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A ADOÇÃO DE CRIANÇA INDÍGENA COMO MEIO DE PREVENÇÃO AO INFANTICÍDIO PROMOVIDO EM CERTAS CULTURAS INDÍGENAS | Anais do Congresso Acadêmico de Direito Constitucional - ISSN 2594-7710

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Anais do I Congresso Acadêmico de Direito Constitucional Porto Velho/RO 23 de junho de 2017 P. 5 a 25

A ADOÇÃO DE CRIANÇA INDÍGENA COMO MEIO DE PREVENÇÃO AO INFANTICÍDIO PROMOVIDO EM CERTAS CULTURAS INDÍGENAS.

Vanessa Ribeiro Paixão dos Santos1 Walter Gustavo Lemos2

RESUMO

Como bem se sabe, a cultura indígena é muito rica, vasta e repleta de curiosidades, mas demanda bastante atenção e cuidado, principalmente no que diz respeito a práticas culturais danosas aos próprios índios. Observa-se a proteção da cultura indígena no Estatuto do Índio, com o intuito de preservação e sua perpetuação. Ocorre que, em algumas aldeias, quando nascem crianças filhas de mães solteiras, ou de mães provindas de outras tribos, gêmeos, trigêmeos, concebidas fora do casamento, nascidas com deficiência física ou mental, entre outras razões, estas são tidas como sem alma, devendo, portanto, ser eliminadas das tribos por seus próprios familiares. É sobre o infanticídio de menores rejeitados que trata esse trabalho, realizado por meio de exposição de pesquisas bibliográficas, utilizando do método qualitativo e dialético, buscando conhecer as causas que levam ao extermínio dessas crianças, o que pode ser feito por elas, o que a legislação prevê quanto ao assunto, com citação de caso que é referência no mundo jurídico, tratando também do papel de tutela da Fundação Nacional do Índio – FUNAI,da possibilidade de ajuda externa a essas crianças, e trazendo como forma de solução a adoção desses menores, entendendo também os meios hoje disponíveis para sua realização, seus requisitos e se devem ocorrer apenas por índios ou também por pessoas de outras culturas, os entraves desses procedimentos adotivos, e os riscos a que essas crianças estão sujeitas frente a tudo isso. Assim, a proposta do trabalho visa a facilitação dos processos adotivos de índios desde que seja mantido o contato dessas crianças com sua cultura original.

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SANTOS, VRP – Graduanda em direito pela Faculdade Católica de Rondônia – FCR, início em 2013.

2 LEMOS, WG – Professor da Faculdade Católica de Rondônia - FCR e Faculdade de Rondônia - FARO, Advogado, Graduado em Direito pela Universidade Federal de Goiás (1999), Mestre em História pela PUC/RS (2015) e em Direito Internacional pela UAA (2009) e Doutorando em Direito pela UNESA/RJ.

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Palavras-chave: índio, infanticídio, adoção.

ABSTRACT

As is well known, the indigenous culture is very rich, vast and full of curiosities, but it demands a lot of attention and care, especially with respect to cultural practices harmful to the Indians themselves. We observe the protection of the indigenous culture in the Indian Statute, with the purpose of preservation and its perpetuation. It happens that in some villages, when daughters born to single mothers or mothers from other tribes, twins, triplets conceived outside the marriage, born with physical or mental deficiency are born, among other reasons, these are considered as soulless, and should therefore be eliminated from the tribes by their own family members. It is about the infanticide of rejected minors that deals with this work, carried out through an exposition of bibliographical researches, using the qualitative and dialectical method, seeking to know the causes that lead to the extermination of these children, what can be done by them, what the legislation with reference to cases that are a reference in the juridical world, also dealing with the role of the National Indian Foundation - FUNAI, of the possibility of external assistance to these children, and bringing as a form of solution the adoption of these minors, understanding the means available to them for their realization, their requirements and whether they should occur only by Indians or also by people of other cultures, the obstacles of adoptive procedures, and the risks to which these children are subject in the face of all this. Thus, the proposal of the work aims at facilitating the adoptive processes of Indians as long as the contact of these children with their original culture is maintained.

Key-words: indian, infanticide, adoption.

1. INTRODUÇÃO

Em séculos de existência humana, a humanidade sempre demonstrou entre suas etnias e seus diversos povos: fraternidade e rivalidade. Na primeira, a demonstração de afeto supera barreiras geográficas, e é capaz de mudar a mentalidade e os corações de pessoas de vários países, como foi o caso do menino sírio, cujo corpo foi encontrado nas praias da Turquia, vítima da tentativa de fuga das guerras, pobreza e perseguições, tornando-se também símbolo da luta contra uma crise migratória cravada de dificuldades tanto para saída do seu país de origem, quanto para entrada em países europeus ou mesmo em território americano.

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Na segunda, a crise de ódio tem afastado diversos povos, acabado com vidas, diminuído etnias e o que é pior: não se trata apenas das diferenças entre comunidades distintas, trata-se também de questões dentro da própria cultura que tem feito com que pessoas tenham morrido. Pessoas? Crianças!

