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A criminalização do abortamento induzido no Brasil é um total desrespeito aos Direitos Humanos e uma violência contra as mulheres

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Academic year: 2021

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A criminalização do abortamento induzido no Brasil é um total

desrespeito aos Direitos Humanos e uma violência contra as mulheres.

Mario Francisco Giani Monteiro

Instituto de Medicina Social, UERJ, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

Leila Adesse

Ações Afirmativas em Direitos e Saúde (AADS), Rio de Janeiro, RJ, Brasil

Jefferson Drezett

Núcleo de Programas Especiais, Serviço de Violência Sexual e Aborto Legal, Hospital Pérola Byington, São Paulo, SP, Brasil.

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RESUMO

A criminalização aumenta os riscos de complicações (infecções e hemorragias graves, perfuração do útero e mortalidade materna) devido a práticas domésticas inseguras, que não existiriam se as instituições médicas e hospitalares pudessem dar atenção segura às mulheres que decidem interromper a gravidez.

O objetivo deste trabalho é produzir estimativas atualizadas sobre abortamento induzido, com valores máximos e mínimos, numa série histórica de 1998 a 2015 no Brasil.

Os Indicadores utilizados foram: - Estimativas do Número de Abortamentos Induzidos; - Estimativas da Razão de Abortamentos induzidos; - Estimativas das Taxas de

Abortamentos Induzidos

Resultados e conclusões. Entre 1998 e 2015 ocorreu uma redução importante no número de abortamentos induzidos, que passou de 1.052.515 para 852.365, correspondendo a uma redução de 23% em 11 anos. As Taxas de Abortamento Induzidos por mil mulheres de 15 a 49 anos mostram uma redução maior entre 2004 e 2015, quando há um aumento da escolaridade das mulheres e da cobertura das medidas

anticoncepcionais. Mas persiste uma elevada incidência de complicações do aborto induzido no Brasil, comprovando que a criminalização é ineficaz para evitar a interrupção voluntária da gravidez e, junto com a proibição de uso do Cytotec, provocam riscos de complicações graves.

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I - INTRODUÇÃO

Este trabalho atualiza com dados até 2015 as estimativas do número de abortamentos induzidos e os indicadores: Estimativas por intervalo (máximo e mínimo) da Razão de Abortamentos induzidos por cem nascidos vivos (%) por mulheres de 15 a 49 anos e Estimativas por intervalo (valores máximo e mínimo) das Taxas de Abortamentos Induzidos por mil mulheres de 15 a 49 anos.

De 2000 a 2010 houve um aumento significativo de escolaridade da população feminina de 18 a 24 anos no Brasil. O número de meninas Sem instrução/1º ciclo

fundamental incompleto diminuiu de 1.496.439 para 717.480 e de meninas com 1º ciclo fundamental completo/2º ciclo incompleto diminuiu de 3.301.826 em 2000 para

1.230.157 em 2010 e houve um aumento importante de meninas com 2º ciclo fundamental completo ou mais, passando de 6.784.381 em 2000 para 9.174.124 em 2010, correspondendo a um aumento de 35% de meninas com 2º ciclo fundamental completo ou mais (IBGE, 2016).

TABELA 1 Escolaridade da população de 18 a 24 anos – Brasil, Censo 2000 e 20100.

Escolaridade 2000 2010

Sem instrução/1º ciclo fundamental incompleto 1.496.439 717.480 1º ciclo fundamental completo/2º ciclo incompleto 3.301.826 1.230.157 2º ciclo fundamental completo ou mais 6.784.381 9.174.124 Fonte: IBGE. Censos Demográficos, 2000 e 2010

Pode-se ver na TABELA 2, a seguir, que a cobertura de utilização de anticoncepcionais pela população feminina foi ampliada entre 1996 e 2006, como demonstra a PNDS 2006: a proporção de mulheres unidas que não usavam nenhum

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método passou de 23% para 19%, e a proporção de mulheres sexualmente ativas não unidas que não usavam nenhum método passou de 45% para 25%, diminuindo o número de gravidezes indesejadas (PNDS, 2006).

