Relatório de Estágio apresentado para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre em Ecologia Humana e Problemas Sociais Contemporâneos realizado sob a orientação científica do Doutor Jorge Ricardo Costa Ferreira
Dedicado a todos os que se preocupam com a Terra
AGRADECIMENTOS
Quero agradecer ao professor Doutor Jorge Ricardo Costa Ferreira, por ser um orientador de estágio disponível, atento e preocupado. Pela aposta que fez em mim para o acompanhar na conferência internacional Special Interest Tourism and
Destination Management, em Kathmandu, Nepal.
Quero agradecer também a Diana King, por me ter dado a oportunidade de colaborar com a organização não‐governamental O’ahu Resource Conservation & Development, da qual é directora executiva. Por me ter aberto as portas do outro lado do mundo, mesmo sem me conhecer.
Quero ainda agradecer à minha família, cujo apoio fez da minha viagem e estadia no Havai uma realidade, da qual surge o presente Relatório de Estágio. É também ao pensar na família, nomeadamente na família vindoura, que as minhas preocupações ecológicas encontram sentido.
AGRITURISMO – CASO DE ESTUDO HAVAIANO MARIA INÊS GALEÃO MEIRA RESUMO PALAVRAS‐CHAVE: Agricultura, Turismo, Sustentabilidade, Decréscimo O agriturismo, modelo alternativo que alia as vantagens do turismo ao sector agrícola, surge como forma de preservar o espaço rural de forma sustentável. A simbiose entre agricultura e turismo torna‐se relevante numa altura em que o mercado global é altamente competitivo e grande parte da paisagem agrícola se rende ao abandono, por falta de incentivos.
Três casos de estudo de Agriturismos na ilha de O’ahu, Havai, EUA, serão analisados de forma a entender os desafios colocados à comunidade agrícola. Com efeito, uma morosa burocracia legal funciona como entrave à concretização desta actividade. A organização não‐governamental O’ahu Resource Conservation & Development revela‐ se uma ajuda preciosa junto da comunidade rural Havaiana.
Que futuro tem o Agriturismo na sociedade contemporânea? Poderão algum dia os conceitos de “economia” e de “sustentabilidade” ser lidos numa mesma frase? Poderá a noção de “decréscimo” tornar‐se uma realidade? Quais são as diferenças e possíveis influências entre os casos Havaiano e Português?
AGRITOURISM – HAWAIIAN STUDY CASE MARIA INÊS GALEÃO MEIRA ABSTRACT KEYWORDS: Agriculture, Tourism, Sustainability, Degrowth
Agritourism, an alternative model that combines the advantages of tourism with the agricultural sector, arises as a means of preserving the countryside in a sustainable manner. The symbiosis between agriculture and tourism becomes relevant at a time when the global market is highly competitive and much of the agricultural landscape yields to abandonment, due to lack of incentives.
Three Agritourism case studies, on the island of O’ahu, Hawaii, USA, will be analysed in order to better understand the challenges faced by the agricultural community. Indeed, a lengthy legal bureaucracy acts as a barrier to the implementation of this activity. The non‐governmental organization O’ahu Resource Conservation & Development constitutes a precious help among the rural Hawaiian community.
What is the future of Agritourism in the contemporary society? Could the concepts of “economy” and “sustainability” ever be read in the same sentence? Could the notion of “degrowth” become a reality? What are the differences and possible influences between the Hawaiian and Portuguese cases?
ÍNDICE
Introdução... 1 Capítulo I: Estado de arte ... 3 I. 1. Agriturismo – vantagens e desafios ... 3 I. 2. Agriturismo e sustentabilidade – conceitos simbióticos... 8 I. 3. O caso Português ... 12 I. 4. O caso Havaiano... 13 I. 5. Ensinamentos retirados do Mestrado adaptáveis à temática escolhida... 14 Capítulo II: O’ahu RC&D – uma alavanca para o agriturismo ... 19 II. 1. Funcionamento da organização ... 19 II. 2. Projectos em curso. ... 21 II. 2. 1. Tin Roof Ranch... 21 II. 2. 2. Mari’s Gardens... 22 II. 2. 3. Susan & Jason Akamine... 22 II. 2. 4. Pang’s Nursery. ... 23 II. 2. 5. Matsuda‐Fukuyama Farms... 23 II. 2. 6. Takenaka Landscaping Company. ... 24 II. 2. 7. Katsuhiro Kobashigawa Farm... 25 II. 2. 8. Workshops realizados... 25 II. 3. Estágio curricular na ONG O’ahu RC&D... 27 II. 3. 1. Trabalho burocrático. ... 28 II. 3. 2. Visitas ao Terreno... 29 II. 3. 3. Pesquisa de fundo. ... 30 II. 3. 4. Acções de divulgação e formação... 31Capítulo III: Agriturismo em O’ahu... 32 III. 1. O processo de transformação de quintas em espaços de agriturismo ... 32 III. 2. Casos de estudo. ... 36 III. 2. 1. Kahuku Farms. ... 36 III. 2. 2. Kualoa Ranch. ... 38 III. 2. 3. Dole Plantation. ... 40 Capítulo IV: Mudança de paradigmas: Agriturismo, Economia, Sustentabilidade ... 42 IV. 1. Futuro do Agriturismo – Economia vs Sustentabilidade... 42 IV. 1. 1. O conceito de Decréscimo. ... 44 IV. 2. Caso Havaiano e caso Português ... 47 IV. 2. 1. Diferenças... 47 IV. 2. 2. Possíveis influências. ... 49 Conclusão... 51 Bibliografia ... 54 Anexos... 58
INTRODUÇÃO
Contextualização
No primeiro ano do mestrado em Ecologia Humana e Problemas Sociais Contemporâneos, aquando da cadeira de Ecoturismo, leccionada pelo professor Doutor Jorge Ferreira, foi introduzido o caso do ecoturismo havaiano, pelo que se falou no website da organização Hawaiian Ecotourism Association. O tema do Ecoturismo tornou‐se aliciante do ponto de vista de pesquisa científica, o que, associado ao território havaiano, a exploração do tema e o aprofundamento do mesmo em case study. A associação referida é composta por membros que trabalham com o objectivo de potencializar as características endógenas do Havai para fins de ecoturismo. Um dos membros da presente associação, Diana King, tornou‐se mais chamativo aquando do aprofundamento do tema, uma vez que Diana King trabalha para preservar a ilha de O’ahu há mais de duas décadas.
Seguiu‐se uma troca de emails com Diana King, que durou cerca de cinco meses, e abriu uma porta para um estágio curricular na organização presidida pela mesma, que dá pelo nome O’ahu Resource Conservation & Development. Através da troca de ideias sobre o tema do mestrado presentemente debatido e as acções empreendidas pela O’ahu RC&D, foi reconhecida compatibilidade de assuntos e interesses, pelo que ambas as partes reconheceram ter a ganhar com um estágio em território havaiano.
