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Literatura infantil na desconstrução do racismo: um relato de experiência das práticas de negritude na sala de leitura da escola de educação infantil da UFRJ

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Academic year: 2020

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Literatura infantil na desconstrução do racismo: um relato de experiência das práticas de negritude na sala de leitura da escola de educação infantil da UFRJ1

Renata Bastos2

Resumo

Este trabalho tem como ponto de partida uma pesquisa qualitativa desenvolvida na Unidade de Educação Infantil da Universidade Federal do Rio de Janeiro (EEI-UFRJ) no ano de 2015 intitulada “A negritude nas práticas pedagógicas como um estudo das relações etnico-raciais”. Que se configurou como um desafio, na atualidade, tendo em vista que a trilha ser percorrida buscava compreender quais caminhos pedagógicos foram construídos na Unidade para estruturar um projeto pedagógico adequado e ancorado na Lei 10.639/03 que altera a Lei de Diretrizes e Bases do Ensino -LDBEN que determina a inclusão no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Africana e Afro-Brasileira". Justificamos o fato uma vez que identificamos que há dificuldades para incorporação nos currículos escolares da incorporação imediata da temática. Associamos essa dificuldade aos seguintes fatos: o Brasil está imerso em um forte processo de mestiçagem e envolto em uma politica de branqueamento e com isso há uma lacuna no processo de (auto) identificação como uma pessoa negra o que muitas vezes distância muitos profissionais dessa temática. Com isso também buscamos trabalhar a questão da formação identitária e utilizamos para tal referência a literatura infantil, na busca de identificar de que maneira esse gênero pode nos ajudar a construir uma educação plural sem a reprodução dos esteriótipos racistas da sociedade.

Palavras- chave: Educação das relações étnico-racias, educação infantil, raça, literatura infantil.

1 Este relato de experiência é fruto de um trabalho de conclusão de curso exigido para conclusão do curso de Pedagogia no ano de 2018 que teve como objetivo investigar as práticas de negritude em uma escola de educação infantil, sobretudo na sala de leitura, observando assim a presença ou a ausência de uma literatura infantil afro referênciada.

2 Licenciada em Pedagogia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro/UERJ, especialista em

educação das relações etnico-racias para educação basica pelo Colegio Pedro II e atualmente mestranda no Programa de Pós-graduação em Educação da UERJ (ProPed).

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Introdução

É imprescindível que haja um entendimento da importância de se estudar as relações étnico-raciais nos vários contextos sociais nos quais estamos inseridos e na educação não deve ser diferente, visto que através dela podemos conscientizar e intensificar a necessidade de reconhecermos e valorizarmos as diferenças humanas e culturais já existentes dentro e fora da escola. Porém um padrão já constituído insiste em excluir, silenciar e desprezar as pluralidades e singularidades existentes em alguns sujeitos que já habitam o ambiente escolar retirando-lhes por muita das vezes a oportunidade de construírem e reconhecerem sua identidade e, isso se dá principalmente quando falamos da questão racial, da cultura afrobrasileira e africana construindo uma história única, como apresenta a escritora Chimamanda Adichie: “ a história única cria estereótipos, e o problema com estereótipos não é sejam mentira, mas é serem incompletos. Eles fazem uma história se tornar-se a única história.” ( ADICHIE,2010) Com isso, tentar desconstruir cada vez mais cedo as histórias únicas que vêem sendo contadas torna-se um desafio e, a educação infantil deve ter um papel de extrema relevância nesse processo que não é novo, nem fácil, porém é necessário para uma educação justa e de qualidade para todos.

Além disso a abordagem desse tema justifica-se também pela seguridade dada a partir da diretrizes curriculares nacionais para a Educação Infantil e também a partir da lei 10639/03 que institui a obrigatoriedade do ensino da história e da cultura africana e afro-brasileira,hoje substituída pela 11645/08 na qual se inclui também a temática indígena. A obrigatoriedade de ensinar a cultura afro-brasileira e africana além da história da áfrica foi uma grande luta e também vitória dos movimentos negros no séc XX para a construção de uma nova educação das relações étnico-raciais e com isso a tentativa da reconstrução de uma nova história, diferente das que são

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transmitidas nas instituições escolares contadas apenas pelos olhos do colonizador.

