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OS FUNDAMENTOS DO PENSAMENTO ESTRATÉGICO:

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Academic year: 2021

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Os Fundamentos do Pensamento Estratégico:

Instrumentos Ainda Válidos ao Brasil

José Alexandre Altahyde Hage

Doutor em Ciência Política pela Unicamp e analista do Centro de Estudos Themas. Atualmente é Professor na Universidade Federal Fluminense.

Resumo

O objetivo deste artigo é examinar as razões que levaram ao abandono do planejamento estratégico nas relações internacionais, principalmente nos Estados em desenvolvimento como o Brasil. Relevante instrumento de ação e direção política, o planejamento estratégico passa a ser menos indicado como ferramenta de Estado e mais da grande empresa, à medida que a economia de livre mercado e a reforma institucional ganham espaço. Também é intuito do texto verificar quem se dedica aos estudos da estratégia.

Palavras-Chave: Planejamento Estratégico. Poder Nacional. Ciência Política. Brasil. Abstract

This paper aims to analyze the reasons to promote the fall of strategic planning in the international relations, meanly Brazil. Being considered as an important instrument of political use, this strategic planning is less indicated as tool of State, but more for big organizations, when the free market economy and the institutional reform gain space. Moreover, the goal of this paper is also to verify those who are dedicated to the strategy studies.

Key-Words: Strategic Planning. National Power. Political Science. Brazil. O PRInCíPIO DE PLAnEJAR EStRAtEGICAMEntE

O intuito deste artigo é contribuir para a compreensão dos fundamentos conceituais do pensamento estratégico na atualidade. Versa sobre breve trabalho que, certamente, não esgota o assunto, apenas traz à tona tema cada vez mais importante a fim de pensar uma forma positiva de inserção internacional, sobretudo em ambiente conturbado politicamente e atravessado por variados conflitos, como se trata do moderno sistema internacional.

Raymond Aron imagina o sistema internacional como um teatro, em seu clássico Paz e Guerra entre as Nações, no qual os Estados se relacionam por meio

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de condutas e códigos comuns. Condutas e códigos conformados pelas unidades políticas mais poderosas – dando a entender que o próprio modelo de se exercer a moderna diplomacia iniciou-se na Europa. De outra forma, os modernos Estados nacionais, saídos do Tratado de Westfalia, de 1648, constituíram um meio de relacionamento onde a moeda de troca é a diplomacia e a guerra. A diplomacia por meio de seus códigos e instrumentos, os quais os Estados aceitam como forma de se reconhecerem. Já a guerra não é diferente. Trata-se também de ferramenta com a qual os Estados podem resolver conflitos não solucionados por outros meios, como os diplomáticos, por exemplo. (Aron, 1986).

Nesse aspecto, para Aron, a diplomacia e a guerra não são antípodas necessariamente; são duas faces da mesma moeda as quais se interligam e se alimentam. Embora haja sobre a guerra forte carga moral e emocional, não é algo estranho à vida dos Estados que se qualificam como potência. Muito se tem escrito sobre a guerra, que, pelas dimensões módicas e intenções deste artigo, não pode ser amadurecida e apresentada convenientemente.

Por outro lado, considerando que o sistema internacional se torna arena conflituosa por natureza, bem como sua conformação pelas grandes potências de cada época, os Estados passam a encarar como missão primeira e mais urgente a aquisição de meios estratégicos mais concernentes com a sua realidade. Se o sistema é desigual e violento, cabe aos Estados formularem estratégias para sobreviver em tal ambiente de concorrência.

É fato também que há, momentaneamente, períodos de descanso onde surgem posturas virtuosas, as quais procuram conquistar o mínimo de harmonia entre os Estados, senão o próprio sistema não sobrevive, por excesso de rispidez. Esses momentos especiais são aqueles nos quais emergem personalidades universais requisitando um mínimo de condições de concerto. Assim, criou-se a Sociedade das Nações, em 1919; e as Nações Unidas, em 1945. Contudo, isso não anula a situação do sistema, ou seja: desigual. (Aron, 1986).