Após a aprovação da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa, foi assinado um Protocolo entre as organizações. O visto de estudante foi conseguido junto da Embaixada dos EUA. E, ultrapassadas todas as barreiras legais e burocráticas, faltava apenas a barreira geográfica. Com as despesas de transporte, estadia e alimentação a cargo da aluna Inês Meira, o estágio decorreu sem problemas e durante o tempo previsto.
Do trabalho desenvolvido no presente relatório, surgiu a participação na conferência internacional Special Interest Tourism and Destination Management, em
Kathmandu, Nepal; bem como o livro editado pela organização O’ahu RC&D O’ahu
Agritourism Guidebook.
Metodologia
O estágio na ONG O’ahu RC&D compreendeu uma metodologia simples, a estagiária acompanhou os projectos levados a cabo pelo staff da dita organização. No processo, o objectivo principal, incentivar a prática de agriturismo junto da comunidade rural de O’ahu, foi atingido com a realização de um guia prático sobre o tema. No entanto, outros objectivos foram tomando forma, como sejam os contactos regulares e as visitas às quintas das zonas de Waimanalo e North Shore, inscritas em projectos de remodelação sustentada conduzidos pela ONG.
Os projectos tiveram início com o contacto prévio dos agricultores, a fim de obter ajuda e aconselhamento por parte da ONG. Os membros desta organização foram conhecer os casos no terreno, compreendendo os problemas em questão e elaborando um plano de acção. Com este plano de acção aceite por parte dos proprietários, as obras – que podiam ser simples, como a plantação de Vetiver (um agente natural de controlo da erosão dos solos); ou mais audazes, como a criação de raiz de uma cozinha comercial – tomaram lugar, sempre acompanhadas por visitas regulares do staff de O’ahu RC&D, a fim de promover um ambiente rural salutar e sustentável.
Estrutura
O presente relatório de estágio compreende cinco capítulos: a Introdução; o Estado de arte, onde se analisa a literatura internacional existente sobre agriturismo; a organização não‐governamental O’ahu Resource Consevation & Development e descrição da sua obra e filosofia; casos de Agriturismo em O’ahu; e a correlação entre os conceitos de Agriturismo, Economia e Sustentabilidade.
A Introdução surge como primeiro capítulo, onde são expostas a Contextualização; a Metodologia; e a Estrutura do presente relatório. O Estado de Arte
está subdividido em quatro subcapítulos: Agriturismo – vantagens e desafios; Agriturismo e sustentabilidade – conceitos simbióticos; O caso Português; e O caso Havaiano. Segue‐se a explanação da ONG O’ahu RC&D, com especial ênfase no funcionamento da organização; nos projectos em curso; e no estágio curricular decorrido no seio da mesma. O quarto capítulo compreende três casos de Agriturismo em O’ahu. O quinto capítulo é marcado pela exploração do tema do Futuro do agriturismo – Economia vs Sustentabilidade; seguido da análise da noção de “Decréscimo”; do resumo das diferenças e possíveis influências entre os casos Havaiano e Português; e pelas Notas Finais. O presente relatório termina com a exposição da Bibliografia e fontes; do Índice; e dos demais Anexos.
Capítulo I: Estado de arte
I. 1. Agriturismo – vantagens e desafios “It's a wonderful experience to walk through their fields and see what the farmers are growing.” (Baltazar, A. 2010)Agriturismo é uma modalidade de recreação que traz os turistas citadinos de volta aos prazeres da vida no campo, reforçando a ligação entre turismo e agricultura. Depois da geração de turistas de “sol e praia”, a primeira modalidade de turismo a atingir grandes massas da população, chega a geração de turistas mais conscientes e atentos aos temas da sustentabilidade, da alimentação saudável e da pegada ecológica. Este novo grupo quer saber de onde vem e como é produzida a comida que lhe chega ao prato, recordar e dar a conhecer aos seus filhos a rusticidade de uma vida de “labuta na terra”, ter contacto com flora e fauna cada vez mais longínquas do seu horizonte de conhecimento.
Por outro lado, nota‐se uma aposta da comunidade rural em chegar às populações citadinas, de forma a aumentar os rendimentos, actualmente mais sensíveis às flutuações próprias de um mercado internacional e de uma maior instabilidade climatérica. De acordo com Carpio (2008), “The recent growth in agritourism is both demand and supply driven. On the supply side, economic pressures have induced farmers and ranchers to augment their income through diversification, both within agriculture itself and through non‐agricultural pursuits. On the demand side, people’s interest in farm activities has increased in recent years”.
Eis uma modalidade turística em expansão que, segundo o autor já citado, atinge 30% da população Americana: “It has been estimated that 62 million Americans visited farms one or more times in 2000, corresponding to almost 30% of the population. Several factors are believed to be increasing the demand for agritourism.
First, the demand for outdoor recreation in general is rising due to increases in discretionary income. Trends and future projections indicate continued increases in the number of participants, trips and activity days for outdoor recreation as well as the increase of multi‐activity but shorter trips. Second, people are doing more travelling as a family, travelling by car and looking for more activities involving recreational experiences. Finally, there is evidence of growing interest by the public to support local farmers” (Carpio, C. 2008). Se cresce a procura será por demais evidente a necessidade de acompanhamento por parte da oferta.
O agriturismo pode ser considerado como um grande investimento por parte dos detentores de terras de pequena dimensão e que se dedicam a uma agricultura de subsistência. No entanto, para os proprietários de quintas de maior dimensão e com um foco de interesse mais amplo, esta merece ser uma forte aposta a reflectir. É de salientar que vários factores levaram quintas familiares a explorar a viabilidade de estratégias económicas alternativas, num esforço de preservar os seus espaços. O agriturismo traz oportunidades diversificadas aos agricultores, ajudando a amortecer as flutuações do mercado. Pode aumentar as receitas agrícolas e aumentar a actividade económica da comunidade. Pode fornecer maneiras economicamente viáveis para cuidar dos recursos, ecossistemas e espécies.
Gerido de forma apropriada, o agriturismo pode providenciar rendimentos essenciais aos agricultores mais carenciados, que não estão dependentes de mudanças climáticas, pestes, doenças ou flutuações no mercado. Esta situação permite ajudar a suavizar os ciclos nos rendimentos, típicos da indústria agrícola. Por outro lado, o esforço em assegurar que a quinta está apta ao público funciona como um incentivo para que os agricultores mantenham os seus campos e demais dependências em bom estado de conservação, giram eficientemente os seus solos e água e assegurem boas condições de trabalho para os seus empregados. Os participantes desta nova forma de turismo frequentemente optam por levar para casa produtos da quinta e partilhar a experiência com amigos e família, trazendo novas oportunidades de negócio para os operadores rurais. Desta forma, fica entendido que tanto os visitantes como os residentes podem beneficiar com programas deste género; os primeiros porque frequentemente, quando viajam,
procuram uma experiência única e característica de um dado destino. Os segundos porque desta forma ficam a conhecer de onde vem a comida que lhes chega ao prato e as flores que lhes decoram a casa, aprendendo a apreciar o significado de produção local e seguindo a tendência actual de “conhecer o seu agricultor”.