Reorganizar a maneira como ensinamos a história e a cultura afro não deve ser um favor, mas uma tentativa de aproximar crianças e jovens negros e não negros do patrimônio cultural deixados pelo povo afro-brasileiro, é óbvio que fazê-los entender o quanto a nossa sociedade é racista também se faz necessário, mas isso não pode e nem deve ser o suficiente, é preciso resgatar uma história para que também haja um resgate de identidade e isso ainda é pouco valorizado no currículos e nas práticas da educação infantil é preciso sobretudo, ter um compromisso com essa reorganização como afirma Dias.

Trabalhar com diversidade étnico- racial, especialmente na educação infantil, exige sim, que o professor assuma um compromisso ético e político. Apesar de haver nas propostas oficiais recomendações para que as instituições ofereçam esse tipo de conhecimento, sabemos que incluí-lo nas práticas pedagógicas é romper com a lógica da reprodução do racismo institucional. (DIAS, 2012, p.665). O número reduzido de pesquisas sobre a questão racial no contexto da educação infantil mostra também que há um desconhecimento daquilo que a criança pequena é capaz de produzir e também precisamos entender que ser criança pequena em um espaço escolar não a isenta do preconceito racial, e para uma melhor construção de uma educação das relações raciais no âmbito da educação infantil precisamos também ouvi-las e vê-las dentro daquilo que elas podem construir frente a todo esse processo de construção racial identitária a que são expostas.

A literatura por exemplo, pode ser um instrumento na luta por uma boa construção de uma educação das relações étnico-raciais eficiente que não se contente apenas com improvisos ou trabalhos isolados apenas no mês de novembro, mas um compromisso político dos docentes e instituições escolares com disposição para desfazer mentes racistas.

Tradição oral africana

Não nasci rodeada de livros, mas rodeada de palavras. Havia toda uma herança das culturas africanas de contação de histórias. Minha

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mãe fazia bonecas de pano ou de capim para mim e minhas irmãs e ia inventando tramas. Ela recolhia livros e revistas e mostrava para nós, mesmo sem saber ler. Víamos as figuras e inventamos novas histórias. Meu interesse pela literatura nasce daí (Conceição Evaristo, 2016).3

Para muitos povos africanos, a oralidade é a base do processo educativo, e a palavra dita é a ferramenta primordial desse processo. A oralidade, enquanto tradição, foi trazida para o Brasil, por sujeitos negros escravizados e ainda hoje se perpetua, mesmo sofrendo intensas tentativas de apagamento. Ela acontece num processo interpessoal, intergrupal cuja interação entre as pessoas, possibilitou para muitas sociedades existentes na África, a garantia de um aprofundamento dos ensinamentos recebidos e/ou transmitidos, funcionando como um processo contínuo de saber, de educação como descreve Machado

Embora os antigos africanos das mais diversas etnias que foram trazidos para o Brasil não mais existam, o universo cultural que veio com eles permaneceu como memória. A comunicação das chamadas “culturas orais” ou “tradição viva” mantém um processo inter dinâmico, pessoal, integral tão importante quanto a tradição escrita (MACHADO, 2006, p. 84).

Com isso, podemos apontar a tradição oral africana como um aparelho metodológico para a construção de conhecimento e de difusão da cultura de muitos povos da áfrica e, é necessário valorizá-la. É importante entender, que por mais que o ocidente utilize a grafia como instrumento oficial para contar suas histórias. Em outras culturas, outros instrumentos podem ser privilegiadas, como a oralidade e o visual, dessa forma também me atenho aqui aos contos orais , imagens e escritos, pois todos são considerados literatura.

A literatura na (des) construção de uma identidade racial infantil.

