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Entrevista - Dom Tomás Balduíno

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Academic year: 2020

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ROTEIRO DE ENTREVISTA1

TRANSCRIÇÃO DA PALESTRA PROFERIDA POR DOM TOMÁS BALDUÍNO NO ENCERRAMENTO DO I SIMPÓSIO DO NÚCLEO DE PESQUISA – GETeM –

GEOGRAFIA, TRABALHO E MOVIMENTOS SOCIAIS

Por Hellen Cássia Reinaldo2, José A. de Lima Dourado3 e Marcelo Rodrigues Mendonça4

Boa noite a todos e todas. Boa noite ao professor Marcelo Mendonça. Eu agradeço o convite para participar do I Simpósio do GETeM – Geografia, Trabalho e Movimentos Sociais. Entrando aqui, eu pensei para quem eu iria falar, mas agora sim, o auditório está bonito porque vocês são bonitos e bonitas e... então, a gente vai apontar de acordo com o que foi pedido o tema agronegócio e campesinato no campo, se é encerramento tem que ser com chave de ouro, não é? Bom, pois é minha gente, cada vez que falo sobre isso é com o coração...

Claro, que para falar sobre campesinato e agronegócio tem que consultar um pouco Bernardo Mançano Fernandes que vocês conhecem, Horácio Martins de Carvalho mais ainda, Ariovaldo Umbelino, Jorge Felício, e ainda tem muita coisa acumulada na CPT que está completando 25 anos. A CPT lançou seu caderno: Conflitos no campo, no ano de 2009. São 25 anos de levantamento da realidade no campo brasileiro. A CPT faz isso como uma ação profética, é uma Pastoral, então, a profecia consiste em anunciar e denunciar também. Então, é uma forma de dar voz e vez aos sem voz e sem vez, que morrem no oculto da mata, nas tocais nesses rincões do Brasil e se não fosse a CPT, pouca coisa sairia na impressa. O pessoal da CPT são agentes pastorais que trabalham, técnicos e, sobretudo, isso aqui dá a chance há vários professores de que com os dados nas mãos, com os gráficos, tem condições de fazerem comentários, comparando os dados etc.

Agronegócio, campesinato e as lutas no campo. Eu coloco isso, é claro... vocês sabem de que lado eu estou? O ambiente aqui parece bom porque para tratar

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Roteiro de entrevista elaborado por Helen Cássia Reinaldo, José Aparecido Lima Dourado e Marcelo Rodrigues Mendonça, em maio de 2010.

2 Aluna do Programa de Pós-graduação Strictu sensu em Geografia – UFG/Campus Catalão. Membro do GETeM/UFG/CAC/CNPq.

3 Aluno do Programa de Pós-graduação Strictu sensu em Geografia – UFG/Campus Catalão. Membro do GETeM/UFG/CAC/CNPq.

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Professor dos Cursos de Graduação e Pós-graduação Strictu sensu em Geografia da UFG/Campus Catalão. Coordenador do GETeM/UFG/CAC/CNPq.

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essas questões a gente tem que medir primeiro o ambiente. Eu já tive problemas com platéia, que era totalmente contrária com aquilo que ia falando, mas vocês podem contradizer. Eu acho que no final, depois da minha fala vai haver uma oportunidade de debate.

Eu espero deixar aqui as experiências que vivo por parte dos camponeses porque há também um horizonte de esperança, que não é só briga, não é só luta, não é só conflito, é algo muito mais profundo, é algo belíssimo que eu acho que muita gente está começando a compreender. Muita gente dessa sociedade consumista, capitalista está começando a entender esse outro universo, essa outra alternativa e isso é o que eu queria colocar no final se puder. Então, esse tema agronegócio e campesinato é muito atual, sobretudo, aqui no estado de Goiás, eu estava conversando com um pesquisador que estudou muito a cana, e ele falando como a cana está avançando, e avançando sobre o Cerrado. Um auxiliar e próximo de Lula estava falando assim: para quê esse Cerrado? Ele não sabe a realidade belíssima do bioma que levou 15 milhões de anos para se estabelecer e da noite para o dia arrancam no trator e no correntão e tanto Cerrado vai abaixo para dar lugar à monocultura, chamada de Revolução Verde que prefiro chamar de deserto verde.

