PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS EM PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO DA PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
ANA LÚCIA ANTUNES BRESCIANE
Avaliação na Educação Infantil: o que nos revelam os relatórios de um município paulista
MESTRADO EM PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
ANA LÚCIA ANTUNES BRESCIANE
Avaliação na Educação Infantil: o que nos revelam os relatórios de um município paulista
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Psicologia da Educação ao Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação: Psicologia da Educação, sob a orientação do Prof. Dr. Sérgio V. de Luna.
FICHA CATALOGRÁFICA
BRESCIANE, Ana Lucia A. Avaliação na Educação Infantil: O que nos revelam os relatórios de um município paulista. São Paulo, 2015.
Dissertação de Mestrado: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Área de concentração: Educação: Psicologia da Educação
Orientador: Prof. Dr. Sérgio Vasconcelos de Luna
Palavras-chave: avaliação, relatórios, educação infantil, pré-escola
BANCA EXAMINADORA
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AGRADECIMENTOS
Ao Prof. Dr. Sérgio Vasconcelos de Luna, por estar sempre disponível, pela ética na forma de orientar, pela delicadeza no trato, e pela paciência.
Às professoras Cláudia Davis e Zilma Oliveira pela forma amável como sempre me receberam e pelas preciosas sugestões na banca de qualificação.
À Adriana Bertucci e Selma Gonçalvez de Campos Monteiro pela parceria profissional e pelo apoio na realização da pesquisa.
Às diretoras e apoios pedagógicos das EMEIs participantes desta pesquisa, pela colaboração e ajuda dispendida.
Às professoras autoras dos relatórios e às crianças ex-alunas das EMEIs, peças fundamentais deste trabalho.
Aos meus professores e colegas do mestrado, pelas experiências gratificantes compartilhadas nesses dois anos.
Às minhas colegas de trabalho, especialmente à equipe do Instituto Avisa Lá, pelos anos de parceria e pelas aprendizagens que me proporcionam.
Aos meus amigos, pelas conversas que me iluminaram ao longo desses anos e pelos momentos que estivemos juntos, que me deram a alegria e o fôlego necessários para eu seguir em frente.
À minha família, pelo amor e presença que tornam sempre tudo possível.
RESUMO
Nome: Ana Lúcia Antunes Bresciane
Título: Avaliação na Educação Infantil: o que nos revelam os relatórios de um município paulista
A avaliação é tema situado no centro dos debates da área, desde que a Educação Infantil (EI) se consolidou como primeira etapa da educação básica. Posto que as crianças estão inseridas em instituições educacionais, torna-se imprescindível que se dedique atenção aos estudos sobre a avaliação na EI, na direção de se construir um referencial que oriente a construção de modelos e práticas adequados ao segmento. O problema desta pesquisa se fundou em torno da seguinte questão: Como professores avaliam os progressos das crianças na EI? O objetivo do estudo foi investigar o que os relatórios de acompanhamento e avaliação dos alunos revelam sobre as concepções e práticas de avaliação na EI em uma rede municipal paulista. Para a produção dos dados foram coletados 56 relatórios semestrais, relativos ao acompanhamento e avaliação de 20 alunos, egressos de 5 EMEIs do município, que cursaram a pré-escola nos anos de 2013 e 2014. Alguns resultados foram provenientes de análise quantitativa, mas foi realizada também a análise qualitativa dos dados. Os resultados apontam que: 1. há uma organização curricular comum a todas as escolas, baseada nos Referenciais Nacionais para a Educação Infantil, a partir da qual é realizada a avaliação; 2. todas as escolas produzem o mesmo tipo de registro, seguindo o que é proposto no regimento do município e seguindo um mesmo modelo; 3. o contexto educativo e as aprendizagens das crianças não são relacionados na avaliação; 4. a avaliação foca preferencialmente os conteúdos dos eixos de Matemática, Linguagem Oral e Escrita e Formação Pessoal e Social; 5. o foco da avaliação são os resultados relativos aos conteúdos mencionados, e não o processo de aprendizagem e desenvolvimento; 6. as famílias participam pouco, só ao final do processo de avaliação, e as crianças não participam. Tais resultados são indicativos de que a proposta curricular, juntamente com os processos de avaliação precisam se revisados e transformados em alguns aspectos para que se coadunem com os princípios e orientações das DCNEI e com o que vem sendo recomendado pela literatura mais atualizada. Aponta-se para a formação continuada como meio para se realizarem tais tarefas e contribuir com a concretização de uma EI de boa qualidade no município estudado, bem como naqueles que demandem as mesmas intervenções.
Palavras-chave: avaliação, relatórios, educação infantil, pré-escola
ABSTRACT!
Name: Ana Lúcia Antunes Bresciane
Title:! Assessment! in! Early! Childhood! Education! (EI):! what! the! reports! in! a! city! from! São! Paulo!State!reveal!
!
Assessment has been a centered subject of debates in the area since EI was established as the first stage of basic education. Children are placed in educational institutions therefore it is essential to pay devoted attention to the studies on EI assessment towards the creation of a guideline that aims the structure of appropriated models and practices to the segment.
The problem of this research consisted in the following question: How do teachers assess children's progress in early childhood education? The study’s goal was to investigate what the monitoring reports reveal about the EI assessment conceptions and practices in a public school chain from a city of São Paulo State. For the data production, 56 biannual monitoring and evaluation reports of 20 students that attended preschool in 5 EMEIs between 2013 and 2014 were collected. Some results were brought by quantitative analysis, but qualitative analysis was also used to explain the data. The results show that: 1. there is a common curriculum organization to all schools, based on the National Curricular Framework for Early Childhood Education, from which the assessment is carried out; 2. all schools produce the same type of record, following what is proposed in the county regiment and following the same template; 3. the educational context and children's learning are not listed in the assessment; 4. evaluation preferably focuses on the contents of the axes of Mathematics, Oral and Written Language, Personal and Social Education; 5. the assessment focus are the results of the mentioned content, not the process of learning and development; 6. families participate little, just by the end of the evaluation process, and the children do not participate. These results indicate that the curriculum purpose, along with the evaluation procedures, need to be reviewed and changed in some aspects for them to meet in consonance with the DCNEI principles and guidelines and with what has been recommended by the most current literature. Points to the continuing education as a means to carry out such tasks and contribute to the realization of a good quality EI in the studied city, as well as those that require the same interventions.