É sobre essas crianças que este trabalho visa tratar. E de modo mais específico, sobre a problemática do infanticídio que ocorre dentro de determinadas aldeias indígenas. Pois, crianças filhas de mães solteiras, ou de mães provindas de outras tribos, gêmeos, trigêmeos, as que são concebidas fora do casamento, nascidas com deficiência física ou mental, entre outras razões, são tidas como sem alma, e por isso consideradas causa de enfurecimento dos deuses e por consequência, o que “traz má sorte” para a aldeia na caçada, pesca e colheita de frutos e raízes, devendo ser eliminadas das tribos por seus próprios familiares.

Que fique bem claro que este trabalho não pretende, de nenhuma forma, intervir nas culturas indígenas, ou mesmo privar as crianças rejeitadas do contato com suas aldeias. Mas apenas, demonstrar os direitos que são a elas inerentes, como o direito a vida, integridade física, a proteção pela família, sociedade e Estado, a alimentação, a uma família que a acolha, atendimento médico, entre outros básicos.

Esses direitos são muito bem disciplinados na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho - OIT sobre Povos Indígenas e Tribais, promulgada pela Lei nº 5.055, de 19 de abril de 2004, Constituição Federal de 1988, Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas, Convenção sobre os Direitos das Crianças, dentre muitos outros.

Para tanto, este trabalho se utiliza dos métodos de pesquisa bibliográfica, bem como de legislação brasileira e tratados internacionais, recursos televisivos e informativos em uma abordagem que traz a oportunidade de discutir sobre a universalidade dos direitos humanos em contraponto à preservação cultural. Assim, através de metodologia dialética e qualitativa, se busca estudar melhor as causas de mortalidade infantil em aldeias indígenas, e assim trazer soluções plausíveis ao emblema jurídico.

Portanto, o que se pretende entender e obter são as soluções ao infanticídio ocorrido em certas aldeias, legalmente permitidas e viáveis ao poder público, se a

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adoção no âmbito indígena seria possível como forma de se solucionar o problema e de que maneira isto ocorreria.

2. DOS DIREITOS DOS POVOS INDÍGENAS E DA PROTEÇÃO ÀS SUAS PRÁTICAS CULTURAIS

Conforme preceitua a Constituição Federal, em seu art. 20, inciso XI, que “são bens da União: as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios”, este artigo de lei faz completo e total sentido quando recordado que a legislação pátria deve ter alcance em todo território brasileiro. Além disso, essa legislação abarca também os tratados internacionais, convenções, cartas, declarações e afins, principalmente aquelas aprovadas pelo Congresso Nacional por quórum qualificado de três quintos de seus respectivos membros, em dois turnos, tornando-se equivalentes a emendas constitucionais.

Ainda, na Magna Carta, dispõe no art. 231, que são reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.

Na Convenção de Direito Internacional Privado (Código de Bustamante), em seu art. 59, preceitua que é de ordem pública internacional a regra que dá ao filho o direito a alimentos, e também que são de ordem pública internacional as disposições que, nesta matéria, regulam o direito a alimentos e as que estabelecem para a adoção formas solenes (art. 76).

A Convenção Nº 169 da OIT sobre Povos Indígenas e Tribais, promulgada pelo Decreto Nº 5.051, de 19 de abril de 2004, promove ampla aplicação dos direitos presentes em seu texto, conforme dispõe o artigo 3º:

Os povos indígenas e tribais deverão gozar plenamente dos direitos humanos e liberdades fundamentais, sem obstáculos nem discriminação. As disposições desta Convenção serão aplicadas sem discriminação aos homens e mulheres desses povos.

Também, em seu art. 4º, traz a segurança de adoção de toda e qualquer medida que assegure a salvaguarda das pessoas. No art. 5º, ressalva o

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reconhecimento e proteção dos valores e práticas sociais e culturais, religiosas e espirituais de cada povo. E ainda, no art. 6º, estabelece aos governos o dever de consulta aos povos interessados, através de suas instituições representativas, sobre cada medida suscetível de afetá-los diretamente.

Traz ainda, a obrigação de melhoria das condições de vida e de trabalho e do nível de saúde e educação dos povos interessados, mediante sua cooperação, devendo ser prioridade para o desenvolvimento econômico de suas regiões, conforme o art. 7º, da mesma Convenção.

E no Estatuto do Índio é garantido aos índios e comunidades indígenas a posse permanente das terras que habitam e de todas as suas utilidades (art. 2º, IX), e o pleno exercício dos direitos civis e políticos que em face da legislação lhes couberem (art. 2º, X).

Com base ainda no Estatuto do Índio, no art. 7º, § 2º: “Incumbe a tutela à União, que a exercerá através do competente órgão federal de assistência aos silvícolas”, assim, há dois principais órgãos atuantes na preservação e proteção dos diversos direitos inerentes à pessoa do índio e sua cultura, responsáveis diretamente pelo cuidado do índio, é o caso da FUNAI (Fundação Nacional do Índio) e da FUNASA (Fundação Nacional de Saúde).