O ponto crucial do pensamento estratégico é saber que um breve descanso da violência sistematizada, como a guerra, não permite aos Estados abrirem mão de sua segurança e do vislumbramento do futuro, para estudarem cenários positivos e negativos. Assim, torna-se fatal para a unidade política, que ignora a essência do sistema do qual toma parte. O planejamento estratégico é o exercício mais premente para os Estados, em qualquer época.

Por isso, o pensamento político clássico, sobre o qual emerge o planejamento estratégico guarda importante premissa. A consecução de tarefas escolhidas pela diplomacia não pode se esquecer que sua realização se faz de modo mais eficiente na medida em que o poder nacional a ampare e lhe assegure a palavra perante outras diplomacias, assim, tanto a diplomacia quanto a guerra não deixam de ser um relacionamento entre poderes nacionais, tendo vantagens aquele cujo preparo

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for maior.1 O professor Oliveiros Ferreira já opinou a respeito desta questão, sobre a relação proveitosa entre diplomacia e poder nacional, a fim de contribuir para a boa inserção internacional.

Porém, é congruente explicar que poder nacional, como prefere Oliveiros, é a relação entre os fatores nacionais de poder, as Forças Armadas, a moderna economia, a qualidade científico-tecnológica produzida pelo Estado, riquezas naturais etc. Agregando mais um item a esse agrupamento podemos citar o planejamento estratégico (Ferreira, 2001).

O papel do planejamento estratégico não necessita ser, obrigatoriamente, um instrumento voltado para a guerra, embora dela se origine. Mais do que isso, ele tem de encarar o sistema internacional como ambiente onde a guerra é comum, pois não deixa de ser um contato entre Estados. Aqui, guerra como embate militar entre exércitos regulares e com objetivos bem definidos politicamente, como bem expôs o clássico de Clausewitz.

Tomando de empréstimo o conceito que o general Golbery do Couto e Silva tem da estratégia, podemos clarear mais nosso texto para desenvolver, com mais afinco, o raciocínio: “O Conceito Estratégico Nacional é a diretriz fundamental que, em dado período, deve nortear toda a estratégia da Nação, com vistas à consecução ou salvaguarda dos Objetivos Nacionais a despeito dos antagonismos que se manifestam ou que possam se manifestar tanto no campo internacional, como até no âmbito interno do país” (Silva, 1981: 59). Daí surge a importante tarefa de se eleger quais objetivos o Estado precisa seguir. De forma consciente, os objetivos devem ser o desenvolvimento econômico e a segurança de forma geral, que vá além do aspecto primeiro da defesa nacional.2

Mas, nesse aspecto, há uma questão. Nem sempre o desgaste, declínio ou crise de um determinado Estado ocorre por meio de guerras; de encontros militares. Pode haver desvalorização política e econômica das unidades políticas por intermédio de “sugestões”, intromissões e obrigações, cujas grandes potências, aquelas que conformam o sistema internacional em interesse próprio, imputam aos menos preparados. Em outros termos, elas podem fazer os Estados menos desenvolvidos aceitarem normas e manifestações que lhes tragam mais prejuízos do que avanços.

Embora o precitado possa ser abstrato, à primeira vista, não é de todo difícil encontrar exemplos. A exposição por que passam alguns Estados periféricos às sugestões dirigidas pelas organizações financeiras internacionais – programas 1 Sobre essa passagem ver José Honório Rodrigues e Ricardo Seitenfus, para quem a construção do poder

na-cional é importante para se pensar a existência do próprio Estado. Questão crucial para os autores uma vez que, historicamente, sempre emergem forças antinacionais que perturbam essa tarefa essencial de se obter poder (Rodrigues e Seitenfus, 1995).