Hoje já não se vê mais passarinhos, já não vê mais a biodiversidade, já não se vê mais bichinhos. É uma tristeza isso daí, eu estava conversando com o presidente do INCRA lá do Mato Grosso do Sul e ele disse: Dom Tomás eu chorei de ver aquela terra, nem um passarinho sequer, só soja, cana, monocultura; e em Goiás é a mesma coisa: 37 usinas sucroalcooleiras, está próximo de ser um dos primeiros na produção do etanol, da produção da cana de açúcar. O pessoal da Via Campesina disse assim: estão querendo oferecer a energia limpa. Sim, ela pode ser limpa quando sair do distribuidor, mas até chegar lá ela é suja, é de repressão, é de expulsão da terra, é de repressão da polícia, é de jagunçada, é de trabalho escravo. É isso daí... “linda produção”, que enche a mídia e para isso promovem a criminalização dos trabalhadores.

Nós estamos em época de eleições e tenho tentado escutar algumas coisas que começam a falar antes mesmo das candidaturas oficiais. Tenho visto o discurso do Serra: vamos mudar a educação, porém nada de escola gratuita, nada de melhorias consideráveis na saúde, até falaram em aumentarem os postos de

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saúde, mas... o que não atende a verdadeira necessidade da população e reforma agrária, nada! Absolutamente nada.

Um país continental, que teve capitanias hereditárias, uma caminhada de máxima importância que vai mobilizar todo o povo brasileiro, então há uma aliança política e econômica entre as classes dominantes com o suporte dos grandes conglomerados econômicos e multinacionais ligados ao agronegócio; uma aliança, um casamento, uma ligação, e eles são contrários a qualquer iniciativa, a qualquer ação da reforma agrária. Não aceitam a atualização dos índices de produtividade da terra e, tampouco, desejam desaparelhamento dos órgãos que deveriam fiscalizar a devastação ambiental.

Na Amazônia devastam o tempo todo, mas agora tem medo de satélites. Os satélites captam os sinais, mas eles esperam as nuvens cobrirem o território e aí vem a devastação, vem o fogo e a mudança total devido a incineração, processo que avança rapidamente porque na ponta tem dólares, tem capital, muito dinheiro. Dinheiro concentrado no bolso de poucos, donos de multinacionais, dinheiro que não vai produzir o que realmente importa.

Então... são 106 milhões de hectares de terras devolutas para a exploração econômica e para a reforma agrária. Mas já tem outro destino que é a extração de madeira, produção de monocultura: soja, milho, produção de carne, produção de açúcar, álcool, café, algodão, celulose. Esses cultivos, do ponto de vista do governo vêm para fortalecer o superávit primário e do ponto de vista do agronegócio para assegurar mais ganhos na economia, de maneira que continue a desigualdade. Se há uma diferença é pouca porque o sistema é esse: é de fortalecer a concentração capitalista.

Se acrescentamos a esses 106 milhões de terras devolutas, os mais 100 milhões de hectares de terras subaproveitadas nos latifúndios, temos mais de 200 milhões de hectares que deveriam ser destinados a reforma agrária. Mas já tem outra destinação - o agronegócio - e isso é planejado rigorosamente. Então, essas terras são objeto de compra e de arrendamento, ou seja, terras que grandes produtores adquirem pela compra, muitas vezes sem transparência.

Sou Bispo Emérito de Goiás, bispo por 31 anos na Diocese de Goiás, acompanhei passo a passo a expulsão dos camponeses e a tomada de suas terras. Foi triste a situação da Comunidade Carmo do Rio Verde: famílias que tinham seus sitiozinhos, pressionadas, arrendaram, achando que depois daquela safra poderiam

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voltar. Quando voltaram não era mais a mesma terra, irreconhecível, intolerável, então, a compra e arrendamento estão caminhando juntos. São vários processos de expansão do capital no campo e nós não enxergamos isso.

Moramos na cidade, temos televisão, temos computador, e às vezes, não sabemos distinguir uma laranja de uma lima. Então, quando a gente abrir os olhos a realidade será totalmente terrível. Em Goiânia a PUC/Universidade Católica tem uma exposição do Cerrado, uma espécie de museu - o Memorial do Cerrado - daqui uns tempos, seus filhos e netos irão falar: Ah! O Cerrado era assim! Então, há conivência explícita do governo federal em favor desse gigante do agrohidronegócio. Estão usando a água no sentido da privatização, no sentido da distorção da finalidade da água, que é um bem de todos como a terra, e ela se torna mercadoria como a terra.