TABELA 2 - Porcentagem de uso atual de métodos anticoncepcionais USO ATUAL * Todas as mulheres Mulheres unidas Sexualmente ativas

não unidas*

1996 55% 77% 55%

2006 68% 81% 75%

*Nos últimos 12 meses.

Fonte: Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde da Criança e da Mulher 1996 e 2006.

O documento Dimensões do Processo Reprodutivo e da Saúde da Criança, publicado pelo Ministério da Saúde e o Centro Brasileiro de Análise e Planejamento de 2009 observa também que as mudanças da anticoncepção ocorridas no Brasil entre 1996 e 2006 aumentaram o uso de métodos anticonceptivos, como a pílula, a esterilização masculina e a camisinha, enquanto a esterilização feminina, que era o método mais utilizado em 1996, diminuiu no período mais recente (Ministério da Saúde/Cebrap, 2009)

A face mais cruel da criminalização do aborto é uma grande desigualdade de riscos, porque enquanto mulheres em melhores condições socioeconômicas podem realizar um aborto relativamente seguro em Clínicas Clandestinas, as mulheres sem condições de arcar com os altos custos da clandestinidade, recorrem a práticas domésticas de alto risco, como o trauma voluntário (quedas, socos, atividade físicas excessivas, etc.), substâncias cáusticas inseridas na vagina (cloro, cal, sais de potássio),

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objetos físicos inseridos no útero (cateter e objetos pontiagudos, tais como arame, agulhas de tecer e cabides), entre outras práticas terríveis e brutais. (SUSHEELA et al. 2012)

II - OBJETIVOS

Produzir estimativas atualizadas sobre abortamento induzido, com valores máximos e mínimos, numa série histórica de 1998 a 2015 no Brasil, evidenciando a persistência de elevada incidência de complicações do aborto induzido no Brasil, comprovando que a criminalização é ineficaz para evitar a interrupção voluntária da gravidez.

A criminalização apenas aumenta os riscos de complicações (infecções e hemorragias graves, perfuração do útero e mortalidade materna) devido a práticas domésticas inseguras, que não existiriam se as instituições médicas e hospitalares pudessem dar atenção segura às mulheres que decidem interromper a gravidez.

III - MÉTODO

III.1 – Estimativa dos números máximos e mínimos dos abortamentos induzidos. A fonte dos dados primários foi o número de internações por aborto registrado no Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde.

O número de abortamentos induzidos foi estimado com base na metodologia proposta pelo Alan Guttmacher Institute, validado pela OMS (WORLD HEALTH

ORGANIZATION, 2004) baseada nas seguintes hipóteses:

1 - o número de internações em consequências de abortamentos induzidos corresponde a 1/5 dos abortamentos induzidos (para o valor máximo), e numa hipótese alternativa (mais conservadora) de1/4 (para o valor mínimo), dos abortamentos

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2 - cerca de 25% do total de abortamentos foram espontâneos (sem serem induzidos) e devem ser diminuídos da estimativa de abortamentos induzidos;

3 - cerca de 12,5% dos abortamentos foram induzidos em clínicas particulares, não registradas pelo SIH/SUS.

Assim as estimativas anuais foram calculadas utilizando-se as seguintes equações: - valores máximos das estimativas de abortamentos induzidos= número de internações anuais registradas no SIH/SUS x 5 x 0,75 (desconta 25% de abortos espontâneos) x 1,125 (aumenta 12,5% de abortamentos realizados em clínicas particulares);

- valores mínimos das estimativas de abortamentos induzidos= número de internações anuais registradas no SIH/SUS x 4 x 0,75 (desconta 25% de abortos espontâneos) x 1,125 (aumenta 12,5% de abortamentos realizados em clínicas particulares) (Singh et al. 1997)

III.2 – Indicadores utilizados.

- Número de Internações em Consequência de Abortamento (espontâneo ou induzido), de mulheres de 15 a 49 anos, por local de residência.

