas 3 assentos os padrinhos foram descritos como crioulos (sem mencionar a condição social dos mesmos).

Em 11 assentos, do total de batizados, houve referência aos proprietários de padrinhos e/ou madrinhas escravos. Uma madrinha de criança legítima pertencia ao mesmo proprietário dos pais desta (o Padre Joaquim Ferreira Telles), assim como 9 padrinhos e 9 madrinhas que batizaram 5 crianças legítimas e 4 ilegítimas também pertenciam ao proprietário dos pais do batizando. Apenas uma madrinha de criança ilegítima pertencia a outro proprietário de sua comadre. Padrinhos de quatro filhos de

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escravos não eram pertencentes ao mesmo proprietário dos pais do batizandos. O estado civil dos padrinhos foi pouco citado, 11 padrinhos livres eram casados com madrinhas livres e apenas um casal de padrinhos escravos foram citados como casados.

Após a Lei do Ventre Livre

Ao todo foram recolhidos 307 assentos de batizado (305 filhos de escravos e 2 filhos de mãe escrava e pais forro e liberto) entre outubro de 1871 a dezembro de 1874. Deste total, 52,80% eram homens e 46,90% mulheres e 1 criança (0,30%) em que não constava o nome (a partir do qual distinguimos o sexo). A proporção de legítimos foi pouco maior que a de ilegítimos, respectivamente 50,80% e 49,20%. A ilegitimidade (52,50%) entre os batizandos do sexo masculino foi maiorque a legitimidade, e entre o sexo feminino, a ilegitimidade (45,80%) foi inferior à legitimidade (54,20%).

Tabela 14

Filhos de pais escravos ou forros segundo sexo e legitimidade - Porcentagem. Franca 1871-1874. Legítimos Ilegítimos Total.

Sexo N % N % N %

Masculino 77 47,50 85 52,50 162 100,0

Feminino 78 54,20 66 45,80 144 100,0

S/I Sexo 1 100,0 0 0,0 1 100,0

Total 156 50,80 151 49,20 307 100,0

Fonte: Arquivo da Cúria Diocesana. Livros de Batizado n. 8 e 9.a

Botelho, ao analisar as porcentagens de legitimidade de crianças filhas de escravos em Montes Claros, encontrou os seguintes valores:

“as crianças ilegítimas entre aquelas batizadas na paróquia de Montes Claros sempre representaram mais de 80% do total quando comparamos dados, seja para a década de 1810, para 1840 ou 1870. Portanto, só podemos perceber a família escrava em Montes Claros caso nos desliguemos da preocupação com o casamento formal” (Botelho, 1994: 143).

A porcentagem de crianças ilegítimas batizadas entre 1871 e 1874 na Paróquia de Franca foi de 47,90%. Segundo Oliveira, que também estudou Franca tendo como fonte os inventários post mortem no período 1875-1885,

“a grande maioria daqueles [escravos] envolvidos em relações familiares pertenciam a posses escravistas de até 10 cativos. Não

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conseguimos encontrar relações familiares entre cativos de plantéis com mais de 15 escravos. Apesar dos problemas com a elaboração dos dados, é uma evidência significativa. O uso de registros de batismos deveria ser difundido entre os grandes proprietários, já que os mesmos poderiam arcar facilmente com seus custos. Seria de se esperar, ainda, uma menor mobilidade dos grandes plantéis, com uma tendência a permanecerem por mais tempo no mesmo local ou região, e com isto deixarem mais ‘marcas’ nos arquivos locais. Estas constatações poderiam realmente significar uma maior presença de famílias nos pequenos plantéis, diferentemente do que ocorre em outras regiões do país no mesmo século” (OLIVEIRA, 1997: 149-150).

É preciso ressaltar o que Robert Slenes frisou sobre os índices mais elevados de casamento entre os cativos paulistas não indicarem “a existência de estruturas familiares radicalmente diferentes das que prevaleciam entre os cativos do resto do Brasil, mas simplesmente um maior grau de aceso ao casamento religioso” (Apud BOTELHO, 1994: 183).

Os batizandos com até 30 dias de idade representavam 71% do total, os com mais de 30 dias até 5 meses chegavam a 27% do total e 2,0% estavam sem informação da idade. Assim como no período anterior à Lei do Ventre Livre, nenhum adulto foi batizado. Os meses de maior freqüência de batizados foram agosto e novembro (34 batizados em cada mês) e dezembro (32), o que representa 32,60% dos batizados. A sazonalidade dos batismos alterou-se no segundo período em relação ao primeiro. Verificamos que 37,40% dos batizados ocorridos entre 1868 e 1871 realizaram-se no primeiro semestre do ano principalmente durante o mês de junho (festas juninas) e no período pós Lei do Ventre Livre intensificaram-se em agosto e novembro.

Quando pai e mãe eram escravos, ambos pertenciam ao mesmo proprietário. Em dois assentos os pais eram liberto e forro e as mães escravas. Dos casais, vinte e oito se repetiram no mínimo duas vezes e levaram à pia batismal um total de 58 filhos e dezessete mães (que se repetiram duas vezes) levaram ao batismo 34 filhos ilegítimos.