2 É evidente que Golbery faz largos desdobramentos conceituais da segurança nacional, que vão além das

preocupações de defesa. Mas, cabe lembrar aqui outra marca indelével sobre a segurança em termos mais amplos: o pronunciamento do presidente Castelo Branco aos formandos do Instituto Rio Branco, em 1964.

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feitos por tais instituições, cujo mote é universalizar o livre comércio internacional, o acato à propriedade intelectual e a redução dos poderes políticos nacionais como valores universais e democráticos.

Sobre o exposto acima não deixou de haver produção intelectual e, também, ideológica, a qual contribuiu para que houvesse aceitabilidade por parte dos governantes; estes passaram a ver o processo desarticulador do poder nacional como se fosse força incomensurável, sob a qual seria inútil resistir. Se não há resistência, então, se possível, melhor tirar proveito da situação, conforme crítica feita por Paulo Nogueira Batista Junior a respeito do “fatalismo” que existiu no governo de Fernando Henrique Cardoso (Batista Junior, 1997).

No caso de alguns Estados em desenvolvimento, o Brasil especificamente, o acato aos programas de organizações internacionais e o relativo abandono de políticas de desenvolvimento nacional resultou em prejuízos que lembram combates perdidos. Isso porque as poucas condições para se criar empregos regulares, de manter o crescimento econômico, de promover pesquisas tecnológicas que fossem concernentes ao poder nacional foram danos encontrados durante os anos 1980 e 1990. Vale dizer, durante uma concepção de reforma institucional na qual o mote fora a desarticulação do Estado.3

A pouca atenção para com o papel desempenhado pelo ente político durante aqueles anos combinou também com a falta de importância do planejamento estratégico. Isso porque houve relação automática com a ideia de o planejamento estratégico estar ligado, necessariamente, ao Estado pesado, a estatais ineficientes e, por fim, ao regime autoritário de 1964.

Como bem frisara o almirante Cesar Flores, na passagem dos anos 1980 para 1990, deu-se o declínio do pensar estrategicamente na consecução de segurança, propriamente dita, do Estado brasileiro. Em grande parte, isso se havia feito por ressentimentos da “nova” elite política que desejava desarticular, na medida do possível, os fatores do poder nacional, mormente as Forças Armadas. O meio para isso passou pelo enxugamento do orçamento militar e pelo sucateamento do material bélico, dando efeitos que ainda perduram (Flores, 2002).

O artigo seguinte procura fazer breve análise do pensamento estratégico com relação ao modelo de desenvolvimento adotado, em grande parte, pelos países em desenvolvimento, com destaque para o Brasil, que vive em um dilema a respeito da urgência de se construir um projeto nacional, concernente com o País; ato indissociável de se ter pensamento estratégico, e as obrigações assumidas para manter a respeitabilidade ao crédito internacional.

3 Sobre essa passagem é salutar a leitura de John Pilger, cujo livro, Os Novos Senhores do Mundo, demonstra

como as políticas chamadas liberais e modernizantes deram prejuízos econômicos e sociais inimagináveis a alguns Estados em desenvolvimento, como a Indonésia que adotara linhas indicadas pelo FMI, mas não obteve ajuda nem resultados esperados no momento de sua mais profunda crise (Pilger, 2004).

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DESDOBRAMEntO DA QuEStãO

Nos últimos tempos algumas questões têm chamado atenção. Afinal, o que é planejamento estratégico e quais os autores interessados em seu estudo? Porém, uma observação tem de ser feita. Quando falamos nesse tema estamos nos dirigindo ao instrumento racional do poder político que se preocupa com o andamento do Estado. Isto é, procurando resolver problemas mais prementes pela busca do bem-estar da população; considerando um de seus promotores o pleno emprego e o avanço em ciência e tecnologia, dois itens do próprio poder nacional comentados anteriormente.