A FUNASA atua na promoção da inclusão desses povos por meio de prevenção e controle de doenças, saneamentos, além de implementação de proteção à saúde do indígena.

E a FUNAI, instituída pela Lei nº 5.371, de 5 de dezembro de 1967, é o órgão federal responsável pelo estabelecimento e execução da política indigenista brasileira e tem como metas principais promover políticas de desenvolvimento sustentável das populações indígenas, monitorar as terras indígenas regularizadas e aquelas ocupadas por populações indígenas, coordenar e implementar as políticas de proteção aos grupos isolados e recém contatados, dentre outras atribuições (FUNAI, 2012).

A mesma Lei nº 5.371, que autoriza a instituição da Fundação Nacional do Índio, também estabelece a garantia do cumprimento da política indigenista, baseada nos princípios de respeito à pessoa do índio e às instituições e comunidades tribais; a garantia à posse permanente das terras que habitam e ao

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usufruto exclusivo dos recursos naturais e de todas as utilidades nela existentes; a preservação do equilíbrio biológico e cultural do índio, no seu contato com a sociedade nacional; o resguardo à aculturação espontânea do índio, de forma a que sua evolução sócio-econômica se processe a salvo de mudanças bruscas; o gerenciamento do Patrimônio Indígena, no sentido de sua conservação, ampliação e valorização; a promoção de levantamentos, análises, estudos e pesquisas científicas sobre o índio e os grupos sociais indígenas; a prestação da assistência médico-sanitária aos índios, e também da educação de base apropriada do índio visando à sua progressiva integração na sociedade nacional; o despertamento, pelos instrumentos de divulgação, do interesse coletivo para a causa indigenista; e o exercício do poder de polícia nas áreas reservadas e nas matérias atinentes à proteção do índio (art. 1º).

3. DA NECESSIDADE DO RESPEITO AOS DIREITOS HUMANOS EM TAIS PRÁTICAS

Como traz o art. 8º, da Convenção Nº 169 da OIT:

1. Ao aplicar a legislação nacional aos povos interessados deverão ser levados na devida consideração seus costumes ou seu direito consuetudinário.

Deste modo:

2. Esses povos deverão ter o direito de conservar seus costumes e instituições próprias, desde que eles não sejam incompatíveis com os direitos fundamentais definidos pelo sistema jurídico nacional nem com os direitos humanos internacionalmente reconhecidos. Sempre que for necessário, deverão ser estabelecidos procedimentos para se solucionar os conflitos que possam surgir na aplicação deste principio.

Além disso, como categoricamente disciplina a Declaração Universal dos Direitos Humanos, todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos (art. 1º), tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração sem distinção de qualquer espécie, seja política, jurídica ou internacional, quer sujeito a qualquer outra limitação de soberania (art. 2º), tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal (art. 3º), de ser, em todos os

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lugares, reconhecido como pessoa perante a lei (art. 6º), a igual proteção da lei (art. 7º), a receber dos tribunais nacionais competentes remédio efetivo para os atos que violem os direitos fundamentais que lhe sejam reconhecidos pela constituição ou pela lei (art. 8º), a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis (art. 25, I). A maternidade e a infância tem direito a cuidados e assistência especiais. Todas as crianças, nascidas dentro ou fora do matrimônio, gozarão da mesma proteção social (art. 25, II).

Ainda, como bem expressa na Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, os povos indígenas têm direito à autodeterminação e à liberdade de desenvolvimento econômico, social e cultural (art. 3º), a autonomia e autogoverno em suas relações e questões internas (art. 4º), a conservação e reforço de suas próprias instituições (art. 5º), a uma nacionalidade (art. 6º), à vida, à integridade física e mental, à liberdade e à segurança pessoal (art. 7º), a não sofrer assimilação forçada ou a destruição de sua cultura (art. 8º), de pertencerem a uma comunidade ou nação indígena, art. 9º (ALMEIDA, 2012), de participar da tomada de decisões sobre questões que afetem seus direitos, por meio de representantes por eles eleitos de acordo com seus próprios procedimentos (art. 18), mas em especial, em seu art. 20:

1. Particular atenção será prestada aos direitos e às necessidades especiais de idosos, mulheres, jovens, crianças e portadores de deficiência indígenas na aplicação da presente Declaração.

2. Os Estados adotarão medidas, junto com os povos indígenas, para assegurar que as mulheres e as crianças indígenas desfrutem de proteção e de garantias plenas contra todas as formas de violência e de discriminação.

Desta feita, percebe-se um alto grau de proteção disponibilizado em âmbito internacional aos povos indígenas, inclusive demonstrando a segurança da adoção de medidas assecuratórias “plenas”. Isto mostra o grande avanço legislativo global, mas acima de tudo, propõe uma maior mitigação de práticas que desrespeitem o direito à vida dessas crianças indefesas em grupos minoritários.