As vantagens do agriturismo são muitas. Choo (2009) sustenta: “This new tourism type can be employed as a strategy for facilitating sustainable agriculture, local development, social‐cultural and environmental conservation, wellbeing, and learning”.
Das (2010) argumenta que o agriturismo deve servir como um catalisador para a revitalização dos campos: “Large parts of rural USA are seeing gradual decline in economic fortunes. The small and medium scale farms are especially dwindling in numbers and their incomes are stagnating. Towards revitalizing the rural agrarian economies, agritourism is being seen as a catalyst to supplement income and trigger economic growth in some parts of the USA”.
Também Veeck (2006) vê ganhos económicos e educacionais no agriturismo, argumentando que o interesse crescente actual se deve à estagnação dos preços dos cereais, contraposta com o aumento dos custos agrícolas e da competição internacional. O autor chega ao termo “horizontal linkages”, ou seja, ligações paralelas da produção agrícola com demais actividades potencialmente complementares. Che (2005) confirma a ideia de Veeck, referindo o caso dos agricultores de Michigan, Estados Unidos da América, que vêem o agriturismo como um valor acrescentado capaz de proporcionar a manutenção dos terrenos agrícolas em actividade.
Segundo Colton (2005), esta modalidade turística inclui a realização de mercados e festivais onde os agricultores expõem os seus produtos, centros interpretativos, visitas guiadas e estadias nas propriedades agrícolas. Pela palavras do autor, “Agritourism or farm tourism is increasingly recognized as an important alternative farming activity that can contribute to agricultural sustainability through diversification of the economic base, provision of educational opportunities to tourists, and the engendering of greater community cohesion. Farm tourism activities can include farm markets, wineries, U‐Picks, farming interpretive centres, farm‐based accommodation and events, and agriculture‐based festivals”. Cada espaço agrícola
cativa o visitante pelos seus atributos geográficos e produções específicas e aqui reside a beleza desta forma turística, pois nunca haverá quintas iguais ou experiências repetidas.
Isto só é possível porque, por outro lado, é notável um crescendo de atenção e interesse da população geral pelos campos. Depois do êxodo rural que marcou a geração da Revolução Industrial, hoje a tendência está a ir na direcção oposta. Segundo relatórios feitos junto da comunidade de Portland, Estados Unidos da América, os turistas mostram interesse e querem conhecer os agricultores (Baltazar, A. 2010). Há, pois, boa aceitação pública do agriturismo, o que dá mais confiança à comunidade agrícola em enveredar por tais projectos. Contudo, os incentivos do lado da procura não são suficientes para pôr o agriturismo em marcha, uma vez que estamos a falar de grandes investimentos e transformações, muitas vezes num espaço de cariz familiar, que pouca manobra terá para aventuras deste género.
Há alguma contradição no discurso de Crumley (2010), ao dizer que o agriturismo é apreciado e apoiado pelos turistas, mas que são raros os que dão um passo em frente em tais investimentos. Por conseguinte, o autor refere: “A vacation in the country is something that appeals to people with memories of childhood summers spent on their grandparents' farm, or who want their children to see what farms are like (…). But as a business, it is too small to turn back the trends we've seen in recent decades. No one wants to inherit family farms because it's too much work for too little money, and that's emptying the countryside”. A situação actual do mercado internacional e seus preços fortes é apontada como a razão principal da fragilidade da comunidade rural. Contudo, é precisamente num timing como este que as grandes mudanças ocorrem.
“Adaptar ou morrer” é a expressão que o referido autor utiliza, quando questionado sobre esta tendência na comunidade rural. Para as quintas francesas, atingidas pela queda dos preços nos alimentos e pela diminuição das ajudas financeiras da União Europeia, agora é o momento certo para a mudança. Efectivamente, Crumley fala no agriturismo com um tom de urgência: “Accordingly, average per‐farm income in France has decreased steadily since 1998, with revenues last year falling 34%, following a 20% drop in 2008. One upshot of that sectorwide
pinch is that 26.4% of French farms now qualify as officially poor, nearly double the national figure of 14% of households being below the poverty line. (…) There's never been any other profession that has undergone such radical change or experienced such violent pressure as farming in France in the past four decades” (Crumley, B. 2010).
Em 2010, apenas um quinto da população agrícola francesa se dedicava ao agriturismo, sendo que a maioria de entre os quais se limitava quase exclusivamente à venda dos produtos finais, na quinta ou online, e apenas um número ainda mais reduzido constava de quintas envolvidas em acomodar visitantes (Crumley, B. 2010). A explicação poderá prender‐se com o seguinte: “For all its financial promise, diversification has its limits. Despite the urgency to find new sources of income for most farmers, the reality is a lot don't have the means or setup to diversify, while others simply refuse to do so, considering it a betrayal of the agricultural profession they took on”. O referido autor termina afirmando que existe um certo grau até onde estas actividades podem crescer antes de atingir a saturação ou o desinteresse por partes dos agricultores e visitantes.
Um discurso mais animador vem de Blekesaune (2010), defendendo a tese de que o campo se está a tornar um local de consumo e recreação, pelo que o agriturismo acompanha esta mudança na base económica das comunidades rurais. Shinn (2008) vê um saldo positivo no agriturismo na ilha havaiana de Maui, constatando que mais pessoas mostram interesse em conhecer a origem da comida e em apoiar produtos locais, adoptando uma visão mais abrangente do processo produtivo.
Porém, é salientada a necessidade de ajudas do governo para implementar esta modalidade turística, mas de interesse claramente mais amplo do que o sector privado. “Government support at the municipal and provincial level is lacking, issues such as signage and zoning bylaws were noted as significant obstacles to agritourism development” (Colton, J. 2005). Assim sendo, a comunidade agrícola não deve estar sozinha neste momento de mudança de paradigmas, o governo é chamado a apoiar estes investimentos. O referido autor defende que a maioria dos agricultores de Nova Escócia, Canadá, não estão ao corrente dos potenciais de valor acrescentado do agriturismo, nem tão pouco têm tempo para investir em formações na área.