Essa observação pode parecer evidente e pouco esclarecedora para quem há muito se dedica a estudar o assunto. Afinal, ela dá a entender que, efetivamente, o planejamento estratégico só pode ser arranjo do poder político. Em nossa opinião, essa relação automática, a qual liga estratégia aos fundamentos do Estado não existe regularmente. A posição negativa acontece não porque uma esfera exclui a outra, ou porque são opostas, mas, sim, em virtude de transformações da cultura política e pela falta de projeto nacional que valorizasse o planejamento como ferramenta do Estado.

Ao comentarmos a mudança na cultura política nacional queremos dizer que não passou a ser mais comum vislumbrar a evolução do Estado e sua inserção ativa no sistema internacional. E por quê? Embora seja lugar comum analisar os governos existentes na década de 1990, como se eles fossem suficientes para operar mudanças, benéficas ou não, ainda é licito tecer alguns comentários que remontam àquela época. A decadência do planejamento estratégico ganhou espaço nos anos 1990 com plataformas governamentais, as quais tencionaram fazer a reforma institucional, onde as instituições estatais passassem a ser mais reativas do que avante.

O fundamento mais básico do Estado, ao menos aquele com alguma relevância no sistema internacional, é amparar sua locomoção na geopolítica, este como instrumento que tire proveito das condições espaciais para o núcleo idealizador do poder político, e no planejamento estratégico que procura vislumbrar as intenções futuras da unidade política. Acreditamos que a assertiva exposta aqui não contraria o imaginado por Golbery e Meira Mattos. De outro modo, é lícito dizer também que geopolítica e planejamento estratégico ganham muito mais dimensão à medida que suas aplicações são feitas por um Estado adequado ao perfil clássico de poder.

Com efeito, um Estado com autonomia suficiente para se elevar acima dos conflitos sociais, políticos e econômicos da sociedade da qual ele é parte superior, coordenando-a, e não sendo dirigido por grupos específicos os quais queiram fazer do poder político uma espécie de comitê especializado, a fim de defender interesses particulares. É o que nós podemos denominar Estado Infraestrutural, como prefere

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Michael Mann, ao analisar a existência de um Estado que expressa autoridade suficiente para se manter sobre a economia, mesmo esta tendo sido atribuída a grupos econômicos diversos (Mann, 1991).

Nas medidas teóricas brasileiras podemos citar Amado Cervo e Clodoaldo Bueno, cujo princípio é o que nos anos 1980 e 1990, do livre cambismo latino-americano, houve a ascensão de dois modelos de desenvolvimento socioeconômico que pouco contribuíram para a estabilidade dos países. Se a queixa geral era a de que o antigo modelo desenvolvimentista de substituição de importações havia se esgotado por causa, inter alia, da ineficiência do Estado e da baixa do erário para bancar esse modelo, então, que fizesse a transformação necessária para obter crédito financeiro internacional (Cervo e Buenos, 2002).

A transformação viera por dois modelos não conjugados obrigatoriamente, o Estado Normal e o Estado Logístico. O Estado Normal fora aquele também denominado neoliberal, no qual o poder público perde a coordenação sobre a produção e os setores de serviços, delegando-a a próprias empresas ou a agências reguladoras mal equipadas e desrespeitadas em seus propósitos, como bem comenta o brigadeiro Sergio Ferolla e Paulo Metri sobre a ANP:

“(...) o governo federal, no período de 1995 a 1997, comprometido com a aplicação das teses neoliberais de interesse do poder econômico internacional, explicitadas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e pelo Banco Mundial, e utilizando toda sua força política, interveio no setor de petróleo, conseguindo aprovar a Emenda Constitucional 9, de 9 de novembro de 1995, que buscava acabar, de modo camuflado, com o monopólio estatal do petróleo, bem como a Lei 9.478, de 6 de agosto de 1997, que, sem subterfúgios e de forma clara, terminou com o monopólio e deu origem à ANP”. (Ferolla e Metri, 2006: 193).