- Estimativas por intervalo (máximo e mínimo), do Número de Abortamentos Induzidos por mulheres de 15 a 49 anos.

- Estimativas por intervalo (máximo e mínimo) da Razão de Abortamentos induzidos por cem nascidos vivos (%) por mulheres de 15 a 49 anos.

- Estimativas por intervalo (valores máximo e mínimo) das Taxas de Abortamentos Induzidos por mil mulheres de 15 a 49 anos.

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IV - RESULTADOS

IV.1 – Número de internações por abortamento induzido registradas no SIH/SUS. Entre 1998 e 2015, as internações de mulheres de 15 a 49 anos por complicações do aborto (espontâneos e induzidos) diminuíram de 225.949 para 202.042 internações, correspondendo a uma redução de 12%.

Mas a maior redução relativa ocorreu entre 2004 e 2015, quando o número de internações diminuiu em 22%.

TABELA 3 - Morbidade Hospitalar do SUS, Número de Internações em Consequência de Abortamento (espontâneo ou induzido), de mulheres de 15 a 49 anos, por local de

residência. Brasil, 1998 a 2015. Ano processamento Internações

1998 225949 1999 240692 2000 243837 2001 245514 2002 243403 2003 239273 2004 249485 2005 247065 2006 230352 2007 224340 2008 214949 2009 220092 2010 217226 2011 208220 2012 204845 2013 203236 2014 203882 2015 202042

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2 – Estimativas de abortamentos induzidos, com valores máximo e mínimo.

Em 1998 a estimativa do número anual de abortos induzidos estava entre 953.222 e 762.578 e passou para um intervalo mais baixo em 2015, entre 852.365 e 681.892.

Entre 1998 e 2004 a estimativa do número de abortamentos induzidos aumentou, mas uma redução importante ocorreu entre 2004 e 2015, quando o valor máximo

estimado do número de abortamentos induzidos passou de 1.052.515 para 852.365, correspondendo a uma redução de 23% em 11 anos.

GRÁFICO 1 – Estimativas por intervalo de abortamentos induzidos por mulheres de 15 a 49 anos, com valores máximo e mínimo. Brasil, 1998 a 2015.

Fonte dos dados primários (internações): Ministério da Saúde - Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS).

953222 1052515 852365 762578 842012 681892 0 200000 400000 600000 800000 1000000 1200000 1400000 19971998199920002001200220032004200520062007200820092010201120122013201420152016 Máximo Minimo

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3 – Estimativas da Razão de Abortamentos Induzidos, por 100 Nascidos Vivos.

A Razão de Abortamentos Induzidos por 100 Nascidos Vivos manteve-se estável de 1998 até 2004, apesar de uma diminuição das taxas de fecundidade, porque este indicador é controlado por mudanças na Taxa Bruta de Natalidade e por isso não é influenciado pela natalidade.

É só de 2004 a 2015 que houve uma redução altamente significativa desta Razão de Abortamentos Induzidos por 100 Nascidos Vivos, provavelmente por uma redução real do risco de Gravidezes Indesejadas.

GRÁFICO 2 - Estimativas (%) da Razão de Abortamentos Induzidos por mulheres de 15 49 anos por cem nascidos vivos. Brasil, 1998 a 2015.

Fontes dos dados primários: MS/SVS/DASIS - SINASC e SIH/SUS 35% 34% 30% 28% 28% 24% 0% 5% 10% 15% 20% 25% 30% 35% 40% 45% 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 Máximo Minimo

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4 – Estimativas das Taxas de Abortamento Induzidos por mil mulheres de 15 a 49 anos.

Ao contrário da Razão de Abortamentos Induzidos por 100 Nascidos Vivos, as das Taxas de Abortamento Induzidos por mil mulheres de 15 a 49 anos dependem das Taxas Brutas de Fecundidade e mostram uma redução maior entre 2004 e 2015, quando há um aumento da escolaridade das mulheres e da cobertura das medidas

anticoncepcionais.