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4. DO INFANTICÍDIO E OS SEUS ASPECTOS DE TRADIÇÃO

O infanticídio tem sido praticado em muitas aldeias através de uma cultura arraigada, e passada com afinco de geração em geração pelas pessoas idosas das aldeias.

Esta prática, nada mais é do que a rejeição e, por consequência, o abandono ou até mesmo a morte de crianças que nascem de mães solteiras, ou provindas de outras tribos, gêmeos, trigêmeos, concebidas por meio de relações extraconjugais, ou ainda, nascidas com deficiência física ou mental.

Cada tribo possui seu modo de pensar. Umas acreditam que essas crianças nascem sem alma, principalmente as gêmeas, trigêmeas. Outras, que elas enfurecem os deuses, sendo, portanto, a causa da falta de alimentos, de chuva, ou mesmo o excesso dela, trazendo trovões, tempestades capazes de destruírem suas casas.

Ainda, vale ressaltar, que a questão de mortalidade infantil entre indígenas foi tema de uma Comissão Parlamentar de Inquérito destinada a investigar as causas, as consequências e os responsáveis pela morte de crianças indígenas por subnutrição de 2005 a 2007, que teve como relator Deputado Vicentinho Alves. O relatório final dessa CPI (2008, p. 190-191), constatou que: “Um aspecto relevante para a desnutrição de crianças e que diz respeito à responsabilidade da própria comunidade indígena, mas sobre o qual poucas informações foram apresentadas no relatório, relaciona-se ao choque entre a cultura índia e não-índia, verificado em temas polêmicos como o infanticídio e abandono de crianças em algumas situações. Esses temas precisam de abordagem adequada para evitar que se “culpem as vítimas”, mas necessitam ser enfrentados com responsabilidade, a exemplo do entendimento de operadores da justiça, que tem priorizado a preservação do direito à vida das crianças indígenas brasileiras.”(ALMEIDA, 2012) .

No documentário de 34 minutos, lançado em 2009, pela jornalista indígena Sandra Terena, intitulado: “Quebrando o silêncio”, que foi objeto de Audiência Pública na Câmara dos Deputados em junho de 2011, é possível observar os próprios índios debatendo sobre o infanticídio, pois tal prática gera sofrimento para as mães, pais, outros membros da comunidade e principalmente às vítimas, que

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pagam com a própria vida. Este documentário teve como objetivo principal revelar, sob a ótica dos próprios índios, o infanticídio, como prática de motivação cultural, possibilitando a manifestação de seus pensamentos e opiniões acerca desse delicado tema (ALMEIDA, 2012).

Esse filme, de produção muito bem arquitetada e excelente, traz ao conhecimento dos brasileiros, antropólogos e interessados pela cultura indígena, bem como pelo debate por estudiosos das causas indígena sou ainda curiosos do assunto, retratando a realidade vivida por aqueles que acabam tendo que abandonar suas aldeias porque passaram por situações semelhantes e discordarem dessas práticas ainda realizadas, pois não desistiram de seus filhos, ou de seus parentes. Ou ainda, se ouve relatos daqueles que viram a morte de uma criança acontecer, e por não poderem fazer nada momento a respeito, hoje vivem precisam conviver com o remorso.

Faz-se necessário pontuar, no entanto, que de acordo com o Código Penal, em seu art. 124, infanticídio corresponde a “matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após”, recaindo sobre este crime a pena de detenção, de dois a seis anos.

Observa-se, portanto, que sendo uma prática comum em certas aldeias, e vindo esta a ocorrer pelas mãos de pessoas da mesma tribo, ou ainda por parentes, que não a mãe, já não corresponderia mais ao infanticídio, mas sim a homicídio. E, conforme dispõe o parágrafo único, do art. 1º do Estatuto do Índio, “aos índios e às comunidades indígenas se estende a proteção das leis do País, nos mesmos termos em que se aplicam aos demais brasileiros, resguardados os usos, costumes e tradições indígenas, bem como as condições peculiares reconhecidas nesta Lei”. Note-se, que os costumes e tradições devem ser reconhecidas pela lei vigente.

Em lugar algum da legislação pátria ou mesmo em tratados nos quais o Brasil é signatário, a prática do infanticídio, ou do homicídio de crianças é defendido pelo texto de lei, pelo contrário, somente se vislumbra a proteção e o direito à vida, segurança, alimentação, saúde, bem como a extensão de diversos outros direitos aos índios.

Porém, conforme informa a Cartilha “Quebrando o Silêncio: Um debate sobre o infanticídio nas comunidades indígenas”, organizada por Márcia Suzuki, presidente

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do Conselho Deliberativo da Organização não Governamental Atini – Voz pela Vida (2007), essa prática tem sido registrada em diversas etnias, entre elas estão os uaiuai, bororo, mehinaco, tapinaré, ticuna, suruwaha, yanomami, amondaua, deni, waurá, kajabi, dentre outras (ALMEIDA, 2012).