Torna‐se por isso essencial que existam apoios à comunidade agrícola, o que passa pelo feedback dos turistas atentos e participativos e por ajudas governamentais, a nível de leis e bolsas que facilitem o agriturismo. Esta situação passará por idas ao terreno e tomadas de conhecimento tanto do que os agricultores querem oferecer, como o que os agrituristas procuram; identificar as falhas e dificuldades e superá‐las, suportando e dando poder à tão importante comunidade agrícola. No caso tailandês, Srikatanyoo (2010) refere que o agriturismo tem contribuído para o crescimento da indústria turística, mas que muitas destas empresas não proliferam com sucesso visto haver uma falha na comunicação, que impede que os agricultores saibam o que os visitantes necessitam e procuram.
Torna‐se pois necessário divulgar e sustentar a presente prática, tanto através de investimentos privados como com apoios governamentais. O reconhecimento da importância do agriturismo, como facilitador da revitalização dos campos, do desenvolvimento do turismo sustentável, da redução da pegada ecológica e como actividade de suporte da economia actual, será debatido com mais pormenor no quarto capítulo.
I. 2. Agriturismo e sustentabilidade – conceitos simbióticos
A prática do agriturismo favorece a sustentabilidade, ao preferir a produção local e o aspecto tradicional do sector agrícola. Se no subcapítulo anterior foram analisadas as vantagens e desafios do agriturismo, no presente subcapítulo será feito o mesmo para o conceito de sustentabilidade. Acontece que este é um conceito mais abrangente e abstracto.
Actualmente, a ecologia é uma temática bastante em voga e é sabido que existem espaços turísticos que, por colocarem um painel solar ou por apostarem num sistema inteligente de iluminação, sem necessariamente empregarem pessoas dessa comunidade ou se sentirem responsáveis pelo que acontece fora das portas do hotel, se auto‐intitulam de sustentáveis – ora, a abordagem deve ser holística. Com efeito, como se define turismo sustentável? Que critérios são necessários? Como pode ser medido e credivelmente comprovado?
O “Global Sustainable Tourism Criteria”, foi lançado em 2008, a propósito do
World Conservation Congress em Barcelona, numa parceria com a United Nations Foundation, a United Nations Environment Programme, a United Nations World Tourism Organization e a Rainforest Alliance. Este documento constitui o modelo
internacional a seguir por uma empresa com preocupações sustentáveis aquando do desenvolvimento de um espaço turístico. O documento divide‐se em quatro pontos: gestão sustentada da empresa propriamente dita, benefícios económicos junto da comunidade local, benefícios para com a herança cultural do espaço, e benefícios no ambiente envolvente; de modo a maximizar os impactos positivos e a minimizar os impactos negativos (Anexo I).
Esta parceria funcionou como uma resposta da comunidade turística aos desafios globais da Declaração do Milénio e estipula o padrão mínimo que qualquer negócio turístico deve aspirar, de modo a não ser nocivo para o ambiente. O critério referido procura servir de directriz básica para o esclarecimento da comunicação social e das agências de viagens na escolha de fornecedores e programas sustentáveis; para a educação das populações; e para que os sectores privado, governamental e não‐ governamental tenham um ponto de partida credível sobre o qual desenvolvam condições para um turismo sustentável.
Para se descodificar o conceito de turismo sustentável, surge a necessidade de se esclarecer outro conceito paralelo, o de “desenvolvimento sustentável”. Descrito pela primeira vez no relatório Brundtland (1987), desenvolvimento sustentável “é o desenvolvimento capaz de responder às necessidades do presente sem comprometer a satisfação das necessidades das gerações futuras”. De facto, todo o desenvolvimento sustentável implica a tomada de consciência para a necessidade da existência de uma equidade social para com as diversas gerações e da responsabilização de cada uma individualmente (Duarte, J. 2009).
Outro termo paralelo será o de “ecoturismo” (Lascuráin, H. 1994), que foi inicialmente usado para descrever as viagens para áreas virgens, com um propósito sobretudo educacional. Este conceito, apesar de não ser só por si sustentável, desenvolveu‐se, entretanto, para a área do planeamento e da gestão de produtos e actividades de turismo sustentável.
Se o conceito de desenvolvimento sustentável pressupõe o equilíbrio entre a economia, a sociedade e a natureza, respeitando a biodiversidade e os recursos naturais, também o de turismo sustentável. A compreensão deste ponto é fulcral, uma vez que o sector do turismo tem vindo a sofrer um crescimento exponencial. Com efeito, “the business volume that tourism is generating today equals or even surpasses
that of oil exports, food products or automobiles. A primary goal of the sustainable development program is to ensure that tourism protects and sustains the world’s natural and cultural resources and meets its potential as a tool for poverty alleviation”,
afirmam estudos feitos pela UNWTO (World Tourism Organization).
O turismo sustentável é aquele que promove a preservação e a melhoria do património cultural e natural, o desenvolvimento local e o bem‐estar generalizado, criando postos de trabalho e regenerando espaços. No entanto, quando não devidamente planeado, o turismo pode ter um impacto negativo sobre os territórios e sobre as populações. Como foi reconhecido pela Comissão das Comunidades Europeias, o turismo pode tornar‐se vítima do seu próprio êxito se não se desenvolver de uma forma sustentável (Bruxelas, CCE. 2006).
Muitos dos paraísos tropicais a que aspiramos no nosso imaginário foram hoje transformados em zonas sobrecarregadas de hotéis e resorts, que, para além de estragarem a paisagem, actuam a um nível mais profundo, alterando todo o ecossistema local. À excessiva carga turística e à ausência de planeamento, soma‐se o desequilíbrio social. Sabe‐se que acontece, com frequência, a compra de um terreno, sobretudo em países menos desenvolvidos, por uma empresa estrangeira, que explora a zona, pondo de parte a população local, sendo que todos os lucros não chegam nunca a afectar o país em questão. Por conseguinte, o turismo, para ser uma actividade positiva, tem de o ser para todos, senão acabará por desvalorizar o destino em vez de o realçar (Careto, H. 2006).
Será mais importante a qualidade ou a quantidade da oferta turística? Mede‐se o sucesso de um destino turístico pelo número de visitantes ou pela qualidade da experiência? Aqui surge o movimento internacional do “slow travel”, que pode ser definido como a oportunidade do visitante contactar com a população e com o território de forma autêntica, num ritmo adequado à apreensão da cultura local.
Nascido em 1986, em Itália, começa com o conceito de “slow food”, por oposição ao de “fast food”, que valoriza o que é de origem local, defendendo que a inevitável globalização deverá ser pautada pela justiça, pela equidade, pela humanização e pela regulamentação. A partir deste movimento inicial surgiram outros paralelos, que defendem os mesmos princípios de actuação, sempre numa perspectiva de abrandar o ritmo. Assim, existem as “slow cities” e “slow schools”, os “slow book”, “slow money”, “slow living”, e “slow travel” (Duarte, J. 2009).