Por sua vez, o Estado Logístico não diminui o poder político, reforça-o amplamente. Sob esse modelo há, sim, a transferência produtiva para a economia privada, permite-se que haja liberdade de iniciativa econômica, mas sem se desconsiderar que tudo isso faz parte de um plano coeso montado pelo Estado, pelo planejamento estratégico (Cervo e Bueno, 2002). Necessariamente, iniciativa privada e liberdade de investimento não significam fraqueza do poder político. Sobre essa opinião é interessante consultar o período Castelo Branco com sua procura de reformar conceitualmente o Estado, mas sem perder autoridade (Martoni, 1972).

E porque tal operação política e mental ocorreu? Para alguns autores ocorreu por causa de dois acontecimentos não necessariamente vinculados um ao outro. O almirante Flores é da opinião de que o final da Guerra Fria contribuiu para a premissa de que pensar estrategicamente seria alimentar o “equilíbrio do terror”. Por isso, se não haveria mais o grande confronto ideológico por que, então, gastar recursos e tempo com algo ultrapassado? (Flores, 2002). Não há como deixar de pensar também na globalização, cujo fenômeno veio com a máxima de que os

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fluxos econômicos e tecnológicos estariam acima das soberanias, assim como uma política de direitos humanos e de meio ambiente.

O impacto do comentado acima pode ser apresentado desta forma. Se nos anos 1970 a preocupação brasileira para com a Amazônia tinha pressuposto geopolítico, reafirmando a preocupação nacional com a segurança da região, por isso a confecção de tratado para marcar a posição do Brasil junto aos seus vizinhos, desta vez o que leva os governos a atentarem para a região norte não guarda mais razões geopolíticas. Pelo menos com a percepção de geopolítica que classicamente se espera dela, a de fornecer insumos e dados de elevada importância para a estabilidade político-econômica do Estado.

Raciocinar que na era da globalização não seria mais congruente refletir a geopolítica, pois a agilidade de atores, de tecnologias e do mercado superaria a razão de Estado não deixaria de ser capcioso e de uso ideológico para grupos que tiram proveito dessa máxima. Sobre essa questão é interessante ler o general Meira Mattos em cujo livro, Geopolítica e Modernidade, o estudo dos clássicos da disciplina são retomados; conclui, ainda, o contrário, devem-se aumentar os cuidados do poder nacional, da estratégia com relação à Amazônia, justamente por causa de novos fatores de ameaças, como o crime organizado, o contrabando de drogas e a biopirataria que ofendem a soberania nacional (Mattos, 2002).

O outro acontecimento veio acompanhado da redemocratização da vida nacional com a eleição de Tancredo Neves para a Presidência da República, em 1985, via Colégio Eleitoral, pondo fim ao período ocupado pelo movimento político-militar de 1964. Nesse ponto, houve a relação automática de imaginar o planejamento estratégico com o regime militar, pois coube àqueles governos a confecção de planos estratégicos, caso mais famoso o II PND, de 1974, que muito ampliou a industrialização brasileira, inclusive para setores não convencionais para Estados em desenvolvimento, caso da informática e da indústria de armamentos (Gremaud e Pires, 1995). Porventura, se acabou o “dirigismo”, também deveria findar seu instrumento de ação, conforme imaginaram os operadores do governo federal nos anos 1990.

A razão para essa escolha pode ser encontrada na crise da dívida externa nos anos 1980. Nos debates político-econômicos do período no qual se passou a disputar governos estaduais e prefeituras. De início, houve quem opinasse ser a crise econômica brasileira fruto da escalada da dívida externa nos anos 1970, principalmente para construir obras de infraestrutura. É fato, quem alimenta essa visão já tem seus pressupostos montados, como também seria lícito refletir quais eram as reais condições do período e quais eram as condições de crescimento apresentadas pelos governos.

Não deveria ser esquecida a política de reconstrução do poder norte-americano do governo Reagan, em 1980, que fez subir enormemente os juros da dívida externa por meio do Federal Reserve. Estava bem clara para aquele

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presidente a missão primordial de sua gestão: elevar a posição de destaque dos Estados Unidos frente à União Soviética, ainda que ele tivesse de quebrar todos os países em desenvolvimento devedores.