No artigo “Hakani – O que é real e o que não é real”, nota-se que infanticídio é comum entre muitas comunidades indígenas no Brasil. Este fato tem sido substanciado por inúmeros antropólogos, agentes de saúde e muitos líderes indígenas, pois proporcionalmente ao total da população indígena, esses os números são muito significativos. O povo suruwaha, por exemplo, é um grupo de 130 indígenas, mais de metade deles com a idade abaixo de 18 anos. Ter-se apenas uma criança sacrificada já é um problema de enorme impacto para este grupo. Existem pesquisas que indicam que só entre as comunidades indígenas de Roraima, mais de 200 crianças foram vítimas desta prática nos anos recentes (ATINI, 2015).

Mesmo assim, conforme dispõe a Estatuto da Criança e do Adolescente, a tentativa do legislador é de não permitir prática semelhante, pois com base nos seguintes dizeres:

Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende:

a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias;

b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública;

c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas;

d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude.

Art. 5º Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.

Logo, trata-se de um dever comum a todos, o socorro imediato a crianças que sendo vítimas de tentativas de homicídio ou infanticídio, abandonados no meio da

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mata, vítimas de asfixia, envenenamento ou mesmo, sendo ignoradas por sua família ou aldeia tribal, sejam-lhes tutelado e assegurado o direito primordial à vida, que é a raiz de todos os demais direitos inerentes à pessoa humana. Pois, como ainda prediz o art. 25, do Código Penal, “entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem”.

Assim, pode-se dizer, de acordo com a definição dada através do site JUSBRASIL (autor desconhecido), que legítima defesa de terceiro é o meio pelo qual alguém age em legítima defesa de terceiro, em ação de solidariedade, intervindo a favor do outro, vítima de agressão, provocando lesões no agressor.

5. DA ADOÇÃO DE MENOR

O Estatuto da Criança e do Adolescente traz em seu corpo, o entendimento de que se considera criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade (art. 2º), e de que se aplica excepcionalmente este Estatuto às pessoas entre dezoito e vinte e um anos de idade (art. 2º, p. único). Dispõe também, que gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata a Lei, assegurando-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade (art. 3º) e que se aplicam a todas as crianças e adolescentes, sem discriminação de nascimento, situação familiar, idade, sexo, raça, etnia ou cor, religião ou crença, deficiência, condição pessoal de desenvolvimento e aprendizagem, condição econômica, ambiente social, região e local de moradia ou outra condição que diferencie as pessoas, as famílias ou a comunidade em que vivem (art. 3º, p. único).

Já a Convenção Sobre os Direitos da Criança define “criança” como todo ser humano com idade abaixo de dezoito anos (art.1º), digno de respeito sem qualquer tipo de discriminação (art. 2º) e à atenção e à proteção especial (art. 3º, 11, 40) sempre que seu interesse estiver em jogo. Encontram-se também entre essa categoria de direitos os direitos a um nome e à nacionalidade (art. 7º), à preservação da identidade (art. 8º), a fazer parte de uma família (art. 5º, 9º, 10), ao respeito de

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sua opinião e expressão (art. 12, 13, 14), à proteção da privacidade (art. 16), ao acesso à informação (art. 17), à integridade física e psicológica (art. 19, 23, 34, 35, 36, 37, 38, 39), dentre outras ponderações (Mônica Toledo Pires de Almeida, 2012). A Lei nº 12.010, de 3 de agosto de 2009, é a atual lei que trata sobre a adoção no Brasil, promove alterações no Estatuto da Criança e do Adolescente dispondo que as gestantes ou mães que manifestem interesse em entregar seus filhos para adoção serão obrigatoriamente encaminhadas à Justiça da Infância e da Juventude (p. único, art. 13).

Assegura ainda, acompanhamento psicológico da mãe e da criança, tanto aos menores inseridos no programa de acolhimento familiar ou institucional, tendo sua situação reavaliada, no máximo, a cada seis meses, por equipe interprofissional ou multidisciplinar, decidindo de forma fundamentada pela possibilidade de reintegração familiar ou colocação em família substituta (art. 19, § 1º), não se prolongando por mais de dois anos, a permanência da criança e do adolescente em programa de acolhimento (art. 19, § 2º). Assim, sempre que possível, a criança ou o adolescente será previamente ouvido por equipe profissional, tendo sua opinião devidamente considerada (art. 28, §1º), e em se tratando de maior de doze anos de idade, será necessário seu consentimento, colhido em audiência (art. 28, §2), devendo o acolhimento familiar ou institucional ocorrer no local mais próximo à residência dos pais ou do responsável (art. 101, §7º).

O cadastro de crianças e adolescentes terá âmbito estadual e nacional, assim como o de pessoas ou casais habilitados à adoção a serem adotadas deverá ser feita na comarca de sua residência (art. 50, § 5º).