Este aumento da anticoncepção e melhoria da escolaridade resultaram também em um número menor de gravidezes indesejadas de 2004 a 2015, e por isso houve uma redução de quase um terço nas Taxas de Abortamento Induzidos por mil mulheres de 15 a 49 anos.

GRÁFICO 3 - Estimativas por intervalo (valores máximo e mínimo) das Taxas de Abortamentos Induzidos por mil mulheres de 15 a 49 anos. Brasil, 1998 a 2015.

Fontes dos dados primários.

Internações; MS/SVS/DASIS - SIH/SUS;

População Feminina: IBGE - Estimativas populacionais enviadas para o TCU, estratificadas por idade e sexo pelo MS/SGEP/Datasus.

22.0 21.5 15.2 17.6 17.2 12.2 0.0 5.0 10.0 15.0 20.0 25.0 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 Máximo Minimo

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V- DISCUSSÃO E CONCLUSÕES.

Apesar da criminalização do abortamento induzido, estima-se que em 2015 mais de 600.000 mulheres recorreram ao abortamento induzido, realizados em condições inseguras, com elevados riscos de complicações, que provocam infecções graves e hemorragias severas, lesões do útero que provocam esterilidade, e um grande número de óbitos maternos, principalmente na população feminina mais vulnerável: mulheres negras, de renda familiar baixa, residentes em áreas de favelas etc.

Algumas dessas práticas clandestinas e inseguras são: trauma voluntário (quedas e socos), substâncias inseridas na vagina (cloro, cal, sais de potássio), objetos inseridos no útero (arame e agulhas de tecer).

Os riscos devidos à criminalização do abortamento induzido são agravados pela restrição de uso do Cytotec (misoprostol), que age no útero causando aumento das contrações do miométrio, induzindo um abortamento mais seguro, com menores riscos de perfuração do útero, hemorragias severas e infecções graves. Mas sua venda no Brasil é classificada como crime hediondo, e torna-se muito caro no chamado mercado negro. Tanto a razão de aborto por 100 nascimentos vivos como a taxa de abortos induzidos por mil mulheres de 15 a 49 anos no Brasil mostraram decréscimo no período estudado, principalmente pelo aumento da escolaridade das mulheres, pela maior cobertura populacional de utilização de métodos anticoncepcionais eficientes, pelo uso de pílulas anticoncepcionais de emergência, mais conhecidas como “pílula do dia seguinte” (Postinor-Uno, Levonorgestrel, Pilem, Diad, Pozato-Uni, Dopo e outras), e também do uso clandestino de Cytotece (Misoprostol). Mas a incidência do

abortamento induzido inseguro e de alto risco é ainda muito elevada, se comparada a incidência em países onde o abortamento induzido não constitui crime. As instituições

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governamentais de Saúde Pública continuam impedidas, pela criminalização do aborto, de prestarem atenção médico-hospitalar segura às mulheres que decidem interromper voluntariamente uma gravidez indesejada, como se observa em países desenvolvidos, muitos deles com uma maioria católica na população.

VI – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

IBGE. Censos Demográficos, 2000 e 2010 - Escolaridade da população de 18 a 24 anos 2000 e 2010. In DATASUS. Informações Demográficas e Socioeconômicas. 2016. Disponível em http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?ibge/censo/cnv/escbuf.def

MINISTÉRIO DA SAÚDE/CEBRAP. Dimensões do Processo Reprodutivo e da Saúde da Criança. Série G. Estatística e Informação em Saúde. Ministério da Saúde e Centro Brasileiro de Análise e Planejamento. Brasília - DF 2009.

Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/pnds_crianca_mulher.pdf.

SINGH, S. et al. "Trends in Abortion, Contraception and Fertility in Brazil, Colombia and Mexico," International Family Planning Perspectives, vol. 23, 1997. Disponível em http://www.thefreelibrary.com/An+overview+of+clandestine+abortion+in+Latin+Amer ica.-a0200115894;

WORLD HEALTH ORGANIZATION. Unsafe abortion: global and regional

estimates of incidence of unsafe abortion and associated. Geneve: World Health

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