Por conseguinte, o fim da Guerra Fria contribuiu para que a estratégia, a Grande Estratégia, como prefere Oliveiros Ferreira, entrasse em desuso conforme avançavam os governos civis. Não só o seu fim, mas a própria dívida externa. Aqui é mister dizer que o fim de ambos os acontecimentos, um externo e outro interno, fez o planejamento estratégico entrar em crise no Brasil, à primeira vista, e não em todo o mundo (Ferreira, 2001). Isso porque afirmar que a globalização e seus efeitos provocassem a mesma ação em todos os Estados não deixa de ser ideologia e escapismo para fracassos. Desemprego, crise da educação não são efeitos da globalização, mas, sim, de políticas erráticas. Certamente, os efeitos na América do Sul não seriam os mesmos nos Estados Unidos (Nogueira Junior, 1997).

No Brasil, a ausência do planejamento estratégico significou seu desuso, não na vida nacional propriamente dita, mas naquela esfera na qual seria mais urgente: na política. No cotidiano econômico a estratégia sobreviveu, e até floresceu. Mas onde? Nas corporações empresariais, na grande empresa nacional com intenção de se internacionalizar, e na multinacional, cujo interesse é conquistar mercados e debelar a concorrência. Nesse campo ela pode ser encontrada.

A grande corporação empresarial não criou o planejamento estratégico, não se criou algo diferente daquele usado pelo Estado. A empresa somente passou a utilizar aquilo que já existia nas instituições do poder político, como nas Forças Armadas. Nessa ótica, se o mercado internacional e o nacional são uma guerra, onde os mais bem preparados vencem, em analogia ao sistema internacional, então é urgente que a estratégia seja a ferramenta de consecução – feita pela empresa no papel de exército. Isso porque com o fim da Guerra Fria, nos primeiros tempos otimistas dos anos 1990, houve a premissa de que o sistema internacional não mais assistiria a grandes conflitos; não haveria mais necessidade de choques entre Estados e seus exércitos. Os embates seriam feitos entre mercados e empresas.

Além do mais, se a estratégia está ligada à maximização racional das unidades políticas e militares ela deve, assim, entrar em declínio, visto que não haveria mais guerras no seu teor mais tradicional, entre exércitos nacionais coordenados pelo Estado-Maior, mas, sim, entre atores não estatais e sem identidade com alguma nacionalidade, por exemplo, o crime organizado e o terrorismo. Nessa seara, comentou-se sobre o fim do pensamento de Clausewitz; o de Keynes também já havia sido decretado o final, para dar espaço à economia de mercado. No século XX, com o advento da guerra total, relacionar o autor do Da Guerra com o de

As Conseqüências Econômicas da Paz não foi preciosismo – grandes exércitos

necessitam de uma economia afim.

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uma estratégia self-service; e o Estado abriu mão de intensificar sua sugestão, cabe perguntar o que é planejamento estratégico.

É congruente afirmar que pensar no planejamento estratégico de nenhuma forma acarreta desprezo pelo mercado ou pelos agentes empresariais. Ao contrário, incrementando-se a estratégia, pode-se chegar a um saudável relacionamento entre o poder político que necessita da cooperação das empresas. Por outro lado, o empreendimento privado também pode aproveitar os estudos e os instrumentos públicos para seu crescimento. Válido nesse raciocínio não é a preeminência de uma esfera sobre a outra, mas, sim, a cooperação.

No livro Planejamento Estratégico, de Golbery do Couto e Silva, verifica-se que por estratégia verifica-se compreende um estudo detalhado o qual vislumbra a posição almejada pelo ator dentro de um determinado tempo. Vale questionar, o que deve ser feito para o Brasil ser uma grande potência daqui a quarenta anos. Quais aspectos devem ser trabalhados primordialmente e quais problemas podem interferir nesse processo.