Entre os muitos propositos de uma obra literaria emtir uma mensagem é uma delas e, isso não se dá apenas pelo texto escrito, muitas vezes e principalmente no ambito da educação infantil as imagens são por vezes

3CONCEIÇÃO EVARISTO: A LITERATURA COMO ARTE DA ‘ESCREVIVÊNCIA’. Rio de

Janeiro, 11 jul. 2016. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/cultura/livros/conceicao-evaristo-literatura-como-arte-da-escrevivencia-19682928>. Acesso em: 20 nov. 2018.

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responsaveis por gerarem a percepição sobre aquilo que está sendo imaginado pela criança e essas imagens em conjunto expressam os padrões culturais de uma sociedade e a partir delas é possível perceber os valores e crenças que orientam as percepições de mundo. A literatura infatil por sua vez também pode ser considerado um reflexo daquilo que se passa em nossa sociedade, deste modo cabe sempre indagarmos as crianças, qual é o sentimento gerado diante dessas representações, visto que pode ser a partir desse processo que a criança cria opiniões e adquire sentimentos a respeito de si mesma.

A literatura infantil então certamente pode interferir na construção ou desconstrução do processo de formação da identidade das crianças negras, principalmente as que se encontram no espaço escolar e sobretudo na educação infantil. Se analisarmos os livros de literatura infantil reconhecidos como clássicos dificilmente encontraremos a representação de um personagens negros com destaque ou que não seja colocada de forma estereotipada reforçando o racismo existente em nossa sociedade e, ainda a partir desses clássicos conseguimos perceber que há uma padronização daquilo que se acha bonito, bom e aceitavel o que geralemente se encontra em um papel exercido por personagens não negros, criando então duas problematicas uma depreciação do negro e uma extrema valorização do branco, então encontramos ai um problema tanto para criança branca como para a criança negra como afirma a autora Heloisa Lima.

O problema não está em contar histórias de escravos, mas na abordagem do tema. Geralmente, a queixa de crianças negras se sentirem constrangidas frente ao espelho de uma degradação histórica nos alerta que o mesmo mecanismo ensina para a não negra uma superioridade.

(Lima, 2005, p. 104).

Não se pode restringir a literatura o encontro que as crianças tem com esse padrão, está em todos os lugares, na televisão, nos brinquedos e tambéms nas relações interpessoais, há processo histórico já existente onde a narrativa do povo negro é sempre silenciada, com isso há todo um aparato histórico que precisa também ser levado em conta quando se decide estudar o papel da pessoa negra seja criança, jovem ou adulto nas diferentes

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representações sociais existentes, por isso como afirma Lazaro ramos, precisamos desde cedo promover uma política de auto-aceitação.

Inundar uma criança com referências positivas soobre o seu lugar no mundo é o primeiro passo para aumentar sua autoestima. Sempre que uma criança admira as características físicas e a personalidade de um personagem, se indentificando com ele, ela aprende a gostar um pouco mais de si mesma. (RAMOS, 2017, p. 75).

A educação infantil e também a escola, espaço onde a criança começa a descobrir a si e ao outro deve ser um espaço fértil para trabalhar essa temática, pois possibilita precocemente a construção de um conhecimento que represente a diversidade porém, também é na escola que a criança muitas vezes tem seu primeiro contato com com a literatura infantil e muitas vezes é nesse espaço que a criança negra começa a ter o seu primeiro contato com o racismo, sendo estereotipada, desvalorizada muitas vezes excluida e nessa ausência de referencias positivas na vida dessa crinaça seja na família, nos livros e nos lugares onde ela pertece acaba por abrir uma grande lacuna para a não-aceitação de sua origem, daí, entra o papel do professor e de todos os instrumentos possíveis para a construção de uma educação anti- racista.