Eu li um artigo que me chamou muito a atenção, chamado a raiz da criminalização. A UDR, aos juízes, a certos procuradores, a polícia e acima de tudo é uma ordem, é um comando que vem dos Estados Unidos, que têm interesse aqui na distribuição das terras e a formiguinha é o MST, são os lavradores, e os camponeses organizados. Essa é uma proposta, já desde o governo Bush, já tinha essa sinalização e que vai sendo executada. O que mandar, faremos! Então, nessa trama internacional é que a China propôs investir 3 bilhões de dólares nas ferrovias do Brasil. Então queria se livrar dos intermediários, além da privatização das estradas com o pedágio agora as ferrovias com donos estrangeiros. Não é a primeira vez que acontece isso. Para a mídia é o progresso que chegou... uma maravilha!

Eu tive no 12º Encontro das Comunidades Eclesiásticas de Base, em Porto Velho/RO ao lado das Usinas Hidroelétricas em construção no Rio Madeira (Giral e Santo Antônio). As grandes represas transformaram aquele lugar, principalmente a vida da população ribeirinha e indígenas, e parcela do povo parece estar feliz... Chegou o dinheiro, chegou o capital na cidade, mas o pessoal antigo está muito incomodado. Eles dizem: puxa como mudou isso aqui, pois é comum os casos de roubo e latrocínio, mas eles não têm culpa. A culpa veio de cima, há uma abdicação da soberania nacional. É interessante que eu estava lendo um artigo sobre o Dunga, ele está ressuscitando aquela mentalidade da época da ditadura militar: Brasil: ame-o ou deixe-o! Futebol poderia ser um instrumento de paz... Estou sonhando, não é mesmo? Vencer ou vencer, como dizia aquele estúpido

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presidente, e aí o que manda é o capital, é o dinheiro, é a concorrência bizarra na cabeça dos outros.

A abdicação da economia nacional, o comportamento do governo federal, é uma coisa irreversível, em termos de aprofundamento da estrutura agrária concentradora. Está fora de propósito toda essa exportação. O governo é um administrador do capital. Claro que, de vez em quando, atende aos pedidos de alguns prefeitos como é o caso da duplicação da BR-050. Isso é bom não é mesmo?

Vive-se a estratégia política de condenar milhões de trabalhadores rurais e trabalhadores sem terra à miséria. É a mesma perspectiva da pós-escravidão, onde os escravos saíram das fazendas com uma mão na frente e outra atrás. Trabalharam a vida toda, mais de três séculos, e até hoje os negros carregam essa marca, não por causa da cor, mas devido à segregação social da elite do nosso país que até hoje são os donos de tudo. Então, o agronegócio tem apoio político e também apoio jurídico para o capital internacional. Então essa luta veio de longe, aquilo que eu apresentei (há 25 anos a CPT tem dados, por exemplo, há 11 anos de crimes contra os trabalhadores rurais, em 11 anos quase 1000 assassinatos). O resultado dos apenas 70 processos, só 14 condenações, e até hoje um só condenado está na cadeia. Isso significa como está estabelecida a lei, a quem ela serve... Primeiro pelo o que aconteceu com o massacre de Eldorado dos Carajás... Essa luta é porque os camponeses enfrentam a concentração da terra que foi feita desde o início com violência e as ocupações da terra foram o caminho adotado por todos os camponeses.

A reforma agrária é coisa recente no país. Nesse século fala de reforma agrária, mas começa mesmo a falar é pela década de 1950/60. Como houve distintas lutas pela terra, embora seja nova na consciência, não há ainda uma reforma agrária no país, tem de tudo menos reforma agrária no nosso país. A intensificação da luta sim, a territorialização das ocupações e do lado do governo há uma política compensatória, você pressiona que ele faz. Tudo o que existe hoje de reforma agrária foi graças à ocupação das terras, e aí é visto como uma coisa violenta, como uma coisa problemática e cujo conceito de tomar a terra ninguém engole, quem falou uma única vez sobre isso foi o ministro do Superior Tribunal de Justiça dizendo que ocupação não é para roubar terras, mas sim uma forma política de abrir os olhos das autoridades sobre esse marasmo do estado.

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Quando saiu o livro da Santa Sé, em 1996, o Brasil estava sendo citado sobre as ocupações de terra, e toda a impressa estava atrás disso. Uma agitação parecia enxame de abelha, saiu o livro... Então foi silêncio, porque lá não se fala de invasão, fala de ocupação, foi a primeira decepção que eles tomaram. Segundo é porque o documento dizia que a ocupação de terras é uma coisa normal de uma sociedade organizada, mas a responsabilidade é esta, a responsabilidade quando há uma ocupação não é dos ocupantes, mas do governo. Assim, veio essa luta, esse conflito desde 500 anos, cativeiro da terra e cativeiro dos seus habitantes primitivos: os indígenas, escravos, migrantes estiveram excluídos.