Para que o turismo sustentável não seja apenas um conceito teórico, deverá ser assumido pelas diversas organizações públicas e privadas, pelo viajante e pela população receptora. The World Heritage Alliance for Sustainable Tourism é uma comunidade global empenhada na preservação da herança mundial. Seguindo a filosofia de que cada indivíduo desempenha um papel essencial na conservação da herança global, a referida organização trabalha com viajantes, agentes de viagens, organizações governamentais e não‐governamentais, a fim de preservar e proteger a herança mundial e as comunidades locais (World Heritage Alliance).
Desde a criação da Agenda 21 – relatório elaborado aquando da conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada em 1992, no Rio de Janeiro – que a consciência ambiental está mais presente na consciência do indivíduo, pelo que a procura e a oferta turística seguem esta tendência. A Agenda 21 estabelece a necessidade de se reflectir, local e globalmente, sobre a forma como governos, empresas e organizações não‐governamentais devem cooperar no estudo de soluções para os problemas sócio‐ambientais; deixando‐se de ver o ambiente como um objecto pronto a usar mas um bem para preservar (Meakin, S. 1992).
A citação de Duarte (J. 2009) corrobora este paradigma: “As motivações turísticas actuais são caracterizadas por uma escolha mais atenta e selectiva dos destinos, uma maior exigência ao nível da ‘experimentação’, uma maior sensibilização no que diz respeito aos valores ambientais, aos hábitos e costumes tradicionais de cada cultura e, sobretudo, uma maior preocupação com as populações locais (...). A conjuntura vivida actualmente contribui para uma maior consciencialização dos mercados e para a definição de novas expectativas e tendências turísticas”.
Situações críticas como os recentes terramoto e tsunami que abalaram o Japão (Março de 2011) dão ao tema da sustentabilidade um carácter urgente. Sendo o turismo uma actividade que se afirma e desenvolve a partir das riquezas e diversidades únicas de cada território, as emergentes alterações climáticas colocam em risco a sobrevivência deste sector, fundamental para o desenvolvimento económico‐social das sociedades contemporâneas.
I. 3. O caso Português
Actualmente, é possível contar com maior maturidade e nível de educação dos consumidores, que sabem o que querem e o que podem obter. Nota‐se a procura de estadias mais personalizadas e reflectidas, escolhendo‐se casas de turismo mais pequenas, onde haja uma ligação mais próxima com os mentores do projecto e a estadia possa ser “feita à medida”. Contrariamente ao estilo de turismo que se afirmou no século passado, ou seja, os charters turísticos e as excursões programadas, agora assistimos à valorização da estada prolongada, explorando‐se o contacto com alojamentos, produtores, mercados e populações locais.
Apesar do referido no parágrafo anterior, nota‐se que as alternativas de turismo sustentável, ecoturismo e agriturismo são ainda insípidas, na medida em que ainda prevalecem os grandes centros turísticos, como sejam Albufeira e Vilamoura, no Algarve. “Em Portugal o turismo constitui um dos mais importantes sectores de actividade económica. O nosso país é reconhecido mundialmente como um dos destinos turísticos de eleição, aspecto tanto mais relevante se for considerada a reduzida dimensão do seu território e a sua situação periférica no contexto europeu. Mas é‐o, basicamente, no capítulo ‘sol e mar’. Face aos concorrentes mais directos – Espanha, Itália e Grécia – e mesmo para outros não europeus, ainda que mediterrânicos (como o Egipto, Turquia ou Marrocos), perde em termos de notoriedade, tradição e história. Precisa pois de diversificar” (Careto, H. 2006).
Nos últimos anos registaram‐se dezenas de intenções de desenvolvimento de empreendimentos turísticos classificados de PIN (projectos de Potencial Interesse Nacional), que exibem, em regra, padrões de qualidade e indicadores de
sustentabilidade. Segundo o MEID (www.portugalglobal.pt), “todos os projectos PIN devem cumprir rigorosamente as regras ambientais e do ordenamento do território, em conformidade com as leis em vigor e que lhes sejam aplicáveis em função do caso concreto, designadamente em matéria de restrições de utilidade pública e outras condicionantes”, projectos esses que são acompanhados pela Comissão de Avaliação e Acompanhamento dos Projectos de Potencial Interesse Nacional (CAA‐PIN). A CAA‐PIN é responsável pela simplificação e agilização dos procedimentos necessários à execução dos projectos.
De acordo com o Comunicado do Conselho de Ministros, de 13 de Janeiro de 2011, fazem parte dos PIN os projectos que representem um investimento global superior a 10 milhões de euros ou que, representando um investimento inferior ao montante referido, possuam uma forte vocação exportadora, permitam a substituição de importações, ou tenham uma forte componente de investigação e desenvolvimento, inovação aplicada ou interesse ambiental . Contudo, num nível mais concreto, em 2006 afirmou‐se que “os municípios portugueses têm demonstrado uma adesão incipiente ao processo da Agenda 21 Local, a que não está alheio o facto de não existir até ao momento uma estratégia nacional concertada para divulgação e implementação deste tipo de processos” (Careto, H. 2006). A agravar a situação está a actual crise económica do nosso país, suas consequências sociais e ambientais, pelo que o desafio da manutenção e melhoria dos recursos será cada vez maior.
I. 4. O caso Havaiano
O Havai, porque é um arquipélago, está mais susceptível aos impactos negativos do desenvolvimento, uma vez que os seus recursos naturais e sociais são limitados. A preocupação ambiental está substancialmente mais presente nas políticas governamentais e nos investimentos privados, do que no anteriormente referido caso Português. Isto acontece porque estão em jogo interesses económicos importantes, uma vez que são precisamente as características ambientais das demais ilhas que sustentam e justificam os milhões de turistas que este Estado americano recebe anualmente.
A beleza luxuriante, as águas cristalinas, as praias de areal branco com coqueiros à beira mar, as montanhas e os trilhos na floresta bem demarcados, seguros, limpos e preservados, as casas de madeira que não podem ultrapassar os dois andares de altura, as estradas que não podem ter anúncios publicitários, as flores coloridas, as
“aloha shirts” (camisas típicas usadas pela maioria da população consensualmente à
sexta‐feira) e os sorrisos fáceis no rosto dos habitantes, os campeonatos de surf e os “luaus” ao pôr‐do‐sol. Todo o ambiente aqui sucintamente descrito é preservado fervorosamente, tanto por interesses públicos como privados. A verdade é que no caso do arquipélago havaiano, a natureza e os ecossistemas vibrantes vendem e fazem a economia local crescer. Por esta razão se entendem mais facilmente as preocupações ambientais, sociais e culturais incansáveis dos seus governantes e agentes privados.