(21)

Tabela 15

Filhos legítimos de mães escravas e pais escravos ou forros segundo sexo - Porcentagem. Franca 1871-1874.

Sexo Pai e mãe escravos % Pai liberto/forro e mãe escrava % Total %

Masculino 76 48,70 1 0,65 77 49,35

Feminino 77 49,35 1 0,65 78 50,00

S/I Sexo 1 0,65 1 0,65

Total 154 98,70 2 1,30 156 100,0

Fonte: Arquivo da Cúria Diocesana. Livros de Batizado n. 8 e 9. Tabela 16

Filhos ilegítimos de mãe escrava segundo sexo - Porcentagem. Franca 1871-1874.

Sexo Mãe escrava %

Masculino 85 56,30

Feminino 66 43,70

Total 151 100,0

Fonte: Arquivo da Cúria Diocesana. Livros de Batizado n. 8 e 9.

De um total de 177 proprietários, 140 são homens e 37 mulheres. Não encontramos nenhuma proprietária de mãe de criança ilegítima e de casais, no entanto, 18 homens eram proprietários de mães escravas e de casais.

Os padrinhos livres permaneceram os mais escolhidos após a Lei do Ventre Livre para batizar os filhos de escravos. Os padrinhos e madrinhas escravos (juntos) batizaram 28,60 das crianças legítimas e 20,50% das ilegítimas.

Tabela 17

Filhos legítimos de pais escravos segundo condição social dos padrinhos. Franca - 1871-1874 Homens

Mulheres Escravo Livre S/I Total

Escrava 44 3 47

Forra 1 1

Livre 3 98 1 102

S/I 2 2 4

Total 48 103 3 154

Fonte: Arquivo da Cúria Diocesana. Livros de Batizado n. 8 e 9. Tabela 18

Filhos ilegítimos de mães escravas segundo condição social dos padrinhos. Franca - 1871-1874 Homens

Mulheres Escravo Forro Livre S/I Total

Escrava 31 5 36

Forra 1 1

Livre 6 95 1 102

S/I 1 11 12

Total 37 1 101 12 151

(22)

Os dois filhos de escravas e pais forro e liberto foram batizados por padrinhos livres e uma madrinha em que não consta a condição social.

Apenas 4 padrinhos e 5 madrinhas escravas aparecem nos assentos com os nomes de seus proprietários. Apenas uma madrinha e um padrinho pertencem ao mesmo proprietário da mãe de criança ilegítima.

Notamos que o período posterior à Lei do Ventre Livre apresentou menor quantidade de informações em relação à cor dos pais, à cor e estado civil dos padrinhos. Apenas um assento se referiu ao estado civil de um casal de padrinhos livres casados. Em 12 assentos o Padre Luiz de Góes Conrado autorizou o batizado e em 18 assentos encontramos a referência “todos d’esta freguesia”.

Conclusão

Embora o trabalho esteja em sua fase inicial, até o momento, foi possível verificar que as fontes utilizadas permitem traçar um perfil da população escrava, mas ainda não muito nítido. É preciso comparar e completar com outros tipos de fontes como inventários post mortem e registros de casamentos.

O Censo de 1836, embora apresentando menor riqueza de dados do que o Recenseamento Geral do Império de 1872, possibilitou vislumbrar como a população escrava de Franca evoluiu até 1872 (quando foi realizado o primeiro censo nacional).

Os registros paroquiais informam sobre características de possíveis uniões entre cativos e estratégias adotadas pelos mesmos no momento de batizar seus filhos.

A população escrava francana apresentou razão de sexo inferiores à Província durante o período analisado. Entre 1836 e 1872 sua população escrava envelheceu, apresentando idades média e mediana inferiores às encontradas na Província em 1836 e superiores em 1872, além de diminuir a participação de cativos no total da população. Franca, apesar de apresentar produção para o mercado interno, conseguiu dobrar a população escrava em números absolutos no conjunto territorial (embora menor que o verificado para o total da Província).

Os registros paroquiais permitiram verificar que a legitimidade pouco se alterou, passando de 52,10% para 50,80%, mais meninos foram batizados antes e após a Lei do Ventre Livre, os batizandos tinham até 1 ano quando da celebração do sacramento nos dois períodos, assim como os padrinhos livres foram os mais escolhidos para batizarem

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os filhos de escravos. Alguns aspectos modificaram-se após a Lei do Ventre Livre como a sazonalidade dos batismos e o aumento de filhos ilegítimos de mães escravas.

Levando-se em conta a elevada porcentagem de filhos ilegítimos, é possível que grande parte das mães mantinham uniões consensuais, visto que muitas mães repetiram-se batizando mais de um filho. No período posterior à Lei do Ventre Livre, o número de casais que apareceram batizando mais de um filho aumentou assim como o número de padrinhos escravos escolhidos para apadrinharem filhos de escravos.

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