6. DA ADOÇÃO DE MENOR INDÍGENA

Conforme preceitua o art. 1º da Lei nº 6.001, de 19 de dezembro de 1973 (Estatuto do Índio), “Esta Lei regula a situação jurídica dos índios ou silvícolas e das comunidades indígenas, com o propósito de preservar a sua cultura e integrá-los, progressiva e harmoniosamente, à comunhão nacional”, a intenção do legislador é de prolongar a cultura e a vida destes índios. Pois “Art. 2º Cumpre à União, aos Estados e aos Municípios, bem como aos órgãos das respectivas administrações indiretas, nos limites de sua competência, para a proteção das comunidades

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indígenas e a preservação dos seus direitos: I – estender aos índios os benefícios da legislação comum, sempre que possível a sua aplicação” (Lei nº 6.001/73).

Além do mais, “os indígenas são brasileiros natos e a eles são assegurados todos os direitos civis, políticos, sociais e trabalhistas, bem como as garantias fundamentais estabelecidas na Constituição Federal”, conforme preâmbulo do referido Estatuto.

Portanto, e de acordo com a Lei 12.010, em seu art. 28, § 6º:

§ 6o Em se tratando de criança ou adolescente indígena ou proveniente de comunidade remanescente de quilombo, é ainda obrigatório:

I - que sejam consideradas e respeitadas sua identidade social e cultural, os seus costumes e tradições, bem como suas instituições, desde que não sejam incompatíveis com os direitos fundamentais reconhecidos por esta Lei e pela Constituição Federal;

II - que a colocação familiar ocorra prioritariamente no seio de sua comunidade ou junto a membros da mesma etnia;

III - a intervenção e oitiva de representantes do órgão federal responsável pela política indigenista, no caso de crianças e adolescentes indígenas, e de antropólogos, perante a equipe interprofissional ou multidisciplinar que irá acompanhar o caso.” (NR)

Pois já se trata de costumes das próprias tribos os familiares terem essa prática do cuidado, e com estudo e promoção da ideia por repartições de cuidado ao índio, a prática se tornaria muito mais viável e saudável (MARTINS, 2005):

É costume, entre os índios, a adoção de crianças por parentes, quando estas ficam órfãs, ou quando a família não tem condições de criá-las. Na maioria das famílias visitadas, encontra-se um sobrinho, ou outro parente, morando junto, que é criado e educado como se fosse filho.

Nota-se, que de fato não se deve afastar a criança de sua cultura, pois é direito dela o seu conhecimento e que seja perpetuada às demais gerações que se seguirem a partir dela, porém, é possível verificar, com base no inciso II, já alguns emblemas possivelmente encontrados na cultura indígena, porque por mais que esta deva ser preservada, cabe a cautela e o estudo mais aprofundado da etnia, visando entender que os índios possuem de fato, laços familiares e culturais muito fortes, mas como envolve a adoção de índios por índios de outra tribo, há um risco muito

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grande, pois estes, por não possuírem qualquer vínculo consanguíneo ou tribal, tendem a não constituírem apego algum, podendo inclusive, essas crianças, serem maltratadas.

Então, conforme a abordagem sobre o tema de adoção (MARENSI, 2014):

Será priorizada a permanência da criança/adolescente no seio de sua família. Neste caso, a proteção será garantida por meio de ações educativas e preventivas desenvolvidas junto à comunidade, e, em especial, junto à família da criança e adolescente. A medida está em consonância com o art. 129, IV, do Estatuto da Criança e Adolescente, o qual estabelece, como medida aplicável aos pais ou responsável, “encaminhamento a cursos ou programas

de orientação.

Deste modo, os direitos das crianças poderão ser resguardados e buscado uma maior ajuda para melhor atender as suas necessidades. Pois o que o legislador, sempre visa é o cuidado integral das crianças, e assim, ver uma correta efetivação de seus direitos diretamente aplicados em todas as culturas, sem distinção.

Nesse sentido, a recente Instrução Normativa Nº 1, de 13 de maio de 2016, veio para melhor tutelar os direitos das crianças indígenas, a fim de promover o acolhimento familiar emergencial e provisório, reforçando a tutela dos direitos de menores que necessitam com urgência de um lar. Assim, conforme dispõe o art. 6º, § 2º. O acolhimento emergencial deve se dar na mesma família nuclear, extensa, parentela, comunidade, povo ou terra indígena, constituindo-se em uma ação que visa fortalecer a identidade sociocultural específica da criança ou jovem em relação ao pertencimento ao seu povo, de modo a preservar as práticas tradicionais de proteção e cuidado. Já o acolhimento provisório, após a ciência da FUNAI, esta estará entrando em contato com a Assistência Social local e relatando a situação do menor, a motivação da medida, os dados do processo judicial, se houver, e se a Rede de Proteção foi acionada. Após, promover a devida informação oficial aos órgãos competentes e judiciais; oficiar ao programa de acolhimento, promovendo as devidas informações e atos necessários para tanto; requerer que seja viabilizada a manutenção dos vínculos familiares e comunitários; verificar se a família foi

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cientificada da medida e se a criança tem acesso à assistência jurídica, dentre outras providências.