SUMÁRIO
I. INTRODUÇÃO
1. A Educação Infantil no Brasil: um breve histórico...13
2. O conceito de qualidade e a Educação Infantil: entre os princípios e a realidade...17
3. A problemática da avaliação na EI: desafios e tensões na atualidade brasileira... 22
4. O problema da pesquisa... 28
II. REFERENCIAIS PARA REFLETIR SOBRE AVALIAÇÃO 1. O conceito e as práticas de avaliação: diferentes perspectivas...29
1.1. Diferentes referentes de avaliação: a norma, o critério e o progresso...32
2. Pressupostos para se proceder a avaliação na EI...34
2.2. Princípios da avaliação formativa: bases para se avaliar na EI...37
2.3. Instrumentos de Avaliação: memória, reflexão e construção de sentidos...41
III. A REALIZAÇÃO DA PESQUISA 1. A coleta das informações...45
2. Os RAAA como fonte de informação...47
2.1. Sobre o Contexto Pedagógico...49
2.2. Sobre o acompanhamento do processo e aprendizagens das crianças...56
2.3. Sobre a participação das famílias e das crianças na construção do documento...66
IV. DISCUSSÃO 1. O que revelam os RAAA?...70
1.1. Função e propósitos dos RAAA...70
1.2. O currículo desenvolvido e as práticas de avaliação nas EMEIs do município...74
1.3. A participação das famílias e das crianças na avaliação...86
VI. CONSIDERAÇÕES FINAIS...89
Referências bibliográficas...92
LISTA DE SIGLAS
DCNEI - Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil
EI - Educação Infantil
EMEI – Escola Municipal de Educação Infantil
FUNDEB – Fundo Nacional da Educação Básica
GT – Grupo de Trabalho
LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
PNE - Plano Nacional de Educação
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Relatórios entregues por escola, por semestre
Tabela 2 - Temas trabalhados nas atividades realizadas nas Escolas, por nível e semestre
Tabela 3 - Ilustração de registro sobre Acompanhamento Semestral da Criança, por eixo, ano e professora
Tabela 4 - Ilustração do registro sobre avaliação das crianças por conteúdos, para o eixo Linguagem Oral e Escrita
Tabela 5 - Frequência e porcentagem dos conteúdos avaliados, por ano/semestre, para o eixo Linguagem Oral e Escrita
Tabela 6 - Frequência e porcentagem dos conteúdos mencionados pelas professoras nos relatórios de cada semestre
Guardar
Antônio Cícero
Guardar uma coisa não é escondê-la ou trancá-la. Em cofre não se guarda coisa alguma.
Em cofre perde-se a coisa à vista. Guardar uma coisa é olhá-la, fitá-la, mirá-la por admirá-la, isto é, iluminá-la ou ser por ela iluminado.
Guardar uma coisa é vigiá-la, isto é, fazer vigília por ela, isto é, velar por ela, isto é, estar acordado por ela,
isto é, estar por ela ou ser por ela. Por isso melhor se guarda o voo de um pássaro
Do que um pássaro sem voos.
Por isso se escreve, por isso se diz, por isso se publica, por isso se declara e declama um poema:
Para guardá-lo:
Para que ele, por sua vez, guarde o que guarda: Guarde o que quer que guarda um poema:
Por isso o lance do poema: Por guardar-se o que se quer guardar.
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A Educação Infantil no Brasil: um breve histórico
O crescimento da Educação Infantil (EI) é uma tendência global, determinada por inúmeros fatores, entre eles as ideias difundidas por diversas áreas de conhecimento, apontando a
importância dos primeiros anos para o desenvolvimento integral da criança, bem como para os
impactos pessoais, sociais e econômicos causados por ela. Considerada de uma perspectiva social
e histórica, podemos dizer que a EI é recente. No Brasil, é uma área que ainda está em
construção e suas práticas, em processo de consolidação.
Até os anos 1970, o consensual na sociedade brasileira era que a educação e o cuidado da criança pequena constituíam preocupações da vida privada das famílias, especialmente das mães. Poucos e esparsos eram os sinais de que educar e cuidar de crianças pequenas era uma tarefa de toda a sociedade. “Quem pariu Mateus que o embale”, era o ditado da época. Transformações demográficas, econômicas e culturais impulsionaram esta que é a mais recente revolução da família e do sistema educacional brasileiros. (ROSEMBERG, 2007, p.01).
Embora sempre em curva ascendente, a expansão da educação para os pequenos foi lenta, sendo
significativa realmente a partir anos 1970. Seguindo modelo adotado por Cochran (1993), para a
análise de políticas em EI, Rosemberg aponta que:
A urbanização intensa, a participação crescente das mulheres no mercado de trabalho, a queda dos índices de mortalidade infantil e de fecundidade anunciavam, já no final da década de setenta, que estavam constituídas as bases sociodemográficas geralmente associadas à expansão da educação infantil (ROSEMBERG, 1999, p.14)
Com vistas atender à crescente demanda e responder às diversas mobilizações sociais por
atendimento às crianças de até 6 anos deste período, foram desencadeadas políticas de cunho
compensatório e emergencial articulando ampliação quantitativa do atendimento e baixo
investimento público. Sendo assim, a expansão do atendimento não esteve associada à oferta de
boa qualidade. Rosemberg (1999, p.9) aponta alguns dos aspectos que indicam precariedade no
atendimento das crianças, como "o expressivo número de crianças retidas no pré-escolar ao invés
de frequentarem o ensino fundamental em que deveriam estar por direito" e "aumento
significativo do número de professoras leigas (sem qualificação profissional compatível)". Mais
de uma década depois, Campos reitera essa situação, afirmando que:
diversos grupos sociais, culturais e étnicos. (2013, p.25)
Entretanto, é importante salientar que, ao ganhar visibilidade na sociedade, a EI ganhou também
espaço nas agendas políticas do país. Isso possibilitou muito avanço sobre o tema no Brasil nas
últimas décadas, em termos de definições e de diretrizes legais, políticas e operacionais.
A Constituição Brasileira de 1988 foi o primeiro documento federal que legislou sobre o assunto,
colocando a educação como direito das crianças de zero a seis anos e como dever do Estado.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), lei criada em 1990, reforça a ideia da criança
como sujeito de direitos, assegurando suas oportunidades de se desenvolver de forma ampla e
integrada.
Em 1996, com a aprovação da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB
9.394/96), a EI entrou definitivamente no cenário educacional, quando foi concebida como a
primeira etapa da educação básica. A partir desta LDB, o atendimento às crianças passou a ser
regulamentado, assegurando-se que ele fosse além das perspectivas assistenciais apoiadas nas
necessidades de cuidado físico e saúde, mas que tivesse como "finalidade o desenvolvimento
integral da criança até seis anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e
social, complementando a ação da família e da comunidade" (BRASIL, 1996, p.12).
Outro aspecto importante da legislação diz respeito às exigências de formação profissional dos
educadores. A LDB admite como formação mínima o magistério em nível médio, indicando a
formação superior específica como preferencial.
Hoje, em função de mudanças na legislação, a EI compreende o atendimento das crianças desde o
seu nascimento até os cinco anos de idade e é obrigatória a partir dos 4 anos. A Lei nº 11274/06
ampliou o tempo de escolaridade do Ensino Fundamental para 9 anos, incluindo nesta etapa as
crianças de 6 anos; e alterações na Constituição Federal - por meio das Emendas nº 53.06 e nº
59/09 - determinam aumento no tempo de escolaridade obrigatória para 14 anos e estabelecem a
Ainda na primeira década dos anos 2000, foi criado o FUNDEB - Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização do Magistério, a partir do qual a EI passou a
ter financiamento público previsto em lei, como as demais etapas da educação básica.
De 2001 a 2011 esteve em vigor o primeiro Plano Nacional de Educação (PNE), que estabelece
objetivos e metas a serem implantados para toda a extensão escolar. Em 2014 foi aprovado o
novo texto do PNE, que firmou a meta de universalizar, até 2016, o atendimento para as crianças
de 4 e 5 anos, bem como ampliar em 50% o atendimento em creches para as crianças de 0 a 3
anos.
Assim, as creches e pré-escolas vêm conquistando mais espaço nas redes públicas, sendo
incluídas em programas de formação em serviço, supervisão pedagógica, reformulação curricular,
em programas de alimentação escolar e distribuição de materiais pedagógicos, entre outros.