No segundo capítulo será apresentada uma organização não‐governamental, que dá pelo nome de O’ahu Resource Conservation & Development e que vive exactamente da preservação do meio ambiente da ilha de O’ahu. No terceiro capítulo descrever‐se‐ão três casos de agriturismo na mesma ilha. Por fim, no quarto capítulo será retomada a comparação entre os casos Português e Havaiano, de modo a perceber o que um pode aprender com o outro. O último capítulo contará ainda com a problematização do paradigma economia / sustentabilidade, por forma a descobrir em que moldes é que o agriturismo se pode encaixar nas sociedades contemporâneas. O presente relatório terminará com a exposição de algumas notas finais sobre os ensinamentos apreendidos aquando da realização do estágio em território havaiano.
I. 5. Ensinamentos retirados do Mestrado adaptáveis à temática escolhida
A população mundial cresce exponencialmente a cada dia que passa, os recursos que sustentam a vida diminuem a cada dia que passa. Os ecossistemas não possuem uma capacidade de renovação tão rápida quanto o lado da procura desejaria, pelo que se nota uma perda de biodiversidade e de capacidade de assimilação por parte da biosfera dos lixos e resíduos químicos produzidos pela acção humana. A possibilidade de esgotamento dos recursos e consequente escassez de alimentos necessários para alimentar a população é uma consequência da situação actual de
consumo incessante. Segundo Boulding (1966), “Quem pensa que se pode crescer infinitamente num planeta finito, ou é louco ou é economista”, uma vez que um mundo finito só pode suportar uma população finita (Elhrich, P. 1968).
Um grupo de cientistas e engenheiros informáticos, auto‐intitulados Clube de Roma, em pesquisas sobre os limites ambientais chegou à conclusão de que a máxima economista “crescer ou morrer” deveria ser substituída pelo controverso mote “crescer e morrer” (Club of Rome, 1972). O primeiro tratado do referido Clube de Roma prevê o fim do período de crescimento económico e da sociedade pós Revolução Industrial, de produção e consumo como a conhecemos. Segundo os mesmos autores, o planeta não aguenta a manutenção de uma pressão atmosférica constante com a emissão de dióxido de carbono proveniente do uso de combustíveis fósseis e regista‐se um aumento da temperatura terrestre. A diminuição do fosso entre ricos e pobres é tão necessária como a diminuição do fosso entre Homem e Natureza, pelo que se propõe a globalização da indústria e do sistema económico (Club of Rome, 1974). O tom usado neste segundo relatório é forte e dramático: “venderíamos não só a nossa alma para satisfazer as nossas necessidades imediatas de conforto, como também o bem‐estar senão mesmo a existência de gerações futuras”. A crise energética mundial é um problema sociopolítico e um mero acerto tecnológico não pode resolver a situação, pelo que não se vive num mundo desenvolvido, ao contrário do pensamento comummente aceite, mas antes num mundo sobre desenvolvido. É essencial que o Homem se vire para o mundo natural, num espírito de harmonia e não de conquista. Caso isto não seja tido em conta, os autores falam num “eco‐doom”.
É necessária uma nova ordem internacional no sistema de relações entre nações e pessoas, focada nos valores de dignidade e bem‐estar como direitos inalienáveis a todos os indivíduos (Club of Rome, 1976). Nesta terceira conferência do Clube de Roma é debatido o crescimento industrial dos últimos trinta anos, caracterizado como uma “caixa de Pandora de problemas”, reprimindo‐se severamente o uso da tecnologia e da ciência para a adulação do consumismo. Para que a situação mude drasticamente, prevê‐se como essencial a cooperação a nível global e o planeamento supra‐nacional, uma vez que a humanidade é detentora de
uma herança comum. Para tal, auto‐suficiência alimentar é encorajada, nomeadamente como forma de diminuir a pobreza junto dos chamados “países em vias de desenvolvimento” e a garantir a coexistência pacífica entre as várias Nações do planeta.
Se o desenvolvimento sustentável corresponde ao preenchimento das necessidades do presente, sem comprometer aos das gerações futuras (Brundtland, G. 1987), onde está a fronteira do que é realmente necessário? A sustentabilidade deve ser tanto horizontal, respeitando a igualdade de direitos e deveres em todos os países, como vertical, relativa à solidariedade para com as gerações vindouras. Mais concretamente, a sustentabilidade deve ser vista de forma ampliada, abrangendo os mais variados sectores: social, económico, institucional, político, cultural e ambiental.
O mundo humano está para além dos seus limites. Sem significativas reduções nos fluxos de materiais e energia, as décadas vindouras conhecerão uma redução drástica de disponibilidade alimentar, uso energético e produção industrial (Meadows, D. 1992). Perante a noção dos limites do planeta Terra, há quem disfarce, alivie e recue, o necessário será agir concertada e eficazmente. Através de objectivos de médio e longo prazo e da ênfase para com a qualidade de vida em vez de quantidade de produção.
Na Cimeira do Rio, em 1992, foi aprovado um plano de acção denominado Agenda 21, adaptável a cada país, com princípios e metas para o desenvolvimento local sustentado. Contudo, as agendas ambientais que deveriam ser realizadas a médio e longo prazo, frequentemente acabam apenas por acompanhar os mandatos políticos, pelo que não se verifica um projecto continuado.
A Cimeira de Joanesburgo, em 2002, reafirmou o desenvolvimento sustentável como um tema central da agenda internacional e foi criado um fundo mundial de solidariedade, de forma a considerar o ambiente como um capital. De facto, existem vários tipos de capital: financeiro, tecnológico, humano e natural. É caricato pensar como na palavra “economia” se destaca o prefixo “eco”, a sugerir uma ligação sistémica com “ecologia”. É necessária uma “eco‐eficiência”, capaz de oferecer bens e serviços competitivos que satisfaçam as necessidades humanas e contribuam para a
qualidade de vida, mas que também reduzam o impacto ecológico e a intensidade de utilização dos recursos.
Vive‐se uma “economia do desperdício” ou “de sentido único”, sendo que os resíduos finais no processo produtivo representam uma enorme perda de recursos naturais e de energia. “Qual a alternativa?” questionaram recentemente os líderes políticos em Copenhaga (Meira, I. 2010). Torna‐se, hoje, imperativo produzir menos, beneficiar quem respeita os limites e impor multas sobre as empresas e (ou) Nações responsáveis por excedentes.
Para o efeito, a necessidade de internacionalização das agendas e projectos ambientais pode ser comparada às relações estabelecidas entre moradores de um mesmo prédio e que partilham a gerência do respectivo condomínio. Foi esta a ideia que alimentou a obra de Paulo Magalhães, que contrapõe a “extrema inércia do real estabelecido” com uma visão assaz simples e conhecida do cidadão urbano, o condomínio. “Os ajustes tecnológicos não serão suficientes e a máquina de destruição da natureza não irá parar se não lhe alterarmos os pressupostos de funcionamento” (Magalhães, 2007). Magalhães afirma que os desenvolvimentos climáticos não esperam pela nossa organização para começarem a acontecer.