No século XVI e XVII as lutas indígenas. Vocês já ouviram falar da Confederação dos Tamoios?... Eu assisti uma Confederação que lembrou a Confederação dos Tamoios. Era de todas as organizações indígenas do Brasil em Coroa Vermelha, local onde chegaram as caravelas. Os índios quiseram fazer lá a sua concentração, era mais ou menos umas três mil pessoas (negros, indígenas e populares). Quer dizer, estavam presentes os quilombolas, os povos indígenas e os camponeses. Os negros foram impedidos de chegar pela polícia. Eu assisti, eu estava presente, quando a polícia cercou, os camponeses e as pessoas chegaram até Porto Seguro/BA, eu estava lá também... Marcha ré, os índios ficaram, fazendo suas considerações, mas houve um episódio interessante, pois no encerramento, Fernando Henrique Cardoso, que estava em Porto Seguro com o presidente de Portugal, em comemoração à chegada das caravelas fizeram uma caravela que quase se afundou.

Fernando Henrique Cardoso ofereceu aquela grande assembléia, aquela concentração. Muito maior do que a Confederação dos Tamoios eram todas as organizações indígenas ali representadas: uma beleza, uma diversidade, uma variedade, uma comunhão fraterna. Ele ofereceu que se mandasse 20 índios até Porto Seguro com as reivindicações que eles quisessem e ele atenderia. Eles disseram não. Ele é que deve vir aqui. E aí ponto final? Não foi ponto final, não. No final, eles fizeram uma marcha indo até Porto Seguro. Uma marcha cantante e rápida. Eu faço minhas caminhadas todo dia, mas para acompanhar aquilo fiquei com a língua de fora, cantavam por blocos respeitando as etnias.

Vieram as tropas de choque do governo baiano, a mando do Fernando Henrique Cardoso e quebrou tudo. Aí a gente tinha que correr... E o velhinho aqui correu, era a jato, era bomba de efeito moral, era um inferno de guerra. Quantas

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mãos erguidas dos nossos ancestrais, dos nativos que pela primeira vez na história se reuniram assim. Depois a escravidão mudou de destinatário. Era primeiro os índios, depois pegaram os negros e os quilombos foram a resposta a esse cativeiro terrível, pois logo que o navio chegava a medida era separar os que tinham a mesma língua, a mesma cultura para não haver uma junção de forças. Depois o trabalho que era exaustivo que reduzia a vida, a vida de um escravo era pouquinha, embora fossem alimentados como animais para produzir trabalho, a situação era terrível. Eles descobriram o caminho da liberdade, os quilombos. Quilombos por todo o Brasil. Em Minas Gerais no Triângulo Mineiro, por todo canto, portanto aí baixa a repressão, porque eles saíam porque tudo era terra de fazendeiro, tudo tinha dono e haviam muitas cercas, e onde tinha mais facilidade eles se organizavam e aí começavam a plantar, começam a dançar, a rezar, uma vida de liberdade, junto com seus amigos, com sua própria etnia, lembrando os antepassados que ainda sobreviviam.

Os quilombos, para dizer a verdade, foi o que destruiu o sistema escravocrata e isso a história não diz. Mas foi a força da resistência que acabou desestimulando aquilo. É claro, tem a pressão também da Inglaterra, que sempre propagou aqui o capital. Eles estavam começando a criar a máquina a vapor e o braço escravo era visto como uma concorrência. Aí houve uma pressão para abolição da escravatura. Porém, 40 anos antes da abolição da escravatura, veio a famosa Lei de Terras (1850) que beneficiava os latifundiários, que eram os mesmos que ocupavam as cadeiras do congresso. A Monarquia passou e na República foi a mesma coisa. Estabeleceram uma Lei de Terras e dizem claramente o seguinte: o acesso a terra só pode ser efetuado através da compra em dinheiro, qualquer lugar para se ter uma terra tem que comprar, ou então herdar. E aí a pergunta é: como os negros íam comprar as terras se não tinham dinheiro? E de quem o negro vai herdar terras? Aí o caminho foram os quilombos, uma peregrinação, uma verdadeira romaria em busca da terra livre, a terra prometida.