Foram muitos os esforços feitos nas últimas décadas pelas diferentes esferas envolvidas com a
questão da EI, entre elas as governamentais, universidades, institutos de pesquisa, associações e
organizações não governamentais, e representações sindicais no sentido de garantir o direito das
crianças pequenas ao acesso a EI. Mas, apesar de avanços e conquistas, muitos são os desafios
que ainda se colocam para esta área. Desafios e necessidades de natureza distintas, mas que têm
uma finalidade comum: garantir o direito das crianças a uma educação de boa qualidade. Nesta
direção, medidas foram tomadas e uma série de documentos foram publicados desde a LDB de
1996, trazendo referenciais para qualificar o atendimento das crianças.
Entre os materiais mencionados estão os Critérios para um Atendimento em Creches que
Respeite os Direitos Fundamentais das Crianças (CAMPOS; ROSEMBERG, 1995) que foi
elaborado com apoio do Ministério da Educação e amplamente divulgado no país, trazendo uma
lista de indicativos que colaboram para a autoavaliação das creches.
Em 1998, foi elaborado pelo MEC o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil
(RCNEI) que traz referências e orientações gerais para a implementação do currículo nas
unidades educacionais. Sem caráter obrigatório, os referenciais foram bastante divulgados nos
Em 2006, foram publicados os Parâmetros Nacionais de Qualidade para a Educação Infantil e os
Parâmetros Básicos de infraestrutura para as Instituições de Educação Infantil, que trazem
referências a todos os sistemas de educação em âmbito nacional. Em 2007, foi lançado pelo
Governo Federal o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), instrumentalizando equipes
estaduais e municipais para a avaliação e implementação de políticas para a educação.
Em 2009, o MEC publicou os "Indicadores da Qualidade na Educação Infantil", com o objetivo
de instrumentalizar equipes e comunidades na realização de avaliações de suas instituições de EI.
Em 1999, o CNE definiu as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (DCNEI),
trazendo orientações de caráter mandatório para todas as instituições de EI brasileiras. Mais
recentemente, em 2009, foi aprovada nova versão das DCNEIs pelo CNE, trazendo alguns
avanços à edição anterior, inclusive no que se refere à proposta pedagógica e ao currículo das
instituições.
É possível identificar, por meio da leitura de todos esses documentos, que houve avanços
importantes no que se refere às bases institucionais e políticas da EI, bem como à construção de
conhecimentos na área que, por sua vez, sugerem especificidades para este tipo de atendimento,
muito diferente do atendimento das outras etapas do ensino básico. Essa documentação constitui
base da identidade pedagógica da EI e oferece fundamentos importantes para a operacionalização
do atendimento. No entanto, ela ainda é, na maioria das vezes, desconsiderada ou mal traduzida
para a prática, sendo ainda possível observar um contraste muito grande entre os seus conteúdos e
2. O conceito de qualidade e a Educação Infantil: entre os princípios e a realidade
Os Parâmetros Nacionais de Qualidade para a Educação Infantil, assumem que qualidade é 1. um
conceito socialmente construído, sujeito a constantes negociações; 2. depende do contexto; 3.
baseia-se em direitos, necessidades, demandas, conhecimentos e possibilidades; 4. a definição de
critérios de qualidade está constantemente tensionada por essas diferentes perspectivas (Brasil,
2006, v. 1, p.24).
A questão da qualidade na EI se insere de forma muito vivida nos debates atuais da área.
Historicamente essa questão tomou caminhos diferentes na EI e nos demais níveis da educação
básica. Nesses últimos, o debate sobre a qualidade sempre teve intima relação com a discussão
sobre a avaliação do rendimento dos alunos, enquanto que na EI, pelas suas origens sociais e
trajetória, as concepções de qualidade sempre estiveram mais focadas nos direitos das crianças.
A pedagogia sofre influências e é constituída pelas sínteses de ideias provenientes de várias áreas
como a Psicologia, a História, a Filosofia e, mais recentemente, a Sociologia, a Antropologia, as
Neurociências entre outras. Este intercâmbio entre áreas se intensificou nos últimos anos e
alimentou os debates sobre a qualidade na EI, apontando a necessidade de construção de um
modelo pedagógico próprio, que considere e respeite as características e necessidades específicas
da faixa etária atendida.
A literatura disponível, bem como os documentos que normatizam e orientam o atendimento na
EI em nosso país, sugerem especificidades para este tipo de atendimento. Se por um lado, visam a
superação do modelo de atendimento voltado ao cuidado meramente assistencialista
(característico de creches e pré-escolas públicas no Brasil nas décadas de 1970 e 1980), por outro
lado, preveem um atendimento muito diferente das outras etapas do ensino básico, superando
práticas historicamente construídas e consolidadas, como as ideias de seriação, ensino sistemático
de conteúdos por meio de propostas exclusivamente transmissivas, que desvalorizam a ação da
criança, suas iniciativas, conhecimentos, desejos e os vários tipos possíveis de interação que ela
pode estabelecer em seu meio.
Os modelos pedagógicos privilegiados nos debates e discursos sobre EI no Brasil têm como foco
a criança e suas especificidades, enfatizando o desenvolvimento social e pessoal por meio das
interações que ela estabelece. É consensual, em textos sobre o tema, a ideia de criança como
sujeito competente, ativo e agente de seu desenvolvimento.
A atividade da criança não se limita à passiva incorporação de elementos da cultura, mas ela afirma sua singularidade atribuindo sentidos à sua experiência através de diferentes linguagens, como meio para seu desenvolvimento em diversos aspectos (afetivos, cognitivos, motores e sociais). Assim a criança busca compreender o mundo e a si mesma, testando de alguma forma as significações que constrói, modificando-as continuamente em cada interação, seja com outro ser humano, seja com objetos. Em outras palavras, a criança desde pequena não só se apropria de uma cultura, mas o faz de um modo próprio, construindo cultura por sua vez. (Oliveira, 2010, p. 5)
Igualmente difundidas no meio especializado são as ideias de que o educador tem o papel de
organizador do ambiente no sentido de favorecer interações e é um importante mediador das
aprendizagens das crianças, embora não seja o único. Outro aspecto muito valorizado é a noção
de que o estabelecimento de parceria entre a escola e as famílias é fundamental para garantir a
qualidade do atendimento das crianças.
Podemos afirmar que são essas ideias e concepções que constituem alguns dos princípios básicos
da EI brasileira na atualidade. E os modelos ancorados nestes princípios, geralmente se
apresentam em contraposição aos modelos que valorizam a transmissão de conhecimentos e a
aquisição de habilidades que serão úteis no Ensino Fundamental, e que, segundo Bennett (2006)
reforçam a "escolificação"1 da EI (apud HADDAD, p.426). Neste modelo,
Pouca atenção é dada às dinâmicas horizontais que encorajam as trocas entre pares e as descobertas e produção de significados próprios das crianças. As estratégias naturais de aprendizagem da criança pequena – brincadeira, exploração das áreas externas e liberdade de movimento, relações e discussões com outras crianças em sala – nem sempre são encorajadas (OECD, 2006, p. 62, apud HADDAD, p.427)
Moss (2011) complementa que:
Seja qual for a definição adotada, a preparação ou prontidão para a escola presume que a escola tenha padrões fixos que as crianças devem alcançar antes de nela entrar; a tarefa dos serviços de educação infantil é “entregar” crianças que preencham os requisitos desses padrões (p.149).