Vive‐se a época da mudança, cabe à sociedade contemporânea parar as engrenagens de destruição da vida no planeta. Como refere Magalhães, “é chegada a vez do Ambiente, a Natureza, o Sistema Natural Terrestre fazer o seu papel, levando os homens a entenderem‐se, mesmo contra a sua vontade” (Magalhães, 2007). A futura possibilidade de falta de água potável, escassez alimentar, países sobre e sub‐ aquecidos, zonas costeiras e insulares invadidas pela subida do nível das águas do mar, frequência crescente de desastres naturais, leva Mckibben (2010) a afirmar que “como alguém perdido numa floresta, devemos parar de correr, sentarmo‐nos no chão, ver o que temos nos bolsos que possa ser útil, e começar a pensar nos passos a dar”. De acordo com o referido autor, não existe uma saída fácil para a actual crise climática. Trocámos a comunidade pelo consumo décadas atrás, pelo que hoje vemos cidadãos com casas maiores mas com menos amigos próximos do que há cinquenta anos atrás. É, pois, essencial trocar o crescimento pela durabilidade. No processo
haverá perdas mas também ganhos, como o sentimento de comunidade fortalecido e a maior união entre cidadãos e destes com o mundo natural.
A crise económica que se tem vindo a sentir em países desenvolvidos dos Continentes Europeu e Americano pode impor reduções na produção e no consumo, actuando a favor das preocupações partilhadas por milhares de activistas ambientais. O agriturismo surge como peça na engrenagem para a mudança de paradigmas.
A sustentabilidade deve ser mais do que um emblema retórico, deve ser tida como essencial à vida no planeta. Neste âmbito é importante perceber que o planeta Terra subsiste graças a um saudável equilíbrio entre todos os seus componentes num mecanismo a que se chamou o ciclo da vida e que está na origem de todos os ecossistemas. Leopold (1949) chama à atenção para “o respeito pelos valores intrínsecos dos ecossistemas; a capacidade de apreciação pelo sagrado e sublime que se manifesta na natureza; a urgência de uma economia ecológica, que não externalize os custos ambientais e seja capaz de dar um valor ao «capital natural», promovendo sensatas políticas de conservação das espécies e das paisagens”. Acima de tudo, ainda segundo o referido autor: “Paz na terra e com a terra”, eis o desafio e a tarefa vital da humanidade no século XXI.
Capítulo II: O’ahu RC&D – uma alavanca para o agriturismo
II. 1. Funcionamento da organização
O’ahu Resource Conservation and Development (O’ahu RC&D) é uma organização não‐governamental que tem como objectivo promover uma ilha saudável e vibrante, construída em torno de comunidades fortes (King, D. 2011). Para alcançar tal premissa, o principal enfoque deste grupo americano está em melhorar a qualidade de vida das pequenas comunidades da ilha de O’ahu, encorajando e assistindo a comunidade local no desenvolvimento de actividades que conservem e sustentem os recursos naturais, humanos, culturais e económicos.
Esta é a única organização não‐governamental que integra as necessidades de agricultores e demais comunidades rurais com preocupações de conservação e sustentabilidade. A ONG é composta por nove membros fixos e um estagiário rotativo que trabalham concertadamente para proteger os recursos naturais e ajudar os negócios rurais, com especial enfoque na agricultura, de modo a que estes cresçam e se tornem mais rentáveis. O empenho principal está em assegurar que as terras rurais permanecem rurais e que os habitantes dessas áreas vivem num ambiente seguro e são detentores de uma boa qualidade de vida (King, D. 2010).
Autorizada oficialmente pelo Secretariado da Agricultura Americano em Janeiro de 2001, a organização O’ahu RC&D é gerida por um concelho de administração onde estão representados O’ahu Soil and Water Conservation Districts e o City and County of
Honolulu. Cada ano a organização recebe bolsas substanciais, que lhe permitem
assistir a comunidade agrícola. Estes fundos provêm do Natural Resources
Conservation Service, (United States Department of Agriculture) e são usados para
expandir operações, comprar equipamentos e desenvolver novos produtos.
No passado ano de 2010, as bolsas suportaram sete projectos significativos: Tin
Roof Ranch, Mari's Gardens, Susan & Jason Akamine, Pang's Nursery, Matsuda‐ Fukuyama Farms, Takenaka Landscaping Company e Katsuhiro Kobashigawa Farm. O
modo a melhor a qualidade dos referidos espaços agrícolas. Uma vez que as bolsas são atribuídas pelo Departamento de Agricultura dos Estados Unidos da América, infelizmente para os motivos da presente análise, os montantes concretos são confidenciais e não poderão ser partilhados. Quintas de O’ahu Investimentos monitorizados pela ONG Tin Roof Ranch desmatamento, sistema de irrigação, painéis solares Mari’s Gardens sistema aquaponics, energia foto‐voltáica e eólica Susan & Jason Akamine aumento do sistema existente de aquacultura Pang’s Nursery construção de estufa, sistema de irrigação Matsuda‐Fukuyama Farms instalação de cozinha comercial Takenaka L. Company construção de estufa, criação de composto orgânico Katsuhiro K. Farm instalação de cozinha comercial Paralelamente, a ONG O’ahu RC&D também trabalha com a comunidade local através do desenvolvimento de workshops de participação gratuita para todos os interessados. Estes workshops são realizados de forma a aumentar a capacidade empresarial, técnica e produtiva dos agricultores, bem como para informar a comunidade de novidades nas áreas da sustentabilidade e da tecnologia. Agricultural
Business Training, Cover Crop Workshop e Vetiver Workshop foram três das iniciativas
realizadas neste âmbito.
A organização O’ahu RC&D está activa em vários campos, de modo a fortalecer e a autonomizar as comunidades rurais. Os agricultores conhecem a existência da presente organização e entram em contacto com a mesma quando necessitam de ajuda num dado projecto cuja envergadura, por questões monetárias ou técnicas, se torna demasiado pesada para poderem responder sozinhos. Os membros da ONG vão ao terreno conhecer o projecto e propõem uma solução, tendo em vista preocupações
ecológicas e comunitárias. Caso haja mútuo acordo em relação ao que se propõe realizar, parte das bolsas anuais é atribuída aos agricultores em questão. A partir deste momento, o staff da ONG realiza visitas constantes ao terreno de modo a garantir que o projecto decorre como o esperado.
Este trabalho caso‐a‐caso com a comunidade rural é muito apreciado e procurado pelos proprietários de quintas em O’ahu. Contudo, nem todos os projectos podem ser aceites, por questões financeiras e de agenda laboral, sendo necessária uma escolha criteriosa na atribuição de bolsas a cada ano que passa. Paralelamente, são desenvolvidos projectos comuns que envolvem e dizem respeito a toda a comunidade rural.