Depois veio Canudos, que era composto de camponeses e também de escravos, porque muitos que ainda trabalhavam nas fazendas não recebiam nada além de uma alimentação precária e tinham que retribuir em trabalho. Canudos foi quando esse pessoal se reuniu em um trabalho de cooperação e esta cooperação foi essencial na reprodução e na consolidação da comunidade. A família tinha direito à terra para a produção familiar e havia um direito comum. Era a previdência para os

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mais velhos, para os doentes, para os incapazes, uma comunidade religiosa. O primeiro ataque que eles fizeram foi uma procissão, e aí virou uma guerra. Começaram a dizer que eram fanáticos, que eram contra a República, um retrocesso à Monarquia. Falaram o que quiseram, porque os fazendeiros estavam com raiva deles, pois eles migraram. Antes trabalhavam ali como escravos, não custavam nada, foram para uma cidade abençoada, perdida e o guia era Antônio Conselheiro, que enchia os corações e as mentes de esperança.

Extremamente inteligente e hábil, um homem que dedicou sua vida ao povo, não viveu pra si e no final montou o seu ambiente naquela comunidade linda, onde não havia necessidade entre eles, pois tudo era comum. Em virtude disso, foi uma guerra, mas Canudos não se rendeu, resistiram até o esgotamento completo. Por último ficaram quatro pessoas, um velho, dois homens e uma criança, e na frente deles surgiu raivosamente 50 mil soldados.

No século XX o cangaço apareceu no Nordeste, rebelião surgida da terra contra o coronelismo. Houve várias lutas camponesas por todo Brasil. Foram muitos casos de grilagens, fato comum durante a construção da rodovia Belém-Brasília. Com a chegada da ditadura militar houve novamente grande perseguição contra a luta dos camponeses, pois temiam a entrada do comunismo internacional no Brasil através do campesinato.

Hoje em dia, alguns dizem que o campesinato já não existe mais, agora é a agricultura familiar. Porém esta é muita das vezes uma bandeira levantada pelo capitalismo. O campesinato é visto por muitos como o atraso, a barbárie, os resquícios do feudalismo, agora precisa ser moderno, novo, estar a serviço do capital. Na realidade não há diferença entre agricultura familiar e campesinato. O que define é a família e como esse trabalho é realizado, mas o que o capital almeja é superar o trabalho familiar, impor tecnologias a serviço do mercado produtor.

O que a gente percebe é que a reforma agrária vem sendo castrada, freada, desde o governo Fernando Henrique Cardoso. No lugar de uma reforma, inventaram foi o Banco da Terra e outras coisas mais. Houve muita tentativa de assentamento na Amazônia, porém a reforma agrária não pode ser feita na forma de deportação, compensando o que foi conhecido como a proposta de Emílio Médice assegurar “terras sem homens para homens sem-terra” referindo-se a ocupação da Amazônia pelos nordestinos.

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Se perguntarmos aos índios, aos quilombolas, às quebradeiras de coco, cada um tem sua especificidade de explicarem o que é reforma agrária para eles. Para os índios, por exemplo, reforma agrária não é aquele chão quadriculado do modelo proposto pelo INCRA (o quadrado burro), e sim, o acesso à árvore, a liberdade de transitar para um lado e para outro. Acho bonito de ver a articulação de vários segmentos sociais unidos em nome de um ideal, em busca de direitos, mas articulação dos camponeses não pode ser sem um alvo como tem acontecido.

É preciso que esta penetre na macropolítica. É importante também a convivência com a natureza, o respeito com a terra. A Caatinga, por exemplo, já foi vista como área que não servia pra nada, símbolo de pobreza. Porém hoje em dia já foi provado que a mesma é de uma riqueza muito grande para quem sabe conviver e respeitar a ordem natural. Muitos falam a favor da transposição do Rio São Francisco, mas ela é mais um engano. O canal usado irá incomodar e desterritorializar muita gente. É preciso fazer uma mudança na Constituição do Brasil que atenda a demanda do povo e que seja ditada pelo povo e não pela elite, pois é assim que foram feitas as leis para as futuras gerações e para o futuro.

E por falar em horizonte, aí está a esperança: não é uma coisa que está muito clara, mas a gente que trabalha com esse povo vê que está presente uma forma alternativa de vida que não é esta que está imposta aí pelo capital internacional, pelo FMI, pelo Banco Mundial, mas é algo que tem outra inspiração, outra mística e isso, essa mística, essa alegria nós devemos muito aos negros e aos próprios indígenas. Eu deixo essas reflexões com vocês, como uma esperança, a qual nós devemos cooperar ao invés de engrossar o exército da criminalização desses pobres. Nesse oceano de corrupção, de violência, os movimentos sociais é uma flor que nasce no deserto, uma flor sem defesa como dizia Carlos Prestes.

Obrigado meus amigos e minhas amigas.

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