Por isso, pensar estrategicamente é planejar e procurar antever problemas imagináveis, tentando antecipá-los na medida do possível, sem ser surpreendido. Dessa forma, fica patente dizer que planejamento estratégico só pode ser mesmo de Estado; das instituições políticas. Ele se faz vislumbrando o futuro, o que o ator deseja ser. Mas para isso é preciso fazer o levantamento e o estudo das condições atuais e com quais recursos o Estado pode contar. Golbery divide a operação do planejamento estratégico em duas etapas.

A primeira é a consecução dos Objetivos Não Permanentes, aqueles que não são urgentes, mas convém tê-los. Pedindo licença ao autor, talvez pudéssemos dizer que os objetivos não permanentes podem ser entre outras coisas, a atração de um tipo de investimento internacional. A entrada desse investimento certamente é uma contribuição, mas o Estado não pode ser dependente dele.

Já os Objetivos Permanentes são aqueles dos os quais a unidade política não pode se furtar. Mais uma vez pedindo licença a Golbery, a regularidade de energias pode ser vista como parte dos objetivos permanentes. Sem dúvida, a consecução energética, a segurança energética que compromete o pressuposto de segurança em toda a sua essência não pode se ausentar.

No âmbito do poder político não é licito vislumbrar a ascensão ativa do Estado sem consecução energética. E, para isso ser feito, é tarefa fundamental estudar os atores e as condições em que essa energia é fornecida. Quem são meus importadores de petróleo? Quais são as condições do mercado internacional de energia? Quais são as questões políticas que podem envolver, não somente o sistema internacional, mas também atrapalhar a vida interna do meu fornecedor. E, se por acaso meu importador de petróleo entrar em profunda crise? Atualizando o tema da energia, como tirar proveito do álcool combustível? Como neutralizar possíveis crises e críticas? Como fazer desse insumo um item relevante para a economia brasileira?

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De modo breve, esses são itens e questões que perpassam o planejamento estratégico e seu papel no estudo de cenários onde o Brasil pode aproveitar para crescer e procurar resistir a contratempos. Contudo, para esse exercício ser amplo é necessário ser pensado e ensinado largamente. Mas isso não acontece dentro do quadro esperado. Correndo o risco de cometer leviandade acadêmica, pode-se perceber quão numerosa tem sido a publicação de livros sobre estratégica, mas sob a ótica da empresa, do empreendimento privado, sendo muitos títulos importados para as salas de graduação no Brasil.

Na esfera do Estado, para compreender o planejamento estratégico na elevação do poder nacional, onde a economia certamente é item relevante, os títulos são curtos. É como se fosse anacrônico pensar os destinos do País e conceber cenário em que ele seja respeitado em todas as formas. Em linhas gerais, os pensadores brasileiros da estratégia e do planejamento são, em boa parte, oriundos dos anos 1950 a 1970. Vejamos alguns desses autores.

1 – Golbery do Couto e Silva. No livro Planejamento Estratégico o autor estuda os fundamentos da estratégia e sua relação com a aquisição de bens vulneráveis, bem como o papel dos regimes políticos. Isso pode provocar polêmica, mas Golbery concebe a estratégia sob o regime democrático.

2 – Betty Lafer. Em livro considerado clássico, O Planejamento no Brasil, a autora organiza dois tomos com as experiências, avanços e contratempos, dos mais importantes planos estratégicos e de desenvolvimento que teve o Brasil. Nos dois números há experiências sobre o Plano de Metas, de 1956; o PAEG, de 1965; o Plano Estratégico de Desenvolvimento, de 1968 e outros.

3 – João Paulo de Almeida Magalhães já é de safra mais nova. O autor procura resgatar a função do planejamento estratégico para refletir sobre as complicações macroeconômicas dos anos 1990, como a dependência excessiva ao capital internacional, por exemplo.

Como se pode observar, o assunto é complexo e abre espaço para mais comentários, situação que o espaço aqui proposto não comporta. Porém, fica registrada a iniciativa para o debate e críticas.

REFERêNcIAS

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Referências

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