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Essa relação é a que mais se aproxima da ideia de “escolarização”, tornando os serviços de educação infantil cada vez mais colonizados pelo ensino obrigatório, e fazendo com que recorram a ele para servir a suas necessidades e interesses. (p.149)
No Brasil, essa "colonização" apontada por Moss é uma das características da escola de EI,
apontando para uma incoerência entre propostas e práticas, um indicador das dificuldades
enfrentadas na área.
Campos (2012) argumenta que "as práticas adotadas na maioria das creches e pré-escolas
conferem muito pouco espaço ao protagonismo infantil; na realidade, parecem reproduzir as
velhas estruturas de uma pedagogia arcaica" (p.15). A autora defende que é importante
compreender os motivos que determinam tal realidade, e para ela, as condições que caracterizam
o atendimento neste segmento contribuem para as dificuldades encontradas, como professores
com formação deficiente; condições de trabalho precárias; improvisação por parte da gestão das
redes municipais; extrema segmentação do sistema; prédios, equipamentos e materiais
insuficientes, inadequados ou mal aproveitados.
Ao se observar as práticas, o que se encontra na realidade das unidades educacionais,
principalmente nos anos correspondentes à pré-escola, está muito mais próximo de um modelo
transmissivo e mais "tradicional", no sentido de que quase nada foi incorporado das novas
propostas pedagógicas decorrentes da influência do avanço científico nas diferentes áreas que
conversam com a pedagogia.
No entanto, Campos (2012) destaca uma questão como sendo especialmente importante, que é a
ausência de propostas curriculares claras, aceitas e conhecidas de todos os que atuam nas
instituições. Concordamos com a autora que:
O que se observa – e isso não é somente no Brasil – é que onde a pedagogia, enquanto reflexão crítica e atualizada sobre a prática educativa encontra-se ausente, ou mal entendida, a pedagogia tradicional, justamente aquela que só enxerga o aluno e raramente a criança na figura do educando, é que ocupa seu lugar de sempre. (p.15)
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O desejo de fomentar a autonomia das equipes pedagógicas nas unidades levou a situações onde profissionais, sem a formação e as referências necessárias, são levados a reinventar uma pedagogia a partir do zero, o que acaba, na prática, favorecendo a reprodução daquela mesma pedagogia que se desejava superar.
apropriados pelos educadores reais – e não apenas por alguns profissionais excepcionais – e adotados nas instituições que temos. (p.19)
Essa situação se mostra ainda mais preocupante diante de constatações feitas ao redor do mundo -
inclusive no Brasil - de que a qualidade das experiências educativas das crianças na EI gera
impactos sobre a sua escolaridade futura, fato, entre outros, que nos leva a considerar o caráter
potencialmente inclusivo ou favorecedor de exclusão social que este segmento pode ter.
Conforme Kagan (2011),
Essa ausência de qualidade seria problemática em virtualmente qualquer circunstância. Mas a prolongada oferta de serviços de baixa qualidade é ainda mais grave quando se considera a quantidade de dados que inequivocamente vinculam a qualidade das primeiras experiências da criança a seu desenvolvimento a longo prazo. ( p. 59 )
A literatura aponta que uma EI de boa qualidade traz benefícios para o desenvolvimento social,
cognitivo, afetivo, podendo minimizar significativamente as distâncias entre crianças mais e
menos favorecidas socialmente no que diz respeito ao seu desempenho escolar posterior
(Campos, Bhering, Esposito, Gimenes, Abuchaim, Valle, & Unbehaum, 2011; Campos,
2011/2013; Moss, 2011; Melhuish, 2013; Kagan, 2011).
O relatório sobre o PISA2 de 2009 confirma que,
A ampliação do acesso á educação infantil pode melhorar tanto a performance de todos, como a equidade pela redução das disparidades socioeconômicas entre os alunos, se a extensão da cobertura não comprometer a qualidade (OCDE, 2009 apud. Melhuish, 2013)
No Brasil, houve ampliação significativa da oferta nas últimas décadas, mas, infelizmente, como
já foi reiterado, o atendimento nas instituições educacionais para esta etapa não é coerente com
as necessidades e direitos das crianças e de suas famílias, como confirma importante pesquisa
sobre a Qualidade da Educação Infantil no Brasil3 realizada pela Fundação Carlos Chagas (2010).
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Programa Internacional de Avaliação de Estudantes: avaliação realizada a cada três anos pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) em jovens de 15 anos de vários países participantes, entre eles o Brasil. A pesquisa mede o desempenho dos estudantes em três áreas do conhecimento - leitura, matemática e ciências. Para maiores informações: http://www.oecd.org/pisa/. Acesso em: 27 de janeiro de 2015
3!Educação infantil no Brasil: avaliação qualitativa e quantitativa. Relatório Final. Disponível em:
Este trabalho indica que muitos dos aspectos importantes no atendimento das crianças pequenas
vêm sendo negligenciados em grande parte das instituições de EI. Entre os principais problemas
encontrados estão a formação de pessoal, o currículo e as práticas pedagógicas, as condições de
3. A problemática da avaliação na EI: desafios e tensões na atualidade brasileira
Os conceitos de qualidade e avaliação nem sempre andaram juntos ao longo da história da EI,
como estiveram atrelados na história dos outros segmentos da educação. No entanto, sendo uma
realidade social em cada vez maior expansão, a EI pressupõe políticas que consomem grandes
recursos públicos, e por isso há grande pressão para que seja submetida à apreciação e controle
sociais. É da expansão do atendimento que surge a preocupação com a qualidade e,
consequentemente com o tema da avaliação.
A questão da qualidade da educação é tema situado ao centro dos debates das últimas décadas em
todo o mundo. Desde os anos 1990, com as reformas educacionais realizadas nos países da
América Latina, foram implementados em vários países sistemas de avaliação em grande escala,
por meio dos quais as escolas são avaliadas pelos resultados apresentados por seus alunos em
testes de conhecimento (CASASSUS, 2002 apud. CAMPOS, 2013).
Tendo esse cenário em vista, a EI, que até então permanecera fora deste debate, por meio de seus
diversos âmbitos de representação, passou também a se preocupar com as políticas de avaliação
em discussão no país. Ocorre que ainda não existem no Brasil instrumentos legais para avaliação
e monitoramento da EI. Não que o tema da avaliação já não estivesse incluído nos assuntos da
área, mas, de acordo com Rosemberg (2013), "Desde há muito, na educação infantil, avalia-se e
trata-se da avaliação, mas não de modo recortado, denominado e enquadrado como um problema
social, demarcando campo de conhecimento e ação política e, consequentemente, território em
disputa" (p. 48)
Na verdade, desde a década de 1990, tem-se no Brasil um acúmulo de debates, pesquisas e
proposições acerca da relação entre educação infantil- qualidade- avaliação. Entretanto, essa
questão foi impulsionada nos últimos anos por alguns fatores, entre eles uma polêmica utilização
do teste psicológico Ages and Stages Questionnnaires - Third Edition (ASQ-3)4 como instrumento de avaliação em larga escala das instituições de EI, pela Secretaria Municipal do Rio
de Janeiro, em 2011, tomando como critério de avaliação das unidades o desempenho das
crianças nos testes aplicados. Outro fator que influenciou esse debate foi a inclusão da EI nas
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formulações sobre a Política Nacional de Avaliação da Educação Básica e a elaboração do novo
Plano Nacional de Educação (Projeto de Lei n° 8035/10), que aponta estratégia sobre avaliação
na meta que trata da EI:
Meta 1- Universalizar, até 2016, a Educação Infantil na pré-escola para as crianças de 4 (quatro) a 5 (cinco) anos de idade e ampliar a oferta de Educação Infantil em creches de forma a atender, no mínimo, cinquenta por cento das crianças de até 3 (três) anos até o final da vigência deste PNE
Estratégia 1.6) implantar, até o segundo ano da vigência deste PNE, avaliação da educação infantil, a ser realizada a cada dois anos, com base em parâmetros nacionais de qualidade, a fim de aferir a infraestrutura física, o quadro de pessoal, as condições de gestão, os recursos pedagógicos, a situação de acessibilidade, entre outros indicadores relevantes.