Desse modo o meu trabalho se inicia a partir da visita a escola de educação infantil da UFRJ, onde a minha pretenção é de observar de que maneira a literatura infantil pode ser um instrumento de manutenção ou de transformação da luta contra o racismo dentro da escola e especificamente em um contexto de EI, desse modo desejo examinar como se fazem presente as diferentes representações da criança negra nos livros de literatura infantil dentro da sala de aula ou nos demais espaços delimitados para leitura no cotidiano como por exemplo a biblioteca.

Sendo assim, desejo a partir do acervo da escola ver como as práticas de negritude se fazem presente e se tais representações ajudam ao professor na desconstrução dos estereótipos já constituídos em cima da imagem de pessoas negras e assim tentar compreender como as crianças reagem diante dessas representações, pois ao longo do trabalho intenciono também compreender como ocorre o processo de formação de identidade infantil, embora já saibamos que durante muito tempo essa

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construção foi pautada sobre um padrão estético branco que reforça o racismo e por muitas vezes a não-aceitação dessa criança em seu perfil étnico-racial. Até porque este processo sempre foi silenciado, conforme apontam as autoras Queiroz e Passos (2015):

Preocupa-nos , para além disso, o silenciamento. Temos percebido que essa produção de invisibilidade tem sido acompanhada, ou substituída, pela produção do silêncio. No caso específico dessa discussão significa dizer que a questão da legitimação dos conhecimentos das populações afro-brasileiras não têm se restringido somente ao aspecto da produção da invisibilidade, mas ao silenciamento desses grupos (QUEIROZ; PASSOS, 2015, p. 141).

Neste sentido, o meu principal foco é tentar compreender se a literatura infantil pode ser tornar uma aliada no processo de uma educação antirracista juntamente com a lei 10639/03 que é um mecanismo legal e de grande importância para a abordagem das questões mais primordiais para uma educação das relações étnico-raciais o ensino da história e das culturas africanas e afro-brasileiras que é o que de fato pode impedir a continuação do silenciamento da história do povo negro como tem sido durante muitos anos dentro da escola.

Apesar de Julio Braz (2017) enfocar que:

A representação de uma personagem negra em um livro para crianças não garante que esse discurso trará noções de pertencimento (afirmação de uma identidade), principalmente porque ronda, ainda, na produção literária de recepção infantil, um discurso de caráter utilitário, vinculado aos padrões moralizantes e pedagógicos, sem comprometimento com o estético. (Braz, 2017, p.76)

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Enfim, acredito que está experiência contribuirá para ampliar o meu conhecimento a respeito do processo que vem sendo estruturado para a conclusão do meu trabalho de curso.

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Referências

BRAZ, Julio Emilio. A literatura de Julio Emilio Braz. In: A tematica da cultura

africana e afro-brasileira na literatura para crianças e jovens. São Paulo:

Cortez, p.69-78, 2017.

DIAS, Lucimar R. Formação de professores, educação infantil e diversidade étnico-racial: saberes e fazeres nesse processo. Revista Brasileira de

Educação, 2012, v 17, nº 51,p 661-674.

LIMA, Heloisa. Personagens negros: Um breve perfil na literatura infanto-juvenil. In: Superando o Racismo na Escola. 2ª edição revisada- Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2005.

MACHADO, Vanda. Tradição oral e vida africana e afro-brasileira. In: Souza, Florentina; Lima, Maria Nazaré (orgs.). Literatura afro-brasileira. Salvador, Centro de Estudos Afro-orientais, 2006.

QUEIROZ, Cláudia Alexandre; PASSOS, Mailsa Carla Pinto Passos. Quando a 4emergências das mangas descola as maçãs: um diálogo com crianças afro-brasileiras e o texto literário. In: Infância, juventude e educação: práticas e

pesquisas em diálogo. Rio de Janeiro: Nau editora, p.133-148, 2015.

RAMOS

, Lazaro. Na minha pele. Rio de Janeiro: Objetiva,

p.75,2017.

Documentos eletrônicos ADICHIE, Chimamanda. O perigo de uma

história única (mimeo) Diponivel em

<http://www.ted.com/talks/lang/pt/chimamandaadichie

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