A referida Instrução também promove novas atribuições às Unidades da FUNAI, dentre elas, apoiar, promover e articular, sempre que possível, a averiguação periódica da existência de crianças e jovens indígenas em serviços de acolhimento, unidades de saúde e outras entidades, que possam estar configuradas circunstâncias de iminente ou consumado afastamento do convívio familiar ou comunitário (art. 11, inc. V).

7. DA ADOÇÃO COMO MEIO DE SOLUÇÃO DO INFANTICÍDIO

Por fim, chega-se às seguintes ideias e ressalvas (ALMEIDA, 2012):

Conclui-se que as crianças e os adolescentes indígenas se constituem sujeitos de direitos exigíveis com base na lei e são detentores de proteção integral como as demais crianças brasileiras. O respeito ao outro e o repúdio a qualquer forma de opressão, como já afirmado anteriormente, é um valor que deve estar presente em todas as concepções éticas emancipatórias.

Reitera-se que a cultura e a língua de um povo evoluem com o passar dos anos, não são rígidas, por adequarem-se ao tempo, as leis e as novas tecnologias que vão sendo aperfeiçoadas. Para tanto, deve-se preservar a cultura em tudo aquilo que é salutar ao indivíduo, mas também rever valores que não atendem ao princípio da dignidade humana.

Deste modo, é possível dizer que o direito à vida não deve ser mitigado pelo simples pensamento de que uma cultura deve ser preservada. Essas culturas não devem ser diminuídas ou mesmo desaparecidas pela ideia de preservação, pois se mostram opostas e no fim, uma anula a outra. Pois, ou a cultura é preservada e crianças continuarão sendo mortas ou o direito a vida será preservado em detrimento da cultura, mesmo que práticas culturais sejam deixadas para trás.

Entretanto, a situação de violação de direitos das crianças e adolescentes em nosso país é notoriamente grave, e seu enfrentamento é merecedor de prioridade, como garantiu o legislador na Constituição Federal (artigo 227) e artigo 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente. Por isso, não se pode negar a hipótese, nem a tentativa de adoção por pretendentes de outras culturas (CANTÚ, 2016):

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Quanto à petição inicial, além dos listados no artigo 319 do CPC, observa-se os requisitos do artigo 165 do ECA. No caso de concordância dos pais, eles serão ouvidos pelo juízo e pelo parquet em audiência, garantindo-lhes a livre manifestação de vontade e se tomarão a termo as declarações. Nessas audiências, deve ser garantido o auxílio de intérprete, conforme o artigo 12 da Convenção 169 da OIT sobre povos indígenas e tribais.

Porque a lei não proíbe a adoção por pessoas de outras culturas, apenas aumenta as exigências. Então embora possa aceitar este tipo de adoção, esta não é realizada de imediato. Sendo necessários trâmites administrativos e até mesmo jurídicos muito mais demorados que o convencional.

No entanto, não se pode fechar os olhos para as situações críticas vivenciadas nas aldeias e muitas vezes silenciadas pelos órgãos estatais e desconhecidas pela sociedade civil (CANTÚ, 2016):

Entretanto, ainda é preciso criar-se uma subdivisão dessa categoria de “vítimas das vítimas”, onde encaixo as crianças indígenas. Os índices oficiais disparam nos percentuais de violações nos mostrando que elas integram:

- o maior índice de crianças sem registro de nascimento; - o maior índice de crianças não alfabetizadas;

- o maior índice de crianças vítimas da mortalidade infantil; - o maior contingente com maior chance de ser vítima de violência sexual (duas vezes maior que as outras crianças, junto com crianças negras), segundo dados do Unicef.

Então, em havendo crianças que precisam de um lar, e esgotadas as possibilidades em sua própria aldeia, ou mesmo, na ocorrência de iminente perigo de vida ou à sua integridade física, faz-se necessária a optação pela adoção destes menores por famílias que não a de sua cultura.

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Segundo a abordagem brilhante de BITTENCOURT (2010, p. 36) sobre o tema:

O princípio da proteção integral sugere que a criança e o adolescente devem encontrar no poder público todo o apoio necessário para que seus interesses sejam atendidos, propiciando uma criação sadia e em condições de proporcionar a formação de seus caráter e personalidade. Destarte, se insere nesse contexto a inclusão do atendimento em todas as necessidades, como alimentação, educação, vida familiar e social, dentre outras. A própria família da criança deve ser amparada através de uma rede de atendimento que lhe dê condições de criá-la com carinho e cuidado.

A proteção, bem como o direito à família, a cuidados e por que não, ao afeto, dentre todos os demais direitos, devem alcançar e abarcar a criança, de modo a suprir todas as necessidades pessoais e como de ser humano devidamente assistido pelas legislações aplicáveis aos índios brasileiros natos.