II. 2. Projectos em curso
O presente relatório de estágio diz respeito à participação não‐remunerada nas actividades da ONG O’ahu RC&D no período entre Setembro de 2010 e Fevereiro de 2011. Durante este período, foram desenvolvidos sete projectos em sete espaços rurais aos quais foram atribuídas bolsas. Foram ainda organizados três workshops abertos à população rural e demais interessados.
II. 2. 1. Tin Roof Ranch
Tin Roof Ranch foi uma das empresas agrícolas escolhidas. Localizada em
Haleiwa, esta quinta aumentou o número das suas aves e produtos agrícolas num esforço para responder à procura da comunidade local por galinhas e perus criados em liberdade, bem como por fruta orgânica. Este projecto exigiu o desmatamento e a preparação do terreno da propriedade, através da limpeza do espaço para pastagens, construção de sebes, criação de um sistema de captação de água e plantação de árvores frutíferas. O último passo foi a compra de frangos e perus.
O tempo dispendido nesta operação correspondeu a seis meses. A ONG ficou encarregue de parte mas não da totalidade dos custos, que corresponderam à limpeza da área para cultivo, ao aluguer de maquinaria, à instalação de um sistema de
irrigação, à construção de galinheiros com materiais reciclados, à compra de galinhas e perus, bem como de árvores de fruto, à instalação de um sistema de captação de água e de sarjetas, e à instalação de painéis solares (Anexo II foto 1). II. 2. 2. Mari’s Gardens Por seu lado, o compromisso de Mari’s Gardens para com as práticas agrícolas sustentáveis revelou‐se no desenvolvimento de uma instalação de produção de alface através de um sistema integrado que dá pelo nome de Aquaponics, e visa produzir um produto de alta qualidade com o mínimo de recursos. Localizada em Mililani, esta quinta aumentou o número de bancadas para a produção de alface, adicionou viveiros e demais acessórios, construiu uma cozinha de preparação do produto para o mercado e instalou painéis fotovoltaicos adicionais. Esta transformação permitiu o aumento substancial da produção de alface, sem impactos no solo e com necessidades mínimas de água.
O tempo dispendido na referida modernização correspondeu a cinco meses. A ONG financiou e vigiou as obras de melhoramento, que consistiram em preparar a terra, instalar bancadas para a produção de alface, comprar e instalar bombas que possibilitassem a ligação da água dos tanques de peixes até às bancadas de alfaces. Investiu‐se igualmente em filtros de água e em fertilizante natural. Paralelamente, esta quinta construiu uma estufa de tomates, pimentos e pepinos. Mari’s Gardens aliou os fundos da ONG com outra bolsa estatal, o que veio a permitir a instalação de um sistema fotovoltaico e de um moinho de vento, cuja energia serve para alimentar os tanques dos peixes (Anexo II foto 2).
II. 2. 3. Susan & Jason Akamine
Também na região de Haleiwa, Susan & Jason Akamine desenvolveram um projecto que tem como objectivo alcançar uma produção de aquacultura lucrativa e sustentável através de um aumento no programa existente de aquacultura, com ênfase nas espécies Tilápia (peixe ciclídeo de água doce nativo de África) e Bagre (ou
peixe‐gato, como é a designação comum dada a este peixe nativo da América do Sul). Para este propósito, os tanques antigos foram substituídos por quarenta novos tanques, aumentando substancialmente a produção. Estes novos tanques são mais pequenos e permitem personalizar as condições para as diferentes variedades e idades dos peixes. A selecção das espécies foi baseada na maior tolerância às condições ambientais, na taxa de crescimento e na resistência às doenças.
O tempo dispendido no presente projecto correspondeu a doze meses. Os fundos possibilitaram a compra de tanques, o que permitiu duplicar o stock de peixes. Bombas, válvulas e equipamentos para a medição dos peixes também se tornaram uma realidade nesta quinta havaiana (Anexo II foto 3).
II. 2. 4. Pang’s Nursery
Localizada em Kahulu’u, Pang's Nursery é uma estufa direccionada para a venda de plantas ornamentais e comestíveis desde 1970. No ano passado, os proprietários construíram uma estufa mais moderna para proteger as culturas contra as intempéries, instalaram bancadas com diferentes profundidades, para plantas em diversos estados de crescimento, e renovaram o sistema de irrigação existente. Estas transformações melhoraram significativamente as instalações originais e aumentaram a área de produção, permitindo um aumento dos lucros e que pessoal adicional fosse contratado.
A ONG O’ahu RC&D acompanhou este projecto que durou cinco meses. Foi necessário nivelar o terreno, adoptar medidas de conservação para proteger os solos e as encostas, comprar e instalar uma estufa de grandes dimensões, montar bancadas para plantas e um sistema de irrigação (Anexo II foto 4).
II. 2. 5. Matsuda‐Fukuyama Farms
Matsuda‐Fukuyama Farms é outra quinta premiada com bolsas da organização
O’ahu RC&D, que permitiram o desenvolvimento sustentado do espaço rural. Localizada em Kahuku, esta quinta produziu, nos últimos cinco anos, produtos
manufacturados a partir dos frutos e vegetais da propriedade, incluindo geleias, mel, chás e produtos de banho e de corpo. Até ao ano passado, o processamento de tais produtos era feito numa cozinha comercial em Maui (uma ilha vizinha), mas actualmente Matsuda‐Fukuyama Farms completou o último passo no estabelecimento da sua própria cozinha comercial, com a compra e instalação de um sistema de tratamento de águas. Agora que a cozinha comercial está em funcionamento, a empresa produz produtos de valor acrescentado na propriedade, reduzindo assim os custos de transporte em 25% e tendo maior controlo nas receitas e nos produtos finais.
O tempo dispendido na modificação da cozinha de Matsuda‐Fukuyama Farms correspondeu a três meses, período durante o qual se procedeu à aquisição e instalação de um sistema de purificação da água, de modo a que a confecção de produtos com fins comerciais esteja em conformidade com todas as regras de higiene e segurança exigidas estatalmente (Anexo II foto 5).
II. 2. 6. Takenaka Landscaping Company
Entretanto, Takenaka Landscaping Company é uma estufa em Kunia que desenvolveu e instalou um sistema de produção racionalizado para plantas e vegetais, para venda a privados, paisagistas e produtores. A empresa pretende fornecer à comunidade rural e citadina a oportunidade de compra de vegetais saudáveis, começados a ser cultivados em vasos com misturas orgânicas especialmente férteis, que podem ser facilmente transplantados. Esta evolução permite à empresa competir com grandes centros de jardinagem, como Wal‐Mart, Home Depot e Lowe’s.
O tempo dispendido no presente projecto correspondeu a onze meses. Foi necessário comprar e instalar equipamento para misturar composto orgânico e desperdícios do solo, para depois encher potes para um viveiro orgânico. Paralelamente, deu‐se a compra e instalação de uma estufa para proteger as plantas (Anexo II foto 6).