Deste debate afloram concepções e posicionamentos divergentes, tendo de um lado extremo
aqueles que são contra qualquer tipo de avaliação externa e, no outro extremo, os que advogam o
emprego de procedimentos inspirados no modelo de avaliação em larga escala adotado nos
ensino fundamental e médio, bem como testes utilizados em outros contextos e para outros fins,
e que tomam, como principal indicador de qualidade, o desempenho cognitivo dos alunos ou
aspectos generalizantes do desenvolvimento. Conforme aponta Rosemberg (2013):
De um modo geral, detratores da avaliação na/da educação infantil tendem a concebê-la como se fosse restrita a um modelo teórico considerado positivista ou de primeira geração por Guba e Lincoln (2011), e que privilegiaria o primeiro termo de cada binômio: avaliação de produto (particularmente aquisições escolares de alunos no plano do conhecimento), quantitativa, primando pelo fazer técnico, portanto concebendo-se como neutra (acima do bem e do mal) e objetiva, valorizando, sobretudo, os procedimentos em detrimento da teoria, da ética e da dimensão política. Porém, no debate contemporâneo sobre uma política (ou sistema) de avaliação na/da educação infantil, não só detratores da avaliação tendem a acirrar tal bipolaridade vetusta, como também defensores da avaliação, por vezes, sustentam procedimentos inspirados no modelo hegemônico adotado no Brasil nos ensino fundamental e médio – “avaliações em larga escala, que tomam como principal indicador de qualidade o desempenho cognitivo dos alunos, medido por meio de provas” (BRASIL, 2012, p. 6) – que integra o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica – Saeb. (p.51)
Na tentativa de ultrapassar esses impasses, a Secretaria de Educação Básica – SEB – do MEC
promoveu a criação do Grupo de Trabalho (GT) de Avaliação da Educação Infantil, instituído
pela Portaria Ministerial nº 1.147/2011, que elaborou um documento para orientar a política de
avaliação na/da EI (BRASIL, 2012). Neste documento entende-se a avaliação da EI enquanto
processo formativo que deve se voltar para as instituições, os programas e as políticas, e não para
Nele, há uma explicitação do que atualmente vem se definindo como avaliação na EI e avaliação
da EI. Segundo consta no documento, a avaliação na EI refere-se às aprendizagens e ao desenvolvimento das crianças, bem como às situações pedagógicas específicas que possibilitam
tais aprendizagens e desenvolvimento.
A avaliação na educação infantil se refere àquela feita internamente no processo educativo, focada nas crianças enquanto sujeitos e coautoras de seu desenvolvimento. Seu âmbito é o microambiente, o acontecer pedagógico e o efeito que gera sobre as crianças. Ela é feita pela professora, pelas pessoas que interagem com ela no cotidiano e pelas próprias crianças. (BRASIL, 2012)
A avaliação da EI, por sua vez, diz respeito ao trabalho de verificar e atestar a qualidade do atendimento das crianças seja no âmbito das unidades escolares, seja no âmbito das redes de
atendimento - dos programas federais e municipais e dos sistemas de ensino. Isso tudo deve ser
feito com base em indicadores pré-determinados e instrumentos consolidados legalmente.
A avaliação da educação infantil toma esse fenômeno sociocultural (“a educação nos primeiros cinco anos de vida em estabelecimentos próprios, com intencionalidade educacional, formalizada num projeto político-pedagógico ou numa proposta pedagógica”), visando a responder se e quanto ele atende à sua finalidade, a seus objetivos e às diretrizes que definem sua identidade. Essa questão implica perguntar-se sobre quem o realiza, o espaço em que ele se realiza e suas relações com o meio sociocultural. Enquanto a primeira avaliação aceita uma dada educação e procura saber seus efeitos sobre as crianças, a segunda interroga a oferta que é feita às crianças, confrontando-a com parâmetros e indicadores de qualidade. Essa é feita por um conjunto de profissionais do sistema de ensino (gestores, diretores, orientadores pedagógicos e outros especialistas, professores), pelos pais, dirigentes de organizações da comunidade etc. (BRASIL, 2012)
Mais recentemente, foi aprovada a Lei nº12.796, de 4 de abril de 2013, que modificou a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), Lei nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996. A
nova redação dada ao artigo 31 da LDB apresenta novas regras para a organização da EI, sendo
nela incluídos tópicos sobre avaliação que fomentam o debate entre os especialistas e a
comunidade envolvida; a saber:
Art. 31. A educação infantil será organizada de acordo com as seguintes regras comuns: (Redação dada pela Lei nº 12.796, de 2013)
I - avaliação mediante acompanhamento e registro do desenvolvimento das crianças, sem o objetivo de promoção, mesmo para o acesso ao ensino fundamental; (Incluído pela Lei nº 12.796, de 2013)
III - atendimento à criança de, no mínimo, 4 (quatro) horas diárias para o turno parcial e de 7 (sete) horas para a jornada integral; (Incluído pela Lei nº 12.796, de 2013)
IV - controle de frequência pela instituição de educação pré-escolar, exigida a frequência mínima de 60% (sessenta por cento) do total de horas; (Incluído pela Lei nº 12.796, de 2013)
V - expedição de documentação que permita atestar os processos de desenvolvimento e aprendizagem da criança. (Incluído pela Lei nº 12.796, de 2013)
O primeiro ponto do Artigo 31 Lei nº 12.796, de 2013, versa sobre a avaliação na EI, uma vez que aponta para dois aspectos: a instituição e seu trabalho pedagógico planejado e desenvolvido,
as aprendizagens e o desenvolvimento das crianças.
I - avaliação mediante acompanhamento e registro do desenvolvimento das crianças, sem o objetivo de promoção, mesmo para o acesso ao ensino fundamental;
O texto define, na mesma direção que propõe as Diretrizes Curriculares Nacionais para a EI, que:
Art. 10 As instituições de educação infantil devem criar procedimentos para acompanhamento do trabalho pedagógico e para avaliação do desenvolvimento das crianças, sem objetivo de seleção, promoção ou classificação, garantindo:
I- a observação crítica e criativa das atividades, das brincadeiras e interações das crianças no cotidiano;
II- utilização de múltiplos registros realizados por adultos e crianças (relatórios, fotografias, desenhos, álbuns etc.);
III- a continuidade dos processos de aprendizagens por meio da criação de estratégias adequadas aos diferentes momentos de transição vividos pela criança (transição casa/instituição de educação infantil, transições no interior da instituição, transição creche/pré-escola e transição pré-escola/Ensino Fundamental);
IV- documentação específica que permita às famílias conhecer o trabalho da instituição junto às crianças e os processos de desenvolvimento e aprendizagem da criança na educação infantil;
V- a não retenção das crianças na educação infantil.