A história da menina Hakani (Sorriso) tem sido referência internacionalmente. Trata-se de uma menina, nascida em 1995, filha de uma índia suruwaha. Após seus dois primeiros anos de vida, como não se desenvolveu igualmente às demais crianças, seu povo passou a pressionar os pais da menina a sacrificarem-na. Estes, se sentindo incapazes de praticar tal ato, suicidaram-se, deixando Hakani e mais quatro irmãos. Agora, recaindo o dever sobre o irmão mais velho o dever de matar a menina. Escavou um buraco raso e enterrou a menina. Então, uma pessoa da tribo, se compadecendo, tirou a menina que não parava de chorar da cova e a entregou ao avô. Este, sabendo da tradição da aldeia, e do que esperavam que ele fizesse, tomou seu arco e flecha e acertou a menina no ombro, que não morreu. Ele então, tomado de remorso, tomou veneno e se matou. Ela, no entanto, passou a viver na tribo como amaldiçoada, durante três anos, apenas de água da chuva, cascas de árvore, folhas, insetos, ou algum resto de comida que um de seus irmãos conseguia para ela. Além de abandonada, vivia sendo agredida física e emocionalmente, até que um de seus irmão a resgatou, levando-a a um casal de missionários que por mais de 20 anos trabalhava com o povo Suruwará. Possuindo 69 centímetros e pesando apenas 7 quilos. Pediram permissão ao governo para levá-la para a cidade e receber tratamento médico, caso contrário, morreria. Passados 6 meses, a menina começou a falar e a andar.

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Essa história se tornou um documentário em curta-metragem, que faz uma demonstração representativa de sua história e das de muitas crianças, que sofrem com a mesma destinação, ou muitas das vezes pior. É por isso que a adoção dessas crianças, o papel da FUNAI, muito bem exercido, torna o destino desses e de muitas outras crianças melhor e mais seguro.

Pois, deve-se também reconhecer que os direitos fundamentais exercem, além de sua função limitadora do poder, uma relevante função de legitimação do poder estatal, na medida em que o poder se justifica pela realização dos direitos dos seres humanos (ALMEIDA, 2012).

Diante disso, pode-se afirmar que a relevância da Constituição Brasileira está em priorizar a dignidade humana e os princípios fundamentais como a base que justifica o Estado Democrático de Direito (ALMEIDA, 2012). De outra forma, uma constituição sem a declaração de direitos fundamentais não pode ser considerada digna desse nome (CUNHA JÚNIOR, 2010).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Não se pode mais permitir que a legislação se distancie da prática, fazendo com que crianças sejam punidas pela não ação de tutela e proteção de seus direitos constitucional e internacionalmente previstos.

Manter a cultura indígena no isolamento, na esperança de que ela se prolongue, não parece ser a solução mais adequada. As culturas estão sempre em movimento, então se faz necessário que se permita a mudança. Os índios também desejam que sua cultura seja preservada. Cabe então, o devido auxílio por parte de órgãos competentes, FUNASA, e principalmente, FUNAI, assegurar isso a eles.

Em suma, foi demonstrado que legislação não falta para que haja proteção dos direitos dos índios, mas pelo contrário, se observa que as legislações a cada dia que passa, buscam abranger mais ainda os direitos inerentes aos índios.

Logo, a partir do Projeto de Lei 1057/2007, aprovado em agosto de 2015, que regula e tutela o direito à vida, trazendo penalidade à simples omissão de socorro em ocorrendo tais práticas atentatórias, pode-se notar uma maior importância e

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seriedade dada por parte dos poderes a este assunto. Também, observa-se um despertamento para a causa indígena, que se mostra tão nobre e singular.

E através das disposições da Instrução Normativa nº 1, de 13 de maio de 2016, se observa uma maior preocupação em se promover um lar a essas crianças, vítimas das diversas formas de discriminação, repulsa e preconceito. Tratando ainda, o assunto da adoção em caráter de urgência, bem como proporcionando facilidades, para que tal prática ocorra em ritmo acelerado, tendo em vista os desafios vivenciados pelas crianças, sendo que muitas correm sérios riscos de vida, ou mesmo sofrem pelo abandono.

Assim, conclui-se que, para melhor atender às necessidades dessas crianças e adolescentes indígenas de estarem em um seio familiar, para que sejam bem alimentadas, possuam afeto em seus lares, e um melhor acompanhamento educacional, deve-se promover ainda mais a adoção destas crianças por famílias que de fato estejam dispostas a preservar o contato destas com suas aldeias e assim perpetuarem sua cultura pátria. Pois não há óbice na legislação para que uma criança indígena seja adotada por pretendentes fora de sua cultura, o que ocorre é a maior exigência de requisitos e uma morosidade infundada por parte dos trâmites administrativos e judiciários, vindo apenas prejudicar o desenvolvimento sadio da criança que, em geral, já se encontra fora da aldeia.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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<file:///C:/Users/Marivaldo/Downloads/Relatorio.pdf>. Acesso em: 20 jun. 2017. BITTENCOURT, Sávio. A Nova Lei de Adoção – Do Abandono à Garantia do Direito à Convivência Familiar e Comunitária. 1. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. 36 p.

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