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O encontro entre educação, saúde e psicanálise na tecitura de uma rede de cuidado às pessoas que usam drogas

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Academic year: 2019

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Rev. Latinoam. Psicopat. Fund., São Paulo, 21(3), 660-664, set. 2018

http://dx.doi.org/10.1590/1415-4714.2018v21n3p660.13

Descriminalização do cuidado: políticas,cenários e experiências em Redução de Danos Torres, S., Kveller, D., & Torossian, S. D. (Orgs.) Porto Alegre, RS: Rede Multicêntrica-UFRGS, 2017, 380 págs., vol.1

O encontro entre educação, saúde

e psicanálise na tecitura de uma

rede de cuidado às pessoas

que usam drogas

The encounter between education,

health and psychoanalysis in the

weaving of a drug-abusing people

care network

Cynara Teixeira Ribeiro*1

Zaeth Aguiar do Nascimento*2

*1 Universidade Federal do Rio Grande do Norte –UFRN (Natal, RN, Brasil).

*2Universidade Federal da Paraíba – UFPB (João Pessoa, PB, Brasil).

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de drogas não pode partir de generalizações ou de padrões estabelecidos a priori.

Porém, na contramão desse entendimento, testemunhamos na atuali-dade o recrudescimento de diversos discursos na direção de desumanizar as pessoas que fazem uso de drogas, associando-as com zumbis que perderam completamente a capacidade de gerir a própria vida. Nesse contexto, faz-se necessária a retomada da história das políticas públicas, considerando espe-cialmente os campos da saúde, da assistência social e da segurança pública, os quais tradicionalmente têm se dedicado à questão das drogas. Foi no entrela-çamento entre esses campos, juntamente ao da educação, que surgiu, em Porto Alegre/RS, a Rede Multicêntrica, cuja concepção, história, práticas, avanços e desafios são analisados no livro Descriminalização do cuidado: políticas, cenários e experiências em Redução de Danos, que aborda a temática da droga na perspectiva da Redução de Danos, delimitando seu lugar como uma das diretrizes de trabalho do SUS. O livro é dividido em três seções e é fruto do trabalho de profissionais que atuam na Rede Multicêntrica desde 2010 e compartilham suas experiências desenvolvidas no Brasil e em Amsterdã. A primeira seção é intitulada de Política (sete capítulos), seguida dos Cenários (cinco capítulos) e das Experiências (cinco capítulos), havendo a finalização com um Posfácio que contempla o texto “Paixões e químicas”.

A Rede Multicêntrica surgiu objetivando, dentre outras metas, resgatar a centralidade da proposta da Educação Permanente para que os profissio-nais que atuam com pessoas que usam drogas possam realizar um trabalho que respeite os princípios da Universalidade e da Integralidade, conjugan-do-os com a necessária consideração pela singularidade de cada sujeito. Nesse sentido, essa Rede propõe a articulação entre Educação, Saúde Coletiva e Psicanálise, em uma perspectiva de trabalho que se sustenta na metodologia da Redução de Danos e, portanto, problematiza a abstinência como única saída para as pessoas que fazem uso de drogas.

Análises históricas nos mostram que estratégias de governamenta-lidade da vida persistem ao longo dos tempos, assim como o uso de drogas existe desde os períodos mais remotos. Tais análises são também objeto de reflexão no livro, evidenciando a perspectiva dos atores que fazem a Rede Multicêntrica de que não é possível analisar o consumo de drogas de forma isolada do contexto histórico e social.

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regulamentação e legalização, as quais não são sem consequências nas socie-dades que as vivenciam. Para além da lógica binária que contrapõe em polos opostos a proibição e legalização, é crucial a advertência de que a questão das drogas demanda ações que extrapolem essa dicotomização.

Uma prova de que a dicotomia proibir versus legalizar não é suficiente para dar conta dos usos de drogas e de que o nosso maior problema não são as drogas, mas sim a questão social, são as experiências promovidas no cotidiano da Rede Multicêntrica que mostram algumas aproximações entre as vivências sociais e as possibilidades de cuidado para as pessoas que usam drogas com as de outras populações, tais como as profissionais do sexo, as pessoas que moram nas ruas, as pessoas com HIV/AIDS, os pacientes com tuberculose e outras comorbi-dades etc. Como afirmam Paz e Cunda (2017), o trabalho com essas populações situa-se “numa linha tênue entre estratégias de cuidado e controle, entre visibili-dade e invisibilivisibili-dade, entre o tempo da lei e a pressa da civisibili-dade” (p. 243).

Tais experiências, narradas, discutidas e detalhadas no Livro Descrimi-nalização do cuidado..., chamam a atenção para a importância da atuação em rede e do trabalho multiprofissional, na medida em que as estratégias potencializa-doras do cuidado envolvem, além do acompanhamento à saúde, os eixos Educação, Trabalho e Cultura, haja vista a concepção de sujeito com a qual a equipe da Rede Multicêntrica trabalha: sujeito que é ao mesmo tempo sujeito corpo, sujeito aprendiz, sujeito cidadão e sujeito do inconsciente. E para acompanhar e cuidar desse sujeito considerando a lógica do território (e não do isolamento social e da internação compulsória), os autores propõem diferentes ferramentas, tais como o Projeto Terapêutico Singular, a Clínica Ampliada, a Educação Permanente, a Aprendizagem Significativa, a Ação Intersetorial e o Apoio Matricial.