Em consonância com as DCNEI, há que se realizar observações sistemáticas e múltiplos registros
que captem como se dá a dinâmica e a continuidade dos processos de ensino e de aprendizagem,
a fim de conhecer, avaliar e aprimorar o currículo planejado e realizado, bem como as
aprendizagens e o desenvolvimento das crianças conquistadas a partir dele. Outro aspecto
destacado nas DCNEI diz respeito à continuidade dos processos, possível por meio da utilização
realizado para toda a comunidade escolar e às famílias, como também aos professores que
receberão as crianças nos primeiros anos do ensino fundamental e darão continuidade aos
processos previamente iniciados.
É importante frisar que, segundo as DCNEI ou segundo a nova redação da LDB, fica claro que na
EI não existem objetivos de retenção, classificação e/ou promoção, ou seja, não é permitido que
se avalie o mérito ou desempenho das crianças, mas sim as interfaces das experiências oferecidas
pela e na unidade escolar, as aprendizagens e o desenvolvimento das crianças. Nessa perspectiva,
a documentação sobre elas deve servir ao acompanhamento de sua trajetória na EI, bem como
comunicar às famílias os processos vividos por seus filhos e, ainda, aos docentes do Ensino
Fundamental, a fim de garantir a continuidade dos processos educativos.
Já o quinto tópico do Artigo 31 da Lei nº 12.796, de 2013, dispõe sobre um ponto que pode fazer
emergir algumas dúvidas e/ou controvérsias:
V - expedição de documentação que permita atestar os processos de desenvolvimento e aprendizagem da criança (ênfase da autora)
Não é esclarecido a quem devem ser expedidos tais documentos, se devem ser tornados públicos
e de que forma, nem qual o destino e propósito de tal documentação sobre o desenvolvimento e
as aprendizagens das crianças. Outro aspecto que não fica claro é o significado de documentação
neste contexto, se dizem respeito aos mesmos registros mencionados no primeiro tópico ou se
devem seguir algum outro formato. Por fim, o que exatamente tais documentos devem permitir
atestar sobre o desenvolvimento das crianças? Atestar se as crianças participaram de processos educativos intencionais em nível institucional e que progressos tiveram a partir de suas
experiências, ou atestar se alcançaram resultados esperados, atendendo ou não a alguma
expectativa padrão?
É importante salientar que a forma como o artigo foi escrito pode gerar múltiplas e conflitantes
interpretações, inclusive levar a práticas de avaliação na/da EI incoerentes com o que já foi legislado até então.
Se a agenda da política de avaliação na/da educação infantil pode se aproximar da agenda de política de avaliação da educação básica, não pode, entretanto, ser idêntica a ela. Neste campo de ação política, de práticas sociais e de conhecimentos lidamos, então, com várias particularidades que geram questões que podem ou não ser incluídas na política de avaliação da educação básica como um todo. Ou, dito de outro modo, ao integrar a educação infantil, a política (ou sistema) de avaliação da educação básica deve adequar-se a especificidades dessa etapa da educação, bem como das crianças às quais se destina. (ROSEMBERG, 2013)
Como se vê, o aprofundamento da questão da avaliação na/da EI ainda requer a continuidade do debate, articulados à reflexão sobre conflitos que se perpetuam, quais sejam: o currículo e os
objetivos para o segmento e com eles a noção de qualidade do trabalho na EI, os procedimentos e
instrumentos utilizados pelos professores para avaliar sua prática pedagógica e seus
4. O problema da pesquisa
A avaliação é tema situado no centro dos debates da área, desde que a EI se consolidou como
primeira etapa da educação básica, como constatado neste trabalho até então. Estando as crianças
inseridas em contextos institucionais e educativos, torna-se imprescindível que se dedique
atenção aos estudos sobre a avaliação na e da EI, no sentido de se construir um referencial para
orientar a construção de modelos e práticas adequados ao segmento.
Considerando esses aspectos, supõe-se que conhecer como as professoras vem realizando a
avaliação das crianças pode ser um bom ponto de partida para iluminar a questão, contribuindo
para um melhor posicionamento frente a ela, bem como para se estabelecerem relações
importantes entre os desafios, propostas e conceitos hoje postos para a avaliação na EI. Assim
sendo, o problema desta pesquisa se constituiu na seguinte questão: Como professores avaliam os
progressos das crianças na educação infantil?
O objetivo do trabalho foi investigar o que os relatórios de acompanhamento e avaliação dos
alunos (RAAA) revelam sobre as concepções e práticas de avaliação na EI em uma rede
municipal paulista.
Considerando este objetivo, a pesquisa tomou como base os seguintes questionamentos: Que
função desempenham os RAAAs? Quais são os seus propósitos? O que eles revelam sobre o
currículo desenvolvido e as práticas de avaliação nas EMEIs do município? A avaliação realizada
está em consonância com o que é propugnado pela legislação e recomendado pela literatura mais
atualizada?
II. REFERENCIAL TEÓRICO
1. O conceito e as práticas de avaliação: diferentes perspectivas
Não podemos, como é óbvio, esperar pela chegada mais ou menos triunfal da teoria para avaliar melhor. A teoria constrói-se através de nossas interações com as realidades educacionais, da construção e reconstrução de pesquisas empíricas que vamos empreendendo, das análises que formos sendo capazes de realizar e das integrações e relações conceituais que descobrirmos e interpretarmos. (FERNANDES, 2009, p. 65)
Diferentes perspectivas de avaliação vem sendo assumidas ao longo dos anos, influenciando e
sendo influenciadas pelos diversos contextos educacionais com os quais dialogam. Guba e
Lincoln (1989) identificam quatro gerações de avaliação, que trazem marcos distintos em relação
à concepção, ao desenvolvimento e às práticas de avaliação. Os autores consideram que o
conceito foi se tornando mais complexo e mais sofisticado no decorrer do tempo, bem como suas
práticas. (apud Fernandes, 2009, p. 44).
A primeira geração é nomeada pelos autores de geração da medida, cuja origem está nos
primórdios do século XX, e foi muito inspirada pelos testes de inteligência desenvolvidos por
Binet e Simon5. Nesta época, o método científico era uma referência para obter-se a necessária credibilidade no meio acadêmico e influenciou sobremaneira o mundo da educação, que passou a
privilegiar os testes como forma de quantificar aprendizagens, aptidões e inteligência dos alunos,
seguindo o modelo científico. Acatava-se a ideia de que ao utilizar os testes, medindo as
aprendizagens com rigor e precisão era possível, por exemplo, verificar a qualidade dos sistemas
educacionais por meio de seus "produtos". As concepções e características dos modelos de
avaliação oriundas desta geração exercem ainda grande influência nos sistemas educacionais
atuais, sempre que o propósito da avaliação consistir em classificar, selecionar e certificar.
Deriva-se dessas ideias que:
• classificar, selecionar e certificar são as funções privilegiadas da avaliação escolar;
• os conhecimentos são objeto central da avaliação;
• os alunos não participam do processo de avaliação;
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5!Alfred Binet e Théodore Simon, psicólogos franceses, conhecidos por sua contribuição no campo da psicometria,
• a avaliação é descontextualizada, ou seja, não está inserida diretamente no processo de
ensino-aprendizagem;
• mediante a quantificação de resultados; busca-se uma maior objetividade,
• a neutralidade do avaliador deve ser perseguida;
• a avaliação é referida a uma norma ou a um padrão previamente determinados,
devendo ser aplicado igualmente a todos os alunos;
• os resultados de cada aluno são comparados entre si ou com outros grupos de alunos.
(Fernandes, 2009, p.46)
Entre as décadas de 1930 e 1950, surge a chamada geração da descrição, que procurou superar
algumas limitações da geração anterior, mais especificamente o fato de se considerar o
conhecimento dos alunos como o único objeto de avaliação. Em relação à anterior, essa geração
trouxe avanços inegáveis, pois funda a ideia de que para avaliar é preciso ir além da medida,
descrevendo até que ponto os alunos haviam atingido os objetivos de aprendizagem. Ralph Tyler,
pesquisador e avaliador norte-americano influenciou bastante a sua geração, referindo-se à
necessidade de que fossem formulados objetivos comportamentais observáveis, para que, em
função de seu alcance pelos alunos, fosse organizado o ensino, e, pudesse se definir mais
acertadamente o alvo da avaliação. O processo de avaliação, cujo critério era o cumprimento ou
não dos objetivos, foi chamada por Tyler de Avaliação Educacional. Nesta perspectiva, que
também tem forte influência nas concepções e práticas atuais, já se anuncia uma função
reguladora da avaliação.
A terceira geração, situada entre as décadas de 1950 e 1970, é denominada geração da
formulação de juízos de valor. Ela amplia muito os horizontes da avaliação do ponto de vista
teórico. Nessa época, mais precisamente em 1967, Michael Scriven faz a primeira distinção entre
os conceitos de avaliação somativa e avaliação formativa, associando a primeira à classificação,
seleção e certificação e, a segunda, à melhoria das aprendizagens e à regulação dos processos de
ensino e aprendizagem (Nevo, 1986; Scriven, 1967, apud Fernandes, 2009, p. 49). Atualmente,
vários autores têm contribuído para o desenvolvimento de formas alternativas de avaliação. Surge
assim, a quarta geração, que procura superar as gerações anteriores, encarando a avaliação como
um processo de negociação e construção, ou seja, suas características, seus parâmetros e
que estão envolvidos na avaliação" (Fernandes, 2009, p. 55). Segundo este mesmo autor (2009),
grande parte da avaliação de quarta geração está apoiada nos seguintes princípios, ideias e
concepções:
• a avaliação formativa deve ser a modalidade privilegiada da avaliação, pois sua
principal função é melhorar e regular as aprendizagens escolares;
• a avaliação deve estar integrada ao processo de ensino e aprendizagem;
• a avaliação é uma construção social que leva em conta os contextos, a negociação, o
envolvimento dos participantes, a construção social do conhecimento e os processos
cognitivos, sociais e culturais da sala de aula;
• a avaliação em sala de aula deve, em especial, ajudar as pessoas a desenvolverem suas
aprendizagens, deixando em segundo plano, a função de julgar ou classificar os alunos
em uma escala;
• a avaliação em sala de aula deve privilegiar o emprego de métodos
predominantemente qualitativos, muito embora se reconheça, também o valor dos de
natureza quantitativa;
• os professores devem partilhar o poder de avaliar com os alunos e outros atores
envolvidos (familiares, por exemplo) e, também, utilizar uma variedade de estratégias,
técnicas e instrumentos de avaliação;
• o feedback6 em suas mais variadas formas, frequências e distribuições, é um processo
indispensável para que a avaliação se integre plenamente ao processo de
ensino-aprendizagem. (Fernandes, pp.55-56)
Este panorama pode trazer uma imagem geral de como foi se dando o desenvolvimento
epistemológico e prático da avaliação, ao adotar uma perspectiva histórica. Essa forma de
apresentar a avaliação, que considera suas transformações no decorrer do tempo, alcança o
presente e aponta algumas das tendências atuais na forma de concebê-la e organizá-la. Em
especial, ela oferece uma ideia da complexidade do tema, mostrando como o debate em torno do
ato de avaliar evoluiu até os dias de hoje. !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
6!Feedback:)A!ideia!central!desta!estratégia!é!a!realização!de!informações!retroativas,!ou!seja,!o!professor!faz!
1.1. Diferentes referentes de avaliação: a norma, o critério e o progresso
"Avaliar é o ato de investigar a qualidade da realidade, o que subsidia, se necessário, a decisão de
uma intervenção, tendo em vista um resultado mais satisfatório da nossa ação" (Luckesi, 2014
p.193), ou seja, avaliar implica se fazer uma apreciação, atribuir valor a algo. A clareza em
relação a esses valores é um importante ponto de partida para se proceder a qualquer tipo de
avaliação. Toda a avaliação, desta maneira, requer um referencial por meio do qual seja possível
estabelecer parâmetros em relação à qualidade. Em relação à avaliação das aprendizagens, há três
referentes principais: a norma, o critério e o progresso do aluno.
A avaliação referida pela norma, toma como parâmetro um critério externo em relação ao
indivíduo que aprende e às condições de aprendizagem. Nela os alunos são comparados uns com
os outros e classificados "dentro" ou "fora" de um padrão de normalidade, que é estabelecido à
priori. Perrenoud (1999) fala em normas de excelência, estabelecidas a partir do programa de
ensino.
Cada hierarquia de excelência apresenta-se, então, como uma classificação, conforme o grau de domínio alcançado por cada aluno no interior de um campo disciplinar (ou de um campo mais restrito). Esse grau de domínio é tomado em certos momentos do curso e expresso de acordo com certas escalas numéricas ou certo códigos padronizados, em geral, comuns ao conjunto das disciplinas (p. 29)
Na EI, esse tipo de avaliação estaria alinhada, por exemplo, à avaliação realizada por meio de
escalas de desenvolvimento, que tomam como referentes padrões de desenvolvimento normal a
fim de aferir o nível alcançado em determinado momento pelas crianças. A utilização desse tipo
de escala permite a classificação das crianças em relação ao padrão normal de desenvolvimento,
bem como a comparação entre elas, a partir dos níveis em que se encontram. Embora esse tipo de
escala possa ajudar a diagnosticar crianças com atrasos significativos, não considera as inúmeras
diferenças individuais decorrentes das experiências diversificadas das crianças, bem como de
seus ritmos e de suas formas de aprender singulares. Também não oferecem subsídios para o
professor estabelecer que condições contribuiriam melhor para as suas aprendizagens, já que esse
padrões são alheios a elas.
Na avaliação do tipo criterial de origem behaviorista, pretende-se não comparar os alunos entre
identificar a distância entre o comportamento observado e o almejado e ajustar a prática
educativa no sentido desses objetivos. No entanto, a avaliação referida ao critério também foi
adotada por correntes cognitivistas e interacionistas e estabelecem critérios e indicadores que
avaliam não os resultados da aprendizagem, mas comportamentos que influenciam seu processo
de aprendizagem e também as condições dadas pelo contexto educativo para que tais
aprendizagens ocorram. Neste caso, recorre-se a instrumentos previamente elaborados para fins
avaliativos, os quais podem ser utilizados em diferentes momentos, sendo possível identificar
também se houve evolução no processo de aprendizagem e desenvolvimento e em que direção,
remetendo-nos ao terceiro tipo de referente citado, o progresso.
No terceiro tipo de avaliação, o referente é o progresso do aluno. Fernandes (2008) fala em uma
avaliação ipsativa, "quando as aprendizagens dos alunos são analisadas tendo como referência os próprios alunos. Dito de outro modo, comparam-se os alunos consigo mesmos, tendo muitas
2. Pressupostos para se proceder a avaliação na EI
A avaliação é um recurso necessário em todos os níveis da ação educativa, o que, sem sombra de dúvidas inclui a educação infantil, primeira fase de desenvolvimento do ser humano, ainda que nela não existam os fenômenos tanto da "nota escolar", como da prática de "aprovar/reprovar" o educando. (Luckesi, 2014.p. 193)
As crianças aprendem desde que nascem, em todo e qualquer ambiente e ocasião, mas na escola,
diferentemente do ambiente doméstico, essas aprendizagens estão relacionadas a ações
educativas intencionais, impulsionadas por significados, objetivos e valores sociais. Por isso
mesmo, a avaliação tem importância neste contexto.
Existe uma diversidade de propostas e modelos pedagógicos para a educação da infância, mas é
possível distinguir, de maneira global e simplificada, duas perspectivas que se encontram
polarizadas nos debates e pressupõem formas de avaliar também distintas. A primeira considera a
EI como etapa preparatória para as etapas seguintes, valoriza a transmissão de conhecimentos e a
aquisição de competências e, para isso, se utiliza da instrução direta pelo professor ao aluno. A
segunda parte de uma concepção centrada na criança, e atribui a ela um papel ativo nos processos
de aprendizagem. Nesta perspectiva, considera-se que a principal finalidade da EI é dar resposta
aos interesses, necessidades e formas de ser e de pensar próprios das crianças, sendo que o
educador tem a tarefa de apoiar o seu desenvolvimento por meio da organização de ambientes
que facilitem suas aprendizagens.
Sendo os objetivos das abordagens com ênfase na instrução, a aquisição de capacidades
previamente estabelecidas, a avaliação incide sobre os resultados dessas aprendizagens. Nas
abordagens mais centradas na criança, também são estabelecidos objetivos para a nortear a ação
do educador; a avaliação, no entanto, não está centrada nos resultados, mas na evolução dos
processos de aprendizagem das crianças, bem como no contexto que favorece tais processos.
Atualmente, em decorrência de experiências bem sucedidas ao redor do mundo, bem como de
pesquisas realizadas em diversas áreas que compõem o campo da pedagogia, as abordagens mais
defendidas são aquelas mais centradas na criança. No Brasil, considerando o que preconizam os
documentos oficiais, bem como a maior parte da literatura, algumas concepções e princípios têm
revistos em diversas publicações. Coerentes com essas concepções e princípios, delineiam-se
também alguns pressupostos para a avaliação.
Segundo a legislação nacional, a EI é direito de todas as crianças e deve cumprir papel
socializador ao acolher e respeitar as diferenças, oportunizando as interações por meio das
brincadeiras e experiências que contribuam para a constituição da sua identidade, de sentimentos
de pertencimento e da autoestima, enriqueçam seu universo cultural e propiciem aprendizagens
em diferentes linguagens. Cumpre também a função de garantir seus direitos de proteção, saúde,
liberdade e dignidade, favorecendo, assim, o seu desenvolvimento.
As crianças, são compreendidas como sujeitos históricos e cidadãos de direitos, que, nas suas
relações, interações e atividades práticas aprendem sobre o mundo e o transformam, bem como se
desenvolvem. São marcadas pelo seu meio social e cultural, mas, como sujeitos ativos, são
também produtoras de cultura. Por meio das suas interações diversas e brincadeiras constroem
seus conhecimentos que se caracterizam por produções originais e nem sempre coerentes e
compreensíveis aos adultos num primeiro olhar, mas que revelam processos singulares de
significação e ressignificação da realidade. Aos adultos, cabe fazer a mediação de tais processos,
esforçando-se para compreender as formas particulares de cada criança ser e agir no mundo e
estabelecendo com ela uma relação dialógica.
Entende-se que as propostas trabalhadas com as crianças devem respeitar os seus níveis de
desenvolvimento, mas ao mesmo tempo desafiá-las no sentido de colaborar para que as
aprendizagens sejam ampliadas. Dois conceitos merecem destaque, já que se convertem em
princípios do trabalho na EI e têm estreita relação com a avaliação: o de aprendizagem
significativa e o de conhecimentos prévios. A ideia de aprendizagem significativa está
relacionada aos processos de aprendizagem que se dão em situações que as crianças, em
atividade, utilizando os recursos que já possuem relacionados aos diferentes domínios, podem
estabelecer muitas relações entre o que já sabem e os novos elementos que se apresentam,
mobilizando, assim, as suas funções psicológicas de forma intensa. São processos desta natureza
que possibilitarão as transformações na criança no sentido da ampliação, aprimoramento e
diferenciação de seus conhecimentos, ou seja, que favorecerão as novas aprendizagens e,
Muitas dessas ideias são influenciadas pela psicologia sócio-histórica de Lev Vygotsky, que, em
seus estudos sobre o desenvolvimento da criança percebeu que havia uma grande diferença em
diagnosticar o seu nível de desenvolvimento real tomando como referência as ações que a
criança pode realizar sozinha (o que ela já aprendeu), e considerar também o que ela pode realizar
em interação no contexto físico e relacional. Para este autor, o nível atual de desenvolvimento
revela algo já consolidado e, embora seja importante para delinear o desenvolvimento futuro da
criança, não é suficiente para isso. Na escola, isso tem um papel importante, pois quando o
professor foca o que a criança pode fazer em colaboração, ele pode antever melhor o seu possível
desenvolvimento de amanhã e delinear melhor as situações didáticas, organizando um ambiente
estimulante, rico em situações desafiantes, mas possíveis para as crianças, quando contam com
interações que dão suporte às suas aprendizagens.
La investigación muestra sin lugar a dudas que lo que se halla en la zona de desarrollo próximo en un estadio determinado que se realiza y pasa en el estadio siguiente al nivel de desarrollo actual. Con otras palabras, lo que el niño es capaz de hacer hoy en colaboración será capaz de hacerlo por sí mismo mañana. Por eso, parece verosímil que la instrucción y el desarrollo en la escuela guarden la misma relación que la zona de desarrollo próximo y el nivel de desarrollo actual. En la edad infantil, sólo es buena la instrucción que va por delante del desarrollo y arrastra a este último. Pero al niño únicamente se le puede enseñar lo que es capaz de aprender. La instrucción es posible donde cabe la imitación. Es decir, la instrucción debe orientarse hacia los ciclos ya superados de desarrollo, a su umbral inferior. No obstante, se basa no tanto en las funciones ya maduras, como en las que están en trance de maduración. Comienza siempre a partir de lo que aún no ha madurado en el niño. Las posibilidades de la instrucción las determina la zona de desarrollo próximo (VIGOTSKI, 1993, p.241).
Nesta perspectiva, ao adulto cabe, então, considerar como ponto de partida para o planejamento
de sua ação o momento atual das crianças, que inclui tanto os conhecimentos que já possuem,
bem como suas possibilidades de ação em colaboração e suas singularidades, a fim de estabelecer
quais as melhores condições para a aprendizagem ocorrer. No entanto, não é possível identificar
esse ponto de partida sem a observação intencional e sistemática. Nas classes, são muitas as
crianças que, embora estejam em uma faixa etária muito parecida, com certeza tiveram
experiências sociais, afetivas e cognitivas bastante diferentes umas das outras e, com estas,
aprendizagens diversas, levando assim a níveis de desenvolvimento e condições de aprendizagem
distintos. Ademais, os saberes e habilidades não são todos sempre perceptíveis, o que demanda
uma observação acurada do professor a partir da criação de várias situações nas quais todas as