Portanto, o livro apresenta-se como material de alta qualidade, cum- prindo sua função de fazer pensar e repensar o cuidado ofertado às pessoas que usam drogas, desmistificando determinados preconceitos e descontruindo certos estigmas que perpassam o cotidiano dos trabalhadores de diversos setores que lidam no seu dia a dia com os mais diversos usos, circunscritos a diferentes realidades. Assim, as reflexões trazidas fazem avançar o debate em torno dos rumos recentes das políticas públicas sobre drogas no Brasil e das atuais investidas da mídia, de alguns segmentos religiosos e até mesmo de determinados setores do poder público que associam o uso de drogas à crimi-nalidade e defendem modelos de tratamento que facilmente convertem-se em mecanismos de controle.

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sem ponto final” (Cabral et al., 2017, p. 175). Ou, em outras palavras, como uma política que, ao ser colocada em prática, é cotidianamente reinventada pelos trabalhadores que tecem a rede de atenção às pessoas que usam drogas na medida em que encontram alternativas possíveis de cuidado que levem em conta a singularidade dos casos e a sutileza dos encontros.

Finalizamos convidando-o à leitura desse livro que vem se destacar e somar no aprofundamento de um tema tão delicado, complexo e plural como é a temática da droga. O livro trata do tema abordando a dureza que é o desafio do trabalho com esse campo, com o acolhimento e o tratamento, mas também toca na temática com delicadeza e poesia. Este é o resultado de um trabalho que vem sendo construído e que lança mão de ofertar formas singulares e inventivas na tessitura de uma rede de cuidados aos sujeitos que buscam construir novos trajetos e novas vias de desejo e de vida.

Referências

Cabral, K. V., Simoni, A. C. R., Fagundes, S. M. S., Adamy, P. E., Port, C. N., Mo nteiro, J. da R., Oliveira, V. B., & Almeida, S. A. (2017). Linha de cuidado em Saúde Mental, Álcool e outras Drogas “O cuidado que eu preciso”. In S. D. Torossian, S. Torres, & D. B. Kveller (Orgs.), Descriminalização do cuidado: políticas, cenários e experiências em Redução de Danos (pp. 160-179). Porto Alegre, RS: Rede Multicêntrica.

Paz, C. L., & Cunda, M. F. (2017). O cheiro da rua – intervenções e invenções nas ruas de Porto Alegre. In S. D. Torossian, S. Torres, & D. B. Kveller (Orgs.). Descriminalização do cuidado: políticas, cenários e experiências em Redução de Danos (pp. 227-246). Porto Alegre, RS: Rede Multicêntrica.

Olievenstein, C. (1989). A clínica do toxicômano: a falta da falta. Porto Alegre, RS: Artes Médicas.

Citação/Citation: Torossian, S. D., Torres, S., & Kveller, D. B. (Orgs.) (2018, setembro). O encontro entre educação, saúde e psicanálise na tecitura de uma rede de cuidado às pessoas que usam drogas. Resenha do livro Descriminalização do cuidado: políticas, cenários e experiências em Redução de Danos. Revista Latinoamericana de Psicopatologia

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Editores do artigo/Editors: Profa. Dra. Sonia Leite e Profa. Dra. Marta Regina de Leão D’Agord

Recebido/Received: 25.8.2018 / 8.25.2018 Aceito/Accepted: 30.8.2018 / 8.30.2018

Copyright: © 2009 Associação Universitária de Pesquisa em Psicopatologia Fundamental/ University Association for Research in Fundamental Psychopathology. Este é um artigo de livre acesso, que permite uso irrestrito, distribuição e reprodução em qualquer meio, desde que o autor e a fonte sejam citados / This is an open-access article, which permits unrestricted use, distribution, and reproduction in any medium, provided the original authors and sources are credited.

CYNARA TEIXEIRA RIBEIRO

Doutora em Psicologia pela Universidade Federal da Bahia – UFBA(Salvador, BA, Br); Professora Adjunta do Departamento de Fundamentos e Políticas da Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGEd) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN (Natal, RN, Br). Integra o GT Psicanálise, Política e Clínica da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Psicologia – ANPEPP.

R. Raimundo Chaves, 1652, 2QB, 59064-390 Natal, RN, Br.

Cynara_ribeiro@yahoo.com.br

ZAETH AGUIARDO NASCIMENTO

Doutora em Letras/Literatura Brasileira pela Universidade Federal da Paraíba – UFPB (João Pessoa, PB, Br); Professora Associada do Departamento de Psicologia da mesma Universidade; Coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Psicanálise e Saúde Mental UFPB/Delegação Paraíba/EBP; Correspondente da Delegação Paraíba da Escola Brasileira de Psicanálise; Supervisora de Estágio em Clínica e Saúde Mental/UFPB; Tutora de Residência Multiprofissional em Saúde Mental CCS/NESC/UFPB; Membro do GT ANPEPP Psicanálise, Política e Clínica.

Avenida Buarque, 357, Cabo Branco 58045-160 João Pessoa, PB, Br zaethanascimento@gmail.